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Procº nº 97/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Não tendo, por despacho proferido em 23 de Setembro de 1997 pelo Juiz do Tribunal de comarca de Tondela, sido admitido o recurso que, por A. C., foi interposto da sentença que, nos autos pendentes por tal Tribunal e requeridos pelo Banco C...,S.A., decretou a sua falência, reclamou aquele para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação, suscitou o reclamante que, '[s]e se sufragasse uma interpretação do citado Artº.
129º Código da Falência, ou se se interpretasse qualquer outra norma deste Código, no sentido da interdição da possibilidade de recurso da sentença declaratória da falência, tal interpretação, tal regime de irrecorribilidade representaria a violação de preceitos constitucionais', 'entre outros, os Artº.
2º, Artº 9º, alínea b), Artº. 18º, Artº. 20º, Artº 26º e Artº 204º da Constituição da República Portuguesa'.
Por despacho de 25 de Novembro de 1997, foi a reclamação indeferida pelo Presidente da Relação de Coimbra e, não tendo sido deferido o pedido de esclarecimento que o então reclamante solicitara relativamente a tal despacho, veio o impugnante A. C. dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, fundando-se na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação do artº 129º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril.
2. Determinada a feitura de alegações, concluiu o recorrente a por si produzida do seguinte modo:-
'PRIMEIRA: Por efeito da Sentença Declaratória da
Falência proferida em Processo Especial de Recuperação da Empresa e da Falência, desencadeiam-se consequências jurídicas que importam a supressão, limitação ou restrição de direitos fundamentais do cidadão/falido, constitucionalmente previstos e protegidos, designadamente o direito à capacidade civil (Artº. 26º da CRP); o direito ao desenvol- vimento da personalidade humana (Artº. 26º da CRP); o direito ao bom nome e reputação (Artº. 26º da CRP); o direito à reserva da intimidade da vida privada (Artº. 26º da CRP); o direito à inviolabilidade da correspondência (Artº. 34º da CRP); o direito à liberdade (Artº. 27º da CRP); o direito à propriedade privada (Artº. 62º da CRP). SEGUNDA: O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (Dec.-Lei nº 132/93), enquanto LEI RESTRITIVA daqueles direitos fundamentais, estava sujeito à RESERVA DE LEI RESTRITIVA prevista no Artigo
165º, nº 1 alínea b) da CRP. TERCEIRA: A autorização legislativa que a Assembleia da República concedeu ao governo através da Lei nº 16/92, de 6 de Agosto, limitou-se a autorizar o governo a determinar a inibição do falido para o exercício do comércio. QUARTA: Tal autorização não define o objecto, o sentido e a extenção de qualquer outra restrição áqueles direitos fundamentais. QUINTA: Os efeitos e consequências juridicas decorrentes para o falido da Sentença Declaratória da Falência que afectem ou restrinjam os demais direitos fundamentais enunciados, não são aplicáveis por estarem feridos de inconstitucionalidade. SEXTA: A Sentença Declaratória da Falência tem efeitos sancionatórios para o falido e afecta gravemente os seus direitos fundamentais. Sem prescindir. SÉTIMA: O direito ao Recurso, nos casos como os dos presentes autos, em que se está perante um acto jurisdicional de cariz sancionatório e que também afecta, comprime ou restrinje direitos fundamentais, goza de protecção constitucional como emanação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no Artº.
20º da CRP, e é corolário do princípio do estado de direito democrático, plasmado no Artº. 2º da CRP. OITAVA:A interpretação do Artº 129º do CPEREF e do sistema do Código em geral, no sentido da interdição ou proibição do RECURSO DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA, viola os princípios e normas constitucionais enumeradas na conclusão anterior; NONA: No sentido em que o DIREITO AO RECURSO DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA constitui uma garantia contra um acto jurisdicional que restringe fortemente direitos e liberdades, a supressão desse DIREITO AO RECURSO só podia ser constitucionalmente válida se a Assembleia da República tivesse autorizado o governo a legislar com esse sentido e alcance ? o que não sucedeu. DÉCIMA: A simplificação do processado, que é o argumento do legislador para suprimir o Direito ao Recurso da Sentença Declaratória da Falência, não constitui um Bem Jurídico com relevância constitucional que se sobreponha à protecção e garantia da intangibilidade dos direitos fundamentais em causa, mediante o recurso com efeitos suspensivos da sentença que decretou a falência. DÉCIMA PRIMEIRA: O entendimento contrário, ou seja, conferir relevância a uma sentença com características precárias e condicionais, atribuindo-lhe efeitos executórios imediatos por supressão do direito ao recurso, por razões de mera simplificação processual, constituiria uma carga coactiva desmedida, desajustada, excessiva e desproporcionada, sobre os direitos, liberdades e garantias efectivas. DÉCIMA SEGUNDA: Tal entendimento viola fundamentalmente o principio da proporcionalidade e da proibição do excesso, previsto e consagrado no nº 2 do Artº. 18º da CRP DÉCIMA TERCEIRA: O CPEREF, entendido no sentido de que suprime o direito ao recurso da Sentença Declaratória da Falência, constituiria uma LEI RESTRITIVA que, no entanto, estaria ferida de inconstitucionalidade por não obedecer ao regime constitucional específico das leis restritivas. (Artº. 18, nº 2 e 3 da CRP)?.
Com a sua alegação juntou o recorrente um «parecer» subscrito pelo Professor Gomes Canotilho e pelo Dr. Paulo Castro Rangel.
De seu lado, o Banco C...,S.A., rematou a sua alegação propugnando por se dever negar provimento ao recurso.
Cumpre decidir.
II
1. A norma cuja conformidade constitucional é questionada pelo ora recorrente consta do preceito ínsito no artº 129º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência aprovado pelo Decreto-Lei nº
132/93, de 23 de Abril (rectificado na I Série-A do Diário da República de 31 de Junho de 1993), tendo o seguinte teor:- Artigo 129º. Oposição de embargos à sentença
1- Podem opor embargos à sentença, quando haja razões de facto ou de direito que afectem a sua regularidade ou real fundamentação:
a) O devedor, desatendido na sua apresentação à falência, ou que, não se tendo apresentado para tal efeito, tenha sido declarado em situação de falência;
b) Qualquer credor que como tal se legitime;
c) O Ministério Público, nos casos em que os interesses a seu cargo o justifiquem:
d) O cônjuge, os ascendentes ou descendentes e os afins em 1º grau da linha recta da pessoa considerada falida, no caso de a falência se fundar na fuga do devedor relacionada com a sua falta de liquidez;
e) O cônjuge, herdeiro, legatário ou representante do devedor, quando a falência haja sido declarada depois da morte do falido ou quando o falecimento tenha ocorrido antes de findo o prazo para a oposição por embargos.
2 - Os embargos devem ser deduzidos dentro dos sete dias subsequentes
à publicação da sentença declaratória da falência no Diário da República.
3 - A dedução dos embargos suspende a liquidação do activo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 145º, bem como os termos do processo subsequente à sentença de verificação e graduação de créditos.
Se bem que se não extraia do transcrito preceito, de forma directa, a proibição da impugnação da sentença que declare a falência por intermédio de uma qualquer das formas de recurso ordinário (que é a dimensão cuja incompatibilidade com a Lei Fundamental é suscitada pelo recorrente), o que é certo é que, de um lado, foi com essa dimensão que se aplicou, no despacho sob censura, a mesma norma e, de outro, impõe-se aproximar o mesmo preceito daqueloutro constante do artº 228º do mesmo Código, o qual reza assim:- Artigo 228º. Recursos da decisão sobre os embargos
1- Da decisão sobre os embargos opostos à sentença declaratória da falência cabe recurso, que sobe imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo; se a decisão sobre os embargos houver mantido a declaração de falência, a interposição do recurso suspende, todavia, a liquidação do activo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 145º, e suspende também os termos subsequentes à sentença de verificação e graduação de créditos.
2 - O recurso do despacho de indeferimento liminar sobre imediatamente, nos próprios autos dos embargos, que para esse efeito são desapensados.
3 - Sempre que não tenha sido oferecida prova ou que esta tenha sido rejeitada sem impugnação do recorrente, estando o valor da causa fora da alçada da Relação, o recurso das decisões proferidas sobre embargos pelo tribunal de 1ª instância sobe directamente ao Supremo Tribunal de Justiça.
Aliás, não se descortina no articulado do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência qualquer norma de onde se extraia que a decisão que decrete a falência pode ser impugnada por intermédio de uma qualquer das formas de recurso ordinário, sendo certo que no preâmbulo do diploma aprovador de tal Código se refere expressamente:
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São também bastante significativas as alterações introduzidas na matéria dos recursos das decisões judiciais proferidas ao longo da acção.
Por um lado, a sentença declaratória da falência, por uma questão de justificada simplificação, deixa de estar simultaneamente sujeita, como sucede no direito vigente (artigo 1183º, nº 3, do Código de Processo Civil), à dedução de embargo e à interposição de recurso.
Passa a estar apenas sujeita à dedução de embargos, com fundamento tanto em circunstâncias de facto, como em razões de direito, regime que tem a vantagem de, além do mais, propiciar ao tribunal a possibilidade de repensar a decisão.
Da decisão dos embargos cabe recurso, seja qual for o seu sentido.
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Da sentença que denegue a declaração de falência continua a caber recurso de apelação, mas a lei passa a determinar com toda a clareza a sua subida imediata nos próprios autos e o seu efeito meramente devolutivo.
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Foi, certamente, com base neste circunstancialismo que o despacho impugnado fez aplicação do citado artº 129º [recte, da alínea a) do seu nº 1 ] interpretado em termos de ele não consentir o recurso de apelação da sentença que declare a falência.
Enfermará a norma sub iudicio do vício de desconformidade com o Diploma Básico?
É o que se irá ver.
2. Tem este Tribunal tido desde há muito uma jurisprudência impressiva sobre a questão da denominada garantia da via judiciária, quando traduzida no direito ao recurso que, incluído no mais vasto direito de acesso ao direito e aos tribunais, prescrito no artigo 20º da Constituição, seria, para se usarem as palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 164), ?traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição?.
De harmonia com essa mesma jurisprudência, tal direito não tem de ser visualizado como ilimitado e, não estando em causa matérias de âmbito criminal ? que postularão, em nome das garantias de defesa que o processo criminal deverá assegurar ao arguido, ex vi do artigo 32º da Constituição, um segundo grau de jurisdição tocantemente a sentenças penais condenatórias (e essa garantia, consubstanciada na imposição de um recurso, está, desde a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, expressamente consagrada na parte final do nº 1 daquele artigo 32º) -, inscreve-se na liberdade conformadora do legislador a ampliação ou a restrição das existentes formas de impugnação das decisões judiciais ou a adopção de outras, sendo que, de todo o modo, e porque o Diploma Básico prevê a existência de tribunais de recurso, o que, neste particular, estará vedado àquele legislador é, tão só, a supressão global dos recursos (cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal nº 287/90, publicado na 2ª Série do Diário da República de 20 de Fevereiro de 1991; cfr., também, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1994, 99 e seguintes).
Não ignora o Tribunal a postura de alguns que identicamente defendem que estando em causa decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, deve considerar-se que também aí impõe a Constituição, por força do seu artigo 20º (e conquanto nela se não encontre expressamente previsto o direito ao recurso), a necessidade de consagração do direito ao duplo grau de jurisdição que, dessa arte, se apresenta ?como garantia imprescindível desses direitos? (cfr., verbi gratia, Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra e local citados).
2.1. Ora, para quem essa postura perfilhe, e mesmo supondo que o decretamento da falência desencadeava uma restrição ou compressão de direitos, liberdades e garantias do falido (do que sempre se poderia legitimamente duvidar no que concerne a alguns direitos elencados pelo recorrente), mister é que se saiba se esse decretamento (recte, as razões fácticas e jurídicas que a ele conduziram) se posta como algo que, com base na norma sub iudicio, é completa e totalmente desprovido de uma reapreciação judicial por banda de um tribunal superior em via de recurso.
E a mesma questão também é colocável para quem sustente que aquela sentença tem ou pode ter (ou pode apresentar) determinados efeitos de cariz sancionatório a que, então, seria porventura aplicável a regra constante do nº
10 do artigo 32º da Constituição, aditado pela Revisão Constitucional operada pela mencionada Lei Constitucional nº 1/97, num entendimento segundo o qual as garantias de defesa aí referidas englobariam o direito ao recurso explicitado na parte final do nº 1 do mesmo artigo (na redacção dada por tal Lei Constitucional).
Pois bem.
3. Mesmo que se efectuasse uma suposição de harmonia com a qual, tendo em conta , designadamente, alguns dos efeitos prescritos no artº 128º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (cfr., sobre os efeitos substantivos da declaração de falência, Luís Carvalho Fernandes, Efeitos substantivos da declaração de falência, in Direito e Justiça, vol. IX, tomo 2, 1995, 21 e seguintes e Oliveira Ascenção, EFEITOS DA FALÊNCIA SOBRE A PESSOA E NEGÓCIOS DO FALIDO, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55, Dezembro de 1995, 641 e seguintes, que, inter alia, sublinha que a inibição do falido, justificada ?pela credibilidade que devem merecer os comerciantes?, não
é ?emanação ou componente da situação do falido?, não se devendo confundir com incapacidade) - efeitos esses que se caracterizariam como algo que constituía limitações ou restrições sobre matérias incluíveis em direitos, liberdades ou garantias fundamentais (ou a estes análogas), por isso havendo a decisão judicial decretadora da falência de comportar uma reapreciação em sede de recurso - a questão que se coloca é, pois, a de saber se o sistema instituído por aquele Código se mostrará contrário a um tal posicionamento.
Efectivamente, não se pode olvidar que tal sistema assegura devidamente que a decisão que declare a falência seja objecto de impugnação, já não por via de recurso, mas sim por intermédio de embargos, situação que, bem vistas as coisas, até concede oportunidade de uma reapreciação com vários graus
? pela 1ª instância e por intermédio dos vários recursos ordinários que da decisão proferida nos embargos caibam no caso.
3.1. Esta última asserção, todavia, não chega, só por si, para resolver a questão.
Na verdade, não se passa em claro que se poderia esgrimir com o argumento segundo o qual, pressupondo os embargos ?como regra a alegação e prova de factos novos? (para se usarem as palavras de Armindo Ribeiro Mendes, obra citada, 131), isso conduziria, na suposição acima colocada, a que o «remédio» concretizado na utilização da via dos embargos não se mostraria suficiente para o asseguramento de um duplo grau de jurisdição (e isto, claro está, para quem defenda a postura, já equacionada, dos que defendem a imposição constitucional de tal asseguramento quando em causa estejam direitos, liberdades ou garantias ou decisões que acarretem o decretamento de sanções).
Simplesmente, uma interpretação literal da norma constante do artº
129º, nº 1, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aliada à circunstância de, por um lado, contrariamente ao que se dispunha no artº 1184º do Código de Processo Civil, os motivos para a dedução de embargos previstos naquela primeira disposição já se não encontrarem taxativamente enunciados e, por outro, de não haver, ao contrário do que no sistema de tal Código adjectivo (cfr. nº 3 do artº 1183º) se prescrevia, recurso da sentença declaratória da falência, devem levar a que os embargos a que se reportam aquele artº 129º não possam unicamente fundamentar-se na alegação e prova de factos novos ou de razões jurídicas não atendidas naquela sentença.
De todo o modo, e perante uma dualidade interpretativa, em que de um dos lados se postasse aquela que imediatamente acima se indicou e, de outro, a que apontasse no sentido de nos embargos unicamente se poderem aduzir e provar factos novos (e sendo qualquer dessas interpretações comportáveis perante o teor normativo do mencionado artº 129º), sempre haveria, tomando por referência os ditâmes constitucionais, que perfilhar a primeira, por isso que era aquela que, ao menos com maior facilidade e amplitude, permitiria a reponderação, por um tribunal superior, das razões fácticas e jurídicas da sentença declaratória da falência, tendo em vista alguns dos efeitos que ela comporta.
3.1.1. Neste contexto, não se pode afirmar que a norma sub specie, ao suprimir o recurso ordinário previsto no nº 3 do artº 1183º do Código de Processo Civil, vá coarctar a possibilidade de defesa do declarado falido contra actos jurisdicionais, defesa essa levada a efeito por intermédio do seu pedido de reapreciação por um tribunal superior.
Esta reapreciação, que seria imposta por uma postura tal como a que ora se debate, defluída do artigo 20º da Constituição (e ou do seu artigo 32º), não tem, necessariamente, que se limitar, e de um modo único, à consagração da previsão do recurso ordinário. Antes, o que se impõe é a possibilidade de um tribunal de hierarquia superior poder reanalizar os fundamentos de facto e de direito que foram acolhidos na decisão judicial.
Ora, a dedução de embargos e a possibilidade de a decisão tomada sobre eles poder ser reapreciada por um tribunal superior, no acolhimento da interpretação gizada, constitui, seguramente, um modo adequado de se obter a re-análise de uma decisão com a qual o falido não concorda e da qual, por isso, se tenta «defender» (sempre dentro da perspectiva de que essa decisão vai contender, limitando ou restringindo direitos ou liberdades fundamentais seus, ou representa, também, a imposição de determinadas sanções).
E nem se diga, como o recorrente parece fazer crer na sua alegação, que o sistema constituído pela norma sub iudicio vai fazer com que, não havendo fundamentos para os embargos e, assim, não se podendo lançar mão destes, ficaria subsistente a sentença declaratória da falência e, não admitindo esta recurso ordinário, tal sistema contrariaria o «direito ao duplo grau de jurisdição».
Um tal argumento, minimamente, não é probante.
É que, inexistindo na realidade fundamentos para os embargos, não se vislumbra com que base seria fundado o recurso cuja não previsão ora é questionada, e isto, como é óbvio, ponderada a interpretação do artº 129º, que acima se acolhe.
4. Considera também o Tribunal que uma argumentação baseada na circunstância de efeito do recurso dos embargos ser diverso do efeito regra do recurso de apelação, por si só, não acarreta riscos tais para a pessoa do falido, fazendo com que a norma em análise (na dita interpretação, mais compatível constitucionalmente, nos termos que se vieram de expor) seja conflituante com o Diploma Básico.
De facto, é necessário não olvidar que o efeito suspensivo acarretado pelo recurso de apelação não é algo de imutável, por isso que, se, em regra, a interposição do recurso de apelação suspende a execução da sentença
(cfr. nº 1 do artº 692º do Código de Processo Civil), muitas hipóteses estão legalmente previstas em que tal tipo de impugnação não acarreta o efeito suspensivo (cfr. nº 2 daquele artigo), algumas delas repousando, inclusivamente, no prejuízo que a parte vencedora sofreria pela dação de tal efeito [cfr. alínea d) daquele nº 2].
Os prejuízos abstractos para o comércio em geral decorrentes de um estado objectivo de falência em que, sendo esta decretada, se permitisse o desenvolvimento, quiçá pernicioso, da actividade comercial do falido, em razão da interposição de recurso de apelação da sentença que a decretou, não se vislumbram como constituindo algo de desproporcionado em face do acautelamento dos interesses do declarado falido que, de todo o modo, pode impugnar, embora por uma via não directa tal como o recurso de apelação, a decisão judicial que assim o declarou, e que não vê o seu património ser liquidado.
Aliás, não é despiciendo sublinhar-se que, mesmo no regime processual anterior ao introduzido pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, em que era permitida a impugnação, por intermédio de recurso de apelação, da sentença declaratória da falência, havia quem defendesse na doutrina que esse recurso, não obstante o seu efeito suspensivo, não era impeditivo da imediata apreensão de bens e da inibição do falido (cfr. Pedro Macedo, Manual de Direito das Falências, 2º volume, 245).
Num balanceamento, de uma banda, dos interesses do falido e, mais concretamente, nos aspectos ligados a direitos, liberdades e garantias de que desfrute (ou, numa certa perspectiva, o sancionamento que lhe possa ser imposto em razão do estado de falido) e que possam ser postos em crise ou em risco pela sentença que decrete a falência e, de outra, os riscos advenientes para o comércio em geral, aditando-se a isto, e com o máximo relevo, que não é, de todo, vedada a possibilidade de o falido obter a reapreciação da decisão que o decretou falido, não lobriga o Tribunal que, em virtude de dessa decisão não estar consagrado o recurso de apelação, se poste uma injustificada e desproporcionada situação reclamante de um juízo de censura da norma sub specie que a fulminasse com o vício de inconstitucionalidade.
5. Refira-se, por último, que, nos vertentes autos, o objecto do recurso é, e só, constituído pela analisada norma, e não por aqueloutra ou aqueloutras que prescrevem os efeitos, sobre a pessoa do falido.
E daí não se tornar necessário enfrentar a questão de saber se, nesse passo, se depararia uma verdadeira norma limitativa ou constritiva de direitos, liberdades e garantias, reclamante da intervenção legislativa parlamentar, quer directamente, quer mediante autorização concedida ao Governo. III
Pelo que se deixa dito, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa