Imprimir acórdão
Processo nº 914/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - No Tribunal do Trabalho da Maia, A. intentou acção com processo sumário contra B., na qual vem exercendo actividade laboral desde 1973, impetrando como pedido principal a condenação da Ré a pagar-lhe mensalmente a quantia de Esc. 135.300$00 e, a título de diferenças salariais resultantes da discriminação salarial de que tem sido vítima e das diferenças salariais vincendas, a quantia de Esc. 361.200$00.
Por sentença de 12 de Julho de 1996, foi a acção julgada totalmente procedente, por provada, sendo a Ré condenada a pagar à autora, nos termos peticionados, as quantias de, respectivamente, Esc. 135.000$00 e Esc.361.200$00.
*///*
2 - Sob invocação do disposto no artigo 668º do Código de Processo Civil veio a Ré reclamar do assim decidido, arguindo a nulidade da sentença e suscitando, nomeadamente, quanto a ela, questões de constitucionalidade.
E, na parte que importa reter, aduziu inter alia o seguinte:
'A sentença recorrida para além de ser nula por omissão de pronúncia e por estar em contradição com os fundamentos, está ferida de inconstitucionalidade ou ilegalidade por aplicação inadequada das normas dos arts. 13, 59, nº 1 - a) da Constituição da República.'
Por despacho de 4 de Outubro de 1996, indeferiu o senhor Juiz a arguição de nulidade, não tendo, concomitantemente, dado por verificada a existência de qualquer vício de inconstitucionalidade.
*///*
3 - Contra este despacho interpôs então a Ré recurso de constitucionalidade, buscando para tanto abrigo no disposto nos artigos 70º, nºs
1, alínea b) e 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Todavia, por despacho de 21 de Novembro de 1996, não foi o recurso recebido por não se darem por verificados os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Não conformada com o indeferimento da petição de recurso, trouxe a Ré reclamação ao Tribunal Constitucional em ordem a que, por via dela, seja ordenado o seu recebimento.
Neste Tribunal os autos foram com vista ao senhor Procurador-Geral Adjunto que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação.
Os autos seguiram os vistos de lei mostrando-se agora concluídos para decisão.
*///*
4 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o pressuposto de admissibilidade deste tipo de recurso - do qual a reclamante se serviu - no atinente ao exacto significado da locução 'durante o processo' utilizado naqueles normativos, deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade
Todavia, a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade.
Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua jurisprudência genérica, que naqueles casos anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. por todos os acórdãos nºs
62/85, 136/85 e 94/88 no Diário da República, II Série, respectivamente, 31 de Maio de 1985, 28 de Janeiro de 1986 e 22 de Agosto de 1988, e 479/89, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 389, pp. 222 e ss.).
*///*
5 - Por outro lado, importa acentuar que o legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade
(cfr. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Como vem sendo reiteradamente definido pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos
outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa (cfr. por todos os acórdãos nºs 128/84 e
274/88, Diário da República, II série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
E assim sendo, incumbe aos recorrentes, durante o processo, o
ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, havendo de fazê-lo de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que os tribunais judiciais aquando do respectivo julgamento sejam confrontadas com a matéria da inconstitucionalidade e sobre ela possam proferir decisão de provimento ou de rejeição.
*///*
6 - Ora, à luz dos princípios assim sumariamente expostos, há-de dizer-se que a reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma aplicada como fundamento da decisão de que pretende recorrer, em termos de, com base nessa suscitação se poder interpor um recurso de constitucionalidade.
Com efeito, limitou-se, no requerimento de arguição de nulidade da sentença, - logo, e na situação concreta, já para além do tempo operativo de suscitação de questões de constitucionalidade - a imputar à própria sentença o vício de inconstitucionalidade 'por aplicação inadequada das normas dos artigos
13º e 59º, nº 1, alínea a) da Constituição', sem no entanto questionar a legitimidade constitucional de qualquer preceito aplicado como fundamento normativo da decisão impugnada.
E assim sendo, sem necessidade de outras considerações havidas por desnecessárias, tem-se por manifesto que a reclamação há-de ser desatendida.
*///*
7 - Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) Ucs.
Lisboa, 18 de Março de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa