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Processo n.º 543/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, foi interposto recurso pelo Ministério Público, qualificado como obrigatório pelo Procurador Adjunto a exercer funções junto do tribunal recorrido, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da LTC, da decisão proferida pelo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Lagos, em 29 de dezembro de 2010 (fls. 3 a 5) que, relativamente à contagem dos prazos para requerimento de instrução, determinou o seguinte:
“Segue-se, então, que o termo do prazo de 20 dias a que alude o artigo 287.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, findou no dia 1/09/2010, uma vez que o DL. 35/2010, de 15/04, não tem aplicação em sede processual penal pois que não se verifica qualquer lacuna para aqui aplicar a redação dada por esse diploma ao artigo 143.º do CPC, e ser organicamente inconstitucional o seu artigo 2.º por entroncar com matéria de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais uma vez que não existia qualquer autorização legislativa para o efeito.” (fls. 4)
2. Notificado para tal pela Relatora, o Ministério Público produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
“1. O requerimento de abertura de instrução foi considerado intempestivo, como consequência de se ter entendido que o prazo de 20 dias, fixado no artigo 287.º, n.º 1, do CPP, não se suspendia durante o período compreendido entre 15 de julho e 31 de julho, porque não era aplicável em processo penal o disposto no artigo 143.º, n.º 1, alínea c) e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 35/2010, de 15 de abril.
2. Sendo aquela a ratio decidendi do despacho recorrido, não se vislumbrando nessa decisão uma efetiva desaplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade e constituindo a referência que ali é feita à inconstitucionalidade da norma do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 35/2010, um mero obiter dictum, não deverá conhecer-se do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3. O Tribunal Constitucional, numa jurisprudência uniforme e constante, tem entendido que as normas de processo civil não integram a reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º da Constituição).
4. As normas dessa natureza poderão, no entanto, integrar aquela reserva de competência, se levarem a uma alteração de organização e competência dos tribunais (artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição).
5. Não é, contudo, o que ocorre com a norma do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35/2010, enquanto equipara a férias, para efeitos de contagem e suspensão de prazos legalmente fixados, o período de 15 a 31 de julho.
6. Não sendo, pois, aquela norma inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, deve negar-se provimento ao recurso, caso se conheça do seu mérito.” (fls. 23 e 24).
3. Por sua vez, o recorrido A. apresentou contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“1 — O recorrente entende que não deve ser conhecido o recurso pois falta o pressuposto de admissibilidade que é o de efetiva desaplicação das norma;
2 — Porque o juiz de primeira instância decidiu não admitir o recurso porque entendeu que não se aplica ao processo penal a regulação do processo Civil;
3— O recorrido já sustentou esta posição perante o TR de Évora;
4 — Até porque o legislador superveniente mandou que os efeitos da norma revogada fossem aplicados a todos os processos anteriores;
[5] — Assim, e sem necessidade de mais considerações entendemos que deve ser rejeitado o recurso, ou se assim se não entender julgado que a norma do art. 2° do DL 35/20 10 é constitucional.” (fls. 27)
4. Devidamente notificados para o efeito, os recorridos deixaram expirar o prazo legal, sem que viessem aos autos apresentar qualquer resposta.
5. Posteriormente, em 15 de janeiro de 2012, o recorrido A. viria juntar aos autos cópia não certificada de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do recurso ordinário por si interposto (fls. 32 a 50). Na sequência desta informação, a Relatora proferiu despacho, em 17 de janeiro de 2012 (fls. 51) para que o recorrente viesse aos autos pronunciar-se sobre a manutenção de interesse no conhecimento do objeto do recurso.
Em 23 de janeiro de 2012 (fls. 52 e 53), o Ministério Público viria a reforçar o seu entendimento de que o recurso de constitucionalidade não devia ser conhecido, promovendo apenas que se oficiasse o tribunal recorrido, de modo a obter informação certificada do eventual trânsito em julgado de decisão favorável ao recorrido.
Finalmente, em 14 de março de 2012 (fls. 60 a 67), a secretaria do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos fez juntar aos presentes autos informação certificada, de acordo com a qual foi proferido acórdão favorável ao recorrido, pelo Tribunal da Relação de Évora, que transitou em julgado em 12 de dezembro de 2011.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. Na sequência do trânsito em julgado de acórdão, interposto pelo recorrido, em simultâneo ao recurso obrigatório de constitucionalidade, torna-se incontornável que qualquer decisão a tomar por este Tribunal padeceria de inutilidade processual. Com efeito, ao contrário do que entendeu a decisão de primeira instância, o Tribunal da Relação de Évora entendeu que o n.º 1 do artigo 104º do Código de Processo Penal (CPP) implicava a aplicação do regime de prazos fixados na lei processual civil, por remissão expressa, não se verificando portanto nenhuma lacuna da lei processual penal que devesse ser suprida, ao abrigo do artigo 4º do CPP.
Caso a decisão agora a proferir fosse no sentido da não inconstitucionalidade normativa, estar-se-ia apenas a confirmar decisão favorável ao recorrente. Caso se decidisse pela inconstitucionalidade normativa, certo é que a decisão transitada em julgado proferida pelo Tribunal da Relação de Évora sempre imporia, com fundamento distinto, a improcedência da decisão de primeira instância.
Portanto, com fundamento na inutilidade superveniente da lide, mais não resta do que recusar o conhecimento do objeto do presente recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 28 de março de 2012.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.