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Processo n.º 822/11
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 20 de setembro de 2011.
2. O recorrente requereu, junto do Tribunal Judicial de Beja, em 18 de dezembro de 2007, a suspensão do prazo para interposição de recurso, com vista à impugnação de decisão absolutória, desde a data em que a sentença foi depositada e a data em que tomou conhecimento efetivo das cassetes com a prova gravada. Indeferido o requerido, por despacho de 20 de dezembro de 2007, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, em 28 de janeiro de 2008, o qual foi admitido.
Entretanto, em 4 de janeiro de 2008, o recorrente havia interposto recurso da sentença absolutória de 1.ª instância, depositada na secretaria em 13 de novembro de 2007, o qual não foi admitido, com fundamento em extemporaneidade, por despacho de 31 de agosto de 2008, confirmado pelo Presidente da Relação de Évora em 23 de setembro de 2009.
3. O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto do despacho de 20 de dezembro de 2007, com a seguinte fundamentação:
«2.3.2. - O dies a quo do prazo de recurso de sentença, em que o recorrente pretende a reapreciação da prova gravada.
a) À data em que foi proferida e depositada a sentença absolutória em causa – 13.11.2007 – e em que foi apresentado o requerimento e interposição de recurso dessa mesma sentença (04.01.2008), vigorava já a nova versão do art. 411º do CPP, que regula os prazos de interposição de recurso em processo penal, introduzida pela Lei 48/2007 de 29 de agosto, que entrou em vigor a 15.09.2007 (art. 7º daquela lei).
O novo art. 411º veio substituir o prazo único de 15 dias fixado na versão anterior àquela Lei, pelo estabelecimento de prazos distintos para os casos em que o recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada (30 dias) e para os demais casos (20 dias).
O legislador de 2007 não introduziu qualquer disposição especial sobre o dies a quo do prazo de recurso nos casos em que se pretenda a reapreciação da prova gravada, apesar da divergência jurisprudencial verificada na vigência da versão anterior. Manteve, antes, a regra de que o prazo para interposição do recuso da sentença se conta da data do respetivo depósito, que já constava do anterior 411º nº1 CPP, e introduziu a nova disposição do art. 101º nº3 do CPP, segundo a qual a secretaria entregará ao sujeito processual que o requeira, cópia da gravação da prova pessoal produzida em audiência ou noutra diligência processual, no prazo de 48h contado do fornecimento do suporte técnico necessário.
Significa isto que também o prazo de recurso em que o recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada se inicia com o depósito da sentença respetiva, ficando o direito constitucional de acesso ao direito a que se reporta o art. 20º a CRP devidamente assegurado ao assistente, com o dever de entrega da cópia gravada no prazo de 48h e com o regime do justo impedimento regulado no art. 107º nº2 do CPP, onde poderá integrar-se, a generalidade dos casos em que a secretaria não cumpra aquele prazo de 48h.
Uma vez que o depósito da sentença foi efetuado em 13.11.2007, o prazo de 30 dias completou-se em 13.12.2007.
Por outro lado, a entrega da cópia gravada pela secretaria excedeu em 4 dias o prazo de 48 horas a que se reporta o art. 103º nº1 do CPP, contado da data do depósito da sentença, conforme nos parece corresponder à melhor interpretação da lei quando esteja em causa o recurso para reapreciação de prova gravada.
Assim, mesmo que – independentemente da arguição e procedimento do justo impedimento, que não teve lugar nos presentes autos – pudéssemos considerar suspenso o prazo de recurso durante aqueles mesmos 4 dias, o prazo assim acrescentado ter-se-ia concluído em 17.12.2008. Contados a partir desta data os 3 dias úteis a que se reporta o art. 145º nº3 do CPCivil, ter-se-iam os mesmos completado em 20.12.2007.
Concluímos, pois, que mesmo na interpretação mais favorável ao assistente, o prazo legal de 30 dias, acrescido de 4 dias de suspensão e dos 3 dias a que se reporta o art. 145º do CPC, sempre se encontrava ultrapassado em 04.01.2008.
Em face do disposto no art. 5º do C.P.P. é este prazo de 30 dias o aplicável no caso presente, pois o anterior prazo de 15 dias, mesmo contado da data da entrega das cassetes gravadas (19.11.2007), de acordo com a jurisprudência constitucional, completar-se-ia em 4.12.2007, concluindo-se em 7.12.2007 o prazo de 3 dias úteis a que se reporta o art. 145º nº3 do CPC.
Não tem, assim, razão o recorrente, pelo que improcede o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida que indeferiu a pretendida suspensão do prazo de recurso entre a data do depósito da sentença absolutória (13.11.2007) e a data de entrega das cópias gravadas (19.11.2007). Mesmo a considerar-se a hipótese de suspensão do prazo de recurso durante apenas 4 dias, o prazo de recurso ter-se-ia completado em 20.12.2007, conforme referido supra, data esta anterior à sua interposição em 04.01.2008, pelo que o recurso da sentença absolutória sempre seria extemporâneo.
Assim, independentemente de quaisquer outras questões, nada há a alterar, quer relativamente ao despacho de 07.01.2008 que confirmou não haver lugar à passagem de guias, quer quanto ao despacho que não admitiu o recurso da sentença absolutória por extemporaneidade do mesmo».
4. Notificado desta decisão, o recorrente requereu a este Tribunal a apreciação:
«(…) das normas extraídas dos artigos 411.º, n.º 1, alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Penal (C. P. P.), na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretadas no sentido de que o prazo, para interposição de recurso de sentença penal em que se pretende impugnar a decisão da matéria de facto gravada na correspondente audiência de julgamento, se conta a partir do data do depósito da sentença na secretaria e não data da entrega de cópia da prova gravada nos suportes magnéticos para esse efeito entregues, quando tal cópia seja tempestivamente requerida, pelo Assistente/Recorrente, por a considerar essencial para o exercício do direito de recurso».
5. O recorrente e os recorridos foram notificados para alegar, por despacho do primitivo relator que, entretanto, cessou funções neste Tribunal.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo, entre o mais, o que segue:
«20) Também se crê, por outro lado, que a dimensão normativa invocada não integrou a ratio decidendi do Acórdão recorrido – o que obstará ao conhecimento do mérito do presente recurso -, uma vez que este último acórdão expressamente tomou em consideração “o prazo legal de 30 dias, acrescido de 4 dias de suspensão e dos 3 dias a que se reporta o art. 145º do CPC”».
6. Por despacho da relatora, o recorrente foi notificado das contra-alegações do Ministério Público e da possibilidade de este Tribunal vir a não conhecer do objeto do recurso por inutilidade. Com efeito, ainda que viesse a ser proferido um juízo de inconstitucionalidade, seria sempre de concluir pela extemporaneidade do recurso da sentença absolutória, face à fundamentação do acórdão recorrido.
7. O recorrente respondeu, sustentando, entre o mais, o seguinte:
«20.
Portanto, as dimensões normativas invocadas recorridas, ou, interpretações normativas Recorridas, isto é, invocadas pelo Recorrente, que foram exatamente assinaladas quer no Recurso interposto para o Tribunal da Relação, decidido pelo Acórdão de 20-09-2011, quer no Recurso interposto para o TC, quer nas alegações e conclusões do Recurso apresentadas no TC, integraram a ratio decidendi do Acórdão recorrido, de 20-09-2011.
(…)
27.
Ora, assim sendo, e inexistem dúvidas que é esse o significado das contra-alegações do M.º P.º junto do TC, então as contra-alegações do M.º P.º junto do TC convergem com o sentido da possibilidade constante no despacho de 07-03-2012 da Senhora Juíza Conselheira Relatora, isto é, convergem com,
“a possibilidade de este Tribunal vir a não conhecer do objeto do recurso por inutilidade”,
porquanto no mencionado despacho se disse que “ Com efeito, ainda que viesse a ser proferido um juízo de inconstitucionalidade, seria sempre de concluir pela extemporaneidade do recurso da sentença absolutória, face à fundamentação do acórdão recorrido.”
28.
Só que o Assistente, aqui Recorrente, não concorda, nem com as contra-alegações do M.º P.º junto do TC nem com a possibilidade de o TC vir a não conhecer do objeto do recurso por inutilidade”,
29.
Como o Recorrente tem vindo a dizer, e como resulta por demais evidente nas alegações e conclusões do recurso interposto perante o TC, as dimensões ou interpretações normativas Recorridas integraram a ratio decidendi do Acórdão recorrido, logo, ao contrario do que se pode supor na possibilidade de que fala o despacho de 07-03-2012, constituíram a fundamentação do acórdão recorrido, com a consequência de que se o TC vier proferir não apenas um mas mais que um juízo de inconstitucionalidade, mas sempre centrado na questão decidendi central invocada no Recurso para o TC – na exata medida das várias dimensões ou interpretações normativas Recorridas – não deverá o TC concluir pela extemporaneidade do recurso da sentença absolutória, tudo pelos concretos motivos já constantes nas alegações e conclusões do Recurso perante o TC».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. No presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é requerida a apreciação das normas extraídas do artigo 411.º, n.º 1, alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que o prazo, para interposição de recurso de sentença penal em que se pretende impugnar a decisão da matéria de facto gravada na correspondente audiência de julgamento, se conta a partir do data do depósito da sentença na secretaria e não data da entrega de cópia da prova gravada nos suportes magnéticos para esse efeito entregues, quando tal cópia seja tempestivamente requerida, pelo Assistente/Recorrente, por a considerar essencial para o exercício do direito de recurso.
O artigo 411.º, na parte relevante, tem a seguinte redação:
«1 – O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:
a) (…)
b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria;
c) (…)
2 – (…)
3 – O requerimento de interposição de recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na ata, ser apresentada no prazo de 20 dias, contado da data da interposição.
4 – Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.
(…)».
Importa, porém, começar por decidir se este Tribunal pode tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
2. O Tribunal Constitucional tem entendido, em consequência do caráter instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, que a utilidade do recurso interposto – ou seja, a suscetibilidade de repercussão na decisão recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge como condição do seu conhecimento (assim, entre outros, Acórdãos n.ºs 169/92, 366/96, 463/94, 420/2001, 634/2003 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.). Na fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 69.º e ss. da LTC) – diferentemente do que sucede na fiscalização abstrata (artigos 281.º da Constituição e 62.º da LTC) – “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66). E daí a averiguação da utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade por referência ao sentido da decisão recorrida.
3. Procedendo a esta averiguação nos presentes autos, é de concluir que, ainda que o Tribunal Constitucional viesse a concluir pela desconformidade constitucional da norma que é objeto do presente recurso, o Tribunal da Relação de Évora concluiria sempre pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela intempestividade do recurso interposto da sentença absolutória em 4 de janeiro de 2008. Ou seja, é inútil apreciar a inconstitucionalidade da norma indicada no requerimento de interposição de recurso, face ao teor do acórdão recorrido.
O acórdão recorrido conheceu do recurso do despacho que indeferiu o pedido de suspensão do prazo para interposição de recurso, com vista à impugnação de decisão absolutória, desde a data em que a sentença foi depositada e a data da entrega das cassetes com a prova gravada, concluindo pela improcedência do mesmo e consequentemente pela manutenção do despacho que não admitiu o recurso da decisão absolutória por extemporaneidade do mesmo. Segundo o Tribunal da Relação de Évora, o prazo para a interposição de recurso em que o recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada conta-se a partir do depósito da respetiva sentença na secretaria e não da data da entrega da cópia da prova gravada nos suportes magnéticos, havendo, porém, o dever de entregar ao sujeito processual que a requeira cópia da gravação magnetofónica ou audiovisual no prazo máximo de 48 horas e a possibilidade de invocar o incumprimento deste dever enquanto justo impedimento, quando se pratique o ato fora do prazo estabelecido (artigos 411.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, 101.º, n.º 3, e 107.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Contrariando o entendimento do recorrente, o acórdão recorrido concluiu, por conseguinte, no sentido de não ser invocável qualquer causa de suspensão do prazo em função da data da entrega efetiva da cópia da prova gravada.
O Tribunal da Relação de Évora considerou, porém, a hipótese de tal causa de suspensão do prazo ser invocável, quando a cópia da prova gravada não seja entregue ao recorrente no prazo de 48 horas legalmente previsto, independentemente da arguição do justo impedimento. Concluindo que, também nesta hipótese, estaria, no caso, ultrapassado o prazo de interposição do recurso da sentença absolutória – o prazo de 30 dias previsto no artigo 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Interpretação que não é questionada pelo recorrente, pelo que, ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma indicada pelo recorrente, subsistiria sempre a decisão de considerar intempestivo o recurso interposto da decisão absolutória de 1.ª instância.
É, por isso, inútil apreciar a norma cuja apreciação é requerida nos presentes autos.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta.
Lisboa, 24 de Abril de 2012.- Maria João Antunes – Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.