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Proc. nº 790/97
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. L... instaurou, junto do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra C..., CRL, pedindo a declaração de nulidade dos estatutos aprovados, da designação do novo Reitor e a condenação da ré na recondução do anterior Reitor e no pagamento de uma indemnização. Para tanto, sustentou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 52º do Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto.
O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, por sentença de 20 de Agosto de 1995, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor as remunerações devidas pelo exercício do cargo de Reitor desde Outubro de
1992 até ao termo previsível do mandato – Julho de 1993 – e outros eventuais prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença.
2. A ré interpôs recurso da sentença de 20 de Agosto de 1995 para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 6 de Março de 1997, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do pedido.
3. L... interpôs recurso do acórdão de 20 de Agosto de 1995 para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações então apresentadas, o recorrente sustentou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 45º dos Estatutos da UAL.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 28 de Outubro de 1997, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
4. L... interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 28 de Outubro de 1997, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 52º do Decreto-Lei nº 271/89, de 19 de Agosto, e 45º dos Estatutos da UAL.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente alegou, tendo tirado as seguintes conclusões: a) Os artigos 13º e 48º dos novos Estatutos da UAL, criados pela sua entidade instituidora violam o disposto no nº 2 do artigo 76º da C.R.P.; b) Com efeito, o artigo 13º dos novos Estatutos da UAL dispõe que, '0 Reitor é designado pela entidade instituidora de entre uma lista de três professores catedráticos indicados pelo Conselho Universitário'; c) Nos termos do disposto no artigo 48º dos novos Estatutos, 'No primeiro dia
útil posterior ao termo do prazo de quinze dias decorridos sobre o registo dos presentes Estatutos no Ministério da Educação, o Conselho Universitário reúne, sob a presidência do decano dos professores, para efeitos do número 3 do artigo
13º'; d) Segundo o disposto no nº 2 do artigo 76º da C.R.P., 'As universidades gozam nos termos da lei de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira'; e) De entre os vários aspectos da autonomia universitária, o de maior relevo para o caso sub judice, por ser aquele que mais flagrantemente foi violado, é o relativo à autonomia administrativa; f) 'A autonomia administrativa consiste na autoadministração ou autogoverno, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária
(gestão dos seus próprios assuntos, prática de actos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.)', J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, C.R.P. Anotada, pág. 373; g) Em relação às universidades privadas ou cooperativas esta autonomia administrativa deve ainda ser mais reforçada, porquanto, para além do fim didáctico que prosseguem, têm ainda um fim lucrativo, logo é de todo o interesse separar a entidade instituidora das mesmas, em regra com fins lucrativos, dos seus órgãos universitários; h) A elaboração de uns Estatutos novos para a UAL, com a introdução de um preceito como o do artigo 48º procurou contornar a autonomia administrativa da UAL, porquanto obrigou à eleição de um novo Reitor, quinze dias após o registo dos novos Estatutos, pouco tempo após os órgãos universitários terem eleito como Reitor o ora Recorrente; i) Com uma disposição com a redacção do artigo 48º, a entidade instituidora da UAL, apenas visou atribuir competência a ela própria para a eleição de um novo Reitor; j) E, não se diga que tal entendimento não procede porque, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 13º dos Estatutos, o Reitor é eleito de entre uma lista de três professores. indicada pelo Conselho Científico.
É certo que foi o Conselho Científico quem indicou a lista com os nomes de três professores, no entanto, convém ter presente que, esse Conselho Científico tinha uma composição que permitia à entidade instituidora o seu controle absoluto. E, além disso, em última análise, o artigo 13º dispõe que, a escolha cabe sempre
à entidade instituidora; l) Assim, os artigos 13º e 48º dos novos Estatutos da UAL violam o princípio constitucional da autonomia universitária consagrado no nº 2 do artigo 76º da C.R.P.; m) Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 77º da C.R.P., 'Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei'; n) 'A gestão democrática das escolas pressupõe que a gestão escolar não compete no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar (Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a órgãos próprios da escola, eleitos pela colectividade escolar, com a participação de professores e alunos', J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira. C.R.P. Anotada, pág. 375; o) Assim, o processo de destituição do ora Recorrente do seu cargo de Reitor da UAL, e a eleição do novo Reitor, ao abrigo do disposto no artigo 48º dos novos Estatutos, violou também o princípio da participação democrática, consagrado no artigo 77º da C.R.P., na medida em que os processos de destituição do ora Recorrente e de eleição do novo Reitor foram exclusivamente conduzidos pela entidade instituidora da UAL, sem a participação de qualquer órgão realmente representativo de professores e alunos; p) Para constatar esta violação basta ter presente que, foram os próprios alunos da UAL, que, ao abrigo do princípio da participação democrática consagrado no artigo 77º da C.R.P. deveriam ter participado activamente nos supra referidos processos, que tiveram de recorrer à via judicial, através de uma providência cautelar, com vista à anulação da deliberação que destituiu o ora Recorrente do cargo de Reitor e da deliberação que elegeu o novo Reitor; q) Com efeito, se o princípio constitucional da participação democrática tivesse sido observado, os alunos da UAL não teriam sentido necessidade de recorrer a Juízo, porquanto. a sua posição já teria sido acautelada, através da sua participação nos órgãos representativos da sociedade; r) Por outro lado, a actuação da ora Recorrida, não só é inconstitucional por ter violado os artigos 76º e 77º da C.R.P., mas também por ter violado o disposto no artigo 205º da C.R.P.; s) De facto, na sentença que decidiu a supra referida providência cautelar, a ora Recorrida foi condenada a restituir o ora Recorrente no seu cargo de Reitor da UAL, no entanto, a ora Recorrida contornou essa decisão judicial; t) Pois, aquando da entrada em vigor do D.L. nº 271/89 de 19 de Agosto, a ora Recorrida, embora a tal não fosse obrigada, decidiu elaborar novos Estatutos para a UAL, nos quais constava o artigo 48º, com o qual a ora Recorrida visou legitimar a sua deliberação de destituição do ora Recorrente do cargo de Reitor, e eleger de imediato um novo Reitor; u) Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 205º da C.R.P., 'As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades '; v) Assim, a inclusão do artigo 48º nos novos Estatutos, com a consequente legitimação da destituição do ora Recorrente e a eleição de um novo Reitor violou o princípio da obrigatoriedade das decisões judiciais, consagrada no artigo 205º da C.R.P.; x) Por sua vez, o artigo 52º do D.L. nº 271/89, de 19 de Agosto, ao conceder competência e legitimidade às entidades instituidoras das universidades privadas e cooperativas para adequarem estas universidades às condições previstas no referido diploma legal, viola também o artigo 77º da C.R.P; z) Uma vez que, ignorou o direito de participação dos professores e alunos na gestão da universidade, concedendo esse poder unicamente à entidade instituidora.
A recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1ª - O recorrente, no seu requerimento de fls. 460, 'pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 45º dos novos estatutos da U.A.L. e o artigo 52º do Decreto-Lei nº 271/89 de 19 de Agosto' - não de outras;
2ª - Mas nenhuma dessas normas influiu utilmente na decisão sobre o mérito da causa, como se colhe, com segurança, da análise de todas as decisões - sentença da 1ª instância, Acórdão do Tribunal da Relação e Acórdão do STJ;
3ª - Acresce quanto ao art. 52º do DL 271/89 que este diploma já se encontra revogado pelo DL 16/94, de 22.02;
4ª - Além de que, como o recorrente confessa, a sua pretensa inconstitucionalidade apenas na 1ª instância foi suscitada;
5ª - E ele não recorreu da respectiva sentença, pelo que sempre ela teria transitado em julgado (Cfr. Ac. 390/91, de 23.10.91, Acs. 20º, p. 377);
6ª - Ainda que não carecesse, como carece, do pressuposto fundamental de a decisão recorrida haver aplicado as normas em questão, não é verdade que quer o art. 45º dos Estatutos da UAL quer o art. 52º do DL 271/89 enfermem de inconstitucionalidade;
7ª - No que concerne ao art. 45º não se consegue perscrutar qualquer indício sequer de inconstitucionalidade, sendo a respectiva norma uma mera concretização
(e menor) do princípio da autonomia universitária;
8ª - Quanto ao art. 52º é reconhecidamente evidente que o princípio da autonomia universitária tem conteúdos diversos nas universidades públicas e privadas;
9ª - Nestas há que conciliá-lo com o estatuído nos artigos 43º-4 e 44º da Constituição, que consagra princípios igualmente constitucionais (Cfr. Parecer de Sérvulo Correia, a fls. ).
Em resposta à questão prévia suscitada pela recorrida, o recorrente propugnou o conhecimento do recurso.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação Questão prévia
6. Os preceitos ora impugnados têm a seguinte redacção: Artigo 52º
(Aplicação às instituições existentes)
1 - O disposto no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo aplica-se
às entidades instituidoras e aos estabelecimentos de ensino superior particular existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
2 - As instituições referidas no número anterior disporão do prazo máximo de cinco anos para se adaptarem às condições fixadas no presente diploma ou para clarificarem a sua situação no respectivo âmbito, podendo entretanto usar a actual designação e as demais autorizações que lhes foram concedidas, bem como as demais faculdades e poderes previstos neste diploma.
3 - Terminado aquele prazo, o Ministério da Educação emitirá informação pública que dê conhecimento do resultado do processo de enquadramento nas disposições deste Estatuto por parte das entidades instituidoras referidas no nº 1.
4 - A não adaptação, por parte de qualquer estabelecimento de ensino superior particular já existente, ao disposto no presente diploma implicará a revogação dos reconhecimentos anteriormente concedidos ou a alteração do âmbito e efeitos destes reconhecimentos.
5 - As entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que ministrem cursos que pretendam transformar em cursos de ensino superior deverão requerer ao Ministro da Educação a conversão em estabelecimentos de ensino superior particular e dos cursos em cursos de ensino superior.
6 - As escolas superiores existentes à data da entrada em vigor do presente diploma poderão, se a qualidade e responsabilidade social do ensino que ministram o aconselharem, ser reconhecidas como institutos politécnicas, por decreto, mesmo que não possuam todos os requisitos formais exigidos no presente diploma, caso em que se lhes aplicará o disposto no n.º 2.
Artigo 45º
(Designação do Reitor) No primeiro dia útil posterior ao termo do prazo de quinze dias decorridos sobre o registo dos presentes Estatutos no Ministério da Educação, o Conselho Universitário reúne, sob a presidência do decano dos professores, para efeitos do disposto no número 3º do artigo 13º.
Poder-se-ia, desde logo, entender que o Tribunal não deveria conhecer da questão da inconstitucionalidade do artigo 52º por a mesma não ter sido suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça; e que também não deveria conhecer do artigo 45º dos Estatutos da U.A.L. por não se estar perante uma norma para efeitos de fiscalização da constitucionalidade. Seja como for, a recorrida sustenta que tais normas não foram o fundamento da decisão recorrida, pelo que o Tribunal Constitucional não deve tomar conhecimento do objecto do presente recurso, sendo, consequentemente, essa a questão prévia a ser decidida.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, considerou que a decisão da 1ª Instância, ao julgar improcedente vários pedidos do autor, entre eles a declaração de nulidade dos novos estatutos e da designação do novo Reitor em Outubro de 1992, transitou em julgado, uma vez que não foi impugnada pelo recorrente.
Por outro lado, verificou que o acórdão do Tribunal da Relação que decidiu o recurso interposto da decisão que deferiu a providência cautelar de um grupo de alunos implicou a subsistência da destituição do recorrente do cargo de Reitor.
O Supremo Tribunal de Justiça afirmou ainda que o acto de nomeação do novo Reitor (ao abrigo dos novos estatutos) teve um conteúdo criativo e não tanto um conteúdo negativo, de destituição, uma vez que esta ocorreu autonomamente.
Em consequência, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão que revogou a condenação da ré no pagamento de remunerações alegadamente em dívida e de uma indemnização.
Verifica-se, pois, que o fundamento normativo da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que consubstancia uma decorrência necessária de se ter considerado lícito o acto de destituição do ora recorrente do cargo de Reitor da UAL, foi o anterior estatuto, e não o novo. Com efeito, este somente fundamentou a nomeação do novo Reitor, nomeação que ocorreu depois da anterior destituição, tendo esta sido em tempo impugnada pelos alunos e sindicada, em sede de providência cautelar, primeiro pelo Tribunal Cível da Comarca de Lisboa e, depois, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Mas a sentença de 20 de Agosto de
1995 proferida nos presentes autos, já transitou em julgado, na parte em que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade da nomeação do novo Reitor e dos estatutos e de condenação da ré na recondução do anterior Reitor, estando apenas sob recurso o reconhecimento de um direito à indemnização.
Neste momento do presente processo está assim tão somente em causa o recurso da decisão que negou o pagamento de remunerações e de uma indemnização ao ora recorrente. Dado que tal pretensão só é fundamentável na ilicitude do acto de destituição, e, por outro lado, que tal acto não teve por base as normas ora impugnadas (que apenas permitiram a nomeação do novo Reitor, e não, como já se disse, a destituição do anterior) dever-se-á concluir que as normas que constituem objecto do presente recurso não foram aplicadas pelo tribunal a quo na decisão recorrida.
Tal conclusão não é abalada pelo facto de o Supremo Tribunal de Justiça afirmar que as normas em questão não são inconstitucionais. Na verdade, tendo presente a fundamentação do acórdão, tal afirmação apenas quer significar que os argumentos do recorrente não são procedentes, precisamente porque existe autonomia entre o acto de destituir do antigo Reitor e o acto de nomeação do novo Reitor.
Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por normas que tenham efectivamente sido aplicadas pela decisão recorrida. Nessa medida, não se tomará conhecimento do objecto do presente recurso.
II Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso. Custas pelo recorrente, sendo a taxa de justiça fixada em 6 Ucs.
Lisboa, 13 de Janeiro de 1999- Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida (votei a decisão, por entender que o Tribunal não podia conhecer da questão de inconstitucionalidade do artigo 52º do decreto-lei, por a mesma não Ter sido suscitada perante o STJ, nem da questão de inconstitucionalidade do artigo 45º dos Estatutos da UAL, por se não tratar de uma norma para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, dado não provir do exercício de um poder normativo público).