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Procº nº 770/96 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A., professor aposentado, interpôs recurso contencioso de anulação da resolução da Direcção dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Depósitos que fixou a sua pensão de aposentação pelo 8º escalão da carreira docente, imputando-lhe o vício de violação de lei e o vício de forma por falta de fundamentação e referindo que, '(...) sendo certo que o recorrente reúne todos os requisitos exigidos para aceder ao 9º escalão de carreira docente, não fosse o congelamento da progressão nos escalões, sempre seria inconstitucional a privação do direito à aposentação pelo 9º escalão, por violação dos princípios da protecção, da confiança e da segurança jurídica e do artigo 266º da Constituição da República'.
Nas alegações então produzidas, o recorrente defendeu que '(...) ou a interpretação que a recorrida faz das disposições legais citadas é incorrecta e ilegal, ou, caso contrário, são as mesmas inconstitucionais por violação dos princípios da protecção, da confiança e da segurança jurídica e do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República (...)', reiterando, nas conclusões das alegações, que 'por violação dos princípios da protecção, da confiança e da segurança jurídica e do artigo 266º, nº 2, da Constituição da República, o acto recorrido, ou as normas aplicadas pela recorrida, são inconstitucionais'.
2. Por sentença de 13 de Maio de 1994 do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, foi negado provimento ao recurso. Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, renovando a invocação dos vícios de forma e de violação de lei e concluindo que 'violou a douta sentença os princípios constitucionais da protecção, da confiança, da segurança jurídica e da determinabilidade da lei e o artigo 266º da Constituição'.
3. Por Acórdão de 21 de Novembro de 1995, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, escrevendo-se a propósito da invocada inconstitucionalidade:
'(...) nenhuma referência se encontra que permita fundar essas invocadas violações, que se silenciam de forma absoluta.
Ou seja: desconhece-se por inteiro com que base o recorrente defende terem-se violado os aludidos princípios, bem como o artigo 266º da Constituição.
Ora não basta a alegação genérica da violação de uma norma ou princípio jurídico para que o tribunal, em contencioso administrativo, esteja adstrito ao seu conhecimento.
Torna-se ainda necessário especificar em que consiste tal violação, ou seja, por que forma um acto da Administração, através do seu concreto conteúdo, incorre na correspondente ilegalidade'.
4. Ainda inconformado, o recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, invocando a inconstitucionalidade dos artigos 8º e 27º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, e dos artigos 35º, 129º e 140º do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, '(...) na interpretação que deles fizeram a Caixa Geral de Aposentações e o Acórdão recorrido, interpretação que viola os princípios constitucionais da protecção, da confiança, da segurança jurídica e da determinabilidade da lei e o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa'.
O recurso não foi admitido, por despacho do Relator no Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Fevereiro de 1996, por não ter sido invocada,
'(...) em termos relevantes, qualquer inconstitucionalidade de normas que tivessem sido aplicadas no acórdão ora impugnado (...)'. Submetido aquele despacho à conferência, veio esta, por Acórdão de 2 de Julho de 1996, a confirmá-lo com a seguinte fundamentação:
'O Acórdão (...) não apreciou da invocada violação dos princípios constitucionais e do artigo 266º da Constituição, que haviam sido suscitadas no recurso da sentença do tribunal a quo para esta 1ª Secção, com o fundamento de tais violações não virem minimamente concretizadas, o que no caso impedia que o tribunal exercesse os seus poderes de cognição na matéria.
Bem ou mal - não está agora em discussão - foi esse o juízo decisório, na parte que agora interessa, do referido aresto.
Ora, o que o ora reclamante pretende através da introdução do recurso de tal acórdão para o Tribunal Constitucional é que este Alto Tribunal reveja o decidido no mesmo naquela matéria, o que se não contém no pressuposto da invocada alínea b) do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, nem cabe nos poderes de cognição do mesmo tribunal'.
5. É do despacho de inadmissão do recurso para este Tribunal que vem a presente reclamação, na qual o reclamante afirma, em abono de sua pretensão, entre o mais, que 'o levantamento da questão da constitucionalidade pode ser feito de forma apenas implícita'.
6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal emitiu parecer no sentido do indeferimento da presente reclamação.
II - Fundamentos.
7. O recurso de constitucionalidade previsto na Constituição (artigo
280º) e na Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (artigo 70º), tem como único objecto normas (cfr., por todos, o Acórdão nº 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996). Ora, como decorre do que atrás se expôs, nas alegações de recurso que dirigiu ao Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente imputou a inconstitucionalidade à sentença recorrida, pelo que nesse momento não suscitou, de forma relevante, qualquer questão que cumpra a este Tribunal conhecer.
É verdade, porém, que, nas alegações que dirigiu ao Mmº Juiz de Direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, suscitou, se bem que em fórmula alternativa a uma 'incorrecta e ilegal' interpretação das normas e à imputação da inconstitucionalidade ao acto recorrido (cfr. supra 1, in fine), uma questão de inconstitucionalidade normativa. Assim sendo, poder-se-á ter como preenchido o primeiro pressuposto específico do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da já referida Lei do Tribunal Constitucional, que se traduz em suscitar a questão de inconstitucionalidade (normativa) durante o processo?
O sentido deste requisito ficou fixado no Acórdão nº 90/85, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1985, onde se escreveu que devia ser entendido 'não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas no sentido funcional (...) - tal que (...) essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão'. Ora, ainda que incidentalmente, a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra não deixou de considerar que 'o acto recorrido não viola qualquer dos princípios aludidos naquele preceito constitucional, nem as normas concretamente aplicadas enfermam de qualquer inconstitucionalidade - que o recorrente também não concretiza'.
Dir-se-ia, então, que o referido requisito se encontra preenchido. Porém, a verdade é que não está: como se escreveu no Acórdão nº 36/91 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1991), para se 'poder recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, de uma decisão de um tribunal de recurso, que tenha aplicado determinada norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado perante o juiz de cuja decisão então recorreu, necessário é que ela tenha suscitado a inconstitucionalidade da norma em causa também perante esse tribunal de recurso, em termos de este saber que tinha que apreciar e decidir essa questão'.
Ou seja: 'o Tribunal Constitucional só deve, com efeito, ser chamado a intervir se o interessado, ao recorrer dentro da respectiva ordem judiciária da decisão do juiz perante quem suscitou a questão de inconstitucionalidade, não abandonou essa questão e, antes, a recolocou perante a instância de recurso em causa'.
Naturalmente, a impugnação da constitucionalidade da sentença, feita nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, não consubstancia a recolocação da questão de inconstitucionalidade, porquanto, como
é pacificamente entendido, esta só pode ter como objecto normas jurídicas aplicadas ou desaplicadas nas decisões judiciais e não as decisões judiciais consideradas em si mesmas. Não sendo impugnada a constitucionalidade de qualquer norma perante o Supremo Tribunal Administrativo, não formulou este nenhum juízo de constitucionalidade controvertido que caiba a este Tribunal sindicar.
8. O que vem de se expor é diferente da não aceitação do recurso com fundamento em as invocadas violações de normas constitucionais 'não virem minimamente concretizadas', como se fez no Acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que sustentou o despacho de inadmissão do recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que tudo o que se exige, a este propósito, é que a questão de constitucionalidade seja formulada de forma clara e perceptível
. A averiguação do cumprimento deste requisito está, contudo, prejudicada, por
ser manifesto o não preenchimento de um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade e, portanto, não merecer censura o despacho da sua inadmissão.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar o reclamante em custas, fixando-se a taxa de justiça em dez Unidades de Conta.
Lisboa, 11 de Março de 1997 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito (vencido nos termos da declaração de voto junta ao Acórdão nº 36/91). Luís Nunes de Almeida