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Proc. nº 457/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O Ministério Público junto do 2º Juízo do Tribunal de Família de Lisboa, em representação da Fazenda Pública, apresentou reclamação de créditos fiscais na execução a correr termos contra A. N.. Admitida liminarmente a reclamação apresentada (fls. 5), foi proferida sentença de graduação de créditos a fls. 5 v. e 6, que graduou o crédito reclamado nos termos dos artigos 736º, nº 1, e 747º, do Código Civil. A. N. requereu a suspensão da instância da reclamação de créditos, em virtude de ter aderido ao plano de recuperação de créditos fiscais, constante do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, com o objectivo de regularizar as suas dívidas ao Estado, nas quais se incluem as que o Ministério Público reclamou. O requerimento foi indeferido por despacho de 3 de Abril de 1997 (fls.14), com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional do juiz, visto já ter sido proferida sentença (artigo 666º, nº 1, do Código de Processo Civil). Elaborada a conta nº 841, na qual foi incluído o crédito reclamado pelo Ministério Público, A. N. deduziu reclamação, pedindo a exclusão desse crédito da referida conta. O juiz do Tribunal de Família de Lisboa proferiu o seguinte despacho (fls. 22 v.): Renova-se o despacho de fls. 14, posto que a conta foi elaborada de acordo com o decidido a fls. 5 v. e 6. A. N. solicitou o esclarecimento do despacho de fls. 22 v., sustentando que os privilégios creditórios do Estado, consagrados nos artigos 733º a 736º do Código Civil, são inconstitucionais por violação do princípio da igualdade. O juiz do Tribunal de Família de Lisboa indeferiu o pedido de esclarecimento requerido, por despacho de 16 de Outubro de 1997 (fls. 27 v.), considerando que os despachos de fls. 14 e de fls. 22 v. não necessitam de qualquer aclaração que não seja a aclaração das normas para que remetem e que a via utilizada não parece ser adequada para a respectiva impugnação.
2. A. N. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 733º e 736º do Código Civil. O juiz do Tribunal de Família de Lisboa proferiu despacho a fls. 37, solicitando a indicação da decisão recorrida. A. N. respondeu, afirmando que o recurso ?foi interposto do douto despacho de V.Exa. que indeferiu a reclamação da conta de fls. (e bem assim o pedido de esclarecimento que se lhe seguiu)?. O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de fls. 41. É o seguinte o teor desse despacho: O Despacho de fls. 14, que indeferiu por esgotamento do poder jurisdicional, o Requerimento de fls. 9/10, não suscitou recurso, tendo transitado em julgado ? art. 677º, do CPC, o despacho de fls. 220, que o renova, nada decide, posto que a questão suscitada já havia sido suscitada, com trânsito (?renova-o?, não o
?reproduz?), limitando-se, salvo melhor juízo e o devido respeito, a regular os termos do processo (art. 679º, do CPC), dele não cabendo recurso; de igual modo, não cabe recurso do despacho de fls. 270 (art. 670º, nº 2, do CPC). Termos em que se indefere o Requerimento em referência, não se recebendo o recurso interposto pelo Reclamado.
3. A. N. reclamou ao abrigo dos artigos 76º, nº 4 e 77º da Lei do Tribunal Constitucional. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das normas impugnadas.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
5. As normas cuja conformidade à Constituição a ora reclamante questiona no recurso que pretende ver admitido são as contidas nos artigos 733º e 736º do Código Civil. Tais normas consagram privilégios creditórios mobiliários do Estado nos créditos de natureza fiscal. As normas impugnadas foram aplicadas nos presentes autos na sentença de graduação de créditos, proferida a fls. 5 v. e 6. Essa sentença transitou em julgado. Na reclamação da conta apresentada em 23 de Junho de 1997 (fls. 17 e ss.), a reclamante reitera a pretensão deduzida a fls. 9 e 10, pretensão que foi indeferida pelo despacho de fls. 14. Nessa medida, o despacho que desatendeu a reclamação da conta (despacho de fls. 22 v.) limitou-se a ?renovar? o despacho de fls. 14. Tais despachos, assim como o despacho que indeferiu o pedido de esclarecimento formulado a fls. 23 e ss. (despacho de fls. 27 v.), não fizeram, como resulta do que se disse, aplicação das normas contidas nos artigos 733º e 736º do Código Civil. Com efeito, o despacho de fls. 14 indeferiu o solicitado, por esgotamento do poder jurisdicional do juiz; o de fls. 22 v. ?renovou? aquele; e o de fls. 27 v. indeferiu o esclarecimento requerido, em virtude de aqueles outros dois despachos não necessitarem de aclaração. Ora, sendo o recurso de constitucionalidade que a reclamante pretende ver admitido interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por normas que tenham efectivamente sido aplicadas pela decisão recorrida. Tendo a reclamante interposto recurso de constitucionalidade do despacho que indeferiu a reclamação da conta, assim como do que indeferiu o pedido de esclarecimento, e não tendo tais decisões feito aplicação das normas contidas nos artigos 733º e 736º do Código Civil, conclui-se que o recurso não podia ser admitido, pelo que a presente reclamação deve ser indeferida.
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa