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Procº nº 187/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrentes, J. R. e R. R. e, como recorrido, o Município de Almada, lavrou o relator, de fls. 431 a 436, decisão sumária com o seguinte teor:-
1. J. R. e R. R. intentaram pelo Tribunal de comarca de Almada e contra o Município de Almada providência cautelar de restituição provisória de posse. Por decisão de 12 de Junho de 1992, proferida pelo Juiz do 3º Juízo daquele Tribunal, foi o mesmo julgado incompetente em razão da matéria, razão pela qual o réu veio a ser absolvido da instância. Do assim decidido agravaram os requerentes para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 7 de Julho de 1993, concedeu provimento ao agravo. Prosseguindo o processo seus termos, e após variadíssimos incidentes processuais, por decisão de 30 de Março de 1995, foi indeferida a peticionada providência cautelar, o que motivou que os requerentes recorressem para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 26 de Setembro de 1996, negou provimento ao recurso. Desse acórdão recorreram os requerentes para o Supremo Tribunal de Justiça, solicitando, a dado passo, no requerimento consubstanciador da sua vontade de recorrer, que fosse extraída e remetida oficiosamente ao Conselho Superior da Magistratura certidão de todo o processado, para efeitos de procedimento disciplinar contra os Juízes do Tribunal de comarca de Almada, 'prevaricadores e responsáveis por tamanha e escandalosa delonga processual'. O Desembargador Relator da Relação de Lisboa, por despacho de 23 de Outubro de
1996, após admitir o recurso, indeferiu aquela solicitação, dizendo que o referido Tribunal de 2ª instância não exercia censura sobre eventuais atrasos que fossem imputados aos juízes da 1ª instância, sendo que os requerentes, se o desejassem, poderiam, eles mesmos, desencadear os mecanismos tendentes à responsabilização disciplinar de tais juízes. Desse despacho, na parte em que indeferiu a requerida extracção oficiosa de certidão, reclamaram os recorrentes para a conferência. Por despacho de 8 de Janeiro de 1997, prolatado pelo citado Desembargador Relator, foi considerado deserto o recurso, dado que os J. R. e R. R. não apresentaram alegações. Desse despacho reclamaram os recorrentes para a conferência. A Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Junho de 1997, confirmou os despachos sob reclamação proferidos pelo Desembargador Relator. Do acórdão de 12 de Junho de 1997, na parte em que foi confirmado o despacho do Desembargador Relator que julgou deserto por falta de alegações o recurso do acórdão da Relação de Lisboa tirado em 26 de Setembro de 1996, agravaram os requerentes da providência para o Supremo Tribunal de Justiça. Na alegação que, a propósito, produziram, disseram, inter alia, no seu teor, e apresentaram as seguintes conclusões: -
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4. Refere a 2ª Instância que o despacho que julgou deserto o recurso interposto pelos requerentes foi proferido a 8.1.97; que aquele recurso, por sua vez, havia sido admitido por despacho proferido a 23.10.96; e que, há muito, havia decorrido o prazo de 8 dias, a que se reportam os arts. 760º e 763º do CPC, sem que as alegações tivessem sido apresentadas, pelo que o recurso foi julgado deserto, por força do disposto no artº 291º/2/ do CPC. Ora, esta última análise peca por ser desnecessária e ilegalmente redutora, já que não tem em consideração o disposto nos arts. 291º/3/ e 670º do CPC.
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............................................. ............................. O entendimento do Acórdão em crise é incompaginável com os princípios informadores do Estado de Direito Democrático e briga com os deveres de informação, cooperação e colaboração que o Estado assumiu e que a Administração da Justiça não pode denegar aos cidadãos recorrentes.
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6. CONCLUSÕES Primeira A reclamação dos autos constitui um incidente (arts. 666º/2/, 669/1/2 e 670º do CPC), contrariamente ao defendido no Acórdão de 12.6.97, que é ilegal e deve ser revogado. Segunda Tendo surgido a reclamação incidental de fls. 375 a 378 com efeito suspensivo, e estando ainda pendente tal incidente, o recurso não podia ser julgado deserto, pelo que o Acórdão recorrido contrariou o disposto no artº 291º/3/ do CPC e, como tal, deve ser revogado, pois tal recusa de aplicação de lei expressa, viola os comandos dos arts. 18º e 205º da Lei Fundamental. Terceira Assim, o prazo para alegações do recurso admitido a fls. 370 ficou interrompido devido à referida reclamação, não sendo possível alegar sem estar resolvida primeiramente a reclamação, pois a 2ª parte do Despacho está conexionada com a
1ª e forma um todo incindível em sede de alegações. Quarta O Acórdão recorrido não está fundamentado de direito e preteriu a teorização da temática do incidente, pelo que é nulo de harmonia com o artº 668º/1/b/d/ do CPC?.
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 5 de Fevereiro de 1998, negou provimento ao recurso, tendo, para tanto, em síntese, argumentado que o despacho que indeferiu a extracção oficiosa de certidão a enviar ao Conselho Superior da Magistratura e que foi objecto de reclamação para a conferência era distinto daqueloutro que admitiu o recurso interposto para o nosso mais alto tribunal da hierarquia dos tribunais judiciais do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Lisboa em 26 de Setembro de 1996, razão pela qual aquela reclamação não se poderia considerar como um incidente suspensivo do despacho admissor do recurso. Notificados deste aresto, recorreram os requerentes para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com vista à apreciação da 'ilegalidade/inconstitucionalidade' 'do artº 291º/3/ do CPC, com o sentido restritivo/redutor que contraria o disposto nos arts. 18º e 205º da Lei Fundamental', tendo o acórdão desejado impugnar recusado 'a aplicar lei expressa'. O recurso veio a ser admitido por despacho de 26 de Fevereiro de 1998, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
3. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A do mesmo diploma, a presente decisão sumária. Efectivamente, em primeiro lugar, torna-se, de todo em todo, inquestionável que o acórdão ora impugnado não recusou a aplicação da norma constante do nº 3 do artº 292º do Código de Processo Civil, designadamente com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado. Isto é quanto basta para se concluir pela inadmissão do vertente recurso.
3.1. Mas, ainda que se concedesse ? o que se não concebe ? que o recurso pretendido interpor o foi estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, haveria, nessa suposição, que referir que, desde logo, seria altamente duvidoso sustentar-se que o acórdão sub specie fez aplicação do aludido normativo. De facto, como deflui do acima exposto, o que o acórdão intentado pôr sob censura deste Tribunal entendeu foi que o despacho do Desembargador Relator da Relação de Lisboa que não deferiu a peticionada extracção oficiosa de certidão e que foi objecto de reclamação para a conferência, era algo distinto do despacho que admitiu o recurso, não tendo, sobre este último, recaído qualquer reclamação ou incidente com efeito suspensivo. Daí que se não pudesse visionar que, relativamente e este despacho, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tenha convocado, como razão jurídica do decidido, a norma em apreço, da qual, aliás, nunca os ora recorrentes indicaram qual seria o sentido que entendiam como inconstitucional e qual o sentido interpretativo com o qual, em concreto, teria sido aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Por isso, e mesmo na equacionada suposição, não poderia ser admitido o recurso; e, porque o mesmo veio, afinal, a ser admitido, dele não deveria este Tribunal conhecer. Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento do recurso.'
2. Da transcrita decisão reclamaram os recorrentes para a conferência, dizendo que a mesma:-
'contraria Despacho de admissão de recurso do Exmo. Conselheiro-Relator do STJ Lx e desvirtua, de forma ininteligível, o teor do requerimento de recurso interposto em 18.2.98 (Cfr. pág. 434, §§ 2 e 5). O recurso foi interposto ao abrigo da alínea c do nº 1 do artº 70º da LTC, pelo simples facto de haver recusa na aplicação do artº 291º/3/ do CPC. Mas a decisão sumária estriba-se na norma do nº 3 do artº 292 do CPC, que não foi convocada pelo recorrente e que nada tem a ver com a recusa de aplicação do artº 291º/3/ do CPC. Também não se percebe qual é o CPC que é referenciado na decisão sumária, pelo que esta atinge um elevado grau de obscuridade/ambiguidade. A inintelegibilidade da decisão sumária em crise é patente'. Cumpre decidir.
3. A reclamação em apreço é claramente improcedente. Na verdade, o acórdão que se pretendeu impugnar perante este Tribunal não recusou a aplicação de qualquer normativo com base numa sua ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, designadamente o artº 291º, nº 3, do Código de Processo Civil, sendo certo que, de todo o modo, os recorrentes nem sequer invocam qual seria essa lei dotada de superior valor. De outra banda, e de harmonia com o disposto no nº 3 do artº 76º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, é inquestionável que o despacho admissor do recurso de fiscalização concreta não vincula este Tribunal, pelo que, neste particular, é inconsequente o que é referido na peça consubstanciadora da vertente reclamação. Por último, e admitindo-se ter havido mero lapso de escrita na indicação, na decisão sumária sob reclamação, do artº 292º, nº 3, do Código de Processo Civil, quando se desejava referir o artº 291º, nº 3, do mesmo diploma adjectivo, é
óbvio que ela se reportava a esse corpo de leis na redacção emergente dos Decretos-Leis números 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro, o que se torna óbvio tendo, desde logo, em atenção que o artº 291º do mesmo Código, antecedentemente àquela redacção, não comportava qualquer nº 3. Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se os reclamantes na taxa de justiça, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Bravo Serra Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira José Manuel Cardoso da Costa