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Processo nº 92/96 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª. Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. e sua mulher, B., propuseram, no Tribunal Judicial da comarca de Viseu, uma acção contra C., mãe daquele, pedindo que esta seja condenada a dar-lhes (a eles e aos filhos de ambos), a título de alimentos, habitação na casa em que ela habita, que lhe pertence e se situa em ------
(Viseu).
A acção foi, porém, julgada improcedente (e, consequentemente, a ré absolvida do pedido), por sentença de 28 de Setembro de
1993.
Pedindo os autores a aclaração da sentença, foi o seu pedido indeferido, por despacho de 14 de Outubro de 1993.
Arguiram, seguidamente, os autores a nulidade da sentença, em requerimento subscrito pelo solicitador que os representava nos autos, dizendo que, 'a não ser anulada a douta sentença, como se requer, há inconstitucionalidade na aplicabilidade das disposições legais citadas' (ou seja, dos artigos 2003º, nº 1, 2004º, 2005º, 2007º e 2009º, nº 1, alínea c), todos do Código Civil, e artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil).
O juiz, por despacho de 3 de Novembro de 1993 - depois de ponderar que 'o subscritor do requerimento [...] não pode, como bem deve ter conhecimento, alegar outras questões que não sejam aquelas em que não se suscitem questões de direito' e que o 'requerimento junto aos autos é todo ele objecto de questões de direito' - decidiu que, 'se pretender manter o mesmo nos autos, deverá (tal requerimento) ser ratificado no seu conteúdo e subscrito por advogado devidamente inscrito na respectiva Ordem dos Advogados, em 8 dias'.
Vieram, então, os autores arguir a nulidade deste despacho (de 3 de Novembro de 1993), dizendo que, 'se se mantiver a exigência da intervenção de advogado, há inconstitucionalidade das normas dos artigos 32º, nº
1, alíneas a), b) e c), e 34º, ambos do Código de Processo Civil'.
O juiz, em 18 de Novembro de 1993, proferiu o seguinte despacho: 'uma vez que o requerimento junto não é senão a repetição do alegado no anterior e que nos mereceu o despacho [...] já notificado ao requerente e no qual não houve, como é óbvio, nenhum lapso (como o sr. solicitador invoca), oportunamente nos pronunciaremos sobre o então requerido e logo que seja dado cumprimento ao ordenado'.
2. É destes despachos (de 18 e de 3 de Novembro de 1993, respectivamente) que vem o presente recurso, interposto pelos autores, ao abrigo da alínea b) do nº.1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade dos artigos 32º, nº 1, alíneas a), b) e c), e
34º do Código de Processo Civil e do artigo 62º, nº 1, do Estatuto dos Solicitadores.
Este recurso, admitido por despacho de 20 de Dezembro de
1993, só veio a subir ao Tribunal Constitucional, em 26 de Janeiro de 1996.
Os recorrentes, notificados neste Tribunal, para constituirem advogado e darem cabal cumprimento ao artigo 75º-A da respectiva Lei, indicando a peça processual em que suscitaram a inconstitucionalidade do artigo 62º, nº 1, do Estatuto dos Solicitadores, vieram dizer que, 'em nenhuma peça processual', está em causa este normativo. Acrescentaram que, tendo litigado, na 1ª instância, com apoio judiciário, na modalidade de dispensa de preparos e do pagamento custas, pediam agora a concessão de patrocínio - o que foi deferido, por despacho do relator, de 23 de Abril de 1996.
Os recorrentes, nas alegações que apresentaram neste Tribunal, formularam conclusões, nas quais - para além de indicarem as normas legais, cuja constitucionalidade pretendem que este Tribunal aprecie, e a peça processual onde a sua inconstitucionalidade foi suscitada - disseram que 'deve ser dado provimento ao recurso'.
A recorrida - depois de anotar que os recorrentes 'não apresentam qualquer argumentação', 'qualquer fundamento por que pedem a declaração de inconstitucionalidade na aplicação das normas' dos artigos 32º, nº
1, alíneas a), b) e c), e 34º do Código de Processo Civil e nº 1 do artigo 62º do Estatuto dos Solicitadores - conclui as suas alegações dizendo que 'a completa deficiência e obscuridade das conclusões e a não fundamentação do presente recurso, deverá conduzir à improcedência do mesmo'.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. O objecto do recurso:
O Tribunal apenas conhecerá da questão de constitucionalidade da norma que se extrai do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código), segundo a qual, mesmo nas acções em que não seja obrigatória a constituição de advogado, as partes, representadas por solicitador, não podem suscitar questões de direito.
De facto, como decorre do relato feito, só essa norma foi aplicada pelos despachos recorridos. Acresce que, no requerimento de interposição de recurso, os próprios recorrentes excluiram do seu objecto os artigos 2003º, nº 1, 2004º, 2005º, 2007º e 2009º, nº 1, alínea c), do Código Civil, e, bem assim, o artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil. E, quanto ao artigo 62º, nº 1, do Estatuto dos Solicitadores - para além de os recorrentes não terem suscitado a sua inconstitucionalidade durante o processo (o mesmo sucedendo com o artigo 61º, nº 2, do mesmo Estatuto) - eles próprios esclareceram que tal normativo não está em causa nos autos. Em causa está - disseram - 'tão-somente o âmbito do exercício do mandato judicial por solicitador'.
O facto de as alegações (e, como decorrência, as respectivas conclusões) serem deficientes, ao ponto de, como no caso acontece, não fornecerem um único argumento capaz de suportar a tese da inconstitucionalidade invocada, não obsta ao conhecimento do objecto do recurso, nem tão-pouco implica o seu improvimento. Este só poderá decorrer do facto de o Tribunal não atinar com qualquer motivo de inconstitucionalidade que atinja a norma sub iudicio, na interpretação adoptada pela decisão recorrida.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. O artigo 34º do Código de Processo Civil reza assim:
Artigo 34º (Representação nas causas em que não é obrigatória a constituição de advogado) Nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado podem as próprias partes pleitear por si e ser representadas [...] por solicitadores.
A constituição de advogado não é obrigatória nas causas
(cíveis) em que ela não seja exigida pelas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo
32º do mesmo Código, que dispõem como segue: Artigo 32º (Constituição obrigatória de advogado)
1. É obrigatória a constituição de advogado: a). Nas causas da competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b). Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor; c). Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.
Mesmo nas causas (cíveis) em que seja obrigatória a constituição de advogado, 'os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito' - preceitua o citado artigo 32º, nº 2.
'Nos inventários, seja qual for a sua natureza e valor, só é obrigatória a intervenção de advogados para suscitarem ou discutirem questões de direito' - dispõe o mesmo artigo 32º, nº 3.
É dentro destes os limites que os solicitadores exercem o mandato judicial nas causa cíveis. A tais limites alude, de resto, o artigo
61º, nº 2, do respectivo Estatuto (aprovado pelo Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Junho), assim redigido:
Artigo 61º
2. O solicitador exerce o mandato judicial, com as limitações da lei de processo.
A lei considera que, tratando-se de causas de certo tipo ou de certo valor, é do interesse público e do interesse das próprias partes que estas sejam representadas em juízo por profissionais do foro: do interesse público, porque a boa administração da justiça exige que o pleito seja conduzido de modo competente, praticando as partes, em termos adequados, os actos processuais de sua responsabilidade; do interesse das próprias partes, porque a estas faltam, em regra, os conhecimentos técnicos necessários à boa condução da causa e falta, seguramente, a serenidade desinteressada que essa boa condução do litígio exige (cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, página 85).
Quando a lei impõe que, nas causas cíveis, as partes sejam representadas por profissionais do foro, determina que o mandato seja exercido por advogado. Fá-lo, decerto, por considerar que a competência técnica em razão da qual faz essa exigência só a têm, em regra, os advogados, e não também os candidatos à advocacia ou os solicitadores.
Essa mesma razão leva também a lei a permitir o exercício do mandato judicial por solicitador apenas naqueles casos em que reconhece capacidade postulatória às próprias partes, ou seja, nos casos em que as admite a pleitear por si próprias, sem assistência de advogado.
5.2. Não se discutiu nos autos que os recorrentes pudessem, eles próprios, exercer o ius postulandi. O que foi objecto de disputa foi saber se a capacidade postulatória que a lei lhes reconhece permitia ou não que eles suscitassem e discutissem questões de direito, por si próprios ou, como no caso aconteceu, por intermédio do solicitador que escolheram para os representar.
O juiz recorrido, como se viu, deu resposta negativa a essa questão.
Outra tem sido, no entanto, a resposta da doutrina.
Assim, ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª edição, Coimbra, 1948, página 114), perante um texto (o artigo
34º do Código de Processo Civil de 1939) que dispunha que 'nas causas em que não seja admissível recurso podem as próprias partes pleitear por si e ser representadas por solicitador', escreveu: As partes podem pleitear por si ou por meio de solicitador. Mas há um acto que deve considerar-se vedado às partes e aos solicitadores: as alegações orais em audiência de discussão e julgamento, quer para expor, quer para discutir a causa.
É certo que este artigo não contém tal limitação; mas o artigo 800º mostra claramente que, mesmo no processo sumaríssimo, só os advogados podem alegar oralmente. Ora o processo sumaríssimo corresponde a causas em que não é admissível recurso. As partes e os solicitadores nem podem fazer a discussão oral da causa, nem podem fazer a exposição oral a que se refere a alínea a) do artigo 653º.
Também JACINTO RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código de Processo Civil, I, Lisboa, 1963, página 123), escreve em anotação ao artigo 34º aqui sub iudicio: Nas causas, e nos actos, não referidos no artigo 33º, podem as partes pleitear por si, ou serem representadas por solicitador ou candidato à advocacia que tenha completado o primeiro terço do tirocínio. A lei não põe, então, qualquer limite à actividade da parte no processo sendo-lhe lícito versar todas as questões, quer de facto, quer de direito e praticar todos os demais actos. Só não pode alegar oralmente na audiência. Na verdade, o Código de Processo em todos os preceitos que se referem à audiência de julgamento (arts. 42º, nº 4, 652º, alínea f), 790º, nº 2, e 796º, nº 3), atribui exclusivamente ao advogado essa faculdade. É claro que esta restrição não é aplicável ao solicitador quando intervém por falta de advogado na comarca, nos termos do art. 33º, nº 5, pois, nesse caso, exerce o patrocínio judiciário sem qualquer limitação.
5.3. Não se trata, neste recurso, de dizer qual é a melhor interpretação da norma sub iudicio - ou, se se quiser, de saber qual, das duas interpretações que se deixam apontadas, é a mais conforme à letra e ao espírito da lei.
A interpretação adoptada pela decisão recorrida só a poderá, de facto, este Tribunal cassar, se concluir que ela é incompatível com a Constituição, designadamente, por violar o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental.
Num tal caso, com efeito, como a norma sub iudicio comporta seguramente um outro sentido - o sentido de que, nas causas (cíveis) em que as partes podem litigar por si próprias e ser aí representadas por solicitador, podem, elas mesmas (ou o solicitador que as represente), suscitar e discutir no processo qualquer questão, seja de facto, seja de direito - e este sentido é conforme à Constituição, o Tribunal deve (como se decidiu no Acórdão nº 609/95, publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1996)
'fixar o sentido da norma que é compatível com a Constituição, e mandar aplicar esta no processo com tal interpretação' (cf. também os acórdãos nºs 163/95 e
198/95, publicados no Diário da República, IIª série, de 8 de Junho de 1995 e de
22 de Junho de 1995, respectivamente).
É que (são ainda palavras do acórdão nº 609/95), 'entre uma interpretação que é conforme à Constituição e outra que com ela é incompatível, o intérprete (juiz incluído) deve preferir sempre o sentido que o texto constitucional suporta'. Se o não fizer e a sua decisão subir em recurso ao Tribunal Constitucional, este imporá, então, nos autos, a interpretação conforme à Constituição.
É esse o alcance jurídico-normativo do artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, que prescreve que, 'no caso de o juízo de constitucionalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa'.
Importa, por isso, saber se a norma sub iudicio, tal como foi interpretada pela decisão recorrida, viola (ou não) o direito de acesso aos tribunais.
5. 4. O artigo 20º da Constituição dispõe como segue: Artigo 20º. (Acesso ao direito e aos tribunais)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário.
Neste preceito constitucional - para além do direito de acesso ao direito e dos direitos à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário -, consagra-se o direito de acesso aos tribunais, que é um instrumento de defesa dos direitos e interesses legítimos das pessoas e constitui uma das essentialia do Estado de Direito.
Às pessoas não basta a garantia do conhecimento dos seus direitos, pondo-se à sua disposição serviços de informação e consulta jurídicas. Necessário é que se lhes assegure o acesso à via judiciária, em condições de igualdade, por forma a que ninguém se veja impossibilitado de recorrer a juízo para fazer valer os seus direitos ou defender os seus interesses, por falta ou insuficiência de meios económicos. Quando houverem de recorrer a juízo, têm elas direito a que os seus direitos e interesses sejam aí bem defendidos - e, para esse efeito, necessitam, em regra, da assistência de um advogado.
Por isso é que o direito ao patrocínio judiciário é - como se escreveu no acórdão nº 380/96 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Julho de 1996) - 'uma dimensão da garantia de protecção jurídica. Quando tenham que recorrer a juízo para defender os seus direitos ou interesses juridicamente protegidos, têm, pois, as partes o direito de se fazer assistir por profissionais do foro por si escolhidos e mandatados, que aí pratiquem, com a necessária competência e serenidade, os actos processuais devidos; que os pratiquem de molde a que haja uma boa administração da justiça'.
Mas - dir-se-á -, do facto de terem o direito de se fazerem assistir por advogado, não decorre, para as partes, o dever de, em todo e qualquer processo judicial, constituírem como seu mandatário um profissional do foro com essa qualificação.
Estando em causa questões simples, poderá dizer-se que uma tal exigência, por não ser requerida pelo interesse público da boa administração da justiça, nem imposta pelo interesse das próprias partes, seria
- senão de todo injustificada - ao menos, em muitos casos, desproporcionada, apenas servindo para coibir os interessados de recorrerem a juízo para defesa dos seus direitos e interesses.
De facto, ao advogado tem que pagar-se, e o direito a patrocínio judiciário gratuito não é (nem tem por que ser) um direito de todos, mas apenas um direito daqueles que não tenham capacidade económica para suportar as despesas do pleito.
Deste modo, tal exigência seria, nessas circunstâncias, excessiva, pois que, sem a necessária justificação, tornava particularmente oneroso o exercício do direito de recorrer a juízo, vindo, por isso, a traduzir-se numa restrição constitucionalmente inadmissível.
Nesta impostação do problema, o direito de acesso aos tribunais seria, por via dessa exigência, violado, e a norma que a fizesse afrontaria, então, o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Foi, de resto, o próprio legislador, como já se viu, quem, no artigo 34º do Código de Processo Civil, tornou, em certas causas cíveis, facultativa a constituição de advogado. É o que acontece nos inventários
(salvo para discutir questões de direito) e, bem assim, nas causas em que não seja admissível recurso ordinário, por o seu valor não exceder o da alçada e o recurso não ser admissível independentemente do valor (salvo, apesar de tudo, na fase de recurso ou quando as acções forem propostas num tribunal superior, em que a constituição de advogado é sempre obrigatória: cf. artigo 32º, nº 1, do mesmo Código).
Ainda de acordo com a mesma interpretação, na decisão sobre o tipo de acções em que as partes devem ser admitidas a pleitear por si próprias e o daquelas em que é obrigatória a constituição de advogado, há-de, naturalmente, o legislador gozar de uma razoável margem de liberdade. Questão é que deixe intocado o núcleo essencial da capacidade postulatória das partes.
5. 5. Pois bem: no entendimento que vem de expor-se, é esse núcleo essencial do ius postulandi das partes - e, assim, do direito de aceder aos tribunais sem necessidade de assistência de advogado - que se atinge quando se interpreta a norma constante do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código), em termos de impor às partes, nas acções em que lhes é permitido pleitear por si próprias e ser representadas por solicitador, a sua representação por advogado, para o efeito de poderem suscitar e discutir questões de direito.
De acordo com o referido entendimento, com essa interpretação, violar-se-ia, pois, o artigo 2Oº, nº 1, da Constituição.
5.6. Pode, no entanto, entender-se que a Constituição não impede o legislador de exigir a intervenção de advogado em todas as causas cíveis, desde que, claro é, o faça em termos de assegurar a todos o acesso aos tribunais em condições de igualdade, seja qual for a sua condição económica.
Para assim concluir, basta pensar na complexidade cada vez maior dos actuais sistemas jurídicos, a impor que as questões sejam discutidas em juízo apenas por profissionais com a adequada preparação.
Mas também neste outro entendimento, a aludida interpretação do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código) viola o direito de acesso aos tribunais.
É que, tendo o legislador optado por admitir as partes a litigar desacompanhadas de advogado nas causas que atrás se indicaram, o exercício do direito de acesso aos tribunais torna-se particularmente oneroso se, em tais causas, para suscitarem questões de direito, elas tiverem que constituir advogado ou que ir requerer a nomeação de um patrono oficioso. Em tais circunstâncias, com efeito, o direito de acesso aos tribunais, tal como a lei o recorta, transforma-se num 'meio direito': desde logo porque, para poder suscitar questões de direito, quando se litiga sem patrocínio oficioso, mas representado por solicitador, têm que pagar-se honorários a este e, também, a um advogado; e, quando houver que solicitar-se a nomeação de patrono, o processo sofre uma demora que poderá dificultar que a justiça seja administrada com prontidão (basta pensar no formalismo da nomeação, a implicar a interrupção dos prazos em curso, e na possibilidade de o advogado nomeado pedir escusa: cf. artigos 22º a 35º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, na redacção da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro). E tudo isso, bem entendido, sem que se descubra uma justificação razoável para tal exigência - justificação que o legislador logo entendeu que se verifica no caso dos inventários.
6. Concluindo: a interpretação do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código), que se tem por inconstitucional, não é, no entanto, necessária, pois o preceito admite uma outra interpretação - que, como se viu, vai no sentido de que, nos processos judiciais, os solicitadores que representem as partes só não podem suscitar questões de direito, nas causas em que é obrigatória a intervenção de advogado e nos inventários - que não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade.
A norma que se extrai do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com as alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código) deve, assim, ser interpretada no sentido de que, nas causas em que não é obrigatória a constituição de advogado, salvo nos inventários, as partes
(por si próprias ou por intermédio do solicitador que aí as represente) podem suscitar e discutir no processo todas as questões, sejam elas questões de facto ou de direito.
É, pois, com o sentido que acaba de indicar-se que a norma que se extrai do artigo 34º do Código de Processo Civil (conjugado com o artigo 32º, nº 1, alíneas a), b) e c), do mesmo Código) deve ser interpretada - e aplicada - no presente processo.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a fim de ser reformada, interpretando-se o artigo
34º do Código de Processo Civil (conjugado com o artigo 32º, nº 1, alíneas a), b) e c), do mesmo Código) com o sentido que se indicou como sendo conforme à Constituição. Fixa-se na quantia de 25.000$00 os honorários a favor do patrono do recorrente.
Lisboa, 18 de Março de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Bravo Serra (Não tomaria conhecimento do recurso, pois que, no caso, os recorrentes não cumpriram minimamente o nº 3 do artigo
690º do Código de Processo Civil. Quanto ao fundo, não posso deixar de assinalar que se me levantam algumas dúvidas quanto à solução que veio a ser acolhida no presente acórdão e isto em face da argumentação utilizada pelo Exmo. Conselheiro Luís Nunes de Almeida) Luís Nunes de Almeida (vencido, por entender que, sendo constitucionalmente admissível ao legislador vir a exigir a intervenção de advogado em todas as causas cíveis - como se afirma no acórdão que obteve vencimento -, não existem razões lógicas para que, ao mesmo legislador, não seja permitido exigir essa mesma intervenção, nos processos mais simples, apenas quando se suscitem questões de direito) .