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Proc. nº 774/95
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. J... requereu ao Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, nos termos dos artigos 82º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (L.P.T.A.), a intimação do Presidente da Câmara Municipal do Porto para passagem de certidão de documentos.
Em sentença de 5 de Junho de 1995, o Tribunal indeferiu o pedido. Fundou-se em que o requerimento dirigido à Câmara Municipal do Porto não indicava o fim a que se destinavam os documentos, designadamente, se serviam 'à utilização dos meios administrativos e/ou contenciosos', e, por outro lado, na inutilidade superveniente da lide, considerando que o interessado vira já satisfeita a sua pretensão.
Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitando o recorrente a questão de constitucionalidade da
'interpretação restritiva' que essa decisão fizera 'das normas do artigo 82º da L.P.T.A. e dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º e 15º da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto', na parte em que 'exigem a indicação de um concreto fim específico e/ou a demonstração da existência de nexo causal entre o pedido e o uso de meios administrativos ou contenciosos'.
O Supremo Tribunal Administrativo, em acordão de 26 de Setembro de
1995, decidiu julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide:
'(...) Perante estes factos, uma interrogação ter-se-á desde já que formular: o requerente viu ou não já satisfeita a pretensão que endereçou à entidade requerida e ora recorrida através do citado requerimento datado de
13-1-95?
A resposta a esta questão só pode ser afirmativa.
Todos os documentos de que impetrava fotocópia em tal requerimento lhe foram facultados e certificados, e por si pessoalmente consultados, o que aliás o próprio requerente confessa. A única contestação do interessado cinge-se
à circunstância de alegadamente lhe haver sido entregue inicialmente uma mera fotocópia de fotocópia, que não a fotocópia do original do aludido 'termo de responsabilidade'.
Ora, a entidade requerida emitiu uma fotocópia onde faz exarar pelos serviços que a mesma se encontrava 'conforme o original' e, ainda que esse invocado original não se encontrasse nomeadamente junto ao processo administrativo respectivo mas apenas a respectiva fotocópia , nem assim a correspondente força probatória, informatória ou meramente consultiva poderia ser questionada. Na realidade, as certidões de certidões bem como as fotocópias de documentos têm a sua força probatória assegurada nos termos da lei geral - conf. artºs 383º a 387º do C. Civil, ponto sendo que o seu confronto com o original possa sempre ser efectuado. Isto para além de que o acesso aos documentos administrativos se pode exercer não só por certidão como também por reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual ou sonoro - conf. artº 12º da L 65/93 de 26/8.
Mas ainda na esteira do Ac. desta Secção de 2-5-91 in Proc. 29.345, o pedido de passagem de certidão a que se reporta o Artº 82º da LPTA tenha como pressuposto que a certidão é sempre o documento emitido em face de um original, o certo é que, por um lado, o ora recorrente não havia indicado no requerimento inicial que o documento em causa se destinava ao usos dos meios administrativos ou contenciosos nem solicitou aí a respectiva autenticação pelo oficial público emitente - direito que lhe assistia face ao estatuído no nº 1 do artº 62º do CPA
91 - e, por outro lado, porque se a sua finalidade fosse a da instrução de um processo administrativo gracioso, a possibilidade de utilização de uma fotocópia simples com declaração de conformidade se encontraria assegurada pelo artº 1º do DL 48/88 de 17/2, ainda que sem a fé pública legalmente conferida aos demais documentos autenticados, sempre todavia com a ressalva de a estação destinatária poder exigir, a qualquer momento, a sua confrontação com o respectivo original.
Em suma: nada na lei obrigava a entidade recorrida a proceder no caso sub-specie a uma autenticação formal do documento em causa, para além de que tal lhe não havia sido expressa e oportunamente solicitado pelo interessado. Com efeito, repete-se o administrado ora recorrente não fez apelo junto da entidade depositária a qualquer intenção de utilização dos meios administrativos e/ou contenciosos, limitando-se antes a fazer invocação expressa, ainda que de carácter vago e genérico, do DL 129/91 de 2/4.
O artº 82º da LPTA possui subjacente, como é sabido, o chamado
'direito à informação 'quanto ao andamento dos processos em que sejam directamente interessados (os cidadãos), bem como a conhecerem as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas - conf. artº 268º nº 2 da CRP - com concretização prática na legislação infra-constitucional nos artºs 62º a 65º do CPA 91 e devidamente regulamentado quer pelo Dec Lei nº 129/91 de 2/4 (medidas de melhoria na receptividade dos serviços da Administração Pública aos interessados) quer pela L 65/93 de 28/8 (acesso aos documentos da Administração), esta última recentemente alterada pela L 8/95 de 29/3.
Contudo, sob qualquer ângulo que se visione o problema, sempre o direito à informação subjacente ao pedido formulado pelo recorrente à Administração se apresenta como plenamente assegurado e respeitado com a entrega já feita dos supra-citados documentos, incluindo o atinente ao sobredito 'termo de responsabilidade'. Documento este que se mostra aliás devidamente autenticado com atestação de conformidade com o original com data de 8-2-95, o que claramente emerge do doc. de fls. 32.
Constatação que torna completamente discipienda a análise das diversas questões jurídicas suscitadas pelo administrado em sede do presente recurso jurisdicional, cujo conhecimento se mostra, face a tal conclusão, como prejudicado - conf. artº 660º nº 2 do CPP, aplicável 'ex-vi' do artº 1º da LPTA.
J... interpôs, depois, recurso desse acordão para o Tribunal Constitucional. Porém não havendo feito as menções necessárias no requerimento, foi solicitado a indicá-las, nos termos do artigo 75-ºA, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Disse, então, o recorrente:
'(...) O recurso para o Tribunal Constitucional de fls... foi interposto ao abrigo do disposto no art. 70º nº 1 als. b) e f) do DL. 28/82, de
15-11, e tem por fundamento a inconstitucionalidade das normas legais contidas nos arts. 82º da L.P.T.A. e 1º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º e 15º, da Lei nº 65/93, de
26-8, com a interpretação restritiva dada no douto Acordão sob recurso de fls... e segundo a qual a pretensão do recorrente ficou satisfeita com a passagem de certidão por fotocópia extraída da cópia do documento original em causa e não do próprio documento original como requereu, por violar injustificada e desproporcionalmente os direitos e os princípios fundamentais consagrados nos artºs. 2º, 266º e 268º da C.R.P., nomeadamente o princípio da transparência administrativa e da proporcionalidade, o direito à prova e o direito de acesso consciente e fundamentado à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e/ou interesses legalmente protegidos, cuja questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo'
(...).
II.1. A identidade entre a norma que o recorrente arguiu de inconstitucional durante o processo, nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, e aquela que impugna no requerimento do recurso de constitucionalidade não é perfeita, como se vê. Pode, porém, reconhecer-se nas duas formulações uma conexão em que a primeira [na medida 'em que exigem a indicação de um concreto fim específico e/ou a demonstração da existência de nexo causal entre o pedido e o uso de meios administrativos ou contenciosos'] é pressuposto da segunda
['segundo a qual a pretensão do recorrente ficou satisfeita com a passagem de certidão por fotocópia extraída da cópia do documento original em causa e não do documento original']. Ou seja: o Supremo Tribunal Administrativo terá considerado que o recorrente tinha satisfeita a sua pretensão por, não havendo indicado os fins a que se destinavam os documentos, desobrigar a Administração de emitir fotocópia directamente extraída dos originais.
Esta interpretação do acordão do Supremo Tribunal Administrativo não pode ser excluída
2. Na linha dessa concreta interpretação, constitui objecto do recurso, a norma que se deriva da conjugação do artigo 83º da L.P.T.A.
[Pressupostos da intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões] e dos artigos 1º [Administração aberta], 3º [Âmbito], 4º [Documentos administrativos], 7º [Direito de acesso], 12º [Forma do acesso], 13º [Forma do pedido] e 15º [Resposta da Administração], da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na interpretação que faz impender sobre o interessado em fotocópia directamente extraída do original de documento o ónus de indicação da sua finalidade contenciosa, que é a finalidade em que interessa como prova essa espécie de fotocópia.
Mas as normas conjugadas do artigo 82º da L.P.T.A e dos artigos 1º,
3º, 4º, 7º, 12º, 13º e 15º da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na medida em que para a entrega de fotocópia extraída directamente de documento original fazem impender sobre o interessado o ónus de indicar o fim contencioso a que essa fotocópia se destina, não são inconstitucionais.
Desde logo, uma das finalidades práticas do arquivo aberto é mesmo a sustentação de um eventual recurso contencioso. O ónus da indicação do fim para a obtenção de fotocópia do original de documento, que se solicite, não onera os direitos dos administrados. Concretiza, antes, um dever de colaboração dos cidadãos e um meio de racionalização dos serviços que é próprio do 'modo de conviver' numa sociedade democrática. Além disso, ancora-se na exigência constitucional-legal de titularidade de um interesse legítimo no acesso ao arquivo aberto.
Daí que não procede a argumentação do recorrente.
III. Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucionais as normas do artigo 82º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais e dos artigos 1º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º e 15º, da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto na interpretação que faz impender sobre o interessado em fotocópia de original de documento o ónus de indicação da sua finalidade contenciosa. Assim, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acordão recorrido.
Lisboa, 4 de Março de 1998 Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa