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Processo nº 254/95
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A., identificado nos autos, foi submetido com outros a julgamento no tribunal colectivo da comarca de Ponte de Lima, acusado pelo Ministério Público como co-autor material de um crime previsto e punido pelo artigo 281º do Código Penal (redacção de 1982).
Realizado o julgamento, o Colectivo, por acórdão de
6 de Outubro de 1992, julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo os demais arguidos, condenou o ora recorrente como autor material de dois crimes de ofensas corporais, na forma tentada, previstos e punidos pelo nº 2 do artigo 144º do Código Penal (por convolação do crime por que vinha acusado) na pena de dez meses de prisão, por cada crime, e, em cúmulo, nos termos do artigo 78º do mesmo Código, na pena única de um ano e três meses de prisão.
Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e já então, nas respectivas alegações, defendeu terem ocorrido alterações substanciais e não substanciais da acusação dos factos descritos na acusação e do crime que lhe foi imputado, sem observância do disposto nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal que assim foram violados, do mesmo passo se desrespeitando os princípios consagrados nos nºs. 1 e 5 do artigo 32º da Constituição da República (CR).
O STJ, por acórdão de 9 de Março de 1995, negou, no entanto, provimento ao recurso.
No entendimento do Supremo não havia, no caso sub judice que observar o disposto seja no artigo 358º, seja no artigo 359º, citados, nem ofendidos foram os princípios do direito de defesa, do contraditório ou quaisquer outros, assegurados pelo artigo 32º da CR.
2.- Novamente inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por discordar do decidido, na parte em que não atendeu à invocada inconstitucionalidade dos artigos 359º e 379º do CPP
(há, aqui, manifesto lapso, pois teria querido escrever 358º e 359º como, de resto, em tudo o mais consta) 'quando interpretados no sentido de não se aplicarem quando há alteração da incriminação, ainda que menos grave'.
Recebido o recurso, alegaram, oportunamente, recorrente e Ministério Público.
Concluiu aquele as suas alegações do seguinte modo:
'1º- O recorrente foi acusado de ter praticado, em conjunto com mais três arguidos, um atentado, previsto e punido pelo artº 281º, nº 1, do Código Penal;
2º- A estratégia da defesa do recorrente teve em vista o tipo legal do crime que lhe foi imputado, nomeadamente a gravidade de tal crime;
3º- Feita a audiência de julgamento, com a produção da prova adequada, o recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de ofensas corporais, na forma tentada, p. e p.pelo artigo 144º, nº 2, do Código Penal, sendo os restantes três co-arguidos absolvidos;
4º- Os Srs. Juízes do Tribunal de 1ª Instância, apesar da alteração substancial do tipo de crime que vieram a concluir o recorrente teria praticado, não deram cumprimento ao disposto nos artigos 358º nº 1 e/ou 359º, nºs. 1, 2 e 3 do CPP.
5º- Interposto recurso pelo recorrente para o STJ, aquele invocou a nulidade da sentença do Tribunal Colectivo de Ponte de Lima pelo facto de não terem sido cumpridos os artigos 358º e/ou 359º do CPP, nulidade essa prevista no artigo 379º, alínea b), do CPP.
6º- E também se invocou a inconstitucionalidade dos artigos
358º e 359º do CPP, quando interpretados no sentido de que a alteração da incriminação, ainda que para crimes menos graves, não obrigava ao cumprimento do disposto naquelas normas, pois que haveria violação dos princípios dos direitos de defesa e do contraditório consagrados no artigo 32º, nºs. 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
7º- Porém, o STJ entendeu, efectivamente, que a alteração da incriminação no caso 'sub judice' de um crime p. e p. pelo artigo 281º, nº 1, para dois crimes p. e p. pelo artigo 144º, nº 2, do Código Penal, não obrigava ao cumprimento dos artigos 358º e/ou 359º do Código de Processo Penal.
8º- Portanto, a interpretação que o STJ fez daquelas normas
(artºs. 358º e 359º do CPP) no caso 'sub judice', viola os princípios da defesa e do contraditório consagrados no artigo 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.'
O recorrente termina por pedir que 'se declare que a interpretação feita no acórdão do STJ em recurso dos artigos 358º e 359º do CPP, no caso 'sub judice', viola os princípios da defesa e do contraditório e, por consequência, o artigo 32º, nºs. 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, devendo ser interpretados no sentido de que, havendo alteração da incriminação, mesmo para crime de menor gravidade, deve ser cumprido o disposto nos artigos 358º e/ou 359º do CPP, devendo, pois, conhecer-se do recurso e ordenar-se que o STJ novamente se pronuncie sobre o recurso tendo em atenção aquela interpretação [...]'.
O Senhor Procurador-Geral adjunto, por sua vez, apresentou as alegações do Ministério Público e formulou as seguintes conclusões:
'1º- O arguido poderá ser condenado por infracção diversa daquela por que foi acusado, desde que seja prevenido da possibilidade da nova qualificação, quando esta importar pena mais grave, facultando-se-lhe, quanto a ela, oportunidade de defesa.
2º- Nos casos, como o presente, em que a nova qualificação não conduz a uma condenação em pena mais grave, e constem da acusação os respectivos elementos integradores, o arguido pode preparar convenientemente a sua defesa, sem que tenha de ser prevenido da possibilidade daquela qualificação.'
Para o Ministério Público deve, assim, negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, na parte impugnada.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II
1.- O objecto do recurso.
Preceitua o artigo 358º do CPP, relativo à
'Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia':
'1- Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2- Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.'
O artigo 359º, subordinado à epígrafe 'Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia', dispõe, por sua vez:
'1- Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos.
2- Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
3- Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a dez dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.'
As normas transcritas terão sido aplicadas na decisão recorrida - na tese do recorrente - numa dimensão interpretativa constrangente das garantias de defesa e, nomeadamente, do princípio do contraditório.
É a questão a apreciar.
2.1.- O Código de Processo Penal, na alínea f) do nº 1 do seu artigo
1º, diz-nos o que se deve entender, para efeitos do disposto nesse diploma, por alteração substancial dos factos: é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Na sua literalidade, pode sustentar-se que a norma faz corresponder a uma alteração substancial a simples alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação (cfr. o 'assento' do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 1993, publicado no Diário da República, I-Série-A, de 10 de Março seguinte, e o comentário que lhe teceu Germano Marques da Silva, na Direito e Justiça, Tomo I do Volume VIII, 1994, págs. 91 e segs., sob o título 'Objecto do Processo Penal: a Qualificação Jurídica dos Factos'). Ou, então, defender-se bastar a simples alteração de qualificação jurídica para que o subjacente juízo de desvalor se altere, exigindo-se o conhecimento do arguido: quando a razão da qualificação como ilícitos dos factos acusados não for a mesma da qualificação dos factos apurados, os crimes serão diversos e verifica-se alteração substancial, tal como sucederá quando resulte alteração dos limites máximos das sanções aplicáveis aos factos descritos na acusação (cfr. Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, págs. 301 e segs.). Ou, ainda, considerar-se não se encontrar o juiz vinculado à inicial qualificação jurídica dos factos, naturalisticamente apreendidos, podendo modificar a incriminação, designadamente para uma de maior gravidade desde que aqueles se mantenham intocáveis - que nada da realidade factual provada vá além da factualidade narrada na acusação, como se exprime o acórdão do Supremo de 2 de Fevereiro de 1994, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 434, págs. 251 e segs. - sob pena de se criarem situações de flagrante injustiça, porventura absurdas, tais como a absolvição, quando a conduta seja passível de pena ou uma punição absolutamente desfazada, tendo em conta a culpa do agente (cfr., a este respeito, v.g., os trabalhos de Frederico Isasca Alteração Substancial dos Factos e Sua Relevância no Processo Penal Português, Coimbra, 1992, pág. 102, 'Sobre a Alteração da Qualificação Jurídica em Processo Penal' na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, nº 3 do ano 4º, 1994, págs. 369 e segs., ou 'Alteração da Qualificação Jurídica e Objecto do Processo' in - Estudos Comemorativos do 150º Aniversário do Tribunal da Boa-Hora, Lisboa, 1995, págs. 235 e segs.).
Seja qual for o entendimento seguido, mister é que o poder convolatório do tribunal, que lhe permite qualificar diferentemente, face à prova obtida, os factos pelos quais vem o arguido acusado, deve compaginar-se com a plenitude das garantias de defesa, exigida pelo nº 1 do artigo 32º da CR.
2.2.- Trata-se, aliás, de problemática já abordada na jurisprudência deste Tribunal.
Assim, no acórdão nº 173/92, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992, proferido no exercício de fiscalização concreta de norma aplicada a arguido sujeito a foro militar - acusado como cúmplice de um crime de infidelidade no serviço militar, previsto e punido pelos artigos 191º, nº 4, e 43º do Código de Justiça Militar e condenado como co-autor, ao abrigo da parte final do nº 2 do artigo 418º do mesmo texto legal - considerou-se que, por não lhe ter sido dada oportunidade de se defender da diversa qualificação jurídico-penal que, dos factos, veio a ser feita, esta última norma, ao permitir uma diferente qualificação jurídico-penal conducente à condenação por crime mais grave, viola o artigo 32º, nº 1, da CR, se bem que tão só na medida em que não prevê que o arguido seja prevenido da nova qualificação de modo a dar-se-lhe oportunidade de defesa.
De igual modo, no acórdão nº 279/95,publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995, relativo a arguido acusado do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo
23º do Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro de 1983, condenado, sem prévio conhecimento da alteração, por crime de tráfico agravado, do artigo 27º, alínea g), com referência ao artigo 23º, do mesmo diploma, entendeu-se violado aquele preceito constitucional, na medida em que o arguido não foi prevenido da nova qualificação e, por conseguinte, não teve a oportunidade de se defender quanto a ela.
Recentemente, o acórdão nº 16/97, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Fevereiro último, julgou inconstitucional o mencionado assento de 17 de Janeiro de 1993 - nº 2/93 -
'enquanto interpreta como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.'
Nos descritos casos, entendeu o Tribunal verificar-se uma alteração da base factual que, se não acautelada garantisticamente, conduziria a uma situação constitucionalmente censurável, violadora de norma como a do nº 1 do artigo 32º da CR.
O 'direito a ser ouvido', enquanto direito a dispor de oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões, particularmente as tomadas contra o arguido, integra as garantias de defesa, no que à respectiva estratégia respeita, de outro modo se violando o princípio do contraditório. Compreende-se que assim seja uma vez que, em princípio, a faculdade de alteração da incriminação constante da acusação, se operada sem ao arguido se dar ensejo de a conhecer e de organizar a sua defesa em função da mesma, pode-lhe causar grave prejuízo (neste sentido, para além dos arestos citados, mencionem-se inter alia, os acórdãos nºs. 402/95, 22/96 e
596/96, publicados no Diário da República, II Série, de 16 de Novembro de 1995,
17 de Maio e 6 de Julho de 1996, respectivamente).
2.3.- De qualquer modo, se a alteração não implicar modificação do critério essencial do interesse protegido, não se vê como pode ficar afectado o direito de defesa do arguido. É que, nestes casos, e seguindo aqui Germano Marques da Silva, não estamos perante uma diversidade essencial de qualificação quando da diversidade do tipo incriminador não resulta uma alteração essencial do sentido da ilicitude do comportamento do agente, como geralmente sucede sempre que as normas estão entre si numa relação de especialidade (cfr., Curso de Processo Penal, vol. III, Lisboa, 1994, pág. 272).
Lógica semelhante parece ter sido a seguida pelo Supremo no acórdão de 3 de Abril de 1991 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, Tomo II, 1991, págs. 15 e segs.) quando decidiu (na orientação maioritária naquele Alto Tribunal) não haver que falar em alteração, substancial ou não, dos factos, porque o arguido teve ocasião para se defender de todos eles', 'uma vez que o crime verificado estava consumido pelo da acusação' (sublinhado nosso).
Deter-nos-emos neste enfoque.
3.1.- No caso sub judice, foi imputado ao ora recorrente a autoria de um crime previsto e punido pelo nº1 do artigo 281º do Código Penal (redacção de
1982) a que corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 2 a 8 anos, se outra pena mais grave não for aplicada - mas veio o mesmo a ser condenado, como já se registou, pela co-autoria material de dois crimes de ofensas corporais, na forma tentada, previstos e punidos pelo nº 2 do artigo 144º do Código Penal - punidos abstractamente com prisão de 6 meses e 3 anos - na pena de dez meses de prisão, por cada crime, e, em cúmulo, na pena única de um ano e três meses de prisão.
Na tese por si defendida, alega o recorrente ter, perante a acusação contra ele deduzida, elaborado uma estratégia de defesa que, se tivesse em conta os crimes pelos quais foi efectivamente condenado, poderia ser diferente: 'poderia [...] e teria, face à menor gravidade da imputação, confessado tais crimes, e, de certeza, teria saído da audiência de julgamento com uma pena suspensa, pela confissão, por ser delinquente primário, pela reparação dos crimes que, de outro modo, faria'.
Outro é o entendimento do Ministério Público, como se colhe das suas alegações apresentadas neste Tribunal: os elementos integradores do crime do artigo 144º, nº 1, por que veio a ser condenado, constavam da acusação, até por constituir o crime-base em que assenta o tipo legal previsto no artigo 281º, não podendo o arguido dizer-se surpreendido por uma incriminação que já constava da acusação inicial, beneficiando, aliás, da alteração feita dada a menor gravidade do crime provado.
Por sua vez, diferente foi, também, o posicionamento do Supremo na decisão recorrida.
Com efeito, diz esse Alto Tribunal, não ocorreu uma alteração, substancial ou não, dos factos constantes da acusação - relativamente aos quais, e a todos eles, teve o arguido oportunidade de se defender e se assegurou a observância do princípio do contraditório, na sua plenitude - mas sim uma redução, pela supressão de alguns desses factos constantes da acusação.
Na sequência desta leitura, a redução da matéria de facto da acusação, por supressão de alguns dos factos aí constantes, não põe em causa as garantias constitucionais nem coloca o problema da reformulação da defesa como tão pouco bule com o contraditório, até porque se verificou a ausência do elemento de facto qualificador do crime previsto no artigo 281º.
Impunha-se, deste modo, a alteração da incriminação, feita em ordem ao crime-base, punido mais gravemente, in casu.
'Estava o arguido prevenido dessa acusação [escreveu-se], era o crime-base, pelo que pôde preparar a sua defesa do modo que entendeu melhor e mais conveniente'.
3.2.- Mostra-se particularmente significativa a parte do acordão que se passa a transcrever:
'[...] O Tribunal procedeu a convolação e para crimes menos gravemente punidos, se proceda apenas a alteração da incriminação, sob pena de violar o disposto no art. 32-1 e 5 ConstRP. Daí que, ao dar cumprimento ao primeiro, tenha sido cometida nulidade.
O disposto nos arts. 358 e 359 CPP87 corresponde, grosso modo e de forma mais explicitada e actualizada, aos arts. 443, 444, 447 e 448 CPP29.
Beleza dos Santos considerava (RLJ 64/17-19) haver aqui uma disposição a favor do arguido e que era necessário não a converter em disposição odiosa para o mesmo, como seria uma prática que representasse «uma imputação de surpresa, feita no acto da qualificação, sem que estivesse prevenido de que, sendo por ela acusado, dela tinha que se defender».
Sempre, pois, presente a ideia do favor defensionis e que o arguido, em nome deste princípio, deve ser avisado para ter a possibilidade de preparar, reformular o seu plano de defesa (CPP-358,1 e 359,3).
Uma alteração da qualificação jurídico-criminal dos factos não tem de derivar de uma alteração dos factos, eles podem ser naturalisticamente os mesmos.
Se resultar de alteração dos factos (quer se trate de factos novos que não tenham relação com os da acusação quer simplesmente constituam uma modificação destes - vd., sobre tal, Ed. Correia in Teoria do Concurso, p. 400) a articulação do princípio acusatório com o contraditório impõe que o arguido seja avisado para poder preparar a defesa em relação a essa alteração.
Todavia, se a matéria de facto, naturalisticamente considerada, for a mesma (Maia Gonçalves, op. cit., p. 516) ou se a violação jurídica considerada a final estiver numa relação de hierarquia (especialidade, consumpção pura, consumpção impura) com a que for objecto da pronúncia (Ed. Correia, op. cit., p.
330) não há que proceder a essa advertência ao arguido (o limite aqui seria dado pela existência de factos novos e desde que esses factos novos não importem uma agravação dos limites máximos da pena ou a imputação de um crime substancialmente diverso - cfr., sobre a matéria, Gil Moreira dos Santos in Noções de PP, 2ª ed., p. 362-366).
Neste caso, do parágrafo supra, o arguido defendeu-se contra todos os factos constantes da acusação, não havia que reformular a defesa, foi plenamente assegurado o princípio do contraditório, pôde ele assumir a defesa que teve por mais eficaz.
A mera redução da matéria de facto da acusação, por supressão de algum dos aí constantes, situa-se exactamente nesta área, pelo que a alteração da incriminação daí resultante não requer, da parte do Tribunal, qualquer advertência ao arguido. O favor defensionis está satisfeito. A ideia de diálogo a que o princípio do contraditório alude, «de tal modo que a decisão possa ser um convencimento da comunidade e do arguido quanto à justiça da decisão» (G.M.Santos, op. cit., p. 58) foi concretizada, esse diálogo estabeleceu-se em pleno ou o arguido teve a possibilidade de o estabelecer em pleno com o acusatório.'
A transcrita passagem do acórdão revela-nos, assim, ter ocorrido redução da matéria de facto constante da acusação, relativamente à qual se tinha assegurado ao arguido o contraditório.
Ora, essa redução teve como efeito autonomizar a norma incriminadora do artigo 144º do Código Penal que o artigo 281º do mesmo diploma consumira - como, semelhantemente, ocorreu na situação contemplada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 1991, anteriormente citado.
Não se surpreende, nessa medida, que o tribunal recorrido tenha, no caso vertente, procedido a qualquer interpretação normativa passível de censura, seja por afectação das garantias de defesa, seja por inobservância do princípio do contraditório: não resultou da diversidade do tipo incriminador uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido.
3.3.- Entende-se, assim, a concluir, não haver lugar a censura jurídico-constitucional no concreto caso e no modo como foi interpretada e aplicada a normação questionada, intocada que se mostra a plenitude das garantias de defesa, assegurada pelo nº 1 do artigo 32º da CR. III
Em face do exposto, confirma-se o acórdão recorrido, se bem que com fundamentação parcialmente diferente, e nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 17 de Abril de 1997 Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa