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Proc.Nº 444/96
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. foi detido no dia 18 de Dezembro de 1995, em Monchique, tendo sido informado de que a sua detenção tinha em vista a sua extradição para a Finlândia.
No dia 19 de Dezembro, o detido foi presente ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora que procedeu ao seu interrogatório, acto em que lhe deu conhecimento não só do motivo da detenção como também da razão de ser da sua audição, tendo o extraditando declarado não aceitar o pedido de extradição, na sequência do que foi proferido despacho em que o Presidente da Relação confirmou a detenção, continuando detido no Estabelecimento Prisional de Évora.
2. - Notificado desta decisão, o extraditando veio requerer a substituição da prisão preventiva por outras medidas de coacção e interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
O requerimento relativo à substituição da prisão preventiva foi indeferido, tendo o requerente interposto recurso do correspondente despacho, recurso que o STJ veio a indeferir.
Interposto também recurso do despacho que manteve a detenção, o STJ decidiu não tomar conhecimento do mesmo, com fundamento que o requerente tinha tacitamente aceitado a decisão recorrida.
3. - Após terem decorrido 18 dias sobre a data da sua detenção (nº 4 do artigo 16º da Convenção Europeia de Extradição), o requerente apresentou um requerimento pedindo a sua libertação. Indeferido também este requerimento, o detido veio a interpôr novo recurso para o STJ, mas até à data em que requereu a presente providência de «habeas corpus», não tinha ainda sido notificado da respectiva decisão.
Entretanto, em 23 de Janeiro de 1996, deram entrada na Relação de Évora os documentos relativos ao pedido de extradição relativo a A. remetidos pelo Ministério da Justiça da Finlândia, tendo o Ministério Público promovido em 9 de Fevereiro de 1996, o cumprimento do pedido formal de extradição formulado pelo Estado Finlandês, depois de a mesma ter sido autorizada por despacho de 7 de Fevereiro de 1996, do Ministro da Justiça, publicado no Diário da República, IIª Série, de 17 de Fevereiro de 1996.
Em 27 de Janeiro de 1996, considerando que se tinham completado 40 dias de detenção sem que do processo constasse o pedido de extradição formulado pelo Governo finlandês, o requerente pediu, de novo, a sua libertação.
Indeferido também este requerimento, o detido voltou a interpor recurso para o STJ, que não foi admitido.
Entretanto, o extraditando foi notificado de um despacho, de 26 de Janeiro de 1996, em que se decidiu também que os autos ficariam a aguardar nos termos promovidos pelo Ministério Público. Não se conformando com tal decisão, o extraditando interpôs outro recurso para o STJ, recurso este que também não foi admitido por aquele tribunal.
Apresentado, entretanto, pelo detido um novo requerimento pedindo a reapreciação da situação de prisão preventiva, em que suscitava a inconstitucionalidade das normas invocadas para manter tal prisão, foi tal despacho indeferido, pelo que interpôs novo recurso, que também não foi admitido pelo STJ.
4. - Em 13 de Fevereiro de 1996, o requerente foi presente ao Desembargador relator do processo, para a audiência a que se refere o artigo 56º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, nada tendo sido decidido quanto à sua situação de prisão, que se manteve.
5. - Em 22 de Fevereiro de 1996, o extraditando introduz a providência de «habeas corpus» a que respeita o presente recurso, com fundamento nas alíneas b) e c) do nº2 do artigo 222º do Código de Processo Penal, alegando que a sua prisão foi motivada por facto pelo qual a lei a não permite e que tal prisão se mantém para além dos prazos fixados pela lei.
Para fundamentar o pedido, o extraditando invoca a inconstitucionalidade orgânica e material dos artigos 38º, 51º, nº3, 65º e 66º, todas do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro e ainda a ilegalidade do nº 3 do artigo 66º por contrariar o nº4 do artigo 16º da Convenção Europeia de Extradição, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 57/89, de 21 de Agosto.
Prestada a informação a que se refere o nº 1 do artigo
223º do Código de Processo Penal, o STJ veio a julgar, em acórdão de 6 de Março de 1996, 'manifestamente infundada' a petição de habeas corpus tendo decidido que 'em suma e muito claramente, a detenção do A. foi motivada por facto pelo qual a lei a permite e vem sendo mantida sem que se mostre excedido qualquer prazo fixado por lei ou por decisão judicial; daí que não se justifique, como é evidente, a solicitada providência extraordinária prevista no artigo 222º do Cód. Proc.Penal'.
6. - É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, pretendendo o recorrente, de acordo com o teor do requerimento de interposição do recurso, que se aprecie a conformidade constitucional das normas dos artigos 38º, 51º, nº3, 65º e 66º do Decreto-Lei nº
43/91. de 22 de Janeiro.
Nas suas alegações, o recorrente formula as seguintes conclusões:
'I - Os artigos 38º, 51º, nº 3, 65º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, são organicamente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo
168º, nº 1, alíneas b) e q), e nº 2, da Constituição.
II - Os artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, que regulam a 'detenção não solicitada', são materialmente inconstitucionais porque contrariam:
- o artigo 27º da Constituição;
- os artigos 13º, 15º e 18º, nºs 2 e 3 da Constituição;
- o princípio da separação de poderes (arts.113º e 114º da CRP);
- o disposto no artº 8º da CRP, por violação de:
- Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. 3º, 7º, 9º e 13º)
- Pacto Universal sobre os Direitos Civis e Políticos (arts. 9º, 12º e 13º)
- Convenção para a Protecção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artº 5º)
- Convenção Europeia de Extradição
- Direito Comunitário (arts. B e F do Tratado da U.E. e 6º, 8º e 8º-A do Tratado C.E.)
- o disposto no artº 9º da CRP.
III - O nº 3 do artº 51º do Decreto-Lei nº 43/91 é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 27º, 13º e 15º, e 32º, nº 1, da Constituição.
IV - O artº 65º do Decreto-Lei nº 43/91 é materialmente inconstitucional por violação do nº 2 do artº 8º da Constituição, por contradição com o artº 16º da Convenção Europeia de Extradição.
Nestes termos, e nos mais de direito que V.Exas., como sempre, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se inconstitucionais as normas aplicadas no acórdão recorrido, conforme requerido.'
Pelo seu lado, o Ministério Público conclui as suas alegações pela forma seguinte:
...'1º - Ao autorizar o Governo a aprovar um diploma relativo à cooperação judiciária internacional em matéria penal, destinando-se tal autorização a possibilitar a ratificação de várias convenções internacionais já assinadas por Portugal e a garantir as condições da sua aplicação, está a Lei nº 17/90 a fornecer ao Governo os critérios indispensáveis à respectiva concretização legislativa.
2º - O artigo 65º, nº 3, do Decreto-Lei nº 43/91, que prevê que a detenção do extraditando deve cessar se a apresentação do pedido de extradição em juízo não ocorrer dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efectivada, não contraria o disposto no artigo 16º, nº 4 da Convenção Europeia de Extradição.
3º - Os artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, que regulam a detenção não solicitada, não são materialmente inconstitucionais.'
Depois de apresentadas as alegações, o recorrente veio apresentar um requerimento em que pedia a alteração dos efeitos do recurso, que fora admitido com efeito meramente devolutivo.
Notificado o requerimento ao Ministério Público, foi junta a resposta no sentido de que se deveria fixar ao recurso o efeito suspensivo.
Entretanto, tendo-se verificado que o recurso de constitucionalidade subira a este Tribunal sem que tivesse sido decidido um incidente de arguição de nulidade do acórdão recorrido, determinou-se a remessa dos autos ao STJ para sobre tal incidente recair decisão, o que sucedeu pelo Acórdão de 1 de Agosto de 1996, que desatendeu a referida arguição, sem que tivesse havido qualquer impugnação do assim decidido.
Submetida à conferência, com dispensa de vistos, dada a sua simplicidade, a questão do efeito do recurso, o Tribunal Constitucional, por acórdão de 9 de Outubro de 1996, decidiu fixar, ao recurso interposto, o efeito suspensivo.
Entretanto, o recorrente veio juntar um parecer jurídico que ficou junto aos autos.
Corridos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
7.1. - A delimitação do âmbito do recurso
Antes de se iniciar a análise das questões de constitucionalidade que o recorrente suscita, é indispensável delimitar o âmbito do recurso.
Efectivamente, o recorrente no seu requerimento de interposição do recurso considera inconstitucionais as normas dos artigos 38º,
51º, nº3, 65º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91.
Ora se o artigo 38º, relativo à detenção não solicitada se pode considerar que foi aplicado nos autos, uma vez que a detenção do recorrente foi efectuada antes de existir qualquer pedido de extradição, o certo
é que o nº3 do artigo 51º não teve qualquer aplicação na decisão recorrida, dele se não podendo conhecer.
De facto, em apreciação está apenas a decisão proferida num incidente de «habeas corpus». Ora, o preceito questionado refere-se unicamente à decisão final do processo de extradição, não estando a sua matéria em causa no presente incidente, sendo tal norma totalmente estranha ao pedido de
«habeas corpus» indeferido, estando agora em causa apenas a conformidade constitucional de normas que tenham sido aplicadas na respectiva decisão.
Assim, entende-se que se não deve conhecer do recurso na parte respeitante à alegada inconstitucionalidade do nº3 do artigo 51º, do referido diploma.
7.2. - Acresce ainda, neste âmbito, que o recorrente indica como objecto do recurso o artigo 65º do diploma. Ora, resulta claramente das alegações apresentadas neste Tribunal que o recorrente apenas questiona a inconstitucionalidade do nº 3 do referido preceito, na medida em que ali se prevê um prazo de detenção de 60 dias enquanto que a Convenção Europeia de Extradição (artigo 16º, nº4) apenas indica o prazo de 40 dias.
A decisão recorrida com efeito chegou à conclusão de que o pedido foi apresentado em juízo '...«dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efectivada» a detenção, no respeito estrito do nº 3 daquele art. 65 (ut nº 4 do art. 66)' e é precisamente neste ponto que o recorrente a pretende questionar. Deste modo, no âmbito do recurso, apenas se inclui o nº3 do artigo
65º e não todo o preceito.
7.3. - Uma última questão importa resolver ainda no
âmbito da delimitação do pedido.
Segundo o recorrente, nos termos do teor das respectivas alegações, as normas do artigo 38º e do artigo 66º do Decreto-Lei nº 43/91, violariam não só o artigo 5º da Convenção para a Protecção Europeia dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia de Extradição, mas também o artigo 12º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e os artigos 3º, 7º e 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (D.U.D.H.).
Mas importa referir, antes de prosseguir, que não se inclui no âmbito do recurso a alegada violação das normas constantes da Declaração Universal e das demais Convenções e textos de direito internacional, pela norma do Decreto-Lei nº 43/91.
Com efeito, sempre que se coloque a questão da contrariedade de norma do direito interno com norma de direito internacional, o poder de cognição do Tribunal Constitucional só poderá abranger normas cuja aplicação tenha sido recusada na decisão recorrida, ou as apliquem em desconformidade com o sentido de anterior julgamento deste Tribunal, conforme resulta da alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Ora é manifesto que o presente recurso não só não foi interposto ao abrigo de tal alínea, como também não cabe no seu âmbito de previsão, visto que tem ele por objecto normas que foram aplicadas na decisão e tal aplicação não foi feita em desconformidade com qualquer anterior decisão deste Tribunal.
Acresce, e este aspecto também é decisivo, que o recorrente se limitou a indicar como violadas pelas normas aplicadas no acórdão recorrido as normas constantes dos artigos 15º, 18º, nº 2, 27º, nºs 1, 2 e 3, e
168º, nº 1, alíneas b) e q), e nº 2, da Constituição.
Significa isto que, igualmente por esta via, se tem de considerar afastada a questão da alegada contrariedade entre normas de direito interno e normas de direito internacional como resulta, imediatamente, da consideração de que a propósito de nenhuma das normas da Constituição referidas se poderão colocar questões daquela natureza. Consequentemente, terá de considerar-se irrelevante o facto de o recorrente vir suscitá-las nas alegações posteriores, pois, o objecto do recurso fora já por ele delimitado, por forma definitiva, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Assim, o recurso não pode abranger a alegada violação destes textos internacionais.
8. - Os textos legais em apreciação
Passando à apreciação das questões suscitadas, de que é possível conhecer, importa transcrever o teor dos preceitos do diploma sobre a extradição que o recorrente considera como violadores da Constituição, pois, em relação a todos eles o recorrente considera existir inconstitucionalidade que qualifica de orgânica e os fundamentos desta e da inconstitucionalidade material alicerçam-se em diferente normativos da lei fundamental. As normas em causa são os artigos 38º, nº 3 do artigo 65º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro.
É o seguinte o teor de cada uma destas normas:
'Artigo 38º Detenção não solicitada
É lícito às autoridades de polícia criminal efectuar a detenção de indivíduos que, segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procurados por autoridades competentes estrangeiras para efeito de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição.
Artigo 65º Prazos
...................................................
3 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituida por outra medida de coacção processual se a apresentação do pedido em juízo não ocorrer dentro dos 60 dias posteriores à data em que foi efectivada.
Artigo 66º Detenção não solicitada
1 - A autoridade que efectua uma detenção nos termos do artigo 38º apresenta o detido, no prazo de 24 horas, ao procurador-geral adjunto no tribunal da relação em cuja área a detenção foi efectuada, para o efeito de promover imediatamente a audição daquele e decisão sobre a legalidade do acto e sua manutenção, pelo presidente do tribunal.
2 - No caso de ser confirmada, a detenção é comunicada imediatamente ao Ministro da Justiça e, pela via mais rápida, à autoridade estrangeira a quem ela interessar para que informe, urgentemente e pela mesma via, se irá ser formulado o pedido de extradição.
3 - O detido será posto em liberdade 18 dias após a data da sua detenção se, entretanto, não chegar a informação referida no número anterior, ou 40 dias após essa data se, tendo havido informação positiva, o pedido de extradição não for recebido nesse prazo.
4 - É aplicável, no caso previsto neste artigo, o disposto no artigo anterior.'
8. 1. - A inconstitucionalidade da Lei de Autorização Legislativa
O recorrente suscita, em primeira linha, a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, alinhando para o efeito as seguintes considerações: legislar sobre direitos, liberdades e garantias é da competência relativa da Assembleia da República; os artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91 dispõem sobre restrições ao direito à liberdade, contendo-se tais normas em diploma aprovado pelo Governo, sob autorização da Assembleia da República concedida pela Lei nº 17/90, a qual não só não autoriza o Governo a legislar sobre direitos, liberdades e garantias, como também não define o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização.
Vejamos.
É um facto que o Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal, foi editado pelo Governo ao abrigo da Lei de autorização legislativa nº 17/90. de 20 de Julho e nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 201º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A Lei nº 17/90 tem o seguinte teor:
'Artigo 1º - 1. - Fica o Governo autorizado a aprovar um diploma relativo à cooperação judiciária internacional sobre matéria penal.
2. - A autorização legislativa a que se refere o número anterior destina-se a possibilitar a ratificação de várias convenções internacionais já assinadas por Portugal e a garantir as condições da sua aplicação através da introdução na ordem jurídica portuguesa de um instrumento legislativo que regulamente os vários processos de cooperação e defina a entidade competente para lhes conferir eficácia.
Artº 2º O diploma a elaborar ao abrigo da presente autorização legislativa estabelecerá o regime da extradição, execução de sentenças penais estrangeiras, transferências de processos criminais, transferências de pessoas condenadas ou em liberdade condicional, entreajuda geral em matéria penal e ainda as disposições gerais relativas a todas as formas de cooperação internacional.
Artº 3º A autorização legislativa concedida pelo artigo 1º da presente lei caduca se não for utilizada no prazo de 120 dias.'
A autorização acabada de transcrever foi aprovada nos termos dos artigos 164º, alínea e), 168º, alíneas b), c) e q) e artigo 169º, nº3 da Constituição.
8.2. - De acordo com o que se dispõe no nº2 do artigo
168º da Constituição 'as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.'
Desta norma decorre que as leis de autorização legislativa devem sempre indicar a matéria sobre a qual o Governo fica autorizado a legislar (o que constitui o seu objecto), a amplitude e alcance com que o devem fazer (é a extensão) e os princípios base, as directrizes ou orientações que devem reger a elaboração do diploma a editar (o sentido da autorização).
Não é todavia 'obrigatório (...) que a autorização contenha um projecto do futuro decreto-lei, mas ela não pode ser, seguramente, um cheque em branco' (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª Edição, Coimbra, 1993, pág. 678).
Nos casos em que a legislação a elaborar consiste na mera introdução de pequenas alterações ao regime em vigor, o qual de antemão se sabe que fica praticamente inalterado, então a indicação do sentido como que vem implícita na indicação da matéria objecto da futura legislação; o sentido, nestes casos, é esclarecido pela indicação das finalidades que se pretendem alcançar com os decretos-leis a emitir.
A descoberta do sentido da autorização legislativa, como de qualquer outra norma, não pode deixar de decorrer de um processo de interpretação, no qual é legitimo e coerente o recurso, para a definição daquele sentido, quer ao elemento histórico quer ao elemento sistemático, bem como ao espírito do legislador.
Importa, por isso, analisar e ponderar se na génese da lei em questão existem alguns elementos interpretativos relevantes.
8.3. - A génese da 'lei da extradição'
Não existindo em Portugal lei interna sobre a extradição que definisse o regime deste instituto jurídico quer processual quer substantivamente, o Governo, ao abrigo da Lei Constitucional nº 3/74, de 14 de Maio, editou o Decreto-Lei nº 437/75, de 16 de Agosto, que procurou estruturar, por forma global, o regime jurídico da extradição, definindo as condições de que ela fica a depender e também o respectivo processo, procurando-se assegurar neste os meios de defesa da liberdade dos extraditandos, tornando sempre dependente de decisão judicial a eventual entrega do extraditando.
A Lei nº 43/86, de 26 de Setembro, Lei de Autorização Legislativa para aprovação do Código de Processo Penal, estabelecia no nº44, do nº2 do artigo 2º que o Governo era autorizado a manter em legislação especial a regulamentação do processo de extradição, na sequência do que o Código de Processo Penal aprovado veio determinar no seu artigo 233º que 'a extradição é regulada em lei especial'.
Sendo o Decreto-Lei nº 437/75 um diploma pré-constitucional, o início de vigência da Constituição e bem assim a aprovação pela Resolução nº 23/89, de 21 de Agosto de 1989, da Convenção Europeia de Extradição, não podia deixar de se refractar em tal matéria. Porém, só em Outubro de 1989 seria apresentada uma proposta de lei - nº 119/V - que, visando regular a 'cooperação judiciária internacional em matéria penal', veio a regular também a matéria da extradição e que originou a Lei nº 17/90, de 20 de Julho.
De acordo com a exposição de motivos constante de tal proposta, depois de ali se aludir ao regime legal de extradição existente e de se justificar da existência de uma lei interna aglutinadora de todas as formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, a fundamentação relativa às alterações a introduzir na lei da extradição é do seguinte teor:
'A lei disciplinará a extradição, uma vez que se considera não fazer sentido que esta continue a ser objecto de legislação separada, em primeiro lugar por se tratar de uma forma de cooperação internacional que obedece aos mesmos grandes princípios comuns às restantes.
Em segundo lugar porque, a lei vigente sobre extradição foi, entretanto, inconstitucionalizada em certos pontos essenciais pela Constituição da República, entrada em vigor posteriormente à sua introdução na ordem jurídica interna.
É, nomeadamente, o caso da proibição da extradição de portugueses ou da extradição para o Estado onde o crime seja punível com pena de morte ou com prisão perpétua.
Em terceiro lugar, porque o actual Código de Processo Penal baniu o chamado
«processo de ausentes».
Enfim, convém aproveitar a oportunidade para rever a disposição do nº3 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 437/75, de 16 de Agosto, cuja inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, e na parte em que estabelece a ordem de intervenção do extraditando e do Ministério Público para alegações, por contrária aos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição, foi declarada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de Fevereiro de 1987.
No essencial, porém, observar-se-á a regulamentação da lei interna, salvo pequenos ajustamentos de redacção, uma vez que a mesma se tem mostrado apta na prossecução dos objectivos que determinaram a sua publicação, sendo certo que a sua concepção e a sua redacção acusam nítida influência dos princípios e normas da Convenção Europeia de Extradição.'
Resulta, assim, claramente da exposição de motivos da proposta de lei que a mesma tinha como objectivo o tratamento num texto único das formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, estabelecendo as disposições gerais aplicáveis a todas as formas de cooperação e na parte específica da extradição, constata-se que ela obedece também aos mesmos princípios comuns às outras formas de cooperação e que se visou unicamente tornar a lei já existente conforme à Constituição respeitando ainda a nova legislação processual penal e a própria jurisprudência constitucional, mantendo, no essencial, a regulamentação então vigente.
Embora a Lei n.º 17/90 se mostre de extrema singeleza, concebendo a extradição como mais um instrumento de cooperação judiciária internacional em matéria penal, o certo é que autoriza a sua inclusão num único diploma com as outras forma de cooperação e assina a tal diploma a finalidade de possibilitar a ratificação de várias convenções internacionais e de regulamentar os vários processos de cooperação, devendo estabelecer o regime da extradição.
Todavia, o completo sentido da autorização é facilmente definido com recurso aos elementos interpretativos já referidos e atrás transcritos. Deles resulta claramente que se pretendeu apenas compatibilizar o regime legal da extradição constante do Decreto-Lei n.º 437/75, com as inovações que a aprovação e vigência da própria Constituição trouxe a tal matéria, introduzindo também as modificações mais relevantes sofridas pela lei penal e processual penal e as derivadas da jurisprudência do Tribunal Constitucional, mantendo, em tudo o mais inalterado aquele regime.
Assim interpretada a Lei n.º 17/90, de 20 de Julho, que não teve em vista conceder ao Governo poderes para introduzir ex novo todo um corpo normativo, mas apenas o de actualizar o regime da extradição de acordo com as imposições constitucionais, não viola a norma do artigo 168º, nº2, da Constituição: não pode deixar de se entender que, descoberto o programa de legislação estabelecido pelo Parlamento, a finalidade de contrastação que decorre da exigência constitucional pode cumprir-se relativamente ao diploma autorizado.
Do exposto, resulta que a Lei de Autorização Legislativa n.º 17/90, de 20 de Julho, não está afectada de inconstitucionalidade por violação do artigo 168º, nº1, alíneas b) e q), e do n.º 2, da Constituição.
Do mesmo passo, e na sequência do que acabou de ser apurado, se concluirá que não colhe a argumentação respeitante à alegada violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 114º, n.º 1, da Constituição.
8.4. - A inconstitucionalidade orgânica dos artigos
38.º, 65.º, n.º 3 e 66.ºdo Decreto-Lei n.º 43/91
Suscita o recorrente, agora de forma mais explícita nas alegações apresentadas neste Tribunal, a questão da inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 38.º e 66.º, do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro.
Vejamos.
O artigo 38.º refere-se à 'detenção não solicitada', autorizando-se as entidades às quais está confiada a polícia criminal a deterem indivíduos que sejam procurados por autoridades competentes estrangeiras, com base em informações oficiais, para efeitos de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição.
Do que se trata neste preceito é de uma detenção apenas com base nas informações de que podem dispor as autoridades de polícia criminal sobre a suspeita da prática de infracções ou sobre a necessidade de cumprimento de pena que assentem em factos graves que justifiquem a extradição.
Esta norma corresponde, ponto por ponto, à norma do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 437/75, ou seja, é uma norma que constava do regime 'legal' da extradição. Ora, como se salientou antes, na interpretação da Lei n.º 17/90, o legislador ao conceder a autorização legislativa ao Governo fê-lo por forma a manter o regime legal então em vigor, alterando apenas os aspectos que a entrada em vigor do texto constitucional e as respectivas revisões impusessem e também as alterações de tal texto decorrentes da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Assim entendida a lei de autorização legislativa, a norma do artigo 38º não está afectada de qualquer inconstitucionalidade orgânica, pois o Governo estava autorizado a adoptá-la como legislação delegada.
A mesma linha de raciocínio se tem de fazer no que respeita ao artigo 66º do Decreto-Lei n.º 43/91. Este preceito corresponde, com alguma pequenas alterações de redacção, ao artigo 42.º do Decreto-Lei n.º
437/75.
Artigo 42.º
Detenção não solicitada
1. A autoridade que efectuar uma detenção nos termos do artigo 12º deve
apresentar o detido, no prazo de vinte e quatro horas, ao procurador da
República junto do tribunal da relação em cuja área a captura foi
efectuada para o efeito de promover decisão do presidente do tribunal
sobre a legalidade do acto e sua manutenção
2. No caso de ser confirmada, a detenção é comunicada imediatamente ao
Ministro da Justiça e, pela via mais rápida, à autoridade estrangeira a
quem ela interessar para que lhe informe, urgentemente e pela mesma via,
se irá ou não ser formulado o pedido de extradição.
3. O detido será solto quinze dias após a data da sua captura se,
entretanto, não chegar a informação referida no número anterior, ou
quarenta dias após essa data se, tendo havido informação positiva, o
pedido de extradição não for aceite nesse prazo.
4. É aplicável, no caso previsto neste artigo, o disposto no artigo
anterior.Artigo 66.º
Detenção não solicitada
1 - A autoridade que efectua uma detenção nos termos do artigo 38º
apresenta o detido, no prazo de 24 horas, ao procurador-geral-adjunto no
tribunal da relação em cuja área a detenção foi efectuada, para o efeito
de promover imediatamente a audição daquele e decisão sobre a legalidade
do acto e sua manutenção, pelo presidente do tribunal.
2 - No caso de ser confirmada, a detenção é comunicada imediatamente ao
Ministro da Justiça e, pela via mais rápida, à autoridade estrangeira a
quem ela interessar para que informe, urgentemente e pela mesma via, se
irá ser formulado o pedido de extradição.
3 - O detido será posto em liberdade 18 dias após a data da sua detenção
se, entretanto, não chegar a informação referida no número anterior, ou 40
dias após essa data se, tendo havido informação positiva, o pedido de
extradição não for recebido nesse prazo.
4 - É aplicável, no caso previsto neste artigo, o disposto no artigo
anterior.
Verifica-se da transcrição feita, que no n.º 1 dos preceitos a alteração de relevo é a que respeita à obrigatoriedade de audição do extraditando, que deve anteceder a decisão sobre a legalidade do acto e da sua manutenção, decisão a proferir, em ambos os textos, pelo presidente da Relação da área da detenção. O n.º 2 tem a mesma redacção; no n.º 3, a diferença notória
é a do prazo de 15 dias para aguardar a informação referida no número anterior, que o diploma de 1991, por influência da Convenção Europeia, aumentou para 18 dias, mas mantendo-se o máximo de 40 dias no caso de ser recebida informação positiva.
Ora, estas alterações decorrentes da necessidade de actualização do procedimento para extradição e da plena aceitação da Convenção Europeia de Extradição, no que aos prazos se refere, contêm-se dentro do sentido que foi assinalado à lei de autorização legislativa, pelo que também aqui não ocorre o vício de inconstitucionalidade do decreto-lei autorizado, por violação do artigo 168º, nº1, alínea b) e nº2, da Constituição.
Mas o recorrente aduz como outro fundamento para a mencionada inconstitucionalidade, a violação do n.º 1, do artigo 168.º da constituição, no referente à alínea q), relativa à 'organização e competência dos tribunais (...) e estatuto dos respectivos magistrados (...)'. Tal violação decorreria, segundo o recorrente, da atribuição, pelo n.º 1 do artigo 66.º do diploma em apreço, ao presidente do Tribunal da Relação da competência para, após audiência do extraditando, decidir sobre a legalidade do acto e a sua manutenção.
Tratando-se de uma alteração de competência só seria legítima com base numa lei do parlamento e não apenas em diploma emanado do Governo, ao abrigo dos seus podres próprios.
Também, aqui o recorrente não tem razão.
Importa assinalar, desde logo, que a competência do tribunal enquanto órgão de soberania - e é a ela que a norma do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) se refere - não foi modificada: de acordo com o preceituado no artigo 41.º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 39/87, de 23 de Dezembro, a competência para julgar os processos judiciais de extradição é atribuída às secções da relação, conforme a sua especialização.
Assim, a questão respeita unicamente à atribuição ao presidente da Relação da decisão sobre a legalidade da detenção e da sua manutenção. O julgamento do processo judicial de extradição é, de acordo com o n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 43/91, da competência da secção criminal da Relação (no diploma de 1975, a competência era das secções da Relação).
Nos casos em que não existe ainda um pedido formal de extradição mas foi formulado um pedido prévio de detenção, este deve ser distribuído e é o relator - um juiz da secção criminal da Relação - quem, no sistema vigente, ordena a detenção provisória – n.º 1, do artigo 64.º -, desde que se certifique da autenticidade, da regularidade e da admissibilidade do pedido.
Nos casos de detenção antecipada - como é o caso dos autos -, em que aquela ocorre mesmo sem existir antes um pedido de detenção provisória prévio ao pedido de extradição, a solução - inexistindo um tribunal permanente ou um juiz de turno permanente para estes efeitos - só poderia ser a atribuição de tal competência ao presidente da Relação, não só porque já era tradição desde 1975 (diploma editado antes da Constituição, mas ao abrigo da Lei Constitucional n.º 3/74, 14 de Maio), mas também porque em regra não intervém na formação da decisão nas secções, obviando-se assim a um possível impedimento, se se tratasse de um juiz da secção, de decidir o mérito do pedido de extradição.
De qualquer modo, a autorização legislativa com o sentido de manter, no seu essencial, a regulamentação interna da extradição que já existia, tem de ser entendida por forma a abranger a manutenção da competência do Presidente da Relação para ouvir o extraditando e decidir da legalidade da sua detenção e da sua manutenção, competência esta agora estabelecida por decreto do Governo devidamente autorizado pela Assembleia da República, logo estabelecida pelas disposições conjugadas da alínea g) do artigo
33º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e do n.º 1 do artigo 41.º da mesma Lei.
Quanto ao n.º 3 do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º
43/91, a sua inconstitucionalidade orgânica derivaria, segundo o recorrente, também do facto de se tratar de uma restrição de direitos e liberdades não constante da respectiva lei de autorização, além de contrariar norma similar da Convenção Europeia de Extradição.
De acordo com o entendimento atrás exposto, era sentido e finalidade da lei de autorização, no que à extradição respeitava, conceder ao Governo poderes para aprovar num diploma único, conjuntamente com outras formas de cooperação judiciária internacional, o regime então em vigor com as alterações decorrentes da própria Constituição e de decisões com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional.
Relativamente à norma agora em apreço - o n.º 3 do artigo 65.º - o que interessa relevar em primeiro lugar é muito simplesmente que, no presente contexto processual, se trata de uma norma do regime da detenção não solicitada, figura esta regulada a título principal no artigo 66.º, cuja apreciação conduziu à conclusão de que não se trataria de instituto ou figura inconstitucionais. O n.º 3 do artigo 65.º é não mais do que um preceito que visa acelerar a tramitação processual aqui aplicável por remissão que para ele é feita pelo n.º 4 do artigo 66.º Tendo-se concluído pela não inconstitucionalidade orgânica da detenção não solicitada, o mesmo juízo de não inconstitucionalidade haverá que ser formulado de uma norma que, por remissão legal, passa a dele fazer parte.
Avançando na razão de ser do regime instituído, importa assinalar que a lei prevê que o pedido de extradição, logo que recebido, deve dar lugar a um processo administrativo cuja duração máxima prevista é de 30 dias no processo normal e de 15 dias nos casos de detenção antecipada. Só após uma decisão do Governo, que culminará tal procedimento administrativo (artigo
50.º), o processo pode ser entregue em juízo. Para obviar a uma duração indefinida da situação de detenção, o legislador sentiu necessidade de prever um outro prazo limite; só que agora o momento decisivo para a produção de efeitos de tal prazo não pode ser o recebimento do pedido de extradição (que já teria ocorrido) mas antes a data da apresentação do pedido de extradição em juízo, sendo este mais um prazo manifestamente garantístico dos direitos do extraditando destinado a obviar à detenção em hipóteses em que o Governo, recebido o pedido de extradição, retarde uma decisão ou se não apresse a apresentar o pedido de extradição no competente Tribunal da Relação. Assim, se decorrerem mais de 60 dias entre a data da detenção e a apresentação do pedido de extradição no tribunal, a detenção cessará e será substituída por outra medida de coacção processual.
Como esta norma resulta não só em defesa do extraditando mas primacialmente de uma mais apurada ordenação e sistematização do procedimento para a extradição, melhorando o anterior regime legal que a lei de autorização legislativa, como se mostrou antes, procurou manter no seu essencial, apenas introduzindo as alterações ditadas pelas modificações legais e constitucionais entretanto surgidas, entende-se que não ocorre também em relação a esta norma do n.º 3 do artigo 65.º qualquer vício de inconstitucionalidade orgânica.
9. - A inconstitucionalidade material dos artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91
O recorrente suscita a inconstitucionalidade material destas normas relativas à possibilidade de detenção não solicitada do extraditando e ao processo que se deverá seguir após uma tal detenção.
São os seguintes os fundamentos de tal entendimento: em primeiro lugar, a detenção efectuada nos termos do artigo 38.º viola o artigo
27.º, n.º 3, alínea b) da Constituição, na medida em que 'a detenção efectuada nos termos do artº 38.º do Decreto-Lei nº 43/91 não é de pessoa contra a qual esteja em curso processo de extradição'; em segundo lugar, o regime da 'detenção não solicitada' viola, no entender do recorrente, os artigos 13.º, 15.º e 18.º, nºs 2 e 3, da Constituição pois trata diferentemente os cidadãos portugueses e os cidadãos estrangeiros, mesmo comunitários, além de restringir de modo excessivo e sem fundamento válido os direitos, liberdades e garantias destes cidadãos; em terceiro lugar, segundo o recorrente, o regime da detenção não solicitada viola o princípio da separação de poderes e, por fim, tal regime contraria a Convenção Europeia de Extradição, viola a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEUDH), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos contrariando por isso o artigo 8º da Constituição.
Vejamos estas questões.
9.1. - O primeiro dos argumentos aduzidos pelo recorrente para sustentar a inconstitucionalidade da norma do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 43/91 assenta em que a detenção ali referida não é a de pessoa contra a qual esteja em curso processo de extradição, pelo que a mesma viola o artigo 27.º, n.º3, alínea b), in fine, da Constituição.
O próprio recorrente refere nas suas alegações que o Tribunal teve já que decidir questão idêntica à que agora suscita, mas referida
à norma que no Decreto-Lei n.º 437/75 regulava a detenção não solicitada (artigo
12.º). Fê-lo no Acórdão n.º 325/86 (in 'Diário da República', IIª Série, de 19 de Março de 1987), tendo concluído pela não inconstitucionalidade da referida norma, com fundamento nos seguintes argumentos sinteticamente expostos:
- partindo da noção de processo de um ponto de vista formal como procedimento tendente a obter um certo resultado, o acórdão chega à conclusão de que 'o processo penal, ao cabo e ao resto, abarca «toda a actividade pública consequente à noticia criminis»';
- esta «concepção integrada» do processo penal permite estender a todo ele as «garantias constitucionais» que visam salvaguardar os direitos e liberdades das pessoas, preocupação esta que está também na base do entendimento que considera os actos de polícia judiciária,
«directa ou indirectamente, como actos de um processo penal»;
- tendo o Tribunal reiteradamente acentuado que o processo de extradição não deve conceber-se senão como uma modalidade específica do processo penal, 'não se vê porque não possa (e não deva) afirmar-se que , nos casos de «detenção antecipada», é logo com o acto (um acto de polícia judiciária, afinal) que ordena a detenção do extraditando que se inicia ou desencadeia o «procedimento» da extradição;
- ora, 'consentindo a Constituição uma excepção ou restrição do direito à liberdade em nome dos interesses e valores que estão na base da admissibilidade da extradição e conferindo, do mesmo passo, a esses interesses e valores ( os quais se podem reconduzir à ideia geral do reconhecimento da justificação e da necessidade da cooperação internacional em matéria de perseguição e combate ao crime) dignidade constitucional, não faria sentido que excluísse a possibilidade de detenção «antecipada» do extraditando em caso de pedido urgente (é a hipótese do artigo 11º da Lei) ou mesmo só de um presumível extraditando relativamente ao qual as autoridades portuguesas competentes já disponham de «informações oficiais» seguras de que é perseguido criminalmente noutro ou noutros países «por factos que notoriamente justifiquem a extradição» (é a hipótese do artigo 12º, que ora nos ocupa)', assim se concluindo que a detenção antecipada, solicitada ou não, sendo um acto preliminar do pedido, é já processo de extradição para o efeito previsto do artigo 27º, nº3, alínea b), da Constituição, inexistindo aqui qualquer violação deste normativo.
Este entendimento, embora reportado exclusivamente a um diploma pré-constitucional (mas editado ao abrigo da Lei nº 3/74, da Junta de Salvação Nacional) continua a ter inteira validade se aplicado às normas com idêntico teor do Decreto-Lei nº 43/91. Com efeito, a única diferença entre a detenção provisória subsequente a um pedido de detenção prévia e a detenção não solicitada é a de que, neste último caso, o Estado de origem do cidadão em causa desconhece a sua presença no país: a base da detenção são as informações existentes nas autoridades de polícia criminal de que certo cidadão estrangeiro
é procurado ou para o cumprimento de alguma pena ou pela prática de actos criminosos, informações que podem ser ou não acompanhadas da existência de mandados de captura internacionais. Parece, pois, seguro argumentar que, se o país de origem difundiu tais informações, teria certamente diligenciado pela formulação de um pedido a extradição do referido cidadão, se conhecesse o local onde ele porventura se encontra.
Não pode esquecer-se, neste domínio, que existe hoje em dia uma extrema facilidade de movimentação das pessoas entre os diversos Estados, especialmente entre os que integram a Comunidade Económica Europeia, estando praticamente abolidos todos os obstáculos à livre circulação de pessoas entre esses Estados, não podendo todas estas facilidades ser utilizadas pelos cidadãos para se furtarem à efectiva responsabilização pelos seus actos criminosos que praticarem ou pelos quais forem condenados no respectivo país de origem ou noutro qualquer.
As condições de vida que actualmente existem num espaço aberto como é o que existe na Comunidade Europeia postulam reforçadas exigências em matéria de cooperação internacional em matéria penal, tendo os Estados de fazer face a uma delinquência de carácter internacional que ameaça ou viola bens jurídicos comuns a todas as sociedades, não podendo permitir que criminosos se aproveitem das facilidades concedidas na mobilidade pessoal para alcançarem a impunidade.
Conclui-se, assim, que o artigo 38º do Decreto-Lei nº
43/91, ao prever a detenção, não solicitada previamente pelas autoridades de polícia criminal, com base em informações oficiais, de indivíduos procurados pelas autoridades competentes estrangeiras, para efeitos de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição, não viola a alínea b) do nº3 do artigo 27º da Constituição.
9. 2. - O regime da 'detenção não solicitada'
(artigos 38º e 66º do Decreto-Lei nº 43/91) e os artigos 13º, 15º e 18º, nºs 2 e
3 da Constituição
No que respeita ao artigo 13º que consagra o princípio da igualdade, o recorrente entende que a sua violação deriva do facto de os cidadãos portugueses só poderem ser presos preventivamente em caso de flagrante delito ou quando haja fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos enquanto que o cidadão estrangeiro, se procurado por autoridades competentes estrangeiras pode ser preso preventivamente por factos praticados em qualquer país do mundo, desde que punidos com pena de prisão não inferior a um ano, verificando-se assim uma discriminação dos cidadãos estrangeiros.
Segundo o recorrente, as mesmas razões de inconstitucionalidade se aplicam ao artigo 66º que regula o processo de detenção não solicitada.
Mas não colhe tal argumentação.
No caso em apreço, não existe qualquer discriminação não só porque as situações não são verdadeiramente comparáveis como também porque a detenção provisória ou não solicitada para efeitos de extradição não é susceptível de ser comparada no que aos respectivos prazos respeita com a prisão preventiva para efeitos penais.
É um facto inegável existir em ambos os casos uma privação da liberdade: porém, as finalidades que tal privação visa realizar em cada um dos casos são substancialmente diversas. Assim, na extradição - englobando aqui, quer os casos em que há um pedido prévio de detenção provisória quer os casos de detenção antecipada não solicitada - esta detenção destina-se unicamente a permitir tomar uma decisão sobre a extradição por forma a que esta seja garantidamente efectivada. Pelo seu lado, a prisão preventiva em processo penal visa diferentes fins: garantir a presença do arguido durante o procedimento penal, quando haja fundado receio de fuga, evitar o perigo de perturbação da instrução do processo caso o arguido se mantivesse em liberdade, receio fundado de perturbação da ordem ou da tranquilidade pública ou da continuação da actividade criminosa, em razão da natureza do crime ou da personalidade do delinquente.
Acresce que na detenção provisória ou não solicitada com vista à extradição os prazos são muito mais exíguos do que no processo comum de extradição. Neste, formulado o pedido de extradição e após a audiência do extraditando, a oposição ao pedido só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. A detenção deve cessar se a decisão da Relação não for proferida dentro de 65 dias após a data em que foi efectivada, podendo este prazo ser prorrogado por mais 25 dias se não for admissível medida de coacção não detentiva e prevendo-se, em caso de recurso da decisão da Relação, que a prisão subsista por mais 80 dias a contar da data de interposição, cessando se até lá não houver decisão do recurso, nos termos do artigo 54º do Decreto-Lei nº 43/91.
Diferentemente, nos casos em que é possível verificar-se a prisão preventiva, os prazos são de 6, 10, 18 meses até dois anos, podendo ser elevados para maiores períodos relativamente a certos crimes e agravados até 12, 16 meses, 3 e 4 anos em casos de procedimentos de excepcional complexidade.
Tratando-se, pois, de situações de recorte processual diverso e visando diferentes finalidades, bem se compreende que o legislador tenha fixado relativamente a cada um dos casos diferentes limites, sem que isso constitua qualquer discriminação e muito menos uma discriminação arbitrária.
Acresce que para o caso de extradição a lei faz ainda uma exigência suplementar que justifica também o limite diverso estabelecido para esses casos. É que, a entrega da pessoa reclamada, quer para ser submetida a procedimento penal quer para cumprimento de pena privativa de liberdade, só pode verificar-se se o crime, mesmo que só tentado, for punível quer pela lei portuguesa quer pela lei do Estado requerente, exigência esta que justifica a utilização de um patamar com referência negativa: uma duração máxima não inferior a um ano. Só assim é possível, dadas as normalmente existentes diferenças de ordenamentos e de punições, cumprir a dupla exigência de incriminação pela legislação portuguesa e pela legislação do Estado requerente.
De qualquer modo, não existe qualquer violação do princípio da igualdade, não só porque o tratamento legal é igual para todos os estrangeiros como também porque qualquer discriminação não pode deixar de se considerar justificada face às diferentes situações descritas.
Entende também o recorrente que o regime de detenção não solicitada viola o nº2 do artigo 18º da Constituição, que estabelece que 'a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'.
Não tem, também aqui, o recorrente qualquer razão.
Com efeito, é a própria Constituição que reconhece a restrição do direito à liberdade do estrangeiro relativamente ao qual o seu Estado de origem pretende proceder criminalmente ou exige o cumprimento de pena criminal, ao admitir no artigo 27º, nº3, alínea b) a detenção do extraditando.
Este reconhecimento não pode ser desligado dos interesses e valores que estão na base da admissibilidade da extradição, que é uma situação também ela constitucionalmente reconhecida (artigo 33º. nº4), o que leva a conferir a tais interesses e valores ( os quais, como se referiu antes, não podem deixar de ser os que levam à justificação e imposição da necessidade de cooperação judiciária internacional em matéria penal) uma plena dignidade constitucional.
A protecção destes interesses e valores implica a aceitabilidade da restrição ou limitação do referido direito à liberdade. Importa, todavia, averiguar se esta restrição não está desproporcionadamente regulamentada na lei e se ali são respeitados os direitos e garantias que devem revestir as restrições de direitos fundamentais, como é o caso do direito à liberdade.
Nesta perspectiva, a análise do texto em questão mostra que o legislador regulamentou os pressupostos, as condições, a duração e as respectivas garantias da detenção por forma a realizar a finalidade que a mesma pretende alcançar com o mínimo de constrangimentos e procurando realizar o máximo de garantias do visado pela detenção. Designadamente, estabeleceu prazos de detenção sensivelmente mais reduzidos do que aqueles que se aplicam à prisão preventiva. E a medida desses prazos não se afigura desproporcionada se se tiver em conta que o processo de extradição requer contactos entre entidades de vários países, envolve a coordenação de autoridades judiciais e administrativas e policiais bem como a formalização dos contactos havidos, o que se traduz em garantia de autenticidade do processo e redunda em protecção do próprio extraditando. O equilíbrio entre as finalidades da cooperação internacional e a restrição dos direitos do indivíduo a extraditar não se mostra a título algum rompido, quer em favor daquelas finalidades, quer em termos de compressão de direitos individuais.
Assim - e limitamos esta análise ao caso da detenção não solicitada, que é o caso dos autos - efectuada uma detenção por iniciativa das autoridades de polícia criminal (estas são as que o Código de Processo Penal identifica no seu artigo 1º, alínea d)), esta mesma autoridade apresenta o detido, no prazo de 24 horas, ao procurador-geral adjunto no tribunal da relação em cuja área a detenção foi efectuada.
O procurador-geral em questão deve promover de imediato a audição do detido, por forma a obter uma decisão do presidente da Relação sobre a legalidade do acto de detenção e sobre a sua manutenção (nº1 do artigo 66º).
Se a detenção for confirmada, deve ser imediatamente comunicada ao Ministro da Justiça e pela via mais rápida à entidade estrangeira a que ela interessar para que, com urgência e pela mesma via, informe se irá ser formulado o pedido de extradição (nº2 do mesmo preceito).
O nº3 do preceito estabelece os prazos de duração da detenção, respeitando neste aspecto, inteiramente, o que se prevê na Convenção Europeia de Extradição para a detenção provisória: 18 dias se não chegar a informação sobre se vai ser pedida a extradição e 40 dias para o caso de tal informação ter sido prestada e o processo de extradição não tiver sido recebido.
Se os prazos não forem respeitados, nesta fase, o detido tem de ser libertado.
Uma vez recebido o pedido de extradição, o processo administrativo tem de ser ultimado em 15 dias (que é metade do prazo para ultimar o processo administrativo 'comum') e se a decisão do Governo for favorável ao prosseguimento, o processo é remetido pelo Procurador Geral da República ao procurador-geral ajunto que promoverá o seu cumprimento e apresenta o detido em tribunal.
Se a apresentação do processo em juízo não ocorrer dentro do prazo de 60 dias após a efectivação da detenção, esta deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual.
Na Relação, o processo é imediatamente distribuído e os prazos de despacho liminar (oito dias) e de visto (cinco dias) são reduzidos a dois dias, contando-se o prazo para decisão final (65 dias) a partir da data da apresentação do pedido em juízo (nº4 do artigo 65).
Verifica-se, assim, que o acto de detenção não solicitada é sujeito a decisão de um juiz dentro de 24 horas, que apreciará a sua legalidade e se a sua manutenção se justifica; se não forem respeitados os prazos nesta fase, o detido será posto em liberdade: está portanto garantido o direito ao juiz, só podendo manter-se a detenção se uma decisão do presidente da relação assim o resolver.
Os pressupostos da detenção atrás referenciados
(informações oficiais de Estado estrangeiro ou da Interpol de que certo indivíduo é perseguido ou procurado pela prática de factos criminosos e que os factos praticados são de tal relevo que notoriamente justificam a extradição) são adequados a justificarem tal acto, estando garantida a exigência de celeridade dos actos processuais caso o pedido de extradição venha a ser formulado, não sendo os prazos estabelecidos excessivos ou arbitrários, procurando o processo dar satisfação às finalidades constitucionais que procura realizar com o mínimo de prejuízo para o extraditando.
Assim, tem de se concluir que o regime legal em questão respeita o nº2 do artigo 18º da Constituição e o princípio da proporcionalidade que nele se contem, uma vez que é tal regime não ultrapassa o necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não ocorrendo aqui qualquer violação de tal preceito.
Dir-se-á, por último, que toda a tramitação do procedimento de extradição respeitou, no que aos prazos de detenção se refere, a Convenção Europeia de Extradição que, no caso, tratando-se de cidadão finlandês, ou seja de país que também subscreveu a Convenção, esta é materialmente aplicável. Ora, não só o prazo de 18 dias da primeira parte do nº 4 do Artigo
16º da Convenção não é um prazo imperativo (a detenção provisória poderá terminar...) como o certo é que, no caso em apreço, se respeitou o prazo, esse sim, imperativo, de 40 dias, previsto na mesma disposição legal, uma vez que o pedido de extradição e os documentos mencionados no artigo 12º foram recebidos no 36º dia após a detenção do extraditando.
10. - A inconstitucionalidade material do artigo 65º, nº 3, do Decreto-Lei nº 43/91
O recorrente suscita aqui a questão da inconstitucionalidade do nº3 ( e não do nº4,como certamente por lapso indica) do artigo 65º, com fundamento em violação do nº 2 do artigo 8º da Constituição 'por contradição com o artº 16º da Convenção Europeia de Extradição'. Já atrás ficou dito que não há que conhecer no presente recurso, tendo em conta os termos em que vem interposto, do vício que poderá ser imputado à lei ordinária interna - e foi ela o direito aplicado na decisão recorrida - por contradição com convenção internacional, como é o caso da Convenção Europeia de Extradição.
No entanto, sobre a questão suscitada não deixe de se assinalar que há aspectos a ter em conta e que parecem escapar ao recorrente.
A Convenção Europeia, no seu artigo 16º, nº 4, regula a duração da detenção provisória. E resulta desse mesmo artigo que se trata aí de uma situação desencadeada por um pedido de detenção (nº 2), cuja instrução é bastante menos exigente do que aquela que envolve a formalização de um pedido de extradição (cfr. o nº 2 cit. com o artigo 12º da Convenção).
O sentido do nº 4 do artigo 16º da Convenção é o de estabelecer um prazo regra de 18 dias para que o Estado requerente formalize o pedido de extradição, nos casos em que tiver sido previamente solicitada a detenção provisória de algum extraditando. Se esse prazo for ultrapassado, ao Estado requerido abrem-se duas vias: ou poderá determinar a libertação do detido ou poderá mantê-la, sendo que, nesta hipótese, tal situação não poderá subsistir por mais de 40 dias contados da data da detenção.
A lei portuguesa respeita integralmente este regime e optou por uma solução favorável ao indivíduo provisoriamente detido. Segundo o nº 5 do artigo 37º, a libertação deste só não ocorrerá findos os 18 dias se o Estado requerente invocar razões que venham a ser julgadas atendíveis e, em qualquer caso, a detenção não poderá prolongar-se para além de quarenta dias.
Entende o recorrente que o prazo de 60 dias previsto no nº 3 do artigo 65º do Decreto-Lei nº 43/91 'ultrapassa inadmissivelmente o nº
4 do artigo 16º da Convenção'. Mas tal entendimento não é correcto e não há contradição entre o artigo 65º, nº 3, e o artigo 37º, nº 5, do Decreto-Lei.
Na economia da Convenção, há duas situações possíveis neste domínio: a situação normal, em que a detenção é determinada por um pedido formal de extradição, e a situação especial em que esse pedido é precedido de um pedido de detenção, dita 'detenção provisória'. Só para esta se determinam prazos limite de duração.
A nossa lei criou um terceiro tipo de casos, regulados pelo artigo 65º. Trata-se dos casos em que, enquanto se mantém uma situação de detenção provisória ou antecipada, é entretanto recebido um pedido de extradição.
A lei portuguesa, complementando o regime da Convenção, sem com ela conflituar, veio dar relevância à detenção em curso, anterior ao pedido de extradição. E não distinguiu - conforme resulta do nº 6 do artigo 66º, que manda aplicar o disposto no artigo 65º - entre detenção provisória e detenção não solicitada (regulada no artigo 66º).
De qualquer forma, e face ao argumento apresentado pelo recorrente nas alegações, embora não levado às conclusões, de que se estabelece uma discriminação favorável aos extraditandos detidos antes da formulado o pedido de extradição no confronto dos extraditandos detidos na sequência do pedido de extradição, há que dizer que se justifica a diferença de regimes porque diferentes são as situações. De um lado temos uma detenção não solicitada ou fundada em mero pedido de detenção, do outro temos uma detenção fundada em pedido de extradição. E há que sublinhar que se trata de um desfavor relativo, visto que, ao contrário do que é sugerido nas alegações, não se somam sem mais o prazo de 60 dias, do nº 3 do artigo 65º, com o prazo de 65 dias, do artigo 54º, nº 1, que rege para a detenção do extraditando no processo normal.
Assim, nos casos de detenção não solicitada, nos termos do nº 4 do artigo 66º (como também na detenção provisória), se passados
40 dias de detenção não tiver sido recebido pedido de extradição, a detenção terá de cessar. Mas nada obsta - antes está expressamente previsto no nº 7 do artigo 37º, que aqui se limita a retomar o nº 5 do artigo 16º da Convenção - a que, se o pedido de extradição vier a ser ulteriormente recebido, se inicie novo processo, com nova detenção, que nunca será então uma detenção provisória.
Todavia, se o pedido de extradição tiver sido recebido antes do termo dos 40 dias de detenção provisória, o que a lei refere não é que os 60 dias do nº 3 do artigo 65º se se somarão aos 65 dias do artigo
54º, nº 1. Os 60 dias daquela norma não são mais do que uma exigência de celeridade, prevista em favor do extraditando, imposta aos responsáveis pelo processo administrativo. Com efeito, recebido o pedido de extradição, o Governo terá de apresentar o processo em juízo até ao sexagésimo dia contado do início da detenção antecipada, pois, se não for assim, o extraditando terá de ser restituído à liberdade. A introdução desta norma vem assim impedir que, nestas situações, se conte um novo prazo de detenção - só então poderia dizer-se que os prazos seriam susceptíveis de ser somados - a partir do momento do recebimento pelo Governo de um pedido de extradição, o qual, para os efeitos da manutenção da detenção, poderia entender-se que valeria como um pedido de detenção provisória.
Aliás, o prazo de sessenta dias corre antes da apresentação do pedido de extradição em juízo, enquanto no processo normal ou comum a detenção só pode ocorrer depois dessa apresentação, inclusivamente depois do despacho liminar.
Não pode, portanto, concluir-se pela existência de qualquer discriminação arbitrária na medida em que, perante situações processuais tão diversas, as práticas a adoptar terão também de ser diferentes, sem embargo de existirem razões válidas que justificam tal diversidade, pelo que também aqui não ocorre qualquer inconstitucionalidade.
Assim, a decisão recorrida do STJ que decidiu inexistir qualquer fundamento para deferir a requerida providência de «habeas corpus» não aplicou qualquer norma afectada de inconstitucionalidade ou em sentido diverso do anteriormente decidido por este Tribunal, tendo também respeitado os prazos decorrentes da aplicação da Convenção Europeia de Extradição, pelo que recurso não pode proceder.
III - DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
A) - Não tomar conhecimento do recurso na parte relativa à norma do nº 3 do artigo 51º do Decreto-Lei nº 43/91, de 23 de Janeiro;
B) - Negar provimento ao recurso, na parte respeitante às restantes normas questionadas, assim confirmando a decisão recorrida.
Lisboa, 12 de Março de 1997 Victor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa