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Proc. nº 814/98 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – J..., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal do acórdão da Relação de Coimbra de fls. 57 e segs. que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Judicial de Pombal que lhe aplicou a coima de
60.000$00 e a inibição de conduzir pelo período de dois meses pela prática da contra-ordenação ao disposto no artigo 69º nº. 2, alínea d) do Código da Estrada.
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1. 'O recorrente, interpôs recurso para o Tribunal Criminal da Comarca de Pombal, da Contra-Ordenação que lhe foi aplicada pelo Exmo. Sr. Governador Civil de Leiria, e alegou conforme consta de fls.;
2. Porém, conforme consta de fls. a Meritíssima Juíza, decidiu manter a decisão antes proferida pelo Exmo. Sr. Governador Civil de Leiria;
3. O recorrente 'nos termos do artigo 14º do Decreto-Lei nº. 17/91, de
10/1, e da alínea b) do artigo 401º 'ex vi' artigo 399º do Código de Processo Penal e Código da Estrada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra'.
4. O recorrente concluiu do seguinte modo:
'Termos em que, se requer a V. Exas. a REVOGAÇÂO da sentença, por ser de JUSTIÇA, Devendo declarar-se inconstitucional o artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de
27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, por violação do artigo nº. 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa'.
5. Por Acórdão de fls., foi deliberado negar provimento ao recurso;
6. O recorrente entendia que a prescrição já se operava, requereu, nos termos da alínea b) do artigo 669º do Código Civil, aplicável por força do artigo 4º do C.P.P., requerer a V. Exas., a reforma do Acórdão de fls.;
7. Por Acórdão de fls. foi indeferido o requerido;
8. O recorrente está em tempo para interpor o presente recurso;
9. O artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, não permite, requerer os autos da audiência escrito;
10. Daí o recorrente, não poder utilizar os meios previstos no artigo 364º do C.P.P.;
11. Dúvidas não existem, de que o artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de
27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, é inconstitucional, por violação do artigo nº. 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
12. E, viola também, o nº. 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, porque esta norma Constitucional dispõe: 'Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa';
13. Dúvidas não existem que o artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, é inconstitucional, bem como o artigo 67º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10, com as alterações subsequentes, são Inconstitucionais por violação do artigo 13º e o nº. 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa; Nestes termos e nos melhores de Direito, Requer-se a V. Exas. A.1) A matéria constante do artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99; é inconstitucional, bem como o artigo 67º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10; A.2) A matéria constante do artigo 67º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10; Por violação do artigo 13º e o nº. 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa'.
Em contra-alegações, concluiu o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
1º - 'A norma constante do artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82, ao não permitir a redução a escrito da prova produzida em audiência no processo contra-ordenacional, como decorrência, desde logo, de os poderes cognitivos da Relação apenas comportarem matéria de direito, é plenamente compatível com o princípio consignado no nº. 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
2º - Termos em que deverá ser julgado manifestamente improcedente o presente recurso.' Colhidos os vistos legais cumpre decidir:
2 – As questões de inconstitucionalidade que o recorrente suscita reportam-se às normas contidas nos artigo 66º e 67º do DL nº. 433/82. Há, desde já, que afastar do conhecimento deste tribunal, as normas ínsitas no artigo 67º do DL nº. 433/82 que regulam a participação do arguido na audiência de julgamento em processo de contra-ordenação. Isto pela simples razão de o recorrente nunca ter suscitado uma tal questão, quer no recurso que interpôs da decisão administrativa de aplicação de coima, quer no recurso para a Relação de Coimbra em que impugnou a decisão judicial de
1ª instância, quando o artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei 28/82 exige, como requisito de admissibilidade do recurso, que a inconstitucionalidade da norma em causa tenha sido suscitada 'durante o processo'. No que concerne à norma constante do artigo 66º do DL nº. 433/82, a impugnação dirige-se ao seu segmento final onde se prescreve que, na audiência em 1ª instância, não há lugar 'à redução da prova a escrito'; esta norma ofenderia, segundo o recorrente, os artigos 13º e 32º nº. 8 da CRP. Em vão, porém, se procura, quer no requerimento de interposição de recurso, quer nas alegações, qualquer traço da invocação de inconstitucionalidade da referida norma por ofensa do artigo 13º da CRP. E nada também disse o recorrente a este propósito no recurso interposto da decisão judicial de 1ª instância para a Relação de Coimbra. Não seria, esta, razão bastante para recusar a apreciação da constitucionalidade do comando legal, face ao princípio da igualdade consagrado naquele artigo 13º, dado o disposto no artigo 79º-C da Lei 28/82. Simplesmente, por força desta última disposição o apelo a 'fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada' deve o Tribunal Constitucional fazê-lo se e quando tais normas ou princípios forem ofendidos pela norma arguida de inconstitucional. E, no caso, não se vislumbra qualquer relacionamento possível do princípio da igualdade com a norma ínsita na parte final do artigo 66º do DL nº. 433/82.
3 - Restará, pois, apreciar a (des)conformidade da norma face ao disposto no artigo 32º nº. 1 da CRP, sendo certo que, no respeitante ao nº. 8 (nº. 10, depois da revisão de 97) também só no recurso para este Tribunal o recorrente o diz infringido. Tudo o que o recorrente alegou (repetidamente) a este propósito está no trecho que a seguir se transcreve:
'O artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de 27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, não permite, requerer os autos da audiência escrito'. Daí, o recorrente, não poder utilizar os meios previstos no artigo 364º do C.P.P. E, estar sujeito à apreciação da matéria de facto da forma em que a Meritíssima Juíza 'a quo', na 1ª instância, a apreciou. Mas, dúvidas não existem, de que o artigo 66º do Decreto-Lei nº. 433/82 de
27/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº. 244/95 de 14/99, é inconstitucional, por violação do artigo nº. 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. E, viola também, o nº. 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, porque esta norma Constitucional dispõe: 'Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa'. Em suma, pois, o recorrente entende que a não redução da prova a escrito (a) impede-o de utilizar o procedimento estabelecido no artigo 364º do CPP e (b) obriga-o a aceitar a matéria dada como provada pelo juiz de 1ª instância. Estas seriam as razões que fundamentam a alegação da violação do artigo 32º nºs.
1 e 8 da CRP, na versão de 89, ou do mesmo artigo nºs. 1 e 10, na redacção de
97. Que dizer? Em primeiro lugar, que é incompreensível a primeira razão. Com efeito, o artigo 364º do CPP dispõe que, em tribunal singular, o defensor ou o advogado do assistente podem declarar, até ao início das declarações do arguido previstas no artigo 343º, não prescindir da documentação em acta das declarações prestadas oralmente em audiência. Ou seja, em tribunal singular não vigora a proibição absoluta da redução a escrito da prova produzida em audiência. Ora, se o artigo 66º do DL nº. 433/82 proibe a documentação em acta da prova,
óbvio é que o arguido a não pode requerer Deste modo, dizer que uma norma impeditiva da redução a escrito da prova obsta a que esta seja requerida é mera tautologia e não constitui razão ou fundamento de violação de garantias de audiência e defesa do arguido. Quanto à segunda razão, deve antes de mais observar-se que o recorrente não questiona a constitucionalidade do artigo 75º nº. 1 do DL nº. 433/82 que limita, em princípio, os poderes de cognição da 2ª instância, em sede de recurso, à matéria de direito. Ora, o registo da prova produzida em audiência, vedado pelo artigo 66º do DL
433/82, não releva em si, mas enquanto meio que permite ou facilita o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso; mas, não impugnada a constitucionalidade da norma que apenas confere ao tribunal de 2ª instância poderes de revista, o juízo de constitucionalidade relativo ao artigo 66º do DL nº. 433/82 terá que cingir-se à norma em causa em confronto com as regras constitucionais apontadas pelo recorrente, sem qualquer relacionamento valorativo com a inerente limitação que o seu conteúdo perceptivo implica em matéria de reapreciação da matéria de facto.
É que se eventualmente o tribunal entendesse que a proibição de registo da prova infringia as garantias de defesa do arguido isso só teria utilidade se viesse a declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 75º nº. 1 do DL nº. 433/82, o que lhe é vedado pelo princípio do pedido. Admite-se que o recorrente pretendesse impugnar a constitucionalidade da norma em tal perspectiva; simplesmente teria que integrar essa norma num complexo que abrangesse, expressamente, o artigo 75º nº. 1 do DL nº. 433/82, o que não fez. Na dimensão que, por força da limitação do pedido, o tribunal terá que considerar, a norma ínsita no artigo 66º (parte final) do DL nº. 433/82 não viola o artigo 32º nºs. 1 e 8 da CRP, na versão de 89, ou do mesmo artigo nºs. 1 e 10, na redacção de 97. Reduzida ao seu valor em si, não se vê como o não registo da prova produzida em audiência, no processo de contra-ordenação, viole qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente tutelada, sendo certo que o recorrente não concretiza qual ela seja. Trata-se, na verdade, de uma opção legítima do legislador ordinário ajustada ao princípio da celeridade e à natureza do ilícito em causa, sem quebra dos direitos de defesa do arguido. Registar ou não a prova produzida é, em si mesmo e no confronto com os direitos de defesa do arguido em audiência, irrelevante; o juízo que o julgador de 1ª instância faça, em matéria de facto, sobre essa prova não se determina por princípios diversos consoante a prova é ou não registada. Daí que o próprio recorrente só aponte para uma suposta inconstitucionalidade da norma enquanto esta impede o controle da prova por outro grau de jurisdição, o que - vimos já – é vedado por outra norma (a do artigo 75º nº. 1 do DL nº.
433/82) cuja (des)conformidade constitucional não poderá ser apreciada por este Tribunal. Em suma, pois, a norma ínsita na parte final do artigo 66º do DL nº. 433/82 não viola o artigo 32º nºs. 1 e 8 da CRP, na versão de 89, ou do mesmo artigo nºs. 1 e 10, na redacção de 97.
4 - Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 19 de Janeiro de 1999- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa