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Processo n.º 15/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Município de Caminha interpôs junto do Supremo Tribunal de Justiça recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido em 2 de dezembro de 2008 por aquele mesmo tribunal, na ação ordinária intentada contra Coopetape – Cooperativa de Ensino, CRL.
O Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do Conselheiro Relator, indeferiu o pedido de revisão extraordinária por ter considerado não se mostrarem verificados os seus pressupostos,
O Recorrente arguiu a nulidade deste despacho e, tendo tal requerimento sido indeferido, reclamou para a conferência, nos termos do artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Por acórdão de 15 de dezembro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou os despachos reclamados.
Inconformado, o Município de Caminha recorreu então para o Tribunal Constitucional.
Convidado, de acordo com o disposto no n.º 6, do artigo 75.º-A, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apresentar novo requerimento de interposição de recurso, fê-lo nos seguintes termos:
«MUNICÍPIO DE CAMINHA, nos autos à margem identificados, satisfazendo douto despacho de 23/01/2012, cujo conteúdo se evidencia (arts. 265º, 265º A e 266º do C. Proc. Civil), vem apresentar novo requerimento de interposição de recurso.
Senhores Conselheiros:
MUNCÍPIO DE CAMINHA, nos autos à margem identificados, não se podendo conformar com o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-Dezembro 2011, vem do mesmo interpor recurso para o V. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e com os fundamentos que se seguem:
1.- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b), do nº 1, do art. 70º da L.T. Constitucional: aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
2.- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas C) e E) do art. 771º e art. 772º do C. Proc. Civil, tendo como referência o modo como tais normas foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Tribunal recorrido.
3.- Tal interpretação e aplicação ressaltam da análise conjunta do douto Despacho do Conselheiro Relator e do Douto Acórdão proferido em conferência:
a.- Quando, em ambos os casos, os Doutos Julgadores se recusaram a apreciar a matéria de facto apresentada e atinente ao estatuído nas alíneas c) e e) do art. 771º do C. Proc. Civil.
b.- Quando, em ambos os casos, os Doutos julgadores se recusam a apreciar as questões levantadas pelo Recorrente perante o Conselho Relator.
4.- Tais normas, na interpretação e aplicação que delas deu o Tribunal Recorrido, violam as seguintes normas e princípios:
a- Art. 20º da C.R.P.: acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva necessidade do pedido e de contradição (não admissibilidade de que um juiz possa formular condenações sem que a parte interessada as tenha formulado) + necessidade de causa de pedir (também inventada, aqui, pelo Julgador do S.T.J.).
b.- Art. 208º nº 1, da C.RP. (violação do princípio da fundamentação das sentenças).
c.- Art. 202º da CR.P. (violação do princípio da administração da justiça em nome do povo.
d.- Princípios da legalidade da segurança jurídico e da confiança.
5.- As questões de inconstitucionalidade, acima referidas, foram invocadas perante o SUPREMO, que fora o TRIBUNAL que as praticara neste processo de recurso de REVISÃO por DUAS VEZES:
a.- A PRIMEIRA, quando proferiu o Acórdão de 22-12-2008, quando o Recorrente já não tinha qualquer “articulado” para exercer o “contraditório”, praticando “inconstitucionalidade” em relação às quais o Recorrente já não tinha “recurso normal”.
b.- A SEGUNDA, em sede de recurso de “revisão”, como sendo único meio processual para “atacar” tal Acórdão.
6.- O recurso subirá imediatamente, nos próprios autos, nos termos e com os efeitos do disposto nos arts. 70º nº 1, b), 71º nºs 1 e 2 da L.O.F.P.T.C., 774º nº 3 do C.P. Civil e 78º do primeiro diploma citado.
NESTES TERMOS, requer a V.Exa se digne admitir o presente recurso e feito o mesmo subir com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos legais.»
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No caso dos autos, a recorrente fez constar do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, acima transcrito, que pretende a fiscalização da constitucionalidade das normas constantes das alíneas c) e e), do artigo 771.º e do artigo 772.º, ambos do Código de Processo Civil, «tendo como referência o modo como tais normas foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Tribunal recorrido».
Ora, como vimos, se o que o Recorrente pretende é questionar a conformidade constitucional de determinada ou determinadas dimensões ou interpretações normativas de um dado preceito ou “arco normativo” (neste caso, das alíneas c) e e) do artigo 771.º e do artigo 772.º, do Código de Processo Civil), tem de identificar de forma clara e precisa qual ou quais as interpretações normativas que entendia serem violadoras da Constituição.
O recorrente refere que «Tal interpretação e aplicação ressaltam da análise conjunta do douto Despacho do Conselheiro Relator e do Douto Acórdão proferido em conferência: a.- Quando, em ambos os casos, os Doutos Julgadores se recusaram a apreciar a matéria de facto apresentada e atinente ao estatuído nas alíneas c) e e) do art. 771º do C. Proc. Civil. b.- Quando, em ambos os casos, os Doutos julgadores se recusam a apreciar as questões levantadas pelo Recorrente perante o Conselho Relator.»
Daqui não se extrai que o Recorrente impute o vício da inconstitucionalidade a qualquer critério normativo que tenha sido utilizado pela decisão recorrida como seu fundamento, resultando antes claro que o Recorrente imputa a inconstitucionalidade à decisão em si mesma considerada, ao concreto ato de julgamento de subsunção do caso concreto aos parâmetros constantes das alíneas c) e e), do artigo 771.º, do Código de Processo Civil.
Daí que se conclua que o Recorrente pretende discutir a constitucionalidade do resultado dessa operação de subsunção e não a aplicação de um qualquer critério jurídico, genérica e abstratamente concebido, passível de controlo jurídico-constitucional.
Ora, não existindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa, como acima já se explicou.
Não estando preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão nos seguintes termos:
“3.- A Douta Decisão “sumária” começa por ignorar, quase por completo, o Douto Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que padece de irregularidades/nulidades GRAVISSIMAS, ofensivas das mais elementares normas do Estado de Direito:
a.- NULIDADE, por não ter apreciado questões evocadas pelo Recorrente;
b.- não fundamentação da decisão;
c.- condenação em dois (2) PEDIDOS não formulados pelas partes eventualmente interessadas, com violação dos princípios constitucionais da necessidade do pedido e da contradição;
d.- violação do princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
4- TODAS estas questões levantadas em sede de revisão de sentença,
5.- TODAS elas renovadas neste TRIBUNAL.
6.- com uma OMISSÃO TOTAL de pronúncia do S.T.J. (em relação ao pedido de revisão de sentença), estamos perante uma situação OBSCENA de
DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA.
7.- que, atenta a douta “DECISÃO SUMÁRIA” se pretende consagrar!
8.- Ao contrário do que deste consta, o que aqui está em causa são “questões de DESCONFORMIDADE CONSTITUCIONAL imputada a NORMAS JURÍDICAS e INTERPRETAÇÕES NORMATIVAS,
9.- pois, como é evidente, tinha de haver um CASO EM CONCRETO onde tais questões fossem um CASO EM CONCRETO onde tais questões fossem levantadas.
10.- CONHECEMOS BEM qual é o entendimento do T. Constitucional,
a.- pois, O QUE APRESENTAMOS e APRECIAMOS foi o referido CRITÉRIO NORMATIVO DA DECISÃO,
b.- não se tratando da decisão final em si, mas do MODO DE INTERPRETAÇÃO: este MODO não é outra coisa senão aquele CRITÉRIO NORMATIVO!!!!!!!
TERMOS EM QUE requer que sobre tal decisão sumária recaia douto ACORDÃO como é de Justiça (arts. 77º e segs. da L.T.C).”
Fundamentação
A decisão reclamada não conheceu do mérito do recurso, com o fundamento de que o Recorrente não imputava o vício da inconstitucionalidade a qualquer critério normativo que tivesse sido utilizado pela decisão recorrida como seu fundamento, imputando antes o vício da inconstitucionalidade ao concreto ato de julgamento de subsunção do caso concreto aos parâmetros constantes das alíneas c) e e), do artigo 771.º, do Código de Processo Civil.
Na reclamação apresentada o Recorrente limita-se a dizer que suscitou a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação seguida pela decisão recorrida, sem explicitar qual foi essa interpretação.
Da leitura do requerimento de interposição de recurso corrigido não se descortina a enunciação de qualquer critério normativo utilizado pela decisão recorrida ao qual fosse imputada a violação de parâmetros constitucionais, pelo que, tendo o recurso constitucional no nosso sistema uma natureza normativa revela-se correta a decisão de não conhecer do recurso.
Nestes termos deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo Recorrente.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de março de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.