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Proc. 777/96 (Reclamação)
2ª Secção Relator: Cons.Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional : I Relatório
1. Nos autos de «inventário obrigatório» correndo termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Cascais, aí registados sob o nº
402, por óbito de V..., sendo cabeça-de-casal O... (aqui reclamante), havendo cessado o fundamento da obrigatoriedade, com o atingir da maioridade da única interessada menor, foi proferido despacho (o certificado a fls.24) julgando extinta a instância, nos termos do nº 4 do artigo 1326º do Código de Processo Civil (CPC).
No mesmo despacho, depois de se indicar: 'Custas conforme dispõe o artigo 1383º do CPC, tendo em atenção o disposto nos artigos
4º e 18º alínea h) do Código das Custas Judiciais' (CCJ), acrescentou-se: 'para o caso de não ser requerida a continuação do inventário, para efeitos do nº 3 do
artigo 4º do CCJ se consigna...', indicando-se, então, 'o modo de dividir a herança' (em obediência ao nº 3 do artigo 4º do CCJ, na redacção vigente à data do despacho, a anterior ao DL nº3/95, de 14 de Janeiro que eliminou esse nº 3; note-se que o CCJ aqui em causa é o aprovado pelo DL nº 44329, de 8 de Março, ou seja, o anterior ao vigente desde 1/1/97, aprovado pelo DL nº 224-A/96 de 26 de Novembro).
Foi na sequência deste despacho que a cabeça-de-casal apresentou o requerimento certificado a fls. 25 no qual solicita a não tributação do inventário, ao abrigo do nº 2 do artigo 26 do CCJ, 'a contrario sensu', em virtude do passivo da herança exceder o valor do activo, daí decorrendo que 'o benefício patrimonial alcançado pela menor' (a interessada que determinou a obrigatoriedade do inventário) ter sido 'nenhum'.
Sobre tal requerimento recaíu o despacho certificado a fls. 26 que manteve a tributação, com os seguintes fundamentos:
'..., o regime da responsabilidade pelas custas no Inventário está fixado no artigo 1383º do CP, que deverá ser conjugado com o preceituado no artigo 4º do CCJ. Por outro lado, e quanto ao valor do Inventário para efeitos de custas, há que ter em conta o disposto no artigo 8º nº 1 alínea p) do CCJ. Não é, pois, em nosso entender, correcta a integração da situação em causa na previsão do artigo 26º do CCJ, como defende a cabeça-de-casal, já que o aludido artigo refere-se
expressamente a processos, incidentes ou actos relativos à jurisdição de menores, o que, evidentemente, não é o caso vertente.'
2.Pretendeu, então, a cabeça-de-casal recorrer para este Tribunal, arguindo - nesse requerimento de interposição, certificado a fls.27 - de inconstitucionalidade, por violação do artigo 69º da Lei Fundamental, o disposto na alínea p) do nº 1 do artigo 8º do CCJ, declarando só então ter tido oportunidade processual de suscitar essa questão.
Através do despacho certificado a fls.28 não foi, pelo Tribunal recorrido, admitido recurso, por se considerar extemporânea a arguição.
3. É esta a decisão ora reclamada, ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por se entender que o Tribunal a quo não se socorreu, anteriormente ao despacho certificado a fls. 26, da alínea p) do nº 1 do artigo 8º do CCJ.
Colhido, a este respeito, Parecer do Ministério Público
(que pugna pela improcedência da reclamação) e os competentes vistos da Secção, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
4. A questão colocada pela reclamação prende-se com a exigibilidade à reclamante da suscitação, anteriormente ao requerimento de interposição do recurso, da questão de inconstitucionalidade pretendida introduzir.
Dá-se por assente que esse requerimento de interposição
é, em princípio, local não apropriado a tal suscitação e que apenas se poderá entender diversamente quando 'o recorrente não haja tido oportunidade processual de suscitar a questão antes da decisão de que se pretende recorrer' (Armindo Ribeiro Mendes «Recursos em Processo Civil», 2ª ed., Lisboa 1994, p.331).
No caso, a decisão de que se intenta recorrer é a certificada a fls.26. Nela, com efeito, é pela primeira vez citada, expressamente, a alínea p) do nº 1 do artigo 8º do CCJ. Porém, o teor desta (que fixa como valor tributário dos inventários 'o da soma dos bens a partilhar, sem dedução de legados nem de dívidas passivas') já estava logicamente implícita no despacho certificado a fls.14, que julgou extinta a instância e ficcionou a partilha para efeitos de custas, como exigia, então, o nº 3 do artigo 4º do CCJ
('Quando, antes do despacho determinativo da partilha, cesse a causa justificativa da obrigatoriedade do inventário e não seja requerido o prosseguimento do processo, o despacho que o dê por findo indicará o modo de dividir a herança para os efeitos do número anterior').
Significa isto que, não sendo requerido o prosseguimento do inventário (e deduz-se desta reclamação que não o foi), a parte final deste despacho de fls.24 funcionava como condenação em custas, nos termos do artigo
1383º do CPC (versão de então e actual) e, consequentemente, pressunha um valor
(tributário) de cálculo dessas custas, valor esse que só poderia ser aquele que o CCJ indica para os inventários: o fixado na alínea p) do nº 1 do artigo 8º do CCJ.
Assim sendo, já então (no requerimento de fls. 25), era exigível à reclamante que, entendendo ofensivo da protecção constitucional à infância (disso trata o artigo 69º da Constituição) a tributação de inventários com passivo superior ao activo com interessados menores, suscitasse a questão da inconstitucionalidade assim figurada, logo após o despacho que consubstancia essa condenação em custas.
Em vez disso, convocou a reclamante, fora de qualquer perspectiva de constitucionalidade, uma norma (o nº 2 do artigo 26º do CCJ) consabidamente não aplicável ao processo de inventário obrigatório, por razões de especialidade, traduzidas na circunstância de outras disposições do CCJ (o artigo 4º) regular expressamente as isenções destes processos (isto, para além do inventário obrigatório não corresponder às situações descritas nesse nº 2 do artigo 26º).
Era, assim, exigível à recorrente que, antes do requerimento de interposição do recurso, suscitasse a inconstitucionalidade da norma que, estando logicamente implícita no despacho que condenou em custas, previsivelmente se mostrava vocacionada para conduzir à tributação do processo.
Foi, portanto, correcta a não admissão do recurso. III DECISÃO
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante fixando-se em 8 (oito) unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa