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Processo nº 854/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente A. e como recorridos B. e o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos constantes da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 570 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que mereceu a 'inteira concordância' do Ministério Público, não tendo sido abalada pela resposta do recorrente, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta. Lisboa, 11 de Março de 1997 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida
Processo nº 854/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio 'interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, restrito à matéria de inconstitucionalidade', do acórdão da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Outubro de 1996, que, na parte que aqui interessa, confirmou a
'decisão recorrida', ou seja, a sentença do Mmº Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Almada que o condenou 'como autor material de um crime de ofensas corporais simples, p. e p. pelo artº 142º nº 1, do CP de 1982, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 900$00, ou seja na pena de multa de 54 000$00, que lhe foi declarada integralmente perdoada ao abrigo do preceituado no artº
8º nº 1, c), da lei nº 15/94, de 11/5, absolvendo-se do crime de dano voluntário imputado pelo Exmº magistrado do Mº Pº'.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invocou o recorrente o seguinte:
'1º O presente Recurso é interposto ao abrigo do artº 70 alínea b) da Lei nº
28/82 de 15 de Novembro.
2º Pretende ainda o recorrente que o Tribunal se pronuncie quanto ao tratamento
'desigual' de que foi alvo relativamente à Assistente, no decurso do julgamento
(artº 13 da CRP).
No tocante à questão referenciada em 1º, o Recorrente suscitou na Audiência de Julgamento a inconstitucionalidade do artº 39 'ex vi' do artº 47 do Código de Processo Penal, por não terem sido contempladas naqueles normativos, as incompatibilidades como forma de impedimentos, ainda que não tivesse legitimidade para tal, pelo facto de ter caracterizado tal inconstitucionalidade como 'inconstitucionalidade por omissão'.
No que se refere à questão a que se alude no ponto 2º, o Arguido pretendeu reinquirir o Exmº Perito Médico por forma a que este esclarecesse determinados aspectos médico-legais, pedido que foi indeferido, ainda que o mesmo Perito Médico haja sido inquirido 'ab initio' por iniciativa da Assistente (fls. 156). Foi pois a 'desigualdade de tratamento' que teve lugar na Audiência de Julgamento que motivou a interposição de um Recurso, por violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13 da Constituição da República Portuguesa e da própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artº 6º nº 3, alínea d)) que refere que as testemunhas de defesa e as testemunhas de acusação devem ser inquiridas em igualdade de circunstâncias pela Acusação e pela Defesa'.
Depois, dando satisfação ao convite a que se refere o artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo
2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, veio o recorrente esclarecer que
'suscitou no decurso da audiência de Julgamento de fls. 359 a 365 a questão da inconstitucionalidade do artº 39 do Código de Processo Penal 'ex vi' do artº 47 do mesmo Código, por aquele normativo não regular a matéria das incompatibilidades como formas de impedimentos', uma vez que 'no caso especifico do Exmº Perito Médico a sua situação consubstanciar objectivamente um impedimento, na forma de incompatibilidade, e o artº 39 não a ter previsto'.
E acrescentou ainda:
'Por outro lado, apesar do Exmº Perito Médico haver sido inquirido por iniciativa da Assistente (fls. 156), não foi dada a mesma oportunidade ao Arguido de o poder 'reinquirir' (fls. 383) quando o que está (estava) em causa era o esclarecimento de questões médico-legais muito concretas, como seja, a indicação objectiva da(s) área(s) anatómicas.
O pedido feito pelo Arguido, visando a reinquirição do Exmº Perito Médico foi indeferido, o que motivou a interposição de um Recurso.
Alegou-se que ao não possibilitar-se ao Arguido a reinquirição do Exmº Perito Médico, estava a violar-se o artº 6, nº 3, alínea d. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A reinquirição do Exmº Perito, tinha ainda a ver, com a própria queixa que a Assistente havia subscrito e que está na génese dos presentes autos e onde claramente são referidas 'zonas anatómicas' que não têm correspondência, nem com o Exame Directo de fls. 4, nem com o Exame de Sanidade de fls. 15.
A impossibilidade do Arguido reinquirir o Médico, 'maxime' quanto aos aspectos médico-legais, não observados e por conseguinte não peritados, 'ofende' não só o princípio da igualdade consagrado no artº 13 da CRP, mas também o princípio do contraditório ínsito no nº 5 do artº 32 da Constituição da República'.
2. Alcança-se facilmente do que fica dito que o recorrente quer fazer valer duas arguições de inconstitucionalidade, no âmbito da aplicação do artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82, que, todavia, não podem caracterizar-se como arguições de inconstitucionalidade normativa relevantes para o tipo de recurso de constitucionalidade em causa.
Assim, em primeiro lugar, a pretensa 'questão da inconstitucionalidade do artº 39 do Código de Processo Penal 'ex vi' do artº 47 do mesmo Código' é uma invocação de inconstitucionalidade por omissão legislativa.
Basta atentar nos termos em que o recurso de constitucionalidade foi interposto pelo recorrente, em acta de audiência de julgamento. Aí se vê que o recorrente depois de aludir aos 'impedimentos constantes do artº 39 do CPP', extensivos aos Peritos, e de referir que 'no elenco dos impedimentos constantes do artº 39º do CPP não figuram, como de resto não poderiam figurar, as incompatibilidades, já que a referida disposição legal é somente aplicável aos Sr. Magistrados Judiciais', alinhou extensas considerações sobre esta matéria, terminando deste modo:
'Em rigor o artº 39º do CPP, aplicável 'ex vi' do artº 47º do mesmo Código é omisso quanto à questão ora em apreciação. Por outra palavras, apesar de existirem no ordenamento jurídico os diplomas legais que regulam sectorialmente a matéria, a mesma ainda não teve (tem) consagração a nível do Processo Penal Português. Aliás, e quanto a este particular o Prof. Figueiredo Dias expressou a sua opinião de que o actual CPP, nesta matéria continha algumas lacunas.
O arguido entende que a não relação desta matéria no âmbito do Cód. Penal de forma unitária e sistemática é em si violadora do comando constitucional que decorre do nº 5 do artº 269º da C.R.P.
Acresce que pelo facto de não ter sido declarada a nulidade dos actos praticados pelo Sr. Perito Médico, em situação de incompatibilidade, como opina o arguido, tais actos permanecem 'válidos' na ordem jurídica, o que é manifestamente ofensivo 'do princípio da igualdade' consagrado no artº 13º da Constituição da República, pelo 'Tratamento mais favorável da assistente em detrimento do arguido'.
Pretende-se por conseguinte e desde já suscitar pela presente peça a inconstitucionalidade por omissão dos artºs 39º e 47º do CPP por violação do artº 269º nº 5 e do 13º da CRP, por não regular nem integrar a matéria das incompatibilidades sendo certo que tal omissão tem efeitos negativos na esfera jurídica do arguido'.
E, na motivação do recurso perante o tribunal de relação, repetiu aquelas posições e reafirmou que 'suscitou a inconstitucionalidade por omissão do artº 39 com referência ao artº 47 do Código de Processo Penal por violação do artº 269 nº 5 da CRP' e que a 'alegação de inconstitucionalidade tem por base o facto de a questão não estar regulada pela lei processual penal, apesar da importância hoje reconhecida de que as incompatibilidades produzem efeitos negativos e se repercutem negativamente na esfera jurídica das pessoas a elas sujeitas e na de terceiros' (conclusões 7º e
8º da motivação).
A este ponto respondeu acertadamente o acórdão recorrido que as 'omissões legislativas inconstitucionais derivam do incumprimento de imposições constitucionais legisferantes em sentido estrito' e que tal inconstitucionalidade só pode 'ser invocada a requerimento do Presidente da República, Provedor de Justiça e Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais, nos termos do artº 283º, nº 1, da CRP, não cabendo a este Tribunal, mas sim ao Tribunal Constitucional, declará-la e, muito menos, ao arguido invocá-la' (e acrescenta-se ainda: 'Com o descrito silêncio legislativo, com a inépcia do poder legisferante nada têm que ver os Tribunais, enquanto órgãos de soberania, a quem é confiado, por imperativo constitucional - artº 251º, nº 1, da CRP - o dever de administrar a justiça, donde a manifesta ilegitimidade do arguido para suscitar a inconstitucionalidade por omissão, à face do quadro constitucional'.
E é mesmo assim: a inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 283º da Constituição, e quando invocada por quem tem legitimidade para o fazer, não cabendo aí um interesse do particular, origina um processo de fiscalização abstracta de constitucionalidade, regulado nos artigos 67º e 68º da Lei nº 28/82, que nada tem a ver com os recursos de constitucionalidade, como é a presente hipótese.
Daí poder desde já afirmar-se que, nesta parte, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, por não se verificar o requisito previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 70º, da mesma Lei nº 28/82, na medida em que a arguição de inconstitucionalidade aí referenciada não cobre o tipo de inconstitucionalidade por omissão.
3. Em segundo lugar, e quanto à questão do
'tratamento 'desigual' de que foi alvo (o recorrente) relativamente à Assistente, no decurso do julgamento (artigo 13º da CRP)', não se vislumbra aí nenhuma questão de arguição de inconstitucionalidade normativa, como claramente transparece da respectiva motivação de recurso exibida perante o tribunal de relação.
Sustentou o recorrente, na parte que pode interessar:
'6º - A não reinquirição do Perito Médico, traduz-se, na óptica do Arguido, numa diminuição dos direitos de defesa e consubstancia uma violação do princípio da igualdade consagrado no Artº 13 da Constituição da República Portuguesa;
7º - Aliás a não reinquirição do Perito Médico viola o Artº 6, nº 3 al. d. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que postula que o acusado tem direito a interrogar as testemunhas de acusação e a obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
8º - A Convenção Europeia dos Direitos do Homem constitui Direito interno português, sendo as suas normas de aplicação directa;
9º - O princípio da igualdade, na sua vertente de princípio de igualdade de armas, pressupõe no âmbito do processo penal, que a Acusação e a Defesa estejam em posição de igualdade, isto é, tenham a mesma possibilidade de exercerem em paridade os seus direitos;
10º - 'In casu' foi dada a possibilidade à Assistente de poder inquirir o Perito Médico, enquanto tal possibilidade não foi dada ao Arguido (cfr. Artº 6 nº 3, al. d. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem);
11º - Em decorrência do que se deixa escrito, o Arguido sustenta que teve lugar uma diminuição dos seus direitos de defesa, (cfr. Artº 32 da CRP)'.
Não decorre, pois, da posição do recorrente a invocação de qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a uma norma jurídica, nomeadamente do Código de Processo Penal, havendo apenas uma censura da decisão jurisdicional, na parte em que foi indeferido um seu requerimento, peticionando determinadas diligências em audiência de julgamento, concretamente a 'reinquirição do Perito Médico'
E foi exactamente essa censura que foi feita no acórdão recorrido, na perspectiva do controlo da decisão jurisdicional, para se concluir que 'e bem, o Mmº Juiz, deixando-se conduzir pelos limites que a produção de prova em vista da descoberta da verdade comporta, não cedendo ao supérfluo, rejeitando o dilatório, o eternizável, nos termos do artº 340º nº 4, als a) e c), do CPP, indeferiu a diligência requerida'.
Também aqui falha o requisito específico previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 70º, pois não há da parte do recorrente a arguição de inconstitucionalidade de norma jurídica, mas tão-só arguição reportada a decisão jurisdicional, o que também obsta ao conhecimento do mérito do recurso de constitucionalidade.
Por tudo isto, não há que tomar conhecimento do presente recurso, sendo simples a questão a resolver.
4. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.