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Processo nº 119/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figuram como recorrente a sociedade A. e como recorrido o Presidente da Junta Autónoma das Estradas, pelo essencial dos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 186 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida - ou seja, porque o artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 13/94, de 15 de Janeiro, não foi aplicado no acórdão recorrido, e porque quanto ao artigo 8º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei, a recorrente não suscitou de modo adequado, relativamente a esta norma, a questão de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Administrativo -, que mereceu a concordância do recorrido, não sendo abalada pela resposta do recorrente, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 30 de Abril de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO
1. A sociedade A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão da 1ª Secção
(Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de
29 de Outubro de 1996, que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 20 de Junho de 1995, do seguinte teor:
'2.1. Tudo visto e decidindo:
2.2. O Tribunal é o competente e não se vislumbram irregularidades susceptíveis de invalidar todo o processo.
2.3. É por demais evidente que a obtenção, por parte da recorrente, das autorizações das várias autoridades que exercem jurisdição no local onde a recorrente colocou os contentores, não invalida a jurisdição da Junta Autónoma de Estradas sobre o mesmo local, do que resulta que a recorrente igualmente teria de requerer, a esta entidade, a necessária licença para instalação dos referidos contentores, nos termos, nomeadamente, das disposições dos DLs. nºs.
13//71, de 23.01 (art. 6º., nº 1) e 13/94, de 15.01 (art. 8º.), não tendo o mínimo de razoabilidade as questões, colocadas pela recorrente, da imputação, ao acto recorrido, dos vícios de incompetência da recorrida e de violação de lei.
E, por isso, também, nos termos dos mesmos diplomas legais, aos serviços da J.A.E. compete fiscalizar do cumprimento das suas disposições.
Assim, como a recorrente tinha instalado, sem a devida autorização da J.A.E., os contentores para funcionamento de um posto de câmbios, não sofre de qualquer ilegalidade o acto impugnado, pelo que tem de improceder o presente recurso.
E não te qualquer cabimento a questão, suscitada pela entidade recorrida, da ineptidão da petição inicial, já que esta entidade compreendeu, perfeitamente, o objecto do recurso.
3.1. Termos em que se decide julgar improcedente, por não provado, o presente recurso'.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invocou a recorrente que o recurso 'é interposto com fundamento no art. 280º, nº 1, b), da Constituição e no art. 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro',
acrescentando ainda:
'Isto porque, na interpretação e aplicação que deles fez o douto acórdão recorrido, o D.L. 13/94 de 15/01, é materialmente inconstitucional, porque colidente com o Artº 62º nº 2 da CRP que confere aos cidadãos o direito à indemnização em caso de requisição ou expropriação'.
Convidada pelo Relator, ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, nºs 1 e 5, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, a identificar a norma ou normas cuja inconstitucionalidade 'se pretende que o Tribunal aprecie', veio fazer a seguinte identificação:
'a) O art. 3º, nº 1 do D.L. 13/94 de 15/01, na medida em que institui zonas de servidão 'non aedificandi' sem pagamento de justa indemnização aos lesados;
b) O art. 8º, nº 1 do supra citado Decreto Lei, que proíbe a ocupação da zona da estrada a título definitivo ou precário.
É que, por um lado, o Decreto-Lei nº 13/94 de 15/01, não tem aplicação aos casos de construção de equipamentos de apoio à estrada ou aos seus utentes (cfr. art. 1º, nº 2), no qual se inclui a Recorrente.
Por outro, a ER pretende promover a desocupação da Recorrente sem a adequada indemnização (cfr. art. 62º da CRP), muito embora a Recorrente aí desenvolva a sua actividade social há largos anos'.
3. A admissibilidade do tipo de recurso de constitucionalidade de que se serviu a recorrente depende da verificação cumulativa de determinados requisitos específicos, interessando particularmente aqui o seguinte: que a decisão recorrida tenha aplicado norma arguida de inconstitucional durante o processo.
É que o objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b), citada pela recorrente, é a questão de inconstitucionalidade de norma de que a decisão tenha feito efectiva aplicação.
Ora, é esta efectiva aplicação que falha no presente caso, como se vai ver.
Desde logo, e relativamente à norma indicada do artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 13/94, de 15 de Janeiro, diploma que veio estabelecer faixas com sentido non aedificandi junto das estradas nacionais, constantes do Plano Rodoviário Nacional (artigo 1º), ela não é de modo algum aplicada no acórdão recorrido.
Aquele nº 1 do artigo 3º considera certas faixas de terreno - o caso de faixas 'de 200m situadas em cada lado do eixo da estrada - 'zonas de servidão non aedificandi de protecção à estrada a construir ou reconstruir', mas tal norma não foi convocada para a decisão constante do acórdão recorrido. Ele próprio faz a delimitação do objecto do recurso jurisdicional interposto pela recorrente, que tem de reportar-se à 'decisão recorrida - nº 1 do art. 676º do CPC', acrescentando-se:
'A sentença recorrida só faz referência ao art. 8º do DL 13/94.
Tendo, nos artºs 84º a 86º da petição a recorrente levantado já a necessidade de compatibilização do nº 2 desse artigo com a Constituição, entende-se ser de conhecer do recurso nessa parte'.
Isso mesmo resulta da única consideração utilizada no acórdão para nele se decidir negar provimento ao recurso jurisdicional, a de que 'nenhum direito detinha a recorrente a manter (...) instalados os contentores', por ter passado a Junta Autónoma de Estradas 'a deter competência sobre as zonas adjacentes à estrada, na zona da Ponte Internacional do Guadiana, por terem deixado de lá estar instalados serviços aduaneiros, nos termos dos arts. 1º, 2º e 8º, d), do DL 13/71, de 23.1, e 1º, 8º, e 12º do DL 13/94, de 15.1' (e daí a legalidade do acto administrativo questionado do Presidente daquela Junta que mandou 'remover e encerrar' os contentores em causa).
Portanto, não se vê qualquer relacionamento daquela consideração com a temática de zonas de servidão non aedificandi de protecção à estrada a construir ou reconstruir e muito menos na perspectiva colocada pela recorrente de ligar essas zonas ou não pagamento 'de justa indemnização aos lesados'.
4. Também não se descortina, talqualmente se posiciona a recorrente, uma efectiva aplicação da norma do artigo 8º, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 13/94, que proíbe nos IP e IC (itinerários principais e itinerários complementares constantes do Plano Rodoviário Nacional e que são estradas nacionais - artigo 2º, a)) a 'ocupação da zona da estrada a título definitivo ou precário, com excepção de equipamentos ou serviços de telecomunicações relacionados com a exploração e, em especial, com a segurança das rodovias', muito embora tal norma tenha sido convocada para a decisão constante do acórdão recorrido (e o mesmo sucedia já na sentença da primeira instância atrás transcrita).
Na verdade, o que a recorrente pretende questionar é a interpretação e aplicação que dessa norma se teria feito no acórdão recorrido, por ser
'colidente com o Artº 62º nº 2 da CRP que confere aos cidadãos o direito à indemnização em caso de requisição ou expropriação'.
Só que o acórdão nunca fez nenhuma interpretação e aplicação do nº 1 do artigo 8º relacionada com o direito à indemnização em caso de aquisição ou expropriação, tal como se define no artigo 62º da Constituição.
Como já ficou transcrito, o acórdão e, antes dele, a sentença, aferiram apenas a legalidade do acto administrativo em causa, convocando a citada norma do artigo 8º, na perspectiva da necessidade de uma autorização da Junta Autónoma de Estradas, por deter competência sobre as zonas adjacentes à estrada, na zona da Ponte Internacional do Guadiana. E daí até a afirmação do acórdão de ser, 'portanto, descabida a invocação do art. 62º da CRP'.
Em suma: a aplicação da norma do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº
13/94, de 15 de Janeiro, reportada pela recorrente a uma certa interpretação dela, ligando-a a um direito indemnizatório, não se descobre no acórdão recorrido como efectiva aplicação, pois nele assentou-se apenas na consideração acima transcrita.
Tudo isto, aponta, pois, para que não se conheça do presente recurso de constitucionalidade, por não estar preenchido o requisito específico da aplicação de norma arguida de inconstitucionalidade durante o processo.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85//89, de 7 de Setembro.