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Proc. nº 287/97
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs um recurso extraordinário para o plenário do Tribunal de Contas, nos termos da alínea g) do art. 24º da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro, e arts. 6º e 10º, nº 2, da Lei nº 8/82, de 26 de Maio (recurso extraordinário nº 1/90).
Esse recurso foi distribuído e admitido, tendo sido notificados os Ministros interessados e o Ministério Público para se pronunciarem sobre o fundo da questão. Depois, houve despacho a dar vista dos autos a 'todos os Juízes do Plenário Geral do Tribunal de Contas'.
Todavia, veio a 1ª Secção do Tribunal de Contas a proferir acórdão que julgou inexistir oposição de julgados, pressuposto necessário da emissão de acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória, pondo termo ao recurso.
Inconformado, o Ministério Público arguiu a incompetência da 1ª Secção do Tribunal de Contas para conhecer da questão prévia da oposição de julgados no âmbito do recurso extraordinário e, subsidiariamente, manifestou a vontade de recorrer para o Plenário se a 1ª Secção não viesse a julgar-se incompetente, como requerera.
Por acórdão proferido em 24 de Setembro de 1996, a 1ª Secção indeferiu a arguição de incompetência oportunamente deduzida e não admitiu o recurso para plenário.
2. Notificado deste acórdão, o representante do Ministério Público junto do Tribunal de Contas interpôs do mesmo acórdão recurso para o Plenário do Tribunal de Contas, em 3 de Outubro de 1996, afirmando pretender, através do novo recurso, 'estabelecer se a 1ª Secção se podia arrogar a competência para conhecer da oposição de julgados nos termos em que o fez e, tendo-se arrogado, se o MP autor do Recurso Extraordinário tem meios de levar a questão a Plenário' (a fls. 4). Na petição de recurso sustentou que a referida
1ª Secção era, em abstracto, incompetente para conhecer da oposição de julgados no âmbito dos recursos de fixação de jurisprudência, mas considerou que, ainda que, em abstracto, existisse tal competência, sempre ela estaria excluída no caso concreto por se ter formado caso julgado formal quanto ao despacho que anteriormente ordenara que os autos de recurso extraordinário fossem a vistos dos 'Juízes do Plenário Geral' do Tribunal de Contas.
3. Face a este recurso, autuado autonomamente como recurso extraordinário e como tal distribuído, o relator mandou notificar o recorrente para esclarecer, querendo, qual o tipo de recurso que pretendera interpor e com base em que normativos legais (despacho de fls. 22).
O representante da entidade recorrente esclareceu que o recurso interposto havia sido concebido como ordinário, nos termos dos arts. 678º, nº 2, do Código de Processo Civil e 9º, nº 1, da Lei nº 8/82, de 26 de Maio, explicitando que havia sido invocada esta última disposição legal por resultar de tal preceito que só o relator ou o plenário geral tinham competência para, conhecendo da oposição de julgados, pôr termo a um recurso extraordinário, sendo lícito ao Ministério Público utilizar o meio processual de recurso para conseguir submeter a questão ao plenário geral do Tribunal de Contas, independentemente da possibilidade de qualificação desse recurso como extraordinário e da verificação dos pressupostos.
Redistribuído o recurso como ordinário, veio o relator, por despacho de 27 de Novembro de 1996, a rejeitá-lo, por considerar irrecorrível a decisão da 1ª Secção (fls. 28 a 30 vº).
4. A partir da notificação desse despacho, seguiu-se uma tramitação ditada pela vontade do representante do Ministério Público de conseguir obter uma decisão do plenário geral do Tribunal de Contas, e frustrada pela intervenção contrária da 1ª Secção deste Tribunal e do relator do recurso.
Assim, houve, primeiro, um pedido de aclaração do despacho de rejeição do recurso, tendo o representante do Ministério Público inquirido sobre qual o órgão jurisdicional que tutelava o respeito pelo caso julgado no Tribunal de Contas e a legalidade das decisões sobre competência proferidas pelas secções desse tribunal, e afirmando que, a existirem normas no ordenamento do Tribunal de Contas que obstassem à admissibilidade e julgamento desse recurso, tais normas - fossem elas da Lei nº 86/89, da Lei nº 8/82 ou de qualquer outra lei ou regimento - seriam seguramente inconstitucionais, não vinculando o Ministério Público. Nesse requerimento suscitou-se a questão de inconstitucionalidade do
'art. 10º da Lei nº 8/12 e [d]os arts. 766º e 767º' do Código de Processo Civil, por violação dos arts. 9º, alínea b), 20º, nº 1, 205º, nº 2, 207º e 208º, nº 1, da Constituição (a fls. 32 a 35).
Este pedido de aclaração foi indeferido pelo relator, o qual reservou para momento ulterior a apreciação do pedido de submissão da questão de admissibilidade do recurso ao plenário do Tribunal (despacho de 11 de Dezembro de 1996, a fls. 37-38). O representante do Ministério Público veio então
'recolocar', em sede de reclamação, o que constava do requerimento a pedir a aclaração do anterior despacho, indicando que tal reclamação devia ser submetida ao plenário geral do Tribunal de Contas (a fls. 40-41). Através do despacho de fls. 43-45, proferido em 6 de Janeiro de 1997, o relator desatendeu 'a pretensão do Magistrado do Ministério Público de ver, de novo, valorado (por via de reclamação dirigida ao Plenário como refere) os esclarecimentos pretendidos', ordenando que os autos voltassem depois para 'análise do problema de impugnação do despacho onde não se admitiu o recurso impugnado'.
À notificação deste despacho seguiu-se nova arguição da incompetência da 1ª Secção para se pronunciar sobre a legalidade do despacho de rejeição do recurso interposto para o plenário geral, na medida em que o representante do Ministério Público se apercebeu de que a impugnação por ele deduzida fora a vistos dos juízes da 1ª Secção, estando agendado um projecto de acórdão a ser proferido por esta Secção. Nessa arguição considerou que o art.
24º da Lei nº 86/89 não podia obstar à submissão da questão ao plenário geral, resultando das normas citadas pelo requerente e 'dos princípios gerais do processo e do sistema garantístico que aquelas, estes e as normas constitucionais em sede de segurança jurídica, acesso à justiça, estrutura das instituições do Estado de Direito Democrático visam assegurar' que o órgão competente para conhecer da questão era o plenário geral.
5. Através de acórdão proferido em 25 de Fevereiro de 1997, com votos de vencido, a 1ª Secção do Tribunal de Contas manteve o despacho de não admissão do recurso (a fls. 56 a 62).
Notificado desse acórdão, o representante do Ministério Público arguiu a nulidade do mesmo, com fundamento em a decisão ter sido tirada contra o vencimento visto que uma maioria de juízes se pronunciara 'no sentido de a Secção não ser competente para conhecer' do despacho do relator de rejeição do recurso, pelo que não podia a mesma Secção rejeitar o recurso (a fls. 65-66).
Por acórdão de 15 de Abril de 1997, foi julgada procedente a arguição e declarado nulo o acórdão impugnado.
Através de acórdão proferido em 6 de Maio de 1997, de novo por maioria, foi indeferida a reclamação do Ministério Público, mantendo-se o despacho reclamado de rejeição, por inadmissível, do recurso para plenário geral
(a fls. 75 a 81). Considerou-se nesse acórdão que a Lei nº 8/82 não previa a admissibilidade de recurso da decisão da 1ª Secção que julgara não se verificar oposição de julgados, num recurso para fixação de jurisprudência, pelo que não seria admissível tal recurso, solução para que apontava igualmente o novo art.
732º-A do Código de Processo Civil. Pode ler-se neste acórdão:
' Por fim a indagação teorética dum outro problema suscitado. Poder-se-á afirmar que a não admissibilidade [...] legal de recurso de certas decisões jurisdicionais afronta normas e princípios defendidos na Constituição? A resposta tem, em tese, de ser negativa mormente quando reflectida num tribunal com a natureza do Tribunal de Contas. De resto a inconstitucionalidade material dependerá, sempre, da demonstração da existência em concreto dum prévio direito constitucional ao recurso, e da sua violação por lei ordinária.' (fls. 80)
Ainda segundo este acórdão, 'do teor da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro (diploma posterior à Lei nº 8/82, que, por isso, tem de subordinar a sua filosofia àquele texto no que com ele for antagónico) alcança-se com clareza que o Plenário da 1ª Secção tem competência geral para assuntos referenciados ao
«visto prévio» (arts. 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89)'. Por isso, tal quereria dizer, à semelhança do que ocorre com os demais Tribunais (onde se não existir norma expressa a atribuir competência para julgamento de certa matéria à jurisdição especial, tal competência pertence aos Tribunais comuns civis) ser regra de competência em relação a «questões de visto prévio» a que atribui tais funções ao Plenário da 1ª Secção' (a fls. 77-78).
6. Notificado deste acórdão, dele veio o representante do Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da respectiva lei orgânica. Nesse requerimento explicitou o recorrente os fundamentos e objecto do recurso, nos seguintes termos:
' 1. No âmbito do recurso em epígrafe, o Ministério Público pugnou, pelos meios processuais ao seu alcance, pelo reconhecimento de 2 princípios que, emanando de normas estruturantes e gerais do processo e reflectindo nesta sede princípios com dignidade constitucional como os de Estado de Direito Democrático, da segurança jurídica e do acesso ao direito e aos tribunais, considera essenciais para o bom funcionamento de qualquer Tribunal e para a correcta articulação das várias instâncias que o constituem: a) O princípio de que, estando em causa a violação do caso julgado e das regras de competência material e hierárquica, é sempre admitido recurso: b) O princípio de que, interposto um recurso, a sua admissibilidade não pode, em definitivo, ser entregue à instância a quo [...].
4. [...] a) O Acórdão recorrido, suportando-se nos arts. 24º, 25º e 26º da Lei 86/89, 8 SET para fundar a competência da 1ª Secção para conhecer da admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público, faz aplicação inconstitucional dessas normas, não tomando em adequada consideração que o conhecimento, em definitivo, pela instância a quo, da admissibilidade de recurso dirigido a instância mais elevada (o Plenário do Tribunal de Contas) põe em crise normas e princípios gerais de processo, em sede de estrutura das instituições do Estado de Direito Democrático, da segurança jurídica e do acesso à justiça, com tutela nomeadamente, nos arts. 2º, 9º, b), 18º, 20º, 1 da Constituição. b) O Acórdão recorrido, apelando ao art. 732º-A do CPC aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-[A]/95, de 12 DEZ (norma, aliás, inaplicável ao recurso rejeitado quer por se tratar de recurso ordinário, quer porque o recurso extraordinário 1/90 de que ele emerge é anterior a 1/1/97 - ver art. 16º desse Decreto-Lei na redacção do Decreto-Lei nº 180/96, 25 SET) para fundar a inadmissibilidade de recurso que, ao abrigo do art. 678º, 2 CPC, suscitara a violação das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e a ofensa do caso julgado, põe igualmente em crise os princípios e as normas da Constituição enunciados em a); c) O Acórdão recorrido, abstendo-se de conhecer de questões e de normas oportunamente suscitados pelo Recorrente para fundar quer a admissibilidade do recurso quer a incompetência da 1ª Secção para dela conhecer (ver nºs. 6 a 10 das conclusões do recurso a fls. 9 e requerimento de fls. 24, 32, 50 e 65, aqui dados como reproduzidos), sendo essas normas e as injunções que delas decorrem, nomeadamente as normas constitucionais invocadas e os arts. 678º, 2 e 704º CPC,
102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [...], 9º, 1, da Lei 8/82,
26 MAI, 24º h) da Lei 86/89 essenciais para uma boa decisão relativamente aos problemas a resolver pelo Tribunal, é de considerar infundamentado, assim violando também o art. 208º, 1 da Constituição com referência ao art. 158º, 1 CPC. d) O Acórdão recorrido, substituindo uma decisão validamente tomada e que ninguém pôs em causa - a constante do douto Acórdão de fls. 56 ss, de considerar incompetente a 1ª Secção para conhecer da admissibilidade do recurso - por decisão, a ora recorrida, que considera a Secção competente, carece em absoluto de fundamentação e compromete a segurança jurídica, ao arrepio do disposto nos mencionados arts. 208º, 1, e 2º da Constituição, com referência respectivamente aos arts. 158º/1 CPC e 672º e 675º CPC.
5. O Recorrente suscitou ao longo do processo, à medida que havia pertinência em fazê-lo, as inconstitucionalidades que agora quer ver reconhecidas (ponto 7 do requerimento de fls. 32 e preliminar do requerimento de fls. 50), assim cumprindo o previsto no art. 72º, 2 da Lei 28/82.' (a fls. 82 a 85)
Este recurso foi admitido por despacho de fls. 86.
7. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apresentou alegações o representante do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
'
1º Estando em causa uma possível violação do caso julgado formal acerca da competência do tribunal para julgar certo recurso extraordinário, imputada ao
órgão jurisdicional a que cumpre apreciar a admissibilidade do recurso interposto precisamente com este fundamento (ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 678º do Código Civil), deve a reclamação deduzida contra a rejeição de tal recurso ser submetida à apreciação de outra entidade ou órgão jurisdicional, diverso daquele a quem é imputada a referida violação de caso julgado.
2º Na verdade, só por esta forma se assegura a efectiva aplicação do princípio estabelecido do artigo 675º do Código de Processo Civil, como decorrência da regra da intangibilidade do caso julgado, ínsito no princípio do Estado de direito democrático.
3º Constitui solução materialmente infundada, violadora dos princípios da igualdade
(perspectivado como contendo a proibição do arbítrio legislativo) e do Estado de direito democrático, a que se traduza em interpretar as normas constantes dos artigos 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89 como facultando à 1ª Secção do Tribunal de Contas competência para apreciar a reclamação, deduzida para o Plenário daquele Tribunal - órgão jurisdicional a que, na perspectiva do reclamante, o referido recurso extraordinário estava afecto por decisão transitada em julgado.
4º Termos em que deverá proceder o presente recurso, determinando-se a consequente reforma da decisão recorrida.' (a fls. 106-107)
8. Foram corridos os vistos legais.
Começar-se-á por apreciar se o presente recurso pode ser apreciado quanto ao fundo.
II
9. Tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, importa ver se se verificam os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Desde logo se dirá que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso relativamente às questões de constitucionalidade indicadas nas alíneas c) e d) do requerimento de interposição do recurso acabado de transcrever.
De facto, o recurso de constitucionalidade é um recurso respeitante a questões de inconstitucionalidade normativa (arts. 280º da Constituição e 70º da Lei do Tribunal Constitucional). Ora, é manifesto que o recorrente imputa as inconstitucionalidades ao próprio acórdão da 1ª Secção do Tribunal de Contas (o acórdão violaria a Constituição por carecer de fundamentação, quer enquanto alegadamente se teria abstido de conhecer de certas questões e normas utilizadas pelo recorrente para fundar a admissibilidade do recurso e a incompetência do
órgão jurisdicional, quer enquanto teria substituído uma decisão válida por uma decisão inconstitucional). Por outro lado, e decisivamente, a própria entidade recorrente veio restringir nas alegações a matéria de recurso, deixando de fora as questões de inconstitucionalidade referentes ao acto judicial.
No que toca às normas indicadas no requerimento de interposição de recurso cuja inconstitucionalidade é sustentada pela entidade recorrente (arts.
24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89 e 732º-A do Código de Processo Civil, na versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), verifica-se que, já no Tribunal Constitucional, as alegações do recurso não versam a questão da inconstitucionalidade do art. 732º-A, motivo por que, operada tal restrição por quem para tal detinha legitimidade (art. 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional), não há que incluir tal norma no objecto do recurso. De facto, nas suas alegações, o Senhor Procurador-Geral Adjunto interpreta a invocação do art. 732º-A do Código de Processo Civil como uma forma de ilustração feita pelo acórdão recorrido da ideia de que a uniformização de jurisprudência pode ser levada a cabo sem a intervenção de duas instâncias distintas.
Restam, pois, as normas de competência constantes dos arts. 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro.
10. Importa transcrever as normas dos arts. 24º, 25º e 26º que foram aplicadas conjuntamente na decisão recorrida, proferida em 1997.
Embora o referido acórdão se tenha limitado a afirmar que o plenário da 1ª Secção 'tem competência geral para assuntos referenciados no «visto prévio»' e tenha fundado tal competência nos citados arts. 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89, parece que, verdadeiramente, só o primeiro e o segundo daqueles artigos foram directamente aplicados, sendo referido o art. 26º apenas enquanto não prevê competências sobre a matéria de visto. Acrescentar-se-á que a Lei nº
7/94, de 7 de Abril, alterou a redacção da alínea g) do art. 24º daquela Lei nº
86/89, mas aquela lei veio a ser nessa parte revogada pelo art. 1º da Lei nº
13/96, de 20 de Abril, sendo certo que a decisão recorrida foi proferida em Maio de 1997 (aliás, importa notar que a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, é a nova Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, tendo revogado as Leis nºs.
8/82 e 86/89, embora tais revogações não se revistam de relevância no presente recurso, atenta a data da decisão e as fontes aplicadas). Art. 24º (Competência do plenário geral)
' Compete ao plenário geral do Tribunal: a) Emitir parecer sobre a Conta Geral do Estado; b) Apreciar o relatório anual do Tribunal; c) Aprovar os planos de acção anuais; d) Aprovar os regulamentos internos do Tribunal; e) Distribuir os juízes pelas secções especializadas; f) Exercer o poder disciplinar sobre os juízes; g) Fixar jurisprudência mediante assento; h) Apreciar quaisquer outros assuntos que, pela sua importância ou generalidade, o justifiquem.'
Art. 25º (Competência da 1ª Secção)
'1- Compete à 1ª Secção, em plenário: a) Julgar os recursos das decisões das subsecções, designadamente quanto à concessão e recusa de visto e em matéria de envolvimentos e de multas; b) Julgar os recursos das decisões proferidas nas secções regionais dos Açores e da Madeira, em matéria de fiscalização prévia; c) Julgar os recursos interpostos nos termos do artigo 66º do Estatuto Orgânico de Macau, aprovado pela Lei nº 1/76, de 1 de Fevereiro; d) Emitir as instruções a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 9º, no campo da fiscalização prévia;
2- Compete à 1ª Secção, em subsecção: a) Julgar sobre a concessão ou recusa de visto de processos de fiscalização prévia em que existam dúvidas, não havendo acordo entre os juízes que integram a sessão do visto; b) Mandar realizar inquéritos e averiguações relacionadas com o exercício da fiscalização prévia; c) Aplicar multas;
3- Compete à 1ª Secção, em sessão diária de visto, julgar sobre a concessão ou recusa de vistos de todos os processos sujeitos a fiscalização prévia acerca dos quais existam dúvidas, havendo acordo entre os juízes.'
Art. 26º (Competência da 2ª Secção)
'1- Compete à 2ª Secção, em plenário: a) Julgar os recursos das decisões das subsecções; b) Julgar os recursos das decisões proferidas pelas secções regionais dos Açores e da Madeira em matéria de fiscalização sucessiva; c) Decidir sobre os pedidos de anulação de decisões transitadas em julgado, em matéria da sua competência; d) Declarar a impossibilidade de julgamento; e) Emitir as instruções a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 9º, no campo da fiscalização sucessiva.
2- Compete à 2ª Secção, em subsecção: a) Elaborar os relatórios a que se refere o artigo 16º; b) Julgar as contas dos serviços, organismos e entidades sujeitas à jurisdição do Tribunal; c) Julgar as infracções dos serviços em regime de instalação; d) Julgar os processos de fixação dos débitos dos responsáveis, quando haja omissão de contas; e) Mandar realizar inquéritos e averiguações em matéria da sua competência; f) Aplicar multas.'
11. Verdadeiramente, a norma aplicada pela decisão recorrida foi a que dispõe que é irrecorrível para o plenário geral do Tribunal de Contas a decisão do plenário da 1ª Secção do mesmo Tribunal que confirmou a rejeição de um recurso interposto para aquele plenário geral, com fundamento em violação de caso julgado e preterição das regras de competência.
Esta norma - retirada da conjugação dos arts. 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89 pela decisão recorrida - foi impugnada durante o processo pelo representante da entidade recorrente, não obstante alguma flutuação na identificação das normas aplicadas nos sucessivos despachos.
Como sustenta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, nas suas alegações,
'a complexidade da tramitação da causa no Tribunal de Contas' e a
'especificidade dos autos' justificam que se considere 'cumprido o ónus de atempada suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa que constitui objecto do recurso: na verdade - e perante a inquestionável «flutuação» referente à especificação da base legal em que assentava o decidido pela 1ª Secção do Tribunal de Contas - parece que só com o acórdão proferido sobre a reclamação ficou assente que a solução jurídica alcançada se fundava no preceituado nos artigos 24º, 25º e 26º da Lei nº 86/89 (cfr. fls. 77/78): até aí era pertinente e legítima a dúvida sobre se - para alcançar a solução traduzida em cometer ao pleno da 1ª Secção a competência para decidir definitivamente da admissibilidade do recurso extraordinário interposto - aquele Tribunal se fundava nas normas de processo civil, reguladoras do recurso para o Plenário do Supremo Tribunal de Justiça, ou em normas ínsitas na Lei do próprio Tribunal de Contas' (a fls. 93).
De facto, em casos como o dos autos, tem ainda razão o representante da entidade recorrente quando afirma que não é 'razoável impor às partes o ónus de anteciparem, em termos rigorosos e definitivos, quais os precisos «artigos de lei» cuja inconstitucional interpretação funda o recurso de fiscalização concreta interposto - bastando que se especifique claramente a questão jurídico-processual cuja constitucionalidade se pretende efectivamente suscitar, podendo rectificar-se ou corrigir-se a respectiva «base legal» em função do enquadramento que o tribunal «a quo» vá realizando ao longo das diferentes decisões que sucessivamente venha a proferir' (a fls. 94).
Estão, assim, reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, podendo passar-se ao conhecimento do seu objecto.
12. Será inconstitucional a norma de natureza processual aplicada nos autos, como sustenta a entidade recorrente?
Importa analisar, antes de mais, a natureza do Tribunal de Contas, tal como se acha consagrada na Lei Fundamental.
Segundo o art. 214º, nº 1, da Constituição (art. 216º da versão da Constituição em vigor na data de prolação do acórdão recorrido), o Tribunal de Contas é o 'órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e do julgamento das contas que a lei mandar-lhe submeter', dispondo de competências directamente atribuídas pela Constituição (no que se refere ao parecer sobre a Conta Geral do Estado, incluindo a da Segurança Social, ao parecer sobre as contas das duas regiões autónomas e no que toca à efectivação da responsabilidade por infracções financeiras, nos termos da lei) e de competências atribuídas por lei. Diferentemente do que sucede com as chamadas
'ordens' ou 'hierarquias' de tribunais contempladas na Constituição (tribunais judiciais; tribunais administrativos e fiscais; tribunais militares mantidos a título transitório ou a constituir, no futuro, mas apenas 'durante a vigência do estado de guerra'), o Tribunal de Contas é um órgão jurisdicional único, embora possa funcionar descentralizadamente, por secções regionais, e deva ter secções sediadas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (nºs. 3 e 4 do art. 214º da Constituição). O carácter único ou singular do Tribunal de Contas poderia não implicar qualquer estrutura interna de órgãos judicativos entre si hierarquizados, salvo, porventura, no que toca às secções de âmbito regional.
A verdade, porém, é que a lei organiza internamente o Tribunal de Contas, prevendo diversas instâncias e a possibilidade de recursos deduzidos contra decisões proferidas pelas instâncias subordinadas, nomeadamente no domínio da chamada fiscalização preventiva ou prévia (através do visto ou declaração de conformidade). Daí que ainda hoje mantenha plena actualidade a afirmação de António Sousa Franco - escrita antes da publicação da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas em vigor - de que o carácter 'formalmente judicial do órgão configura-se indubitável, tanto nos termos da Constituição que o integra na hierarquia dos tribunais, como nos termos da Lei nº 86/89, que para preservar as suas características deu passos muito significativos', ilustrando esta afirmação com a verificação de que 'o critério do Tribunal ao conceder o visto é sempre um critério de estrita legalidade, nunca um critério de apreciação da oportunidade e conveniência (que poderia caracterizar uma jurisdição voluntária ou um acto administrativo discricionário)' (prefácio à obra de José Tavares e Lídio Magalhães, Tribunal de Contas - Legislação Anotada. Índice Remissivo, Coimbra, 1990, pág. 37).
13. No caso sub judicio - é bom recordar - estava pendente desde 1990 um recurso dirigido ao plenário geral do Tribunal de Contas para fixar jurisprudência em matéria de visto (art. 24º, alínea g), da Lei nº 86/89). A tramitação desse recurso não estava contemplada por esta lei, sendo certo que o seu art. 62º, nº 1, estatuía que 'a tramitação processual e os prazos dos correspondentes actos do tribunal são regulados por lei', sendo publicados na 1ª Série do Diário da República 'os acórdãos que fixam jurisprudência' (art. 63º, nº 1, alínea a), ainda da Lei nº 86/89).
Não tendo a Lei da Reforma do Tribunal de Contas (Lei nº 86/89 citada) revogado expressamente a legislação anterior respeitante a esta jurisdição, devia entender-se que o recurso destinado a uniformização de jurisprudência continuava a ser disciplinado pela Lei nº 8/82, de 26 de Maio, relativa à reapreciação dos actos pelo Tribunal de Contas em caso de recusa do visto (neste sentido José Tavares e Lídio Magalhães, ob cit, págs. 105-106), dada a lacuna de regulamentação da nova lei. De harmonia com o art. 6º da Lei nº
8/82, o conflito de jurisprudência, traduzido em 2 decisões opostas proferidas no domínio da mesma legislação e respeitantes 'à mesma questão fundamental de direito', abria a possibilidade de o Tribunal de Contas fixar jurisprudência por meio de assento. Podia, pois, ser interposto um recurso, qualificado pelo art.
8º como extraordinário, a interpor pelo 'membro do Governo competente ou a requerimento do Ministério Público dirigido ao presidente do Tribunal de Contas no prazo de 2 meses contados da data de concessão do último visto ou da do ofício que haja comunicado a última recusa' (art. 7º). Ainda segundo o art. 9º da Lei nº 8/82, do despacho de indeferimento do recurso extraordinário cabia reclamação para o plenário. Sendo admitido o recurso seguia-se uma fase de alegações destinada à tomada de 'posição quanto ao fundo da questão' por parte de certos ministros, em prazo de 30 dias, correndo simultaneamente prazo de idêntica duração para o visto do Ministério Público. Seguia-se o visto, por 5 dias, a cada um dos juízes e ao presidente, após o que o processo seria julgado em sessão plenária (art. 10º, nºs. 1 e 2, desta Lei).
Se bem se reparar, a Lei nº 8/82 não previa uma tramitação idêntica
à do recurso para tribunal pleno regulado nos arts. 763º a 770º do Código de Processo Civil de 1961, disposições entretanto revogadas pelo Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro. É que, neste último recurso, estavam previstos dois graus de julgamento por instâncias diversas: numa primeira fase ou grau discutia-se apenas a questão prévia relativa à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente a existência de oposição de acórdãos, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão fundamental de direito, intervindo no julgamento apenas um colégio de juízes da respectiva secção cível; decidida a existência de oposição, seguia-se o julgamento do objecto do recurso pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça, o qual não estava vinculado pelo anterior julgamento sobre a verificação da oposição de julgados (art. 766º, nº 3, daquele Código). Em contrapartida, a decisão da secção sobre a inexistência de oposição era definitiva, impedindo a continuação da tramitação.
14. Nos presentes autos, o representante do Ministério Público no Tribunal de contas queixou-se repetidamente de que a 1ª Secção do Tribunal de Contas interviera no julgamento da questão prévia relativa à verificação da oposição de acórdãos ao arrepio da orientação tradicional, 'importando' para o processo no Tribunal de Contas a solução então vigente no processo civil (de certo modo, a 1ª Secção parece ter antecipado a tramitação que veio a ser consagrada na Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, arts. 101º a 103º, em que a questão preliminar é julgada pelo plenário da 1ª ou da 3ª Secção e a questão de fundo é julgada pelo plenário geral, só depois de ter sido decidido em secção que existia oposição de julgados).
Mas ainda que se reconheça que a regulamentação da Lei nº 8/82 não previa expressis verbis a existência de um duplo grau de julgamento no recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência no Tribunal de Contas, não se vê que a adopção por via jurisprudencial de uma tal solução possa acarretar qualquer inconstitucionalidade.
As opções de legislador ordinário ao regular o processo de um determinado ramo de direito são variadas, reconhecendo a jurisprudência constitucional uma ampla liberdade de conformação àquele, desde que esteja garantido às partes o acesso a, pelo menos, um grau de jurisdição. Salvo no que toca ao processo penal, a liberdade de conformação do legislador na estruturação dos pressupostos de recorribilidade das decisões para outras instâncias - quando existentes - tem como limite a observância escrupulosa dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. sobre o sentido desta jurisprudência, por
último, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1997, págs. 376-380; e o acórdão nº 673/95 do Tribunal Constitucional, in Diário da República, II Série, nº 68, de 20 de Março de 1996).
Este entendimento é sublinhado, de resto, nas alegações da entidade recorrente, quando se sintetiza aí a orientação da jurisprudência constitucional:
'... quando a lei de processo preveja que o acesso aos tribunais se possa realizar em mais de um grau, terá o legislador ordinário de abrir a todas essas várias e sucessivas vias judiciárias, garantindo que o direito ao recurso se possa efectivar sem discriminação alguma, designadamente quanto aos economicamente carenciados. Do mesmo modo que lhe não é constitucionalmente lícito estabelecer restrições arbitrárias ou desproporcionadas que eliminem o direito ao recurso em determinados processos ou situações, impondo um regime discriminatório, não legitimado por justificação objectiva plausível - e portanto violador do princípio da igualdade; ou proceder a uma redução intolerável ou arbitrária do direito ao recurso, suprimindo «em bloco» o próprio sistema vigente à data da entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa e, de algum modo, nela implicitamente consagrado através da escalonada previsão de uma hierarquia dos vários órgãos jurisdicionais a que alude a Lei Fundamental.' (a fls. 100)
15. Simplesmente - e como reconhece também o Senhor Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações - no caso sub judicio não está em causa uma questão de eliminação do direito ao recurso com violação da Constituição relativamente ao proferimento de uma decisão que considerou não haver oposição entre duas outras decisões jurisdicionais e, assim, pôs termo a um recurso de uniformização de jurisprudência, evitando uma solução de mérito sobre tal uniformização, mas outra questão de constitucionalidade respeitante à norma que dispõe que é irrecorrível para o plenário geral do Tribunal de Contas a decisão da 1ª Secção do mesmo Tribunal que confirmou a rejeição de um recurso interposto para aquele plenário geral, com certos fundamentos (preterição de caso julgado e preterição de regras de competência).
Exprime-se deste modo o representante do Ministério Público:
' Estando prevista na lei a existência do recurso para Plenário do Tribunal de Contas, fundado na oposição de acórdãos, e institucionalizado este órgão jurisdicional, com competência diferenciada das secções, será compatível com os princípios da Lei Fundamental que a reclamação - interposta pelo reclamante para o Plenário da decisão que não admitiu o recurso - seja definitivamente julgada no âmbito do próprio tribunal «a quo» - a 1ª Secção - sem que seja possível, em nenhuma circunstância, provocar a intervenção do órgão jurisdicional para que se pretendia recorrer (o Plenário Geral do Tribunal)?' (a fls. 100-101)
E, depois de dar conta da orientação acolhida no processo civil, no processo constitucional e no processo penal - que vai no sentido da criação de um mecanismo específico de reclamação para instância diversa (cfr. arts. 688º do Código de Processo Civil, 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional e 405º do Código de Processo Penal, respectivamente) - o alegante reconhece que o funcionamento do regime de 'reclamação' tem suscitado dúvidas quando a sua interposição há-de ser feita num Supremo Tribunal, indicando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo na matéria (acórdão de 23 de Novembro de 1973, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 235, pág. 332), segundo a qual da decisão do relator cabe reclamação só para a respectiva secção e não para a formação plenária, nos termos do art. 700º, nº 3, do Código de Processo Civil aplicado supletivamente, e referindo que orientação diversa é adoptada na prática do Tribunal Constitucional, no que toca à reclamação do despacho do relator que não admite um recurso para plenário.
16. Ora, no que toca às opções por determinada solução de natureza processual a serem tomadas pela jurisprudência para preenchimento de uma lacuna, face ao silêncio da própria lei em diferentes ramos processuais, é intuitivo afirmar que tais opções não parecem pôr em causa, por norma, quaisquer regras ou princípios constitucionais. Está-se num domínio de natureza técnica em que a escolha feita, em geral, não é susceptível de violar princípios constitucionais.
De novo, esta intuição é compartilhada pelo representante do Ministério Público, o qual, porém, chama a atenção para uma circunstância - que reputa de decisiva - verificada no caso concreto:
'... importará ponderar uma especificidade que temos por particularmente relevante para ajuizar da questão de constitucionalidade suscitada: é que - face ao despacho inicialmente proferido pelo relator, admitindo o recurso e determinando que dos autos fosse «dada vista a todos os juízes do Plenário Geral do Tribunal que intervirão no julgamento» - ter-se-á efectivamente formado caso julgado formal, no que toca ao reconhecimento da invocada oposição de acórdãos - e à fixação da competência - para, na fase de julgamento deste recurso extraordinário intervir o Plenário Geral do Tribunal.' (a fls. 103)
E, depois de aludir à solução que consta do nº 2 do art. 675º do Código de Processo Civil (prevalência da decisão que passou em julgado em primeiro lugar), conclui o Senhor Procurador-Geral Adjunto:
' Ora, numa hipótese com esta configuração, interposto recurso - que vem a ser considerado inadmissível - e deduzida reclamação para o Plenário Geral do Tribunal com base precisamente na excepcional recorribilidade do decidido, por ter ocorrido a referida violação de caso julgado, constituiria solução materialmente infundada a que se traduzisse em cometer a competência para apreciar tal reclamação - não ao órgão jurisdicional a quem a mesma é dirigida pelo reclamante e a quem o processo estava afecto - mas ao órgão que - em contradição com o invocado caso julgado formal formado sobre a competência - tratou de «avocar» o processo, arrogando-se a competência para dirimir a reclamação e decidir definitivamente acerca da alegada violação do caso julgado.' (a fls. 104-105)
17. Procederá este entendimento do Ministério Público?
Preliminarmente, tem de analisar-se se a decisão do primitivo relator de um anterior recurso de uniformização de jurisprudência interposto para o plenário geral do Tribunal de Contas, ao ordenar a subsequente ida a vistos dos juízes que o compõem, é susceptível de fazer caso julgado formal, em termos de se dizer que a violação desse despacho por uma subsequente decisão da
1ª Secção desse Tribunal pressupõe uma interpretação dos arts. 24º a 26º da Lei do Tribunal de Contas violadora do princípio da intrangibilidade do caso julgado, princípio que se extrai do princípio do Estado de direito democrático
(art. 2º da Constituição) e do disposto no nº 3 do art. 282º da Constituição
(como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira em passo da sua anotação à Constituição, posição a que adere a entidade recorrente).
Embora não esteja documentado nos autos o despacho em causa, o mesmo
é referido pelo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal de Contas, no requerimento de interposição do recurso que dá origem à decisão recorrida e não é contrariado nas várias decisões proferidas nos autos: tal despacho é manifestamente um despacho liminar de um recurso extraordinário, abrangendo sucessivas decisões
(de admissão do recurso; de notificação dos Ministros interessados para se pronunciarem sobre o fundo da questão, bem como do Ministério Público; de ordenação da vista a 'todos os Juízes do Plenário Geral').
Poder-se-á afirmar que tal despacho, na parte em que manda aos vistos, é um despacho de reconhecimento da oposição de decisões sobre a mesma questão essencial de direito e de reconhecimento da competência para conhecer dessa oposição?
Afirma-o resolutamente a entidade alegante.
Tal afirmação parece, no entanto, criticável, na medida em que implicaria que o plenário geral do Tribunal de Contas ficasse por ela vinculado quanto ao reconhecimento da existência de oposição e quanto à necessidade de tirar um assento uniformizador. De facto, a organização dos diferentes recursos de uniformização existentes no nosso ordenamento não se basta com uma decisão de um juiz único, no momento da admissibilidade liminar do recurso, fazendo intervir nessa matéria sempre um órgão colegial (que pode ser, ou não, o mesmo
órgão que proferirá a eventual decisão uniformizadora - cfr. arts. 766º e 768º, nº 3, do Código de Processo Civil, entretanto revogados; arts. 440º a 442º do Código de Processo Penal; art. 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos; art. 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional). Aliás, no recurso para tribunal pleno eliminado pela reforma de 1995-1996 do Código de Processo Civil, a decisão da secção que reconhecia a existência de oposição de julgados não vinculava o plenário do Supremo Tribunal de Justiça (arts. 767º, nº
3, e 768º, nº 3, da anterior versão do Código de Processo Civil).
Tão-pouco parece crível que o despacho que ordenou a subsequente ida a vistos de 'Todos os Juízes do Plenário Geral do Tribunal de Contas' haja pretendido resolver definitivamente uma questão de natureza processual e até mesmo de competência, susceptível de fazer caso julgado formal. De facto, exclui-se, no direito processual civil, que faça caso julgado formal o despacho de mero expediente (art. 672º do respectivo código) - isto é, o despacho que
'por sua natureza' não admite recurso de agravo, ainda que recaia sobre a relação processual, porque se destina a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo (cfr. art. 679º, nº 2, do Código de Processo Civil, na versão vigente à data de proferimento da decisão recorrida; veja-se hoje o art. 679º do mesmo diploma conjugado com o nº 4 do art. 156º; cfr. ainda o art. 400º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal) - e essa solução é supletivamente aplicável nos ramos de direito que não regulam especificamente a questão, por força de normas remissivas para o regime geral da lei de processo civil. De facto, só forçadamente se pode retirar de um despacho que, manifestamente, se destinou a prover ao andamento regular do recurso, sem pôr em causa a solução de mérito (in casu, o sentido interpretativo que devia resultar da uniformização), o intento de arrumar definitivamente uma questão de competência, a qual pressupunha que o mesmo despacho do relator pudesse fixar a existência de um conflito jurisprudencial.
18. Do que se acaba de referir resulta, por isso, que a interpretação acolhida no acórdão recorrido das normas dos arts. 24º a 26º da Lei de 1989 do Tribunal de Contas - sobre a repartição de competências entre a
1ª Secção e o plenário geral do Tribunal de Contas - é discutível, no plano hermenêutico. Mas não resulta que as normas em causa, na interpretação delas acolhida, violem quaisquer princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da intangibilidade do caso julgado que se pode extrair da conjugação dos arts.
2º e 282º, nº 3, da Constituição (sobre este princípio, veja-se o acórdão nº
352/86 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8º volume, págs 559 e seguintes, versando o caso julgado material; veja-se ainda, M. Teixeira de Sousa, ob cit, págs. 568-569).
Há-de, assim, improceder o presente recurso, visto que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar um entendimento do direito ordinário perfilhado pelo acórdão recorrido, arbitrando um conflito sobre a melhor interpretação de normas de competência e sobre o modo de integração de uma eventual lacuna, que se desenvolveu entre o representante do Ministério Público no Tribunal de Contas e o Juiz relator e que veio a ser definitivamente arrumado pelo plenário da 1ª Secção desse Tribunal.
III
19. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso.
Lisboa, 5 de Março de 1998 Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa