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Processo n.º 81/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. a., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão, da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu [a)] não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, [b)] não tomar conhecimento do objeto do recurso quanto às normas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, e [c)] não julgar inconstitucional “a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão do Tribunal da Relação, quanto às questões nele decididas, quando este confirme in mellius a decisão da primeira instância e condene arguido a pena inferior a 8 anos”.
2. Refutando essa decisão, assim argumentou o reclamante:
“(...)
1. É verdade que o reclamante cumulou dois recursos na mesma petição e é igualmente certo que o segundo recurso – interpostos por cautela e no qual se colocaram em crise normas aplicadas em aresto pela Relação de Lisboa – só pode ser conhecido após ser decidida a questão da conformidade com a Lei Constitucional do acervo normativo que foi objeto do primeiro recurso, no qual está em causa o Acórdão proferido em conferência pelo STJ em 12.01.12 «o qual confirmou, por rejeição de reclamação deduzida, a irrecorribilidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em que haviam sido suscitadas questões autónomas não abrangidas pelo princípio da dupla conforme, bem como questões de constitucionalidade».
2. A presente reclamação centra-se, pois, nesta restrita matéria.
3. Salvo o devido respeito não se concorda com o teor da decisão sumária (i) na parte em que não tomou conhecimento da questão da constitucionalidade da alínea e) n.º 1 do artigo 400º do CPP (ii) na parte em que não julgou inconstitucional a alínea f) do n.º 1 do artigo 400º citado.
Comecemos pela segunda.
4. O reclamante interpôs recurso para o STJ delimitando que ele visava o Acórdão da Relação (i) na parte em que enfermava de erro de Direito ante a aplicação concursal do artigo 131º do Código Penal e do artigo 86º, nºs. 1, 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05 e destarte de inconstitucionalidade material, que preveniu (ii) e bem assim a questão da inconstitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, na parte em que prevê a irrecorribilidade de aresto da Relação que conheça em primeira instância «questões essenciais à situação jurídico-penal do condenado e nucleares ao seu direito de defesa, como o problema da cumulação através da dupla valoração de agravações emergentes do mesmo facto», no caso as decorrentes da aplicação em concurso material daquelas citadas normas.
5. Por decisão sumária o STJ entendeu que o recurso não era admissível [por se tratar de dupla conforme em medida inferior a oito anos] e que a questão de constitucionalidade que o recorrente pretendia fosse conhecida pelo STJ [pois que todos os tribunais estão adstritas a conhecê-las] «só pode ser suscitada ante o Tribunal Constitucional».
6. Após reclamação foi admitido o recurso [por despacho do Exmo. Presidente do STJ ou por delegação sua] o qual foi, entretanto rejeitado por decisão sumária do mesmo STJ, o que viria a merecer reclamação para a conferência por parte do ora reclamante.
7. Nessa reclamação o ora reclamante consignou que se tratava de recurso interposto de «questões que não tendo a ver com a condenação em si tenham autonomia face a ela: uma delas é a questão aqui suscitada, a da desconformidade constitucional de um complexo normativo pelo qual se fez aplicar [por erro de Direito] em regime de concurso os artigos 131º do Código Penal e 86º, n.º 1, c), 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05 [homicídio com uso de arma e detenção de arma]», sucedendo que «esta concreta questão não foi confirmada pela Relação, sim colocada pela primeira vez à Relação, pelo que não se estará perante um terceiro grau de jurisdição, sim ante um segundo».
8. Ora, ante essa reclamação, a conferência do STJ em longa decisão [porque extrata todo o processado por transcrição das decisões relevantes alongando assim a narrativa] decidiu (1) reafirmar as razões explicitadas na decisão sumária que fundamentaram a rejeição do recurso, por inadmissibilidade» e (ii) que os fundamentos de irrecorribilidade elencados nas várias alíneas do artigo 4002 «são independentes uns dos outros».
9. Esta segunda parte do decidido teve em vista [como veremos] um argumento expendido quando em 06.10.11. foi admitido, por despacho do Exmo. Presidente do STJ [ou por delegação deste] o recurso, por revogação da decisão sumária que o rejeitara.
10. É pois a questão que se mantém: saber se é conforme à Lei Fundamental o acervo normativo [formado primariamente pela alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP e complementarmente pela alínea e) do mesmo] pelo qual se estipule a irrecorribilidade de um aresto da Relação que conheça em primeira instância certas questões jurídicas cuja legalidade não haviam sido suscitadas antecedentemente.
11. É que a dimensão normativa estrita do preceito citado visa apenas os casos em que se cumulem duas circunstâncias (i) uma conformidade da decisão condenatória [admitamos, sem conceder, mesmo que in meilius, consoante tem sido entendimento deste TC] (ii) uma medida concreta de pena «não superior a oito anos».
12. Ora do que se trata aqui é de estender, numa lógica de odiosa amplianda, o âmbito de previsão desta norma a uma situação em que não está em causa a conformidade condenatória [a convergência no decidir punitivo] mas sim (i) uma questão de natureza jurídica autónoma relativamente ao ato condenatório e que com ela se não confunde e (ii) sobre a qual não houve confirmação do antes decidido.
13. A decisão que se submete à decisão de Vossas Excelências raciocina desconsiderando, salvo o merecido respeito, este segundo segmento, limitando-se a transcrever aquilo que é a jurisprudência firmada em matéria de dupla conforme in meilius, como se o problema que foi colocado fosse esse e não outro, o de estarmos ante uma primeira decisão e não ante uma segunda.
14. Ora, por ser assim, é que são precisamente as razões que se invocam contra o reclamante que legitimam decisão adversa: o direito de defesa, o direito ao recurso, o acesso aos tribunais, tudo valores fundamentais que a Constituição tutela [artigos 32º, n.º 1 e 280º, n.º 1 da CRP] exigem que tenha de haver uma via pela qual se sindique em sede de recuso decisões da Relação que, não sendo confirmativas do antes decidido em sede condenatória pela primeira instância, configure questão essencial para a garantia da defesa do arguido e para a configuração do seu estatuto jurídico-penal.
15. Finalmente no que se refere à questão da conformidade constitucional da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP não se pode aceitar que a mesma não haja sido aplicada.
16. A dita alínea foi chamada à colação precisamente na decisão que viabilizou o recurso em sede de STJ [despacho do seu Exmo. Presidente ou por delegação sua] quando estatuiu [e permita-se a citação]: «[...] considerando que, não existe, no caso, dupla conforme, seria aplicável a alínea e) do n.º 1 do mesmo preceito, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, que estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade».
17. Ou seja, convocando a citada alínea e) e dela extraindo uma interpretação a contrario, a decisão que viabilizou o recurso para o STJ, enquadrou-a numa concatenação normativa com a alínea f) [ambas do n.º 1 do artigo 400º do CPP] para concluir que «[...] ao abrigo desta alínea o recurso seria admissível, por o arguido ter sido condenado numa pena superior a 5 anos de prisão [...]», citando em abono desta perspetiva vária jurisprudência do STJ.
18. Vale isto dizer, em CONCLUSÃO que:
1.ª A decisão sumária deve ser revogada na parte em que não tomou conhecimento do objeto do recurso quanto ao que se refere à constitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, pois que tal preceito foi aplicado [em concatenação com a alínea f) do mesmo normativo];
2.ª A decisão sumária deve ser revogada na parte em que não julgou inconstitucional a alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP pois que o que está em causa, reitera-se, não é a decisão proferida em sede de dupla conforme que confirmou a condenação prolatada em primeira instância, sim uma questão autónoma que havia sido suscitada pela primeira vez ante a Relação, a do concurso real entre o artigo 131º do Código Penal e do artigo 86º, nºs. 1, 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05;
3.ª A decisão sumária tem razão quanto ao que decidiu sob a sua alínea a) pelo que [e entender-se definitivamente a irrecorribilidade para o STJ do decidido pela Relação] não fica precludida a eventualidade de se suscitar tal questão ante o TC, como é de Justiça”.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do teor da reclamação, pugnou pelo seu indeferimento, com base nos seguintes argumentos:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 78/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso quanto ao recurso interposto do Acórdão da Relação de Lisboa, nem quanto às normas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, tendo-se negado provimento quanto ao restante, respeitante à inconstitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
2º
Quanto ao não conhecimento do recurso interposto do Acórdão da Relação, o reclamante aceita, expressamente, a decisão, apenas a impugnando quanto ao resto.
3º
Tal como se afirma e demonstra na douta Decisão Sumária, a decisão recorrida não aplicou a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, do CPP.
4º
Aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça afasta expressamente a aplicação dessa norma, frisando que cada alínea daquele n.º 1 contempla casos diversos e autónomos de irrecorribilidade, aplicando-se, no caso, exclusivamente, a alínea f).
5º
Se o recorrente, nesta matéria, pretendia suscitar uma questão de inconstitucionalidade, ela teria de radicar na norma e na interpretação efetivamente realizada e não em uma ficcionada.
6º
O recorrente, na reclamação da Decisão Sumária proferida no Supremo Tribunal de Justiça e na reclamação que agora apresenta, insiste que a Relação conheceu em primeiro grau de questões essenciais para o arguido, como seria o de se considerar haver em concurso efetivo de crimes entre o crime de homicídio cometido com arma e o crime de detenção de arma proibida.
7º
Evidentemente que a Relação conheceu pela primeira vez, em sede, de recurso de questão, porque ela lhe foi colocado pelo próprio recorrente, na impugnação do decidido pela primeira instância.
8º
Ou seja, sobre tal matéria há dois graus de jurisdição e um de recurso, não se tratando de uma questão, que, pela primeira vez, ex novo, a Relação tivesse apreciado.
9º
Sobre essa matéria e de forma clara, diz-se no acórdão, por transcrição da anterior Decisão Sumária:
“Sobre a existência de “dupla conforme”, quanto à questão de, no caso, se verificar uma relação de concurso efetivo de crimes entre o crime de homicídio, cometido com arma, e o crime de detenção de arma proibida (a mesma com que foi cometido o homicídio), não haverá dúvidas porque assim decidiu a 1.ª instância e a relação que, sobre ela, se pronunciou por ser uma das questões postas pelo recorrente, no recurso para a 2.ª instância, o que significa que a relação decidiu, sobre ela, em recurso, por ser questão colocada no recurso.”
10º
Portanto, concluindo, estamos perante a irrecorribilidade prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do CPP, tendo o acórdão da Relação confirmado “in melius” a decisão na 1.ª instância.
11º
Nesta dimensão normativa, a efetivamente aplicada, a norma não é inconstitucional como o Tribunal Constitucional tem entendido em numerosa jurisprudência que a Decisão Sumária identifica e cujos fundamentos em nada são abalados pela argumentação do recorrente.
12º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
II. Fundamentação
4. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do “Acórdão proferido em conferência pelo STJ em 12.01.12, o qual confirmou, por rejeição da reclamação deduzida, a irrecorribilidade do Acórdão do Tribunal da Relação em que haviam sido suscitadas questões autónomas não abrangidas pelo princípio da dupla conforme, bem como questões de constitucionalidade” e do “Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte em que decidiu haver concurso material entre as normas dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º n.ºs 1 c), 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06 de maio, e consequentemente individualizou em função de tal critério a pena aplicável”, pretendendo ver sindicada, quanto ao primeiro aresto, a constitucionalidade das normas das alíneas e) e f) do artigo 400.º do Código de Processo Penal e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional; e, quanto ao segundo, os artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n.º 1, alínea c), 3 e [4] da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio.
2. Perscrutados os autos e porque se constata que o presente recurso se integra no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se nos termos do aí disposto, atento, igualmente, o consignado no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma.
3. Como se referiu supra, o recorrente interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, recurso de duas decisões proferidas nos mesmos autos.
Constituem pressupostos da admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da referida norma que a decisão recorrida tenha procedido à aplicação, como ratio decidendi, de uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pela recorrente durante o processo e que se encontrem esgotados os recursos ordinários.
3.1. Ora, quanto ao recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é manifesto que este último requisito não se verifica. Na verdade, o conhecimento deste recurso estará sempre dependente da resolução do problema de constitucionalidade que vem suscitado no âmbito do recurso interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Destarte, só depois de dirimida a questão em torno da recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação para esse Supremo Tribunal – e, em rigor, só depois de transitado em julgado o Acórdão aí proferido – é que, no quadro emergente dos autos, se poderá recorrer desta decisão, firmado ex julgatum, portanto, o entendimento de que ela não admite recurso ordinário.
Assim, como se compreenderá, não pode deixar de reconhecer-se que a admissibilidade do recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação está em estrita ligação com o resultado que se fixar quanto ao recurso interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça: se este merecer provimento será óbvio que a decisão da Relação de Lisboa não será definitiva no sentido de não admitir recurso, situação em que haverá lugar à reforma da decisão de rejeição do recurso interposto; se, pelo contrário, for negado provimento ao recurso interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, só com o transito em julgado de tal decisão se estabelecerá a irrecorribilidade do Acórdão do Tribunal da Relação, com as consequências que daí advêm.
Pelo que, nesses termos, se decide não tomar conhecimento do recurso na parte em que o mesmo se encontra interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
3.2. Quanto ao recurso interposto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pretende o recorrente ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
3.2.1. Para que o Tribunal possa conhecer do objeto do recurso assim definido pelo recorrente, importa apurar se, in casu, estão preenchidos os pressupostos de recorribilidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, designadamente, se a constitucionalidade das referidas normas foi previamente suscitada e se o tribunal recorrido as aplicou como ratio decidendi.
Quanto ao primeiro requisito, atento o circunstancialismo do presente caso concreto, o momento processual e funcionalmente idóneo para suscitar qualquer problema de constitucionalidade seria no âmbito da reclamação da decisão sumária que rejeitou, por inadmissibilidade, o recurso interposto para o STJ, e não outro, anterior, porquanto a decisão recorrida apenas se encontraria vinculada ao conhecimento dos fundamentos aduzidos na reclamação que lhe cumpria apreciar, como resulta do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, determina que o recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, só pode ser interposto “pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Nesses termos e sem prejuízo do que se dirá infra, nem a “reclamação do despacho de fls. 1275 que rejeitou o recurso para o STJ”, nem a “conclusão 4.ª da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, constituem momentos idóneos e funcionalmente adequados ao cumprimento do ónus de suscitação prévia das questões de constitucionalidade na medida em que a decisão recorrida não se encontraria vinculada ao seu conhecimento.
Assim sendo, para tal efeito, importa atentar no conteúdo da reclamação que deu origem à prolação da decisão recorrida, na qual o recorrente expendeu os seguintes argumentos:
“(...)
1. O reclamante pretende que seja considerado recorrível para o STJ o aresto da Relação que decidiu o recurso interposto de acórdão condenatório que o condenou a sete anos de prisão; mas [como já tornou claro] não pretende que esse recurso [agora rejeitado] abranja a parte do aresto que confirmou a condenação, mas sim a parte do mesmo em que conheceram duas questões: uma questão de erro de Direito [que já se individualizará] e uma questão de constitucionalidade.
2. Sobre esta matéria foi lavrada uma primeira decisão, em sede de reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, a qual admitiu o recurso interposto; uma outra sumária, a agora reclamada, em sentido divergente, rejeitando o recurso, pois que tido por inadmissível.
3. Cremos que, salvo o devido respeito, esta não deve prevalecer, fundamentalmente por duas ordens de razões:
4. Primeiro, porque como foi expendido pela primeira decisão proferida em sede de reclamação, a existência de um princípio proibitivo de recurso em nome da regra da dupla conforme prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, não poderá conter interpretação divergente com a outra regra estatuída na alínea e) do mesmo corpo normativo, segundo a qual a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos pela relação, em recurso, só existirá relativamente a condenações que ‘apliquem pena privativa de liberdade’.
5. Assim, estando em causa pena privativa da liberdade, a recorribilidade que decorre numa leitura a contrario da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º não pode ser derrogada pela alínea f) do mesmo preceito, porquanto tal significaria uma interpretação restritiva contra reum, numa lógica contraditória com o princípio geral do odiosa restringenda, favorablia amplianda e, no que ao processo penal respeita, do favor rei, sem o que não existe o processo justo tal como impõe o artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem.
Estaríamos de outro modo fora da regra da interpretação conforme à Constituição que é princípio orientador na matéria, como já o sublinhou Figueiredo Dias, Direito Processual Penal I, página 95. E trata-se aqui do direito constitucional ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
‘Por isso, toda a modelação processual do regime dos recursos em processo penal tem de ser compreendida na perspetiva da injunção constitucional, com dupla ordem de pressupostos e consequências. A modelação (pressupostos; prazos; conformação estritamente processual ou procedimental) supõe regras, e mesmo porventura regras estritas e objetivas, para o exercício do direito; mas também, por outro lado, as dúvidas de interpretação sobre os pressupostos devem ser sempre consideradas em favor do direito (e da garantia de defesa) e não contra o titular do direito. No domínio dos direitos, liberdades e garantias é a regra do favor reo e o princípio favorabilia amplianda, odiosa restringenda’, assim o concluiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.04.
6. Mais: a irrecorribilidade da dupla conforme só pode decorrer de situações em que o Tribunal profira decisão coincidente, hoc sensu confirmativa, com o decidido pelo tribunal recorrido; a mera confirmação da condenação em termos diversos do decidido na decisão recorrida, ainda que in mellius, não integra o segmento ‘confirmem decisão’ da alínea f) do citado n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
7. A segunda razão é que, a existir uma regra de dupla conforme impeditiva de recurso fundamentada na mera confirmação do ato condenatório [ainda que, por hipótese de raciocínio assim se configura] divergente na espécie/medida da pena, sempre esse princípio teria como escopo limitado o núcleo essencial da condenação e não outras questões de natureza substantiva e/ou processual convergentes para a condenação.
8. Assim estarão subtraídas da dupla conforme as decisões sobre questões de cunho processual que possam ter integrado o processamento e que, ainda que suscitadas em recurso, tenham sido confirmadas pelo tribunal recorrido, pois que a dupla conforme reporta-se a ‘acórdãos condenatórios’ que ‘apliquem pena de prisão não superior a 8 anos’.
9. Do mesmo modo, e precisamente na mesma lógica, serão recorríveis as questões que não tendo a ver com a condenação em si tenham autonomia face a ela: uma delas é a questão aqui suscitada, a da desconformidade constitucional de um complexo normativo pelo qual se fez aplicar [por erro de direito] em regime de concurso os artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n.º 1, c) 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05 [homicídio com uso de arma e detenção de arma].
10. Esta concreta questão não foi confirmada pela Relação, sim colocada pela primeira vez em recurso à Relação, pelo que não se estará perante um terceiro grau de jurisdição, sim ante um segundo.
11. Nestes termos, salvo o devido respeito, não assiste razão à decisão sumária reclamada.”
Por outro lado, quanto ao segundo requisito mencionado, o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, confirmou a decisão sumária de rejeição do recurso por inadmissibilidade, remetendo para os fundamentos aí explicitados, aos quais acrescentou que “os fundamentos de irrecorribilidade constantes das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 400.º são independentes uns dos outros, valendo cada um por si; ou seja, cada alínea contempla casos diversos e autónomos de irrecorribilidade. Se a tese do recorrente tivesse alguma validade, dar-se-ia, então, o caso de, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e com base no mesmo argumento a contrario, serem recorríveis todas as decisões da relação que conhecessem, a final, do objeto do processo, mesmo aquelas que o recorrente concede que não são recorríveis (as da alínea e) do mesmo número)”.
3.2.2. Como decorre da consideração desses elementos, este Tribunal não pode tomar conhecimento do recurso na parte em que o mesmo pretende impugnar sub species constitutionis as disposições do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal. E por uma dupla ordem de razões.
Em primeiro lugar, a decisão recorrida não aplicou como ratio decidendi nenhum desses preceitos; e, em segundo lugar, também não foi suscitada a sua inconstitucionalidade em sede de reclamação da decisão sumária que rejeitou o recurso por inadmissibilidade.
Vejamos.
Quanto à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, é absolutamente evidente que tal norma não foi aplicada pela decisão recorrida, nem a sua inconstitucionalidade suscitada nos termos já esclarecidos.
Mutatis mutandis, o mesmo juízo deve fazer-se quanto ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal.
Na verdade, apesar do recorrente ter sustentado a recorribilidade da decisão da Relação a pretexto da sua subsunção na hipótese da alínea e), aplicada a contrario, a qual “não pode ser derrogada pela alínea f) do mesmo preceito”, a verdade é que daí não decorre a imputação de qualquer inconstitucionalidade normativa reportada ou dirigida à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, nos termos em que se encontra definido o objeto do recurso para este Tribunal.
Por outro lado, a ratio decidendi do juízo recorrido quanto a tal questão assentou, como o Supremo Tribunal de Justiça expressamente explicita, na aplicação do artigo 400.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que os fundamentos de irrecorribilidade constantes das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 400.º são independentes uns dos outros, valendo cada um por si, na medida em que cada alínea contempla casos diversos e autónomos de irrecorribilidade; sendo da conjugação deste critério – que o recorrente não contesta no recurso em apreciação – com a norma da alínea f) do mesmo artigo que resulta a decisão de rejeição do recurso interposto para o STJ.
Daí decorre, de acordo com a leitura que o Supremo fez do artigo 400.º, n.º 1, do CPP, que apenas a referida alínea f) foi aplicada pela decisão recorrida.
Consequentemente e como se adiantou, não há que tomar conhecimento do recurso quanto à norma do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e quanto à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal.
3.2.3. No que concerne ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal … a decisão recorrida, por remissão para a decisão sumária reclamada, acolheu o seguinte entendimento:
“2. As razões da inadmissibilidade do recurso do acórdão da relação para o Supremo Tribunal de Justiça
2.1. (...)
Segundo o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
São assim, dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos na norma: o acórdão da relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicável na relação não ser superior a 8 anos de prisão.
A norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, (...) tem sido, por diversas vezes sujeita ao escrutínio de constitucionalidade na perspetiva da violação do direito ao recurso, tendo o Tribunal Constitucional decidido reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade de dimensões normativas em que estava em causa a restrição do direito ao recurso, traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.
E, assim, tem decidido, “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e que apliquem pena de prisão não superior a 8 anos” (cf. acórdão n.º 645/2009... e o mais recente acórdão n.º 213/2011...).
Nesta matéria, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme segundo a qual o legislador ordinário goza da máxima liberdade de conformação concreta do direito ao recurso, desde que salvaguarde o direito a um grau de recurso.
Havendo recurso para a relação e confirmação da decisão de 1.ª instância (a chamada dupla conforme), só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão.
2.2. Entre o acórdão da relação e o acórdão da 1.ª instância há essencial convergência no plano da matéria de facto provada e no plano da qualificação jurídica dos factos provados.
A alteração da matéria de facto a que a relação procedeu, por adição de um facto à matéria de facto provada, não interferiu na qualificação jurídica dos factos e, bem vistas as coisas, nem sequer se refletiu na condenação porque na base da diminuição da pena pelo crime de homicídio se encontra razão que não decorre dos factos provados, como adiante veremos.
2.3. Pelo acórdão da relação, o recorrente foi condenado em penas parcelares de 7 meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, de 5 anos e 10 meses, pelo crime de homicídio, e, em cúmulo jurídico delas, na pena conjunta de 6 anos de prisão.
A relação confirmou a pena pelo crime de detenção de arma proibida, aplicada na 1.ª instância e reduziu a pena parcelar, pelo crime de homicídio e a pena única fixada pela 1.ª instância.
A redução da pena parcelar pelo crime de homicídio resultou, única e exclusivamente, da “correção” do limite máximo da moldura abstrata do crime, que havia sido considerada pela 1.ª instância, aspeto em que, aliás, a relação deu provimento ao recurso do recorrente.
A redução da pena única, decorreu, inquestionavelmente, da “nova” moldura abstrata da pena pelo concurso de crimes que resultou da redução da pena, pelo homicídio.
Assim, quanto à diminuição das penas, parcelar, pelo homicídio, e única, a relação “melhorou” a situação do recorrente, condenou-o in mellius.
Está-se, pois, perante dupla conforme condenatória parcial (confirmação in mellius parcial), uma vez que o acórdão da relação, ao alterar a decisão recorrida, se cingiu a tratamento mais benéfico para o recorrente, reduzindo uma das penas parcelares e fazendo refletir na pena unitária a nova imagem global do facto, determinada pelo abaixamento de uma das penas parcelares, sendo, por isso, que aquela também foi reduzida.
Nas situações de dupla conforme in mellius, a corrente maioritária deste Supremo Tribunal é no sentido de que o recurso não é admissível por existir uma dupla condenação concordante até ao limite da condenação imposta pela relação, a qual só se deixa de verificar em relação ao quantum da pena (ou penas) que, justamente, foi eliminado na 2.ª instância e de que o recorrente beneficiou.
Na linha dessa corrente maioritária, entende-se, em suma, que a chamada dupla conforme se verifica, ainda, quando a relação aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada da decisão recorrida.
Devendo, ainda, afirmar-se que, nesta interpretação, não há violação do direito ao recurso do arguido (artigo 32.º, n.ºs 1 e 7 da constituição), como tem sido reconhecido, nomeadamente pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/2007 (Processo n.º 715/06), de 17/01/2007, no qual, a dado passo, se escreveu:
“E, repete-se, não é constitucionalmente censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1.ª instância, o acórdão da Relação que – sem qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se limite, em mera redução quantitativa, a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1.ª instância, por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes. Não é desrazoável, quer reservar a possibilidade de recurso para o Supremo para os casos mais graves em função da medida da pena, quer, num sistema assim concebido, tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a oito anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância e os casos em que a Relação aplicando pena não superior a oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância”.
2.4. Pretende o recorrente que o acórdão da relação por ter conhecido da questão suscitada [do erro de Direito quando da aplicação cumulativa dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n.ºs 1, al. c), 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05. ao mesmo núcleo essencial de factos, seja homicídio com uso de arma e detenção de arma] em primeiro e único grau é recorrível. Acrescentando que: “o artigo 400.º, n.º 1, f), do CPP, quando preveja, em nome da alegada dupla conforme, a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que, confirmando embora condenações proferidas pela primeira instância [em penas inferiores a 8 anos], conheçam em primeiro grau questões essenciais à situação jurídico-penal do condenado e nucleares à sua defesa, como o problema de cumulação através da dupla valoração de agravações emergentes do mesmo facto, por aplicação cumulativa dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n.ºs 1, al. c), 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06.05 é materialmente inconstitucional, por violação do(s) artigo(s) 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1, da CRP”.
Sobre a existência de “dupla conforme”, quanto à questão de, no caso, se verificar uma relação de concurso efetivo de crimes entre o crime de homicídio, cometido com arma, e o crime de detenção de arma proibida (a mesma com que foi cometido o homicídio) não haverá dúvidas porque assim decidiu a 1.ª instância e a relação que, sobre ela, se pronunciou por ser uma das questões postas pelo recorrente, no recurso para a 2.ª instância; o que significa que a relação decidiu, sobre ela, em recurso, por ser questão colocada no recurso.
Questão diferente é não ser reconhecido um segundo grau de recurso (terceiro de jurisdição) sobre essa mesma questão.
O que decorre de, pelas razões explicitadas, do acórdão da relação (que dela e de todas as outras colocadas pelo recorrente conheceu) não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Devendo, mais uma vez, recordar-se que o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme segundo a qual o legislador ordinário goza da máxima liberdade de conformação concreta do direito ao recurso, desde que salvaguarde o direito a um grau de recurso ou, dito de outro modo, tem o Tribunal Constitucional, relativamente à questão de saber quais os limites de conformação que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe ao legislador ordinário, reiteradamente respondido no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.
E remete-se, de novo, para o passo da fundamentação constante do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/2007, antes transcrito, e para toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional nele referida.
Nessa linha e na ponderação do caso concreto, em que o acórdão da relação confirmou in mellius a decisão da 1.ª instância, condenando o recorrente em penas (parcelares e única) inferiores a 8 anos de prisão, a interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da relação, quanto a todas as questões nele decididas, em primeiro grau de recurso, não comporta violação de qualquer princípio ou preceito de ordem constitucional, nomeadamente, a invocada [pelo recorrente] violação dos artigos 32.º, n.º 1, 202.º e 20.º, n.º 1, da Constituição.
2.5. Resta dizer que a decisão da reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso, não vincula o tribunal de recurso (artigo 405.º, n.º 4, do CPP)”.
Este entendimento, suportado – como aliás se dá conta do texto supra transcrito – na extensa e uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não merece qualquer censura.
Como se passa a apreciar.
O preceito do Código de Processo Penal que o recorrente controverte no seu recurso, tem o seguinte teor:
“ARTIGO 400.°
(Decisões que não admitem recurso)
1. Não é admissível recurso:
(…)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos;
(…).”
Sobre essa norma recaiu já, entre outros, o acórdão n.º 645/2009, disponível, como todos os arestos doravante referidos, em www.tribunalconstitucional.pt, no qual se deixaram clarificados os seguintes fundamentos:
“(…) importa lembrar que a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mesmo na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, foi diversas vezes sujeita ao escrutínio de constitucionalidade na perspetiva da violação do direito ao recurso, tendo o Tribunal Constitucional decidido reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade de dimensões normativas em que igualmente estava em causa a restrição do direito ao recurso, traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.
O fundamento de não inconstitucionalidade é comum às várias pronúncias do Tribunal sobre esta matéria, e pode resumir-se no seguinte entendimento, expresso no Acórdão n.º 64/2006, tirado em Plenário, que julgou não inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite:
«(…) como repetidamente o Tribunal tem afirmado, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na perspetiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.
A norma que constitui o objeto do presente recurso, e que define, nos termos expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador.
Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada.
A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.
7. Também não ocorre uma eventual violação do princípio da igualdade, considerado isolada ou conjugadamente com o direito ao recurso.
Com efeito, e para além do que se disse já, o critério utilizado para definir a admissibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – a possibilidade de ser aplicada uma pena mais grave do que um determinado limite – torna irrelevante saber quem pode ou não tomar a iniciativa de a provocar (o arguido, o Ministério Público, ou o assistente).
Acresce que, interposto recurso com o objetivo do agravamento da pena aplicada em 2ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente.
8. Finalmente, e também pelas razões já apontadas, também não procede o argumento de que seria constitucionalmente imposto que o arguido soubesse, no momento em que é notificado do acórdão da 2ª instância, se tem ou não direito de recorrer e em que condições o pode exercer. Note-se, aliás, que se não vê como a norma em apreciação o impeça.
O mesmo se diga, aliás, da hipótese de se considerar constitucionalmente exigido esse conhecimento em momento ainda anterior. (…)»
Como salienta o Ministério Público, as declarações de voto contra a solução da não inconstitucionalidade, constantes deste Acórdão n.º 64/2006, expressam o entendimento de que a norma, na redação anterior, não permitiria a interpretação que estava em causa. Ora, precisamente, a atual redação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, veio consagrar na letra da lei a limitação do direito ao recurso que resultava da interpretação questionada, pois passou a condicionar a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça à aplicação de pena de prisão superior a oito anos, enquanto que a redação anterior se referia à aplicabilidade de tal pena.
O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta norma, na sua atual redação, no Acórdão n.º 263/2009, que julgou não inconstitucional a norma dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, em conjugação com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
Os fundamentos deste Acórdão n.º 263/2009, na parte agora relevante, podem ser assim sumariados:
«I - Não obstante a interpretação normativa em questão no presente recurso não coincidir exatamente com nenhuma das que foi objeto de anteriores Acórdãos do Tribunal Constitucional a propósito da norma do artigo 400.º n.º 1 alínea f) do Código do Processo Penal, na redação anterior à Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, a razão de ser da norma, mesmo após a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, continua a ser a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior gravidade, pelo que nada impede que as razões aduzidas nos anteriores arestos, designadamente no Acórdão n.º 189/01, sejam transponíveis para o caso.
II - Na verdade, é no confronto da norma com as garantias de defesa do arguido em processo penal, designadamente o direito ao recurso, e com garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, que a questão de inconstitucionalidade se coloca, decorrendo a solução, uma vez mais, dos limites com que a Constituição vincula o legislador ordinário em matéria de processo penal, e do reconhecimento de que, nesta área, lhe conferiu liberdade de conformação, não impondo o estabelecimento de um triplo grau de jurisdição; a restrição ao recurso é, em suma, constitucionalmente admissível, desde que não se configure como desrazoável, arbitrária ou desproporcionada, pelo que haverá que concluir no sentido de que a interpretação normativa sindicada não viola as garantias de defesa do arguido em processo criminal, incluindo o direito ao recurso, nem o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.»
Esta jurisprudência, a que aderimos integralmente, como já tivemos ocasião de expressar no Acórdão n.º 599/2007, a propósito de outra dimensão normativa do mesmo preceito legal, que colocava problema idêntico, é inteiramente aplicável ao caso em apreço, devendo aqui ser reiterada.
Conclui-se, por isso, pela não inconstitucionalidade da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto”.
Ora, tal como previamente explicitado pela decisão recorrida, e aqui confirmado por remissão para os fundamentos da jurisprudência constitucional que se referiu, o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, não padece de inconstitucionalidade.
Pormenorizando, poderá, ainda, acrescentar-se não ser igualmente inconstitucional a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, quando interpretada, como o foi pela decisão recorrida, no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão do Tribunal da Relação, quanto às questões nele decididas, quando este confirme in mellius a decisão da primeira instância e condene arguido a pena inferior a 8 anos, existindo entre estas duas decisões uma essencial convergência quanto à matéria de facto provada e à qualificação jurídica dos factos, como, de resto, este Tribunal sustentou no acórdão n.º 20/2007, com base na argumentação que aqui igualmente se reitera:
“(…)
Na verdade, não só é já vasta a jurisprudência constitucional Tribunal sobre a questão da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em aplicação da alínea f) [bem como da alínea e)] do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, embora noutras dimensões interpretativas que não a questionada nestes autos (vejam-se, a este propósito, os acórdãos n.ºs 189/2001, de 3 de maio, 369/2001, de 19 de julho, 435/2001, de 11 de outubro, 451/2003, de 14 de outubro, 490/2003, de 22 de outubro, 102/2004, de 11 de fevereiro, 610/2004, de 19 de outubro, e 104/2005, de 25 de fevereiro (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), como também, mais recentemente, este Tribunal se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Pena, numa dimensão normativa idêntica à dos presentes autos, tendo decidido que este preceito, “interpretado no sentido de que o acórdão proferido em recurso pelas relações confirma a decisão de 1.ª instância quando mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância”, não era inconstitucional, o que sucedeu no acórdão nº 32/2006, de 11 de janeiro (ainda inédito, mas disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
7. Conforme se escreveu neste aresto:
« … há um ponto que ressalta dessa jurisprudência e que se afigura decisivo para a resolução da presente questão de constitucionalidade, é que a Constituição não garante, em processo penal, um terceiro grau de jurisdição, isto é, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a quaisquer questões. Sobre este aspeto, disse o Tribunal no mencionado Acórdão n.º 189/2001:
“[…]
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no n.º 1 do artigo 32º (O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes à Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.ºs 118/90, 259/88, 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.ºs 15º, pg. 397; 12º, pg. 735 e 19º, pg. 563, respetivamente, e Acórdão n.º 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão n.º 209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º. V., pg. 553).
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária acionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidade das decisões penais condenatórias tem, assim, um fundamento razoável.
[…]
O artigo 400º do CPP foi alterado pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, diploma que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redação que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal (Lei n.º 157/VII, Diário da Assembleia da República, IIª Série-A, n.º 27, de 28 de janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação processual penal visavam obter melhorias nos objetivos de economia processual, de eficácia e de garantia, que já informavam a anterior regulamentação.
Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei, introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso: pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de direito, mas com exceções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos, mas sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objetivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade; retoma-se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, etc. (cf. Sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12ª Edição, pg. 754).
[…]
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer ato do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação – não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objetivos da última reforma do processo penal.
[…].”
No também já referido Acórdão n.º 451/2003 reitera-se, com particular clareza, que à questão de saber “[…] quais os limites de conformação que o artigo 32.º n.º 1 da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de recurso penal” deve responder-se “no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada”.
Partindo, portanto, do pressuposto de que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, quando estabelece que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, o que tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não admitir o recurso para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária (esta última para sete anos), revogando parcialmente a decisão de 1.ª instância.
Dito de outro modo: a questão de inconstitucionalidade colocada pelo recorrente não pode ser resolvida com a mera invocação da garantia de um terceiro grau de jurisdição, pois que, não podendo essa garantia ser reconhecida em todos os casos, tal resolução exige necessariamente a ponderação da razoabilidade, arbitrariedade ou desproporcionalidade da não admissão desse terceiro grau, no caso concreto.
Ora, realizando tal ponderação, dir-se-á que não é constitucionalmente censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se “qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1ª instância, o acórdão da Relação que – sem qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se limite, em mera «redução quantitativa», a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1ª instância, por diversa reponderação do quadro de circunstâncias atenuantes”.
E dir-se-á também que não é desrazoável tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a oito anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância, e os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a oito anos, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.
Como sublinha o Ministério Público nas contra-alegações:
“[…]
Seria, aliás, numa perspetiva teleológica ou funcional, aberrante que o arguido pudesse aceder ao Supremo para rediscutir, v.g., uma possível atenuação da pena de 5 anos de prisão que a Relação lhe aplicou, reduzindo a que lhe fora cominada na 1ª instância – estando-lhe, todavia, vedado tal acesso se a Relação [certamente por lapso, refere-se «se o Supremo»] se tivesse limitado a manter, integral e estritamente, a sentença que o havia condenado, por exemplo, na pena de 7 anos de prisão. Na verdade, tal solução legislativa, a existir, careceria provavelmente de suporte material adequado, originando uma evidente e inquestionável disfuncionalidade, traduzida em vedar injustificadamente o acesso, em via de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça ao arguido que tivesse sido condenado pelas instâncias em pena mais gravosa – permitindo tal acesso num caso de «redução quantitativa» de tal pena privativa da liberdade, realizada em seu benefício na 2ª instância.
[…].”».
Estes fundamentos são, pois, inteiramente aplicáveis ao caso dos autos, em que, à semelhança da situação decidida no acórdão nº 32/2006, a decisão da Relação condenou o recorrente pela prática dos mesmos crimes, mas reduzindo as penas parcelares e a pena única aplicadas.
(…)”.
Não se veem razões para alterar o pensamento que tem iluminado essa repetida jurisprudência do Tribunal Constitucional, pelo que aqui se reitera a mesma em relação à concreta norma ora sindicada.
4. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do objeto do recurso quanto ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;
b) Não tomar conhecimento do objeto do recurso quanto às normas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional; e, no demais,
c) Não julgar inconstitucional “a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão do Tribunal da Relação, quanto às questões nele decididas, quando este confirme in mellius a decisão da primeira instância e condene arguido a pena inferior a 8 anos”, e, consequentemente, negar provimento ao recurso nesta parte.
(...)”.
5. De acordo com os fundamentos da reclamação, são duas as questões a decidir nesta sede.
Em primeiro lugar, o reclamante contesta a decisão de não conhecimento do recurso quanto à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, por, na sua perspetiva, a decisão recorrida ter aplicado esse preceito “em concatenação com a alínea f) do mesmo normativo”.
Quanto a essa questão, a decisão reclamada estribou o seu juízo num duplo fundamento. Entendeu, por um lado, que o recorrente não suscitara durante o processo, a requerida questão de inconstitucionalidade normativa, e, por outro, que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) fundara a sua decisão na norma da alínea f), considerando que os fundamentos de irrecorribilidade constantes das diversas alíneas do n.º 1 do artigo 400.º são independentes uns dos outros, valendo cada um por si, na medida em que cada alínea contempla casos diversos e autónomos de irrecorribilidade.
Ora, para além do reclamante não questionar a validade do primeiro fundamento supra recordado, é também incontornável que a decisão recorrida não aplicou o disposto na referida alínea e), como se demonstrou na decisão sumária em crise.
Ademais, a argumentação que o reclamante esgrime nesta matéria nem sequer se reporta à decisão recorrida, confirmando a contrario, face ao teor do Acórdão do STJ, que a norma circunstancialmente em causa não foi aplicada por esse aresto.
Em segundo lugar, o reclamante discorda do juízo de não inconstitucionalidade formulado quanto à disposição do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, por entender que a questão da existência de um concurso real entre o artigo 131.º do Código Penal e o artigo 86.º, n.ºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 17/2009, de 06 de maio, traduz uma “questão autónoma”, suscitada pela primeira vez perante o Tribunal da Relação, relativamente à qual não houve confirmação do antes decidido.
Sobre esta questão e a título meramente propedêutico, cumpre começar por salientar que o objeto do recurso de constitucionalidade, cuja definição cabia ao recorrente, tinha como objeto a disposição do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade se sindicou de acordo com o decidido quanto a essa matéria pelo acórdão recorrido, o qual – recorde-se – considerou “não ser constitucionalmente censurável que a exclusão do terceiro grau de jurisdição resulte de se qualificar como confirmatório da decisão condenatória, proferida em 1.ª instância, o acórdão da Relação que – sem qualquer alteração ou convolação dos fundamentos essenciais ou substanciais – se limite, em mera redução quantitativa, a atenuar a medida concreta da pena aplicada ao arguido, reduzindo a que lhe havia sido cominada na 1.ª instância”, retendo, quanto ao problema alegado pelo recorrente que “sobre a existência de ‘dupla conforme’, quanto à questão de, no caso, se verificar uma relação de concurso efetivo de crimes entre o crime de homicídio, cometido com arma, e o crime de detenção de arma proibida (a mesma com que foi cometido o homicídio), não haverá dúvidas porque assim decidiu a 1.ª instância e a relação que, sobre ela, se pronunciou por ser uma das questões postas pelo recorrente, no recurso para a 2.ª instância, o que significa que a relação decidiu, sobre ela, em recurso, por ser questão colocada no recurso.”
Atenta a simetria entre o caso concreto e a anterior jurisprudência deste Tribunal Constitucional, sucessivamente reiterada de forma unânime e pacífica, a decisão reclamada concluiu, remetendo para os fundamentos dessa jurisprudência, julgou improcedente o recurso de constitucionalidade.
Ora, a argumentação expendida pelo reclamante não logra afastar esses fundamentos e, consequentemente, abalar aquele juízo.
Como se ponderou nos arestos citados pela decisão reclamada, a não admissão de recurso para o Supremo nos casos – como o dos autos – em que o Tribunal da Relação mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a pena aplicada, revogando, assim, parcialmente a decisão de 1.ª instância, não conflitua com qualquer parâmetro constitucional.
Logicamente, a procedência e a validade deste argumento não são minimamente afetadas pelo facto da confirmação do juízo condenatório ser, no recurso, ditada por um juízo de improcedência de questões apenas equacionadas junto das Relações.
Assim sucederá, claramente, nos casos como o presente, em que no recurso se invoque a constitucionalidade das normas aplicadas pela 1.ª instância e a Relação confirme, no plano do direito aplicado, o juízo anterior, julgando improcedente tal alegação, sendo que, neste âmbito a proposição anterior acaba inclusivamente por sair reforçada em face da própria natureza da questão, porquanto a decisão condenatória da 1.ª instância, em face da exigência constante do artigo 204.º da Constituição, é indissociável de um juízo, ainda que implícito, de não inconstitucionalidade das normas que aplicou, o qual é escrutinado em recurso que o acaba por confirmar.
Nesta medida, aqui se acolhem e reiteram os fundamentos e o juízo lavrado na decisão reclamada e que a reclamação não logra afastar.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 13 de Março de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.