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Processo n.º 177/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. instaurou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, contra o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e B., ação administrativa especial de impugnação do despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, de 5 abril de 1993, que concordou com a informação n.º 18/93, de de 1 de março de 1993.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por sentença de 14 de fevereiro de 2010, julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolveu os demandados do pedido.
O Autor recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 12 de janeiro de 2010, negou provimento ao recurso.
Inconformado, o Autor recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«A. autor / recorrente, nos autos acima indicados, onde está devidamente identificado; nos termos dos artigos 280º nºs 1 alínea b), 4 e 6 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 70º nº 1 alínea b) e 75º nºs 1 e 2 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e artigo 6º nº 1 alínea c) do Decreto - Lei nº 329-A/95 de 12/12, vem interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, da norma jurídica que resulta da interpretação que o Tribunal Central Administrativo do Sul fez, no douto acórdão de 12/01/2012, dos artigos 67º nº 1 alínea b) e 132º nº 2 do Código Procedimento Administrativo, em articulação; confirmando a mesma interpretação feita na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja ; o que faz nos seguintes termos:
1- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC;
2- O recorrente/autor pretende que o Tribunal Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade dos artigos 67º nº 1 alínea b) e 132º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, em articulação, na interpretação feita, no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 12/01/2012, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no sentido de que a aposição, pelo recorrente / autor, do escrito “sem prejuízo do direito de recurso” junto da sua assinatura na ata de 7/5/1993; donde não consta o conteúdo do despacho de 05/04/1993, que foi objeto do recurso, mas que nunca foi notificado; equivale a perfeito conhecimento do conteúdo de tal despacho, dispensa a sua notificação e que dá início do prazo para a sua impugnação jurisdicional;
3- Esta norma jurídica resultante da interpretação do artigo 67º nº 1 alínea b) do Código Procedimento Administrativo em articulação com o artigo 132º nº 2 do mesmo Código, que constituiu a ratio decidendi da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, viola os artigos 20º nºs 1, 3 e 4 e artigo 268º nº 3 da Constituição da República Portuguesa;
4- Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do Recurso e nas conclusões 20ª e 21ª para o Tribunal Central Administrativo do Sul;
5- O prazo para o recurso é de 15 dias nos termos dos artigos 6º nº 1 alínea c) do Decreto - Lei nº 329-A/95 de 12/12 e 150º nº 1 do Código de Processo Administrativo.»
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No caso dos autos, o recorrente fez constar do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, acima transcrito, que pretende a fiscalização da constitucionalidade das normas constantes «dos artigos 67º nº 1 alínea b) e 132º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, em articulação, na interpretação feita, no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 12/01/2012, (…) no sentido de que a aposição, pelo recorrente / autor, do escrito “sem prejuízo do direito de recurso” junto da sua assinatura na ata de 7/5/1993; donde não consta o conteúdo do despacho de 05/04/1993, que foi objeto do recurso, mas que nunca foi notificado; equivale a perfeito conhecimento do conteúdo de tal despacho, dispensa a sua notificação e que dá início do prazo para a sua impugnação jurisdicional».
Embora faça referência a determinada interpretação normativa que teria sido dada aos referidos preceitos legais pelo tribunal a quo, o Recorrente não imputa o vício de inconstitucionalidade a qualquer critério normativo que tenha sido utilizado pela decisão recorrida como seu fundamento.
Com efeito, o que resulta do requerimento de interposição de recurso é que o Recorrente pretende sindicar a constitucionalidade da decisão judicial em si mesma considerada, reputando de inconstitucional o concreto ato de julgamento, de subsunção do caso concreto aos parâmetros constantes das normas dos artigos 67.º, n.º 1, alínea b), e 132.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.
Ou seja, é forçoso concluir que o Recorrente pretende discutir a constitucionalidade do resultado dessa operação de subsunção e não a aplicação de um qualquer critério jurídico, genérica e abstratamente concebido, passível de controlo jurídico-constitucional.
Ora, não existindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto a própria decisão judicial e não uma questão de constitucionalidade normativa, como acima já se explicou.
Não estando preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, deverá ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente reclamou desta decisão com os seguintes argumentos:
“A presente reclamação vem interposta da douta decisão sumária de 21/03/2012, a fim de ser apreciação pela Conferência.
O reclamante não questiona, no recurso interposto para o Tribunal Constitucional (TC), o douto acórdão de 12/01/2012 do Tribunal Central Administrativo do SUL (TCAS).
Ao invés, o que questiona é a inconstitucionalidade do critério normativo, ou seja, a inconstitucionalidade da norma jurídica que serviu de critério de decisão, isto é, a interpretação normativa dada ao artigo 67º nº 1 b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) conjugado com o artigo 132º nº 2 do mesmo diploma.
Efetivamente, o que se questiona é a inconstitucionalidade material da norma jurídica que se extrai do artigo 67º nº 1 al. b) do CPA combinado com o artigo 132º nº 2 do mesmo, conforme se indicou no requerimento de interposição do recurso.
Na verdade, o texto do nº 1 do requerimento de interposição do recurso, em articulação com o contexto do requerimento, integrado pela peça processual invocada, permite delimitar a norma jurídica cuja inconstitucionalidade material se suscita, que constitui o objeto do recurso, nos seguintes termos:
“A inconstitucionalidade da norma jurídica que se extrai dos artigos 67º nº 1 al. b) e 132º nº 2 do CPA, em articulação, interpretados no sentido de que a assinatura de um documento (texto) donde consta a referência a um dado despacho (ato administrativo), mas sem o conteúdo do mesmo, mas só a data, equivale ao conhecimento desse despacho (ato administrativo) e dispensa a sua notificação para efeitos do início do prazo de impugnação jurisdicional”
Este teor literal, ou seja, a interpretação das fontes de direito mencionadas - artigo 67º nº 1 al. b) combinado com o artigo 132º nº 2, ambos do CPA - é suportado pelo texto e contexto do requerimento; sendo certo que, por não haver uma fórmula legal, tem que se admitir alguma plasticidade na formalização da regra jurídica, dado que a forma de redigir e expor varia de intérprete para intérprete.
Além deste aspeto, que é relevantíssimo e procedente, invoca-se o direito fundamental de acesso e efetivação da justiça, no qual se garante um processo justo, à máxima efetividade dos direitos fundamentais e ao princípio da proporcionalidade, princípios /regras estes que impõem o conhecimento do recurso, garantindo-se a efetivação da Justiça e concretização do estado de Direito.
Acresce ainda que o artigo 75º-A nº 1 da LTC não impõe a formalização da interpretação da fonte de direito, bastando-se com a indicação desta.
Sendo, também, certo que o artigo 75º-A nº 5 da LTC impõe o convite ao aperfeiçoamento do requerimento.
O reclamante pretende, pois, a apreciação da inconstitucionalidade da indicada norma - artigo 67º nº 1 al. b) combinado com o artigo 132º nº 2 , ambos do CPA - , que constitui o objeto do recurso, que constituiu o critério normativo de decisão no acórdão do TCAS.
Não pretende, portanto, a apreciação da decisão (acórdão) do TCAS, visto que o que pretende é a apreciação da inconstitucionalidade material da norma jurídica, critério normativo de decisão, que suporta aquela.
Nestes termos, com o douto suprimento de V. Excelências, deve ser deferida a presente reclamação, conhecendo-se do recurso de inconstitucionalidade material da norma jurídica que se extrai dos artigos 67º nº 1 al. b) e 132º nº 2 do CPA, em articulação, interpretados no sentido de que a assinatura de um documento (texto) donde consta a referência a um dado despacho (ato administrativo), mas sem o conteúdo do mesmo, mas só a data, equivale ao conhecimento desse despacho (ato administrativo) e dispensa a sua notificação para efeitos do início do prazo de impugnação jurisdicional.”
Fundamentação
O recurso interposto pelo Reclamante não foi conhecido por se ter entendido que o mesmo não tinha por objeto um critério normativo, mas sim o resultado duma operação de subsunção do circunstancialismo do caso concreto a determinados preceitos legais, o que resultava na impugnação da própria decisão.
O Recorrente discorda e, reformulando o enunciado do objeto do recurso, defende que o mesmo consiste numa norma jurídica cuja constitucionalidade pode ser fiscalizada.
Em primeiro lugar, a indicação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada deve constar integralmente do requerimento de interposição de recurso, sendo já extemporânea a sua formulação na reclamação da decisão que não conheceu do recurso.
Em segundo lugar, por força do princípio do pedido, não cabe ao julgador encontrar na decisão recorrida o critério normativo que o Recorrente pretende ver sindicado.
Em terceiro lugar, o convite à correção do requerimento só deve ocorrer quando o Recorrente, por lapso, tenha omitido qualquer indicação da norma cuja fiscalização de constitucionalidade pretende, e não quando indique como objeto do recurso o resultado duma operação de subsunção de um determinado circunstancialismo a certos preceitos legais.
Ora, o Recorrente no requerimento de interposição de recurso escreveu que pretendia ver declarada “a inconstitucionalidade dos artigos 67º nº 1 alínea b) e 132º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, em articulação, na interpretação feita, no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 12/01/2012, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no sentido de que a aposição, pelo recorrente / autor, do escrito “sem prejuízo do direito de recurso” junto da sua assinatura na ata de 7/5/1993; donde não consta o conteúdo do despacho de 05/04/1993, que foi objeto do recurso, mas que nunca foi notificado; equivale a perfeito conhecimento do conteúdo de tal despacho, dispensa a sua notificação e que dá início do prazo para a sua impugnação jurisdicional”.
Não se descortina aqui a enunciação de uma qualquer regra abstrata susceptível de uma aplicação potencialmente genérica. Muito pelo contrário, a “interpretação” indicada confunde-se com a perspetiva da Recorrente do caso concreto (é essa perspetiva do caso concreto que reúne todos os elementos, muitos deles de caráter fáctico, que formam o todo que a Recorrente reputa inconstitucional).
É verdade que pode admitir-se a hipótese de encontrar outro caso idêntico ao descrito pela Recorrente, mas essa hipótese não retira o cariz casuístico à interpretação enunciada. Esta só se mostraria apta a abarcar outro caso por este ser idêntico no planos dos factos e não por a interpretação, em si, ter um caráter de generalidade e abstração que a vocacionasse a reger situações diversas.
Sendo patente a estruturação da referida questão em torno das particularidades do caso, reproduzindo uma série de elementos especificamente caracterizadores de uma dada situação, mais do que identificando um critério normativo, não se vê que dela se destaque, com um mínimo de “distanciamento” uma dimensão normativa, como seria indispensável para a pretensa interpretação não se fundir com o ato de aplicação.
Por estas razões não é possível considerar que o Recorrente submeteu ao juízo do Tribunal Constitucional uma norma ou uma interpretação normativa, pelo que revela-se correta a decisão de não conhecer do mérito do recurso.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 9 de maio de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.