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Processo nº 719/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., e recorrido o Conselho Superior da Magistratura, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, não tendo as partes oferecido qualquer resposta, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC's.
Lisboa, 11 de Março de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Armindo Ribeiro Mendes Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 719/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- O Conselho Superior da Magistratura (CSM), por deliberação do seu Conselho Permanente, concordou com a proposta apresentada no relatório do inspector judicial, lavrado em processo de averiguações, no sentido de instauração de processo disciplinar ao juiz de Direito A..
Notificado, reclamou este magistrado, dirigindo-se, para o efeito, ao Presidente do Plenário do CSM, alegando, por um lado, não satisfazer a notificação que lhe foi feita os requisitos previstos no artigo
68º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e, por outro lado, impugnando a factualidade indiciariamente considerada provada, assim pretendendo obter o arquivamento do processo de inquérito.
No entanto, o Plenário do CSM, por acórdão de 19 de Dezembro de 1995, não admitiu a reclamação apresentada, entendendo não só ter a notificação obedecido aos requisitos legais como não ser reclamável, por não constituir decisão final, a deliberação que mandou instaurar processo disciplinar.
Inconformado, recorreu o interessado contenciosamente para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) requerendo a anulação do acórdão quanto à notificação, cuja arguição de nulidade mantém, e, bem assim, do decidido a respeito da inadmissibilidade legal da reclamação.
Em seu modo de ver, a deliberação impugnada constitui um acto administrativo externo e materialmente definitivo. De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre estaríamos perante um acto preparatório destacável, nessa medida susceptível de impugnação graciosa e contenciosa.
De resto, a Constituição, após a revisão de 1989, garante, no nº 4 do seu artigo 268º, a possibilidade de recorrer contenciosamente de qualquer acto administrativo, independentemente do seu carácter definitivo e executório.
Em sua tese, é sempre possível reclamar graciosamente de qualquer acto administrativo, não estando em causa a natureza do acto impugnável (e cita, a propósito, os artigos 164º e 165º do Estatuto do Magistrados Judiciais - Lei nº 21/85, de 30 de Julho - os artigos 158º e 161º do CPA e fontes doutrinárias: Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1264; Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, págs. 27 e segs. e Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, I, págs. 108 e segs.).
2.- A Secção do Contencioso do STJ, por acórdão de 5 de Março de 1996, não admitiu o recurso, rejeitando-o liminarmente.
Contrariamente à tese do recorrente, o Supremo teve o acto em causa por irreclamável, por se tratar de acto interno e não materialmente definitivo, inexistindo autonomizadamente, ou seja, não revestindo as características de acto preparatório destacável.
E convocou, para o efeito, o disposto nos artigos
135º, nºs. 1 e 2, 124º e 116º daquele Estatuto, actuando nos parâmetros do capítulo XI - Reclamações e recursos - do mencionado Estatuto (artigos 164º e seguintes).
Reagiu o recorrente, desta vez arguindo a nulidade do acórdão do STJ.
Segundo defende, houve omissão de pronúncia, na medida em que nada se disse sobre a questão da nulidade da notificação e houve falta de fundamentação na rejeição liminar do recurso, como exige a própria Constituição, no seu artigo 208º, nº 1.
Observa, a este respeito, que a decisão, in casu,
'deveria ser precedida da análise e interpretação das normas jurídicas constantes do recurso apresentado pelo arguente, nomeadamente os artigos 120º e
161º, nº 1, do C.P. Administrativo, para daí concluir pela inadmissibilidade legal da reclamação e, consequentemente, do recurso (para a qual se deve indicar a respectiva base legal). Tal não se verificou.'
E, acrescenta:
'Pelo contrário, se o douto acórdão em apreciação já levou em conta as normas acabadas de mencionar e constantes do C.P. Administrativo, então a interpretação e aplicação das mesmas está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição da República.'
No seu entendimento, a decisão baseou-se apenas nos artigos 124º e 135º, nº 1, do Estatuto que, no entanto, 'de forma alguma podem basear a decisão proferida'.
Os autos foram à conferência, a qual, por acórdão de 18 de Junho último, indeferiu o pedido de declaração de nulidade.
Fundamentalmente, considerou-se não ser caso de falta de pronúncia uma vez que a decisão foi liminar, de não admissão do recurso, e não houve igualmente falta de fundamentação quanto ao decidido uma vez que o próprio reconheceu assistir-lhe base legal só que a tem por inaplicável ao caso - o que poderá constituir erro de direito mas nunca falta de fundamentação.
3.- Ainda inconformado, recorreu o interessado para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
29/82, de 15 de Novembro, do acórdão do STJ de 5 de Março de 1996.
Reconhecendo que este não refere expressamente o artigo 161º, nº 1, do CPA, adianta, no entanto, que ele se fundamenta numa interpretação dessa norma que é violadora do artigo 268º, nº 4, da CR,
'porquanto tal interpretação restringe a possibilidade de impugnação graciosa ou contenciosa aos actos administrativos materialmente definitivos e executórios'.
Alega ter suscitado a questão 'por diversas vezes', nomeadamente no recurso interposto da deliberação do Plenário do CSM e no requerimento de arguição de nulidade.
E aponta, como objecto do recurso, a 'apreciação e declaração da inconstitucionalidade material superveniente do artigo 161º, nº 1, do C.P. Administrativo, na interpretação que lhe foi dada pelo douto acórdão recorrido (isto é, interpretado no sentido de considerar só graciosa e contenciosamente impugnáveis os actos administrativos materialmente definitivos e executórios), porque violadora do disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº 1/84, de 8/7'.
4.- Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
De acordo com a jurisprudência pacífica e reiteradamente firmada por este Tribunal Constitucional, entre os requisitos de verificação indispensável para admissibilidade do recurso de fiscalização concreta, compreendem-se a suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade da norma que o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal - ou de um seu segmento ou, ainda, de uma dada dimensão interpretativa da mesma - e a utilização dessa norma pela decisão recorrida.
Como se observou no acórdão nº 361/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Novembro de 1995 (que, por todos, se cita) a suscitação há-de ser feita, não só de forma clara e perceptível, de modo que o tribunal recorrido saiba que tem essa questão para resolver, como tempestivamente, ou seja, a tempo de esse mesmo tribunal poder decidir, salvo casos excepcionais e anómalos em que ao recorrente ainda se não deparou oportunidade processual para o fazer. E entende-se, igualmente, nesta concepção funcional do pressuposto, não constituirem já, em princípio, momentos adequados para a suscitação com vista à abertura da via do recurso, quer os incidentes de aclaração quer os de arguição de nulidades da decisão recorrida (cfr., v.g. J.M. Cardoso da Costa, A Jurisprudência Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra,
1992, pág. 51, nota 50 e a jurisprudência aí mencionada).
Também a norma questionada deve ter sido aplicada na decisão como ratio decidendi ou, pelo menos, como um dos seus fundamentos normativos, não apenas se afastando uma utilização meramente adjuvante de uma qualquer norma, como obiter dictum ou como argumento ad ostentationem, como se exigindo que a decisão final proferida se tenha servido da norma como seu fundamento legal, isto é, que essa norma tenha sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida, de modo determinante (cfr. v.g., o acórdão nº 82/92, publicado no citado jornal oficial, II Série, Suplemento, de 18 de Agosto de
1992).
5.- No caso vertente, equaciona o recorrente uma dada tese interpretativa do nº 4 do artigo 268º da CR que está longe de ser aceite pacificamente seja no plano doutrinário, seja no jurisprudencial (cfr., a este propósito, os acórdãos deste Tribunal nº. 9/95 e 499/96, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995 e 3 de Julho de 1996, respectivamente, onde bem se espelham as divergências existentes nesta matéria).
No entanto, e independentemente da abordagem desta questão, que se tem por desnecessária, certo é que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, sequer implicitamente, a norma do nº 1 do artigo 161º do CPA, nem uma sua qualquer vertente interpretativa.
Na realidade, e como já houve oportunidade de registar, os seus parâmetros normativos foram outros - como, de resto, o próprio recorrente reconhece ao arguir a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, por entender que o silêncio quanto à norma do nº 1 do artigo 161º pode significar interpretação inconstitucional desta mesma norma (suscitação de qualquer modo tardia, dado o já exposto, até porque nas alegações para o STJ o preceito é invocado a título meramente ilustrativo).
6.- Em face do exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, emite-se parecer no sentido de não poder conhecer-se do objecto do recurso, por inverificação de todos os pressupostos exigidos para o recurso de constitucionalidade com base na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A deste diploma legal.