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Processo n.º 146/2012
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são reclamantes A. e B. e é reclamado o Ministério Público, vêm os primeiros reclamar do despacho de 6 de fevereiro de 2012 que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Os reclamantes recorreram para o Tribunal Constitucional de decisão do Supremo Tribunal de Justiça que havia indeferido reclamação de despacho de não admissão de recurso, mediante requerimento onde se lê o seguinte:
«(…) vem interpor RECURSO para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea f) do art. 70º da Lei do T.C do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça prolatado no processo supra em epígrafe por violação do art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e violação do disposto do art. 113º nº 2 do C.P.P na errada interpretação que de tal preceito é feita.
Em verdade,
a norma do nº2 do art. 113º do C.P.P que contém uma presunção “juris tantum” permite a ilisão por prova em contrário.
Se a presunção da norma diz que a notificação se presume feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, a verdade é que os recorrentes provaram que os CTT confirmam no seu sítio da Internet outra data de entrega da notificação – data posterior ao 3º dia útil posterior ao do envio.
Logo, terá que ser a partir daí, da data efetiva da entrega e não da data presumida que se faz a contagem de prazos.
Por isso, a presunção da norma nº 2 do art. 113º do C.P.P não é uma presunção “júris et de jure”, mas sim uma presunção “juris tantum”. O acordo que indefere a reclamação é inconstitucional por violação grave do direito de defesa quanto à prova.»
3. O recurso de constitucionalidade não foi admitido com a seguinte fundamentação:
«Os recorrentes, por um lado, recorrem ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 70.º da LTC e por outro dizem que a decisão que indeferiu a reclamação é inconstitucional.
Ora, como a referida alínea f) se refere ao recurso de legalidade e não de constitucionalidade, o qual vem previsto na alínea b), vejamos ambas as situações:
Face ao disposto no n.º 2 do art. 72.º da LTC, os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º da LTC só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Se os recorrentes pretendiam interpor recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, refere-se que para fundamentar a reclamação não foi suscitada qualquer questão de ilegalidade, uma vez que não foi identificada nenhuma norma como sendo ilegal.
Se ao invés pretendiam os recorrentes interpor recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC, mais uma vez se dirá que na reclamação não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Nestes termos, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.»
4. Esta decisão foi então objeto de reclamação para este Tribunal, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:
«Os recorrentes não podem estar mais em desacordo com o despacho de não admissão do recurso interposto.
Trata-se de questão substancialmente processual de contagem de prazos por um lado - e logo da constitucionalidade do nº 2 do art. 113º do C.P.P e de questão substancial de, se uma presunção “juris tantum”- constante da norma supra - pode ou não ser ilidida por prova em contrário.
É que,
lº A notificação cujo prazo está em discussão havia sido feita aos recorrentes nos termos do nº2 do art. 113º do C.P.P
Porém
a verdade é que os recorrentes receberam a notificação, e assinaram o registo e A.R mais de três dias após o prazo presumido
2º a questão é : vale a data presumida? Aquela apresentada pela presunção da lei processual? ou ao invés a data em que efetivamente, objetivamente , inelutavelmente os recorrentes receberam a notificação?
3º A nosso ver vale esta data segundo porque de outra forma aos recorrentes estaria vedado o prazo total para o exercício do seu direito.
Por outro lado
4º estamos perante uma presunção “juris tantum” que admite prova em contrário.
Ora
os CTTs - Correios de Portugal - publicaram no seu “sitio da internet” que os recorrentes receberam a notificação na data que expressamente referem, e não na data em que se presumia a notificação nos termos do nº 2 do art. 113º do C.P.P
Ora
A presunção do nº 2 do art. 113º do C.P.P é presunção que admite prova em contrário.
Logo a norma violada é exatamente a do nº 2 do art. 113º do C.P.P na interpretação dada pelo Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Requer assim a admissão do recurso interposto.»
5. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, sustentando que:
«4. O recurso foi interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5. Ora, estabelecendo-se naquele preceito, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões “que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)”, não se vislumbra a verificação de qualquer das circunstâncias ali referidas.
6. Por outro lado, se era a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que se pretendia invocar, também nos parece óbvio que, nem no requerimento de interposição do recurso, nem durante o processo – no caso, na reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça –, foi enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
7. Aliás, é no requerimento de interposição do recurso que, pela primeira vez, se menciona um preceito constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido com fundamento na não suscitação prévia de qualquer questão de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, por referência ao artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, o Supremo Tribunal de Justiça considerou quer a hipótese de este ter sido interposto ao abrigo da alínea b) quer a de ter sido interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º
Os reclamantes argumentam no sentido de pretenderem ver apreciada uma questão de inconstitucionalidade que reportam ao artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Sucede, porém, que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e). Isto é: do requerimento de interposição decorre que foi interposto um recurso de ilegalidade e não de inconstitucionalidade, o que, de resto, não foi contrariado na presente reclamação. E dos presentes autos resulta que, durante o processo, na reclamação apresentada perante o Supremo Tribunal de Justiça, não foi suscitada qualquer questão de ilegalidade com qualquer dos fundamentos referidos naquelas alíneas (fl. 12 e s.), o que justifica a confirmação da decisão de não admissão do recurso interposto para este Tribunal.
Cabendo ao recorrente indicar o tipo de recurso que pretende interpor (artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC), “não confere a lei ao Tribunal qualquer poder oficioso de convolar para um outro recurso aquele que o recorrente indicou naquele requerimento” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 77/2000. E no mesmo sentido Acórdãos n.ºs 631/2007 e 420/2008, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
De todo o modo, assinale-se, que, ainda que o recorrente tivesse indicado a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, subsistiriam sempre razões para acompanhar o despacho reclamado, na parte em que conclui pela não suscitação prévia de qualquer questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal na reclamação do despacho que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. fl. 12 e s.).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de março de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.