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Processo nº 89/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional I
1.- C..., Lda., com sede no Milharado, concelho de Mafra, deduziu no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa - 4º Juízo, oposição à execução fiscal contra si instaurada pela Fazenda Pública por dívidas ao Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas (IROMA), provenientes da taxa da peste suína e da taxa de comercialização.
Invocou, para o efeito, a 'inconstitucionalidade orgânica e formal' das normas do artigo 13º do Decreto-Lei nº 15/87, de 9 de Janeiro, e do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, de 5 de Julho, determinante da ilegalidade da dívida exequenda.
O Senhor Juiz, por decisão de 4 de Março de 1996, julgou no sentido da não inconstitucionalidade das referidas normas e, consequentemente, teve a oposição por improcedente e não provada.
Inconformada, interpôs a executada recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por acórdão de 9 de Outubro seguinte, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2.- É desta decisão que vem interposto recurso pela executada e embargante, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo-se a apreciação da constitucionalidade e da legalidade das normas dos artigos 11º e
13º daquele Decreto-Lei nº 15/87, e 1º do Decreto-Lei nº 235/88, dado que, em seu entender, tais normas violam os seguintes preceitos e princípios constitucionais:
a) artigo 8º da Constituição da República (CR) e o primado do direito comunitário;
b) artigo 108º da CR e os princípios da autorização anual e da inscrição orçamental;
c) artigos 106º, nº 2, e 168º da CR e os princípios da estabilidade fiscal e garantias dos contribuintes.
Recebido o recurso, alegaram oportunamente a recorrente e a Fazenda Pública.
Concluíu a primeira as suas alegações do seguinte modo:
'a) A atribuição pelo DL nº 15/87, ao recém-constituido IROMA, do direito a cobrar as 'taxas' que eram receita da extinta JNPP, ofende os princípios constitucionais da reserva de competência formal da AR, em matéria fiscal e da autorização anual e inscrição orçamental.
b) As 'taxas' cobradas pelo IROMA são verdadeiros impostos.
c) As 'taxas' do IROMA violam o artº 6º da Sexta Directiva do Conselho da CE (Directiva nº 17/378/CEE), não ressalvado pelo artº 378º do Acto Anexo ao Tratado de Adesão.
d) As 'taxas' do IROMA, constituindo encargos de eficácia equivalente a direitos aduaneiros, violam os artigos 193º do Tratado de Adesão e
9º e 13º nº 2 do Tratado de Roma.
e) Tais tributos, bem como o respectivo título são material e formalmente inconstitucionais, por violarem os nºs. 1 e 2 do artº 8º, 106º e
168º da CRP.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, se deve declarar a inconstitucionalidade, conforme requerido no requerimento de recurso, dos artigos 11º e 13º do DL nº 15/87 de 9 de Janeiro e do artº 1º do DL nº
235/88 de 5 de Julho.'
Por seu turno, a Fazenda Pública, através do seu representante, sintetizou a sua argumentação nas conclusões que se transcrevem:
'a) O artigo 72º da Lei nº 9/96, de 30 de Março veio autorizar o Governo a criar ou rever receitas a favor dos organismos de coordenação económica ou dos que resultarem da sua restruturação, em ordem a cumprir os ditames do contrato de adesão a CEE.
b) Não houve solução de continuidade entre a extinção e a criação de diferentes organismos, mas sim uma relação jurídica de sucessão.
c) Em razão da sucessão entre o organismo extinto e o IROMA o Decreto-Lei nº 15/87 não criou ou modificou qualquer imposto.
d) As taxas em causa têm a natureza de impostos específicos por incidirem sobre matéria física.
e) As taxas em causa não têm a natureza de impostos sobre o volume de negócios.
Termos em que não ocorrem as alegadas violações constitucionais devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.1.- Constitui objecto do presente recurso a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 11º e 13º do Decreto-Lei nº 15/87 e do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, já mencionados.
O primeiro destes diplomas criou o IROMA, organismo dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, além de personalidade jurídica (artigo 1º), com receitas próprias, constando entre elas o produto da cobrança de taxas [alínea i) do nº 1 do artigo 11º], assumindo o novo Instituto, segundo o nº 2 do artigo 12º, as obrigações e os direitos adquiridos emergentes de contrato, de acto jurídico ou de lei constituídos na esfera jurídica dos organismos de coordenação económica pelo mesmo texto legal extintos, entre eles figurando a JNPP - alínea a) do nº 1 do artigo 12º (IROMA que, por sua vez, 'esvaziado das atribuições com que inicialmente havia sido dotado', seria objecto de extinção através do Decreto-Lei nº 197/94, de 21 de Julho).
O Decreto-Lei nº 235/88, por seu lado, veio disciplinar o regime de cobrança de dívidas ao IROMA, provenientes da falta de pagamento de taxas e multas decorrentes da sua actividade (cfr. o nº 1 do artigo 1º), prescrevendo o artigo 2º aplicar-se o diploma unicamente aos processos a instaurar após a sua entrada em vigor (nº 1), continuando a regular-se pela legislação em vigor os processos pendentes a essa data, até que sejam findos (nº
2).
A cobrança regular das receitas do IROMA foi considerada pelo legislador (preâmbulo do Decreto-Lei nº 235/88), 'condição indispensável para uma actuação eficiente do organismo na orientação dos mercados agrícolas, sector de primordial importância para o público consumidor', justificando o elevado montante dos créditos a cobrar e a tendência verificada para o seu aumento 'que a cobrança coerciva dessas dívidas seja feita através do processo de execução fiscal, que se caracteriza pela sua celeridade e simplicidade, sem que os legítimos interesses de defesa dos devedores sejam postos em causa'.
Ora, entre as taxas que passaram a constituir receita do IROMA constam a taxa da peste suína africana e a taxa de comercialização, a que os autos se reportam.
A primeira foi criada pelo Decreto-Lei nº 44 158, de 17 de Janeiro de 1962. Originariamente cobrada através das repartições de finanças, se voluntariamente paga, para a sua cobrança coerciva eram competentes os tribunais das execuções fiscais (artigos 2º e 4º), passando, no entanto, a competência para o pagamento voluntário para a JNPP (Decreto-Lei nº 354/78, de
23 de Novembro), passando ao INGA (Instituto Nacional de Garantia Agrícola) e, depois, ao IFADAP (Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas), antes de o IROMA se tornar competente para o efeito
(artigos 6º e 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 250/88).
A taxa de comercialização - criada por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Economia, de 23 de Novembro de 1972 - era cobrada pela JNPP (artigo 1º do Decreto-Lei nº 343/86, de 9 de Outubro).
No plano coercivo e até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 235/88, uma e outra taxa, devidas ao IROMA, cobravam-se pelos tribunais judiciais (com ressalva da primeira, num momento inicial, da competência dos tribunais de execução fiscais).
1.2.- Concretamente, no artigo 11º do Decreto-Lei nº 15/87 está fundamentalmente em causa a sua alínea i) nos termos da qual constituem receita do IROMA, entre outras, 'o produto da cobrança de taxas', dispondo o artigo 13º:
'As taxas de comercialização e outras imposições parafiscais a favor dos organismos extintos e que não contrariem o disposto na Acta de Adesão de Portugal à CEE passarão a ser cobradas e a constituir receita do IROMA.'
E o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88 (não interessa o nº 2) prescreve:
'1.- A cobrança coerciva das dívidas ao IROMA provenientes da falta de pagamento de taxas e multas decorrentes da sua actividade, quando não pagas dentro do prazo fixado, far-se-á pelo processo de execução fiscal, através dos serviços de justiça fiscal'.
São estas as normas que a recorrente entende ofenderem a Constituição, seja sob o ponto de vista orgânico - 'criação de impostos e sistema fiscal', matéria da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 168º da CR, na redacção então em vigor em conexão com o nº 2 do artigo 106º - seja no contexto material (princípios da legalidade consagrados no artigo 106º, nº 2, do mesmo texto e da autorização anual e inscrição orçamental acolhido no artigo
108º), seja, ainda, pela violação do disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 8º.
2.1.- O Tribunal Constitucional tem vindo a considerar - em orientação que ora se reafirma - que a norma do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88 não regula matéria respeitante à definição do sistema fiscal nem procede à criação de impostos, bem como não tem por objecto a incidência ou a taxa de impostos existentes ou o regime dos benefícios fiscais: cfr. acórdãos nºs. 268/97,
500/97, 501/97 e 502/97, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 1997, os restantes ainda inéditos.
Assim, abordando a problemática da constitucionalidade dessa norma face à reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República a respeito de 'criação de impostos e sistema fiscal', ponderou-se no citado acórdão nº 500/97, seguindo de perto o acórdão nº 268/97:
'Este Tribunal já disse, porém, que o sistema fiscal é um sistema de impostos, não incluindo as taxas ou quaisquer outros tributos[...].
A doutrina também identifica geralmente o sistema fiscal com o sistema de impostos, dele excluindo, por conseguinte, as taxas [...].
Por isso, se, ao menos para o efeito do artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição (reserva de competência legislativa da Assembleia da República, delegável no Governo, no tocante «à criação de impostos e sistema fiscal»), os tributos que estão em causa nos autos e a que se aplica a norma sub iudicio (ou seja: a taxa da peste suína africana e a taxa de comercialização), revestirem a natureza de taxas, e não a de impostos - questão que aqui não terá de decidir-se, atentas as razões que adiante se alinharão - aquele preceito constitucional não é violado.
É que, não só as taxas se não incluem no sistema fiscal, como, para elas, não vale, a qualquer outro título, a reserva de lei[...].
Mas a norma sub iudicio continua a não violar a reserva parlamentar atinente à «criação de impostos e regime fiscal», constante da mencionada alínea i) do nº 1 do artigo 168º, mesmo que tais tributos revistam a natureza de imposto - [scilicet, de «uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado (ou por outros entes públicos) com vista
à realização de fins públicos»] -, e não de taxa[...].
É certo que a mencionada reserva da lei, quando tenha por objecto a criação de impostos, abarca «a criação e a definição dos elementos essenciais daquelas receitas, unilateralmente impostas, que hão-de custear o financiamento em geral das despesas públicas (dir-se-á: das 'despesas gerais'), e hão-de ser repartidas pela 'generalidade' dos contribuintes de harmonia com os critérios genericamente apontados nos artigos 106º e 107º da Constituição da República Portuguesa» (cf. os citados acórdãos nºs. 205/87, 461/87 e 497/89). E, por isso, apenas uma lei parlamentar (ou um decreto-lei parlamentarmente autorizado) pode
«criar impostos», determinar-lhes a incidência e a taxa, e estabelecer os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes[...]. Essa lei (formal) já não tem, porém, que versar sobre o lançamento, a liquidação e a cobrança dos impostos: tais matérias podem, com efeito, ser reguladas por decreto-lei
(reserva de lei material): [cf., entre outros, os citados acórdãos nºs. 205/87 e
461/87].
Simplesmente, a norma que aqui está em apreciação não versa nenhuma das matérias compreendidas naquela reserva de lei - maxime (contrariamente ao que decidiu o juiz recorrido), não dispõe sobre as garantias dos contribuintes'
(nº 5.2)
Assim seguindo o mesmo aresto, importa notar que as garantias dos contribuintes cobertas pela reserva parlamentar compreendem 'as garantias processuais graciosas (reclamação graciosa, recurso hierárquico, etc.) e contenciosas (impugnação do acto tributário, oposição no processo de execução fiscal, defesa no processo penal fiscal, etc.), o direito de não pagar impostos que não estejam previstos na lei com o correspondente direito de resistência do artigo 106º, nº 3, da Constituição, o direito à consulta prévia nos casos previstos na lei (como tem sido tradicional no direito aduaneiro e agora também em matéria de benefícios fiscais e no direito fiscal em geral), as demais garantias dos contribuintes previstas nos artigos 19º a 30º do Código de Processo Tributário, como são o direito à informação (que integra os esclarecimentos relativos a interpretação das leis fiscais, as informações relativas a petições e reclamações do contribuinte e a comunicação ao denunciado do autor das denúncias dolosas), a fundamentação e notificação dos actos em matéria tributária, o direito a juros indemnizatórios e o direito a redução das coimas em caso de pagamento espontâneo, e outras garantias referentes ao processo penal fiscal' (J. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra, 1994, pág. 245).'
E, tendo, assim, como certo, não dispor a norma em causa sobre matéria integradora das garantias dos contribuintes cobertas pela reserva de lei, concluíu-se, na esteira do citado acórdão nº 268/97:
'A consequência de tal disciplina legal, no que concerne ao tribunal competente e às garantias processuais, é ficarem os devedores do IROMA colocados na mesmíssima situação de qualquer devedor de impostos.
Por isso, se o processo de execução fiscal, que é um processo mais expedito do que o processo executivo comum, oferecer menores garantias do que este último - questão que aqui não é necessário dilucidar -, da norma em causa, resulta apenas (como sublinha o Ministério Público) uma diminuição das
«garantias do executado, tal como decorrem do direito privado e da execução em processo civil».
Isso, porém, nada tem a ver com a reserva de lei relativa às
«garantias do contribuinte». E essa é a única a que se refere a alínea i) do nº
1 do artigo 168º da Constituição.
A norma sub iudicio não viola, pois, a alínea i) do nº 1 do artigo
168ºda Constituição.' (ibidem)
2.2.- Reitera-se o juízo de não inconstitucionalidade já anteriormente formulado.
De igual modo, e como se decidiu no acórdão nº 500/97, em orientação secundada pelos acórdãos nºs 501/97 e 502/97, nesta área se afastando do acórdão nº 268/97, também não se verifica violação do disposto na alínea q) do nº 1 do artigo 168º da CR, a respeito da 'organização e competência dos tribunais' (sempre na redacção anterior à 4ª Revisão Constitucional) pois, como se escreveu impressivamente no acórdão nº 502/97 '[...] duas linhas de argumentação alternativas conduzem ao resultado da não inconstitucionalidade em face do artigo 168º, nº 1, alínea q) da Constituição.
Segundo uma primeira linha, a norma contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, de 5 de Julho, não terá operado qualquer inovação na repartição de competência entre tribunais judiciais e tributários, tendo procedido antes à densificação e à concretização não arbitrárias de cláusulas gerais que constam das normas referentes à repartição de competências executivas entre o foro comum e o foro tributário.
Na verdade, a norma constante da alínea b) do nº 2 do artigo 233º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, que corresponde à norma do artigo 37º, alínea c) do Código de Processo das Contribuições e Impostos de 1963, estabelece que as dívidas equiparadas por lei aos créditos do Estado são cobradas mediante processo de execução fiscal.
Por seu turno, o artigo 237º, nº 2, do Código de Processo Tributário estabelece que compete ao tribunal tributário da 1ª instância da área onde correr a execução decidir a oposição do executado, situação a que se reportam os presentes autos.
Por outro lado, a norma contida no artigo 62º, nº 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estabelece que compete aos tribunais tributários de 1ª instância a cobrança coerciva das dívidas a pessoas de direito público nos casos previstos na lei.
Ora, entender-se-á, na linha da orientação que fez vencimento no Parecer nº 6/77 da Comissão Constitucional (Pareceres, I volume, p. 105), que a integração da cobrança coerciva dos créditos de que é titular um instituto público na competência dos tribunais fiscais consubstancia tão somente uma equiparação de um tipo de créditos aos créditos do Estado.
Nessa medida, o diploma em causa no presente recurso mais não terá feito do que concretizar a cláusula geral vigente em sede de definição da competência dos tribunais tributários, segundo um critério materialmente adequado à natureza da dívida (equiparável às dívidas fiscais do próprio Estado) e à qualificação do seu titular activo (um instituto público).
Nesta perspectiva, a norma que constitui objecto do presente recurso não terá estabelecido um verdadeiro regime inovatório. Por outro lado, mesmo num plano material, esta ideia é confirmada pela circunstância de o diploma em apreço se ter limitado, como se referiu, a confirmar expressamente uma solução com tradição legislativa (cf., quanto a situações análogas, os Acórdãos nºs.
331/92 - D.R., II Série, de 14 de Novembro de 1992; 371/94 - D.R., II Série, de
3 de Setembro de 1994).
Assim, por esta via ter-se-ia de concluir que não se verificaria também qualquer inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168º, nº
1, alínea q), da Constituição.
[...]Mas a idêntica conclusão chegará ainda quem adopte uma interpretação mais exigente do disposto na alínea q) do nº 1, do artigo 168º da Constituição, à semelhança do que se fez no acórdão nº 268/97.
De facto, neste aresto, partiu-se do entendimento de que a medida legislativa constante da norma desaplicada '- para além de mandar observar o processo de execução fiscal para a cobrança coerciva da taxa da peste suína africana e da taxa de comercialização, devidas ao IROMA - havia transferido para os tribunais fiscais uma competência que, então, era dos tribunais judiciais':
'O Governo tem, assim, que estar munido de autorização legislativa para editar normas que alterem a distribuição de competncias entre tribunais pertencentes a ordens judiciais diferentes, uma vez que só desse modo ele pode legislar sobre matérias da competência legislativa parlamentar delegável.
É que, seja qual for o alcance a atribuir à reserva legislativa, no ponto em que ela tem por objecto a definição da «competência dos tribunais», há-de concluir-se aí, sem dúvida, a definição de quais as matérias que são da competência dos tribunais judiciais e quais as que são dos tribunais fiscais
[cf. sobre esta questão, entre outros, os acórdãos nºs. 36/87, 356/89, 72/90 e
271/92 (...)].'
Simplesmente, este entendimento não teve em conta a existência de legislação pré-constitucional que já havia integrado na competência dos tribunais tributários a cobrança coerciva de receitas dos antigos organismos de coordenação económica. Ora, o Decreto-Lei nº 48 704, de 25 de Novembro de 1968,
- depois de referir no seu preâmbulo que se mostrava 'conveniente uniformizar a forma da cobrança das dívidas aos organismos de coordenação económica' e considerando que a natureza e funções destes organismos justificam que se adopte o regime estabelecendo para a cobrança coerciva das dívidas ao Estado, estabeleceu no seu artigo único:
'A cobrança coerciva das dívidas aos organismos de coordenação económica pro venientes da falta de pagamento de taxas, multas e outros rendimentos legalmente autorizados, é da competência dos tribunais das contribuições e impostos, através do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão passada pelo respectivo organismo.'
Ora, a extinção dos vários organismos de coordenação económica através do Decreto-Lei nº 15/87, de 9 de Janeiro (entre os quais se encontrava a Junta Nacional dos Produtos Pecuários) não implicou a cessação da cobrança das receitas de direito público cobradas por esses organismos, já que veio a ser criado um instituto público que recebeu várias das atribuições e competências desses organismos [...].
Havia, assim, lei pré-constitucional a atribuir competência à Justiça Fiscal para a cobrança coerciva das taxas da peste suína e de comercialização, circunstância que elimina o carácter inovador à norma do artº
1º, nº 1, do Decreto-lei nº 235/88, de 5 de Julho, o qual manteve o regime de cobrança anteriormente utilizado para os créditos da Junta Nacional de Produtos pecuniários. Não houve, assim, alteração da distribuição de competências pré-estabelecidas, pressuposto de que partiu o citado acórdão nº 268/97.'
3.- As precedentes considerações, na sequência da orientação assumida por este Tribunal, parcialmente transcrita, levam a julgar a norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88 como não contrária seja da alínea i), seja da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da CR (texto oriundo da 2ª Revisão Constitucional). E, do mesmo passo, afastam os suscitados vícios de inconstitucionalidade material com essa matéria estreitamente articulada, quer por pretensa violação do nº 2 do artigo 106º, quer por ofensa ao artigo 108º do texto constitucional.
De igual modo, claudica a argumentação aduzida pelo recorrente quanto à hipotética violação do artigo 8º.
Como, de igual modo, este Tribunal vem entendendo, sempre que se coloque a questão da contrariedade da norma de direito interno com norma de direito internacional, o poder de cognição do Tribunal só poderá incidir sobre normas cuja aplicação tenha sido recusada na decisão recorrida ou quando tenham sido aplicadas em desconformidade com o sentido de anterior julgamento deste próprio Tribunal sobre a questão, de acordo com o disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da lei nº 28/82 (cfr., entre outros, os acórdãos nºs. 228/97, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Junho de 1997, e nº 505/97, ainda inédito).
Ora, manifestamente, no caso sub judicio, nem houve recurso interposto ao abrigo dessa alínea, nem tão pouco se integra o âmbito da sua previsão.
Não subsiste, em consequência, a argumentação deduzida pela recorrente em matéria de constitucionalidade, seja no tocante à norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, seja referentemente às impugnadas normas do Decreto-Lei nº 15/87.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se o decidido no que respeita à matéria de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1998 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa