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Proc.nº 826/95
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A. foi sujeito a julgamento em processo comum afecto ao tribunal colectivo, acusado de prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Na audiência de julgamento realizada em 22 de Fevereiro de 1995
(documentada na acta de fls. 86), constatando-se a falta do mandatário do arguido, foi-lhe nomeado defensor oficioso que o assistiu nessa diligência.
Na sessão seguinte, foi assistido por novo defensor nomeado (que desde então o representa), procedendo-se à leitura do Acórdão que, julgando a acusação procedente, o condenou na pena de seis anos de prisão.
1. Inconformado interpôs o arguido, logo em acta, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que posteriormente motivou, sintetizando uma das vertentes do recurso na seguinte conclusão :
' Ao impor-se ao arguido uma defesa nomeada oficiosamente, tratando-se de um processo não urgente, sem presos, quebraram-se-lhe as mínimas garantias de defesa, com clara violação do disposto no art. 32º nºs 1 e 3 da CRP e, bem assim, do disposto no art. 61º nº 1 d) e e) sendo que a falta do advogado constituído impunha, nos termos do disposto no artigo 651º nº 1 c) do CPC; aplicável ex vi do art. 4º do CPP se adiasse a audiência, impondo-se agora se repita esta, com observância de tal quadro legal e dos direitos fundamentais do arguido.'
O STJ rejeitou o recurso, entendendo, quanto ao problema colocado na conclusão transcrita, que a nomeação do defensor oficioso, constatada a falta do defensor constituído, se processou de harmonia com o disposto no artigo 330º nº
1 do Código de Processo Penal, não cabendo falar em desrespeito pelos artigos
61º nº 1 alínea d) e e) do Código de Processo Penal e 32º nºs 1 e 3 da Constituição.
1.2. De novo inconformado, interpôs o arguido recurso para este Tribunal, referindo fazê-lo: 'com fundamento na violação das garantias do processo criminal e da defesa, consignadas nos nºs 1 e 3 do artigo 32º da CRP, Declaração Universal dos Direitos do Homem e Convenção Europeia'.
Convidado, neste Tribunal, a dar cumprimento ao disposto no artigo
75º - A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), aperfeiçoando o seu requerimento de interposição com os elementos exigidos, veio o ora recorrente apresentar o requerimento de fls.74 onde se lê :
' ... a inibição da escolha livre e consequente de assistência por defensor por si livremente escolhido, com violação expressa do art. 61º nº1 d) e e) do CPP, viola as garantias constituicionais de defesa expressas, entre outros, no art.
31 nºs 1 e 3 da CRP' (acrescentando) 'que a decisão recorrida tem fundamento formal a não observância da lei e a sua violação, nomeadamente se identificando a alínea a) do nº 1 do art. 70º da LTC como a que sustenta o, atempadamente interposto, recurso.'
Seguiram-se as alegações, tendo o recorrente refirmado a posição anteriormente expressa, quanto à nomeação de defensor oficioso, e o Ministério Público pugnado pelo não conhecimento do recurso, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade.
Corridos os competentes vistos, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Suscita o Ministério Público a questão prévia de admissibilidade do recurso, por errada identificação da alínea do nº 1 do artigo
70º da LTC ao abrigo da qual se recorre e, ainda, por não suscitação de uma questão de inconstituicionalidade normativa.
2.1. Com base no requerimento de aperfeiçoamento, provocado pelo Tribunal ao utilizar o mecanismo previsto no artigo 75º-A nº 5 da LTC, vemos ter o recorrente pretendido interpor o recurso ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, que se refere a decisões que 'recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade'.
Ora, olhando o processamento que fez o processo chegar a este Tribunal, constata-se não ter ocorrido qualquer decisão de recusa de aplicação de normas baseada num juízo de inconstitucionalidade, designadamente por banda do Supremo Tribunal de Justiça.
O que se deduz da argumentação do recorrente é que este terá pretendido suscitar ao longo do processo uma questão de inconstitucionalidade e, partindo de uma decisão de não acolhimento, aceder à jurisdição constitucional. Ora a
verdade é que a recorrente não só não indicou uma norma aplicada no processo, cuja inconstitucionalidade tenha invocado durante o mesmo, como não indicou a alínea do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual uma tal invocação poderia ser recebida.
Quanto ao primeiro ponto, tudo o que o recorrido fez foi invocar a violação dos artigos 61º nº 1 alínea d) e e) e 651º nº 1 alínea c) do CPC, cuja conformidade com a Constituição não questionou. Ora, o artigo efectivamente aplicado como suporte da decisão impugnada pelo recorrente foi o artigo 330º nº
1 do CPP. O recorrente nunca invocou que a norma deste artigo, ou uma certa interpretação dela aplicada no caso, fosse inconstitucional.
Quanto ao segundo ponto: o recorrente invocou a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, quando é manifesto que a decisão não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Pode este Tribunal, neste caso, conhecer do recurso, convolando oficiosamente a incorrecta indicação da alínea a) do artigo 70º para a alínea b) ?
Entre os requisitos a que deve obedecer o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade encontra-se a indicação da
'alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto' (artigo
75-A nº 1 da LTC). No
caso, essa indicação existe (passou a existir após o convite para aperfeiçoamento do requerimento), embora relativamente a uma alínea totalmente inapropriada.
Algumas decisões deste Tribunal, caso do Acórdão nº 100/92 (ATC, 21º Vol, p.365) e dos Acórdãos nºs 323/92 e 282/94 (ainda inéditos) consideraram possível a convolação do recurso, por parte do Tribunal, para a alínea correcta. Porém, o problema subjacente a essas decisões, pelo seu carácter específico, afigura-se-nos insusceptível de transposição para a presente situação. Com efeito, em todos esses casos estiveram em causa decisões recorridas assumidamente de recusa do artigo 4º do DL nº 262/83, de 16 de Julho, com fundamento em inconstitucionalidade traduzida em violação do artigo 8º nº 2 da Constituição, em que o recurso interposto, acolhendo a qualificação das decisões de que pretendia recorrer, se reportava à alínea a) do nº 1 do artigo 70º.
Significou isto para o Tribunal que a consideração de que não estava em causa um problema de inconstitucionalidade, mas antes de recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional (no caso a Convenção de Genebra de 1930, que aprovou a Lei Uniforme sobre Letras e Livranças), legitimadora do recurso ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo 70º, não podia, tal situação, inviabilizar um recurso sugerido pela própria qualificação feita na decisão recorrida.
Nada disto sucede na situação configurada neste processo. Aqui, nada na decisão recorrida contém o mais leve afloramento de uma recusa de aplicação de normas fundada em inconstitucionalidade, tratando-se, tão só, de uma interposição ao abrigo de uma alínea totalmente inadequada.
Neste caso, mesmo para quem, como é o caso do ora relator, subscreveu a jurisprudência citada, nenhuma razão existe para que se proceda à correcção de um recurso ao qual, mesmo após o aperfeiçoamento determinado e sem que nada na tramitação seguida o possa justificar, assenta na invocação de uma alínea do artigo 70º cujos pressupostos nada têm que ver com a situação.
O remédio apropriado ao caso, não pode deixar de ser, assim, o não conhecimento do recurso.
III DECISÃO
3. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 (cinco) unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 12 de Março de 1997 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luis Nunes de Almeida