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Proc. nº 19/97 Plenário Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. Em processo que correu seus termos no 1º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, foi o arguido C... julgado como autor de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punível nos termos dos artigos
4º e 16º, nº 1, da Lei nº 34/87, de 16 de Junho, do artigo 1º do Decreto-Lei nº
371/83, de 6 de Outubro, e do artigo 420º do Código Penal, tendo sido absolvido por acórdão de 4 de Agosto de 1993 (fls. 3149 a 3235v).
Ao Supremo Tribunal de Justiça foram submetidos dois recursos, interpostos pelo Ministério Público: o primeiro, interposto por declaração em acta do despacho proferido pelo presidente do tribunal que, deferindo um requerimento do arguido, admitiu a junção aos autos de diversos documentos apresentados pelo mesmo arguido; o outro, interposto da decisão final.
2. Por acórdão de 10 de Fevereiro de 1994 (fls. 3462 a 3473), o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao primeiro recurso e, consequentemente:
- declarou nulos todos os actos e termos do processo, desde a primeira sessão da audiência de julgamento até ao termo de remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça;
- determinou que se procedesse ao desentranhamento dos documentos apresentados pelo arguido, a fim de lhe serem restituídos;
- ordenou a repetição do julgamento do arguido no mesmo tribunal que proferiu a decisão anulada.
O arguido requereu a apreciação de três nulidades processuais daquele acórdão (fls. 3476 a 3488) e interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e no artigo
70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento em recusa de aplicação das normas dos artigos 165º, nº 2, e 340º, nº 1, do Código de Processo Penal (fls. 3490).
3. Por acórdão de 21 de Abril de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a arguição de nulidades (fls. 3502 a 3514).
Deste último acórdão, interpôs o arguido novo recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça às normas dos artigos 416º, 427º e 407º do Código de Processo Penal (fls. 3518 a 3520).
4. Por despacho de 27 de Maio de 1994, o Conselheiro Relator não admitiu os recursos para o Tribunal Constitucional (fls. 3522 a 3524). Esse despacho foi confirmado por acórdão da conferência, de 7 de Julho de 1994.
Apresentada reclamação perante o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei nº 28/82, este Tribunal, por acórdão de 17 de Abril de 1996 (acórdão nº 584/96, Diário da República, II, nº 251, de 29 de Outubro de
1996, p. 15037 ss), decidiu:
'a) - indeferir a reclamação quanto à norma do artigo 165º, nº 2, do Código de Processo Penal; b) - deferir a reclamação quanto à norma do artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal; c) - deferir a reclamação quanto à norma do artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação de julgamento absolutório da 1ª instância; d) - indeferir a reclamação quanto às normas dos artigos 407º e 427º do Código de Processo Penal'.
5. Devolvidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro Relator proferiu o seguinte despacho (fls. 3566 a 3567):
'Normalmente, quando o Tribunal Constitucional declara verificar-se uma inconstitucionalidade, há lugar a uma reunião do colectivo para se proceder à correspondente reformulação da decisão que tenha sido proferida e esteja ferida daquele vício, seja por ter aplicado lei violadora da Constituição, seja por ter feito uma interpretação de um dado dispositivo legal não conforme com a Lei Fundamental. No caso dos autos, das diversas arguições de inconstitucionalidade invocadas pelo recorrente, o Tribunal Constitucional declarou ocorrerem duas:
– a respeitante à interpretação dada por este Supremo ao regime de junção de documentos na audiência de primeira instância;
– e a respeitante à decisão deste mesmo Supremo em relação aos termos do visto inicial do Exmº. Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo subiu a esta instância. No que se refere à indicada em primeiro lugar, parece manifesto que a posição a assumir na sequência do decidido pelo Tribunal Constitucional tem de ter lugar através de uma decisão colectiva, em julgamento neste Supremo. No que diz respeito à referida em segundo lugar, no entanto, e porque respeita a um acto de tramitação processual, prévio em relação à decisão que foi tomada pelo órgão colegial, e da competência originária do Relator, as consequências da declaração de inconstitucionalidade têm de ser retiradas pelo mencionado Relator, não obstante a assunção de não violação dos preceitos constitucionais que sobre ele foi tomada ter sido feita pelo Colectivo, no acórdão de fls. 3502 e seguintes. Ora, se de acordo com o decidido pelo Tribunal Constitucional, a tramitação dos autos subsequente à apresentação do parecer do Exmº Procurador-Geral-Adjunto foi incorrecta, por se não ter assegurado o direito de resposta contraditória do arguido à expressão contida naquele de que o Ministério Público entendia que, a haver lugar a apreciação do fundo, o recurso deveria improceder [assim, no original], é óbvio que se terá cometido uma nulidade que, nos termos legais, afectará todos os actos dela directamente decorram ou que directamente sejam afectados por ela. Nessa medida, anulo o processado posterior à apresentação do parecer inicial do Ministério Público junto deste Supremo, com inclusão do ponto 3 do despacho de fls. 3460v (determinação da ida dos autos à conferência), e dos acórdãos de fls.
3473, e de fls. 3502 a 3514, e atento o sentido expressamente indicado pelo Tribunal Constitucional para o comando do artigo 416º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 184 do volume da reclamação por ele apreciada), de que tal artigo não é inconstitucional quando 'interpretado no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus (aliás, dos arguidos, na terminologia do Código actual, que veio substituir a designação de réus, do Código de 1929, por esta expressão), deve ser dada a estes a possibilidade de responderem' determino a notificação do recorrente para, em 5 dias (artigo 105º nº 1 do Código de Processo Penal), vir alegar, se quiser, relativamente à referida promoção do Exmº Procurador-Geral-Adjunto, de que entendia que, caso o recurso devesse prosseguir, o mesmo não deveria ter provimento [assim, no original].'
C... veio arguir diversos vícios deste despacho, porquanto, na sua
óptica, se trata de 'um acto praticado a non judice, de um acto de usurpação do poder jurisdicional que viola o caso julgado e é, por conseguinte, um acto juridicamente inexistente'.
Também a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, em funções no Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que no acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu sobre a reclamação ainda não fora tomada qualquer decisão de fundo, requereu que se desse cumprimento ao decidido, mandando subir os recursos.
Tendo o Conselheiro Relator indeferido a arguição de nulidades
(despacho de 16 de Setembro de 1996, fls. 3576 a 3580), vieram o Ministério Público e C... requerer que, nos termos do artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, fosse tirado acórdão pela conferência.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Novembro de 1996, confirmou integralmente o despacho reclamado (fls. 3595 a 3596).
6. Deste acórdão foram interpostos recursos para o Tribunal Constitucional pelo Ministério Público e pelo arguido.
O recurso interposto pelo Ministério Público fundamentava-se no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b), e nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional e tinha como objecto 'a interpretação dada aos artigos 666º e 700º, nº 3 do Código de Processo Civil e 77º, nº 1 e 4 da Lei 28/82', que considerava violadora das 'normas dos artigos 205º a 208º,
212º, 223º e 225º, nºs 1 e 3 da Constituição da República'.
O arguido fundamentou o seu recurso nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional – pedindo a apreciação da constitucionalidade, já anteriormente suscitada, das normas do artigo 668º, nº 1, alíneas e) e d), do Código de Processo Civil, – e nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional – relativamente às normas do artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil e do artigo 77º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional [certamente por lapso, indica-se o artigo 74º, nº 4], cuja aplicação teria sido recusada na decisão recorrida.
Ambos os recursos foram admitidos no tribunal a quo (despachos de fls. 3603 e 3610, respectivamente).
7. No Tribunal Constitucional, o anterior Relator elaborou exposição prévia, propondo que o Tribunal não tomasse conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, com fundamento na não verificação dos pressupostos processuais típicos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, concretamente por não ter sido suscitada pelo Ministério Público, durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade normativa, susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Por acórdão de 2 de Abril de 1997 (acórdão nº 272/97, fls. 3632 a
3638), o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público.
8. Admitido, por despacho do anterior Relator, o recurso interposto pelo arguido, seguiram os autos para alegações.
8.1. Nas suas alegações, o recorrente suscitou uma questão prévia relacionada com a não junção aos autos do requerimento de interposição do recurso, pelo Ministério Público, do acórdão absolutório de 1ª instância, pretendendo que o Tribunal Constitucional reconheça que não chegou efectivamente a ser interposto recurso daquela decisão por parte do Ministério Público.
Relativamente ao objecto próprio do recurso de constitucionalidade por ele interposto, o recorrente concluiu as alegações do seguinte modo:
'4ª. Deve o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do nº
1, do artº 280º, da CRP e na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, declarar inconstitucionais as normas constantes do artº 668º, nº 1, alíneas e) e d), do CPC, na interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido, em virtude de ter violado os seguintes princípios constitucionais e normas da CRP: a. da 'obrigatoriedade das decisões dos tribunais' – consignado no artº
208º, nº 2, da CRP; b. da 'competência e hierarquia dos tribunais' – consignado nos artºs 211º, nº 1, 212º, nº 1 e 225º, nºs 1 e 3 da CRP; c. da 'força do caso julgado' – consignado nos artºs 2º, 12º, nº 1, 29º, nºs 5 e 6 e 282º, nº 3, da CRP; d. do 'livre acesso aos tribunais' – consignado no artº 20º, nº 1, da CRP; e. da 'garantia do processo criminal' – consignado no artº 32º, nºs 1 e 7, da CRP;
5ª. Deve ainda o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 1, do artº 280º, da CRP e na alínea a), do nº 1, do artº 70º, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, declarar inconstitucional a norma constante do artº
666º, nº 1, do CPC, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão de que se recorre, e na medida em que se recusou a aplicá-la, tendo assim violado o princípio do respeito pelo caso julgado, acolhido no texto constitucional e aflorado nos artºs 2º, 12º, 29º, nº 5 e 6, e 282º, nº 3, da CRP.
6ª. Finalmente, deve o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto também na alínea a), do nº 1, do artº 280º, da CRP e na alínea a), do nº 1, do artº 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, declarar inconstitucional a norma constante do artº 77º, nº 4, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro [no original, repete-se, por lapso, artº 74º, nº 4], na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, na medida em que se recusou a aplicá-la, tendo deste modo violado o princípio da 'função jurisdicional', consagrado no artº 205º, nºs 1 e 2, da CRP, o princípio da 'independência dos tribunais', consagrado no artº 206º da CRP e o princípio da 'extensão e efeitos do caso julgado já formulado', decorrente do disposto nos artºs 2º, 12º, 29º, nº 5 e 6 e 282º, nº 3, da CRP. E, em consequência, deve o Tribunal Constitucional dar provimento ao presente recurso, anulando o acórdão recorrido e ordenando que seja substituído por outro que mande subir a este mesmo Tribunal os recursos não admitidos pelo STJ mas que o Tribunal Constitucional, deferindo reclamação ao arguido, aceitou a admissibilidade'.
8.2. Por sua vez, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional inicia as contra-alegações pela delimitação do objecto do presente recurso e pronuncia-se no sentido de que, tendo a decisão recorrida
'explicitamente circunscrito o seu âmbito à apreciação das consequências decorrentes do decidido na alínea c) do acórdão proferido sobre a reclamação – na parte em que a deferiu quanto à norma constante do artigo 416º do Código de Processo Penal – não pode naturalmente ter este recurso de constitucionalidade como objecto questões que não foram ainda apreciadas no tribunal a quo'.
Relativamente à questão prévia suscitada pelo recorrente, o Ministério Público entende que 'é evidentemente ao Supremo Tribunal de Justiça que compete apreciar se foi interposto, em termos processualmente correctos e adequados, recurso da decisão final do colectivo – carecendo, naturalmente, o Tribunal Constitucional de competência para sindicar tal matéria'.
Seguidamente, o Senhor Procurador-Geral Adjunto dedica grande espaço
à discussão de uma questão prévia quanto à admissibilidade do presente recurso – a questão de saber se o recorrente tem interesse em agir, face ao efectivamente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A este propósito entende que:
'[...] a douta decisão recorrida – embora com um enquadramento ou qualificação jurídica [...] claramente desfocado e inadequado – poderá ser interpretada como tendo, afinal, realizado, em termos substanciais, uma verdadeira «reparação do agravo» em matéria de processo constitucional: tendo o tribunal a quo – neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça – inferido ou deduzido da fundamentação constante do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional sobre a reclamação deduzida que havia razoável probabilidade de padecer de inconstitucionalidade a interpretação normativa realizada no processo e a que o recurso se reportava – e, note-se, estando em causa questão de natureza estritamente adjectiva (o exercício do contraditório relativamente ao parecer exarado pelo Ministério Público no processo, nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal) – optou, desde logo, por antecipar o suprimento da nulidade processual que admitiu ter sido cometida, facultando logo o contraditório ao arguido. Deste modo, alcançou o recorrente, por esta via processual, de forma integral, o que poderia obter através de admissão do recurso de constitucionalidade e da sua possível e eventual procedência, no que se reporta à questão da possível inconstitucionalidade da norma constante do artigo 416º do Código de Processo Penal. O que conduz a concluir que o mesmo não será, em rigor, quanto a esta questão,
«parte vencida», carecendo consequentemente de «interesse processual» para impugnar a decisão recorrida.'
Concluiu as alegações nos seguintes termos:
'1º. Não incumbe ao Tribunal Constitucional decidir da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do acórdão proferido pelo colectivo, em 1ª instância, por se tratar de matéria absolutamente estranha ao objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade e às competências deste Tribunal, cumprindo naturalmente ao Tribunal 'ad quem', o Supremo Tribunal de Justiça, decidir sobre se tal recurso ordinário foi adequada e tempestivamente interposto pela acusação.
2º. Não integra o vício de 'excesso de pronúncia' a circunstância de, ao apreciar a reclamação deduzida em processo constitucional, o Tribunal Constitucional, na parte do acórdão que contém a fundamentação do decidido apreciar aspectos de índole substancial e de algum modo conexos com a própria questão de mérito a que se reporta o recurso de fiscalização concreta, de modo a poder decidir se estão ou não preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do tipo de recurso interposto, o que – nos recursos fundados na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 – envolve uma apreciação liminar e sumária do respectivo fundamento substancial, com vista a apurar se os mesmos não são 'manifestamente infundados'.
3º. Tendo o Tribunal 'a quo' circunscrito a decisão que proferiu, na sequência do deferimento parcial da reclamação, à apreciação das consequências processuais decorrentes de um segmento do acórdão do Tribunal Constitucional que a decidiu – no caso, a admissibilidade do recurso interposto referentemente à questão da inconstitucionalidade de certa interpretação normativa do artigo 416º do Código de Processo Penal – não pode, em novo recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º, interposto daquela decisão, conhecer-se de outras questões que o Supremo Tribunal de Justiça naquela decisão não conheceu, por entender que havia um nexo de precedência lógico-jurídico, que obstava, para já, a que devessem ser apreciadas.
4º. Embora de duvidosa conformidade com o ordenamento processual em vigor, não viola os princípios constitucionais das garantias de defesa, do respeito pelo caso julgado e da precedência constitucionalmente assegurada ao Tribunal Constitucional no julgamento das questões de constitucionalidade a interpretação de tais normas em termos de conferir ao tribunal 'a quo' – e por um mecanismo processual análogo à reparação do agravo, prevista no artigo 744º do Código de Processo Civil – a possibilidade de reformar a própria decisão recorrida, em sentido inteiramente favorável ao próprio arguido, quando infira dos fundamentos do acórdão que julgou a reclamação que a interpretação normativa inicialmente acolhida se configura como provavelmente inconstitucional.
5º. Carece de interesse processual que lhe permita impugnar tal decisão o arguido a quem é inteiramente favorável a nova decisão proferida no Tribunal 'a quo', reformando o inicialmente decidido em termos de – sem aguardar o julgamento do recurso de constitucionalidade – tirar todas as consequências processuais da inconstitucionalidade normativa suscitada pelo arguido, julgando verificada a nulidade de processo decorrente da interpretação – eventualmente inconstitucional – que se havia começado por realizar do disposto no artigo
416º, facultando-lhe o contraditório referentemente ao parecer exarado no
'visto' do Ministério Público e anulando os termos subsequentes da causa, processados sem o contraditório prévio do arguido.
6º. Na verdade – e através de tal reforma do decidido – o arguido acaba por obter integralmente os resultados que alcançaria através da admissão e da eventual procedência do recurso de constitucionalidade que havia interposto da decisão inicialmente proferida, não se configurando, deste modo, como 'parte vencida'.
7º. Termos em que não deverá conhecer-se do recurso ora interposto.'
8.3. Ouvido sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o recorrente pronunciou-se no sentido de que a mesma não deveria ser atendida por este Tribunal.
II
9. O presente recurso vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Novembro de 1996. Este acórdão foi tirado após reclamação para a conferência, deduzida tanto pelo Ministério Público como pelo arguido, e confirmou o despacho do Conselheiro Relator, de 16 de Setembro de 1996, que indeferiu a arguição (pelo Ministério Público e pelo arguido) da nulidade do despacho proferido igualmente pelo Conselheiro Relator, em 7 de Junho de 1996.
Através deste despacho de 7 de Junho de 1996, o Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, considerando verificada a nulidade processual decorrente da omissão de notificação ao arguido da promoção contida no parecer do Ministério Público emitido ao abrigo do artigo 416º do Código de Processo Penal, anulou 'o processado posterior à apresentação do parecer inicial do Ministério Público junto deste Supremo', incluindo os acórdãos proferidos pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, facultando assim ao arguido o contraditório em relação àquela promoção.
Tal despacho foi proferido na sequência da devolução dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça pelo Tribunal Constitucional, após a decisão deste Tribunal que atendeu em parte a reclamação deduzida pelo arguido (acórdão nº
584/96, de 17 de Abril de 1996). O despacho em causa interpretou o acórdão do Tribunal Constitucional, não como um acórdão que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso com certos fundamentos, quanto a certas normas (e, no caso, sobre a não admissibilidade do recurso com certos outros fundamentos, quanto a certas outras normas), mas como um acórdão que se tenha pronunciado directamente sobre a inconstitucionalidade das normas que o arguido pretendia viessem a constituir objecto de recurso de constitucionalidade e que o Supremo não tinha admitido.
Assim, lê-se no despacho:
'No caso dos autos, das diversas arguições de inconstitucionalidade invocadas pelo recorrente, o Tribunal Constitucional declarou ocorrerem duas:
– a respeitante à interpretação dada por este Supremo ao regime de junção de documentos na audiência de primeira instância;
– e a respeitante à decisão deste mesmo Supremo em relação aos termos do visto inicial do Exmº Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo subiu a esta instância.'
Após esta referência, o Conselheiro Relator, invocando razões de repartição de competência – entre o relator do processo e o órgão colegial – e invocando também razões relacionadas com a sequência da tramitação dos actos processuais, profere decisão sobre a questão que, sendo, em sua opinião, da competência originária do relator, é prévia em relação à outra questão que vier a ser tomada em julgamento pelo Supremo Tribunal de Justiça. Isto é, o Conselheiro Relator, partindo do princípio de que o Tribunal Constitucional decidiu que a tramitação dos autos subsequente à apresentação do parecer do Ministério Público foi incorrecta, por se não ter assegurado o direito de resposta ao arguido, conclui existir uma nulidade susceptível de afectar os actos posteriores e anula o processado posterior ao visto do Ministério Público no Supremo.
10. No presente recurso, o recorrente pretende, com fundamento nos artigos
280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça às normas do artigo 668º, nº
1, alíneas e) e d), do Código de Processo Civil.
Com fundamento nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e
70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente pretende que este Tribunal aprecie a recusa de aplicação, na decisão recorrida, das normas do artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil e do artigo 77º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na perspectiva do recorrente, este recurso de constitucionalidade assenta no pressuposto de que a decisão recorrida 'não cumpriu' o acórdão do Tribunal Constitucional nº 584/96, de 17 de Abril de 1996.
Tanto assim é que, simultaneamente, o arguido, considerando que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça tem como efeito a retenção do recurso admitido pelo referido acórdão nº 584/96, deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto na lei em geral e, em particular, nos artigos 76º, nº 4, e 77º da Lei nº 28/82' (que constitui objecto dos autos de reclamação nº 99/97 deste Tribunal, entretanto apensados aos presentes autos).
O que o recorrente pretende, afinal, através da utilização de diferentes meios processuais, é que venha a ser decidido pelo Tribunal Constitucional o recurso de constitucionalidade por ele anteriormente interposto e já admitido, em parte, por este Tribunal – quanto às normas dos artigos 416º e
340º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Ora, no acórdão proferido no processo nº 99/97 – acórdão nº 748/98, de 17 de Dezembro de 1998, já transitado em julgado –, o Tribunal Constitucional decidiu atender na totalidade a reclamação deduzida pelo arguido contra a situação de retenção do recurso de constitucionalidade por ele interposto e admitido por este Tribunal (pelo acórdão nº 584/96, de 17 de Abril de 1996).
Atenta a função instrumental reconhecida, em geral, ao recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade normativa quando a decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento da questão de mérito discutida no processo (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal, nº 257/92, Diário da República, II, nº 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6448 ss, p. 6452, e nº 440/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., p. 319 ss, p. 326).
Assim, tendo em conta a finalidade pretendida pelo recorrente, e considerando o acórdão proferido nos autos de reclamação nº 99/97, deixou de ter interesse a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional neste processo. Ou, por outras palavras, o presente recurso de constitucionalidade tornou-se supervenientemente inútil.
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide julgar extinto o presente recurso.
Lisboa, 26 de Janeiro de 1999- Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vitor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida