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Proc. nº 220/96 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. impugnou contenciosamente no Supremo Tribunal Administrativo o despacho do MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, de 27 de Setembro de 1990, que homologou o do Director-Geral do Serviço de Informações e Segurança que determinara a rescisão do seu contrato de técnico auxiliar de 2ª classe do referido Serviço.
O recorrente alegou, entre o mais, a inconstitucionalidade do artigo 29º do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, no qual se apoiou o despacho recorrido.
Não tendo obtido ganho de causa, recorreu ele para o Pleno da Secção, insistindo na existência da referida inconstitucionalidade. Sem
êxito, porém, já que foi negado provimento ao recurso pelo acórdão de 10 de Outubro de 1995.
2. É deste acórdão (de 10 de Outubro de 1995) que vem o presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Neste tribunal, o recorrente concluiu as suas alegações como segue:
1ª. A norma do artº. 29º/4 do DL 225/85, de 4/7, na parte em que determina que a cessação do vínculo funcional por mera conveniência de serviço não dá lugar a qualquer indemnização, é materialmente inconstitucional, tendo violado o disposto nos arts. 2º., 18º., 53º. e 58º. da CRP, pois:
- A actividade do SIS está sujeita ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias e direitos análogos constitucionalmente previstos (arts. 2º./2 da L
30/84 e 2º do DL 225/85);
- Os arts. 2º, 53º e 58º da CRP proíbem a existência de despedimentos arbitrários, não fundados em culpa subjectiva do trabalhador, ou, pelo menos, que não impliquem de forma necessária, a existência de uma justa indemnização, quando as causas de terminação do vínculo se devam a outros factores;
- Não existe fundamento material bastante, ou especificidade na actividade do SIS que justifique, sob este prisma, o desvio das normas constitucionais;
- As restrições operadas não respeitam o núcleo essencial de garantia dos direitos constantes dos arts. 2º, 53º e 58º, violam a proibição de excesso e o princípio da proporcionalidade, e não visam, para além do mais, acautelar qualquer direito ou interesse constitucionalmente garantido, pelo que foram violadas as disposições e restrições constantes do artº 18º/2 e 3 da CRP.
2ª. Pelos mesmos motivos, a norma do artº 29º/4 do DL 225/85, na parte em que determina que a cessação do vínculo funcional por mera conveniência de serviço pode ser efectuada sem aviso prévio, permitindo a não audição do interessado e a produção imediata de efeitos, é materialmente inconstitucional, tendo violado o disposto nos arts. 2º, 18º, 26/º74 e 269º/3 da CRP; pois:
- O princípio do Estado de Direito (art. 2º da CRP) e o seu corolário da proibição contra o arbítrio, consagra o direito a ser ouvido em todos os processos que contendam com direitos ou interesses legítimos de uma pessoa (artº
269º/3), incluindo em processo sancionatório (arts. 28º/1 e 32º/1);
- Nenhum motivo ou fundamento material ou constitucional bastante existe que permita a terminação do vínculo funcional ao SIS, por 'mera conveniência de serviço', a um regime ainda mais lesivo dos direitos do visado, do que o consagrado para o processo disciplinar, sendo certo que não existe qualquer culpa subjectiva a fundamentar a rescisão;
- A especificidade da actuação do SIS e a eventual especificidade funcional não fundamentam ou autorizam a consagração do arbítrio, em áreas não abrangidas por qualquer especialidade, como é afinal a terminação do vínculo laboral, que justifiquem a não audiência do visado ou a produção imediata de efeitos;
- As restrições operadas excluem totalmente o referido direito, constante do artº. 2º e aflorado nos arts. 267º/4 e 269º/3, violando a proibição de excesso e o princípio da proporcionalidade, e não visam, para além do mais, acautelar qualquer direito ou interesse constitucionalmente garantido, pelo que foram violadas as disposições e restrições constantes do artº 18º/2 e 3 da CRP.
3ª. As normas dos nºs 1 a 4 do artº. 29º do DL nº 225/85, na parte em que permitem a fundamentação (d)a cessação do vínculo funcional através da mera invocação de 'conveniência de serviço', ou o preenchimento desta por presunção inelidível de 'inadaptação funcional do visado face à especificidade institucional do SIS' são materialmente inconstitucionais, por violação dos arts. 268º/2 (actual 268º/3), 268º/4 e 13º da CRP; pois:
- O direito à fundamentação dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legítimos tem, pelo menos desde a revisão constitucional de 1982, assento constitucional e a natureza de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias;
- No caso dos actos administrativos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação constitui mesmo uma garantia do direito ao recurso contencioso, pois assegura o controlo dos vícios mais típicos, como o desvio do poder;
- A fundamentação constitucionalmente exigível não é compatível com a utilização de conceitos vagos e indeterminados o(u) fórmulas passe partout, mas sim com a exposição clara, suficiente e congruente dos motivos de facto e de direito que concretamente ditaram o teor do acto;
- A fundamentação baseada tão somente na conveniência de serviço (artº 29º/3) é insuficiente, uma vez que se limita a invocar o fim a que tende o acto administrativo, sem nada esclarecer em concreto;
- A presunção estabelecida pelo artº 29º/4 também é desconforme com o artº
268º/3, uma vez que estabelece como fundamento integrador de um conceito vago e indeterminado outro conceito vago e indeterminado, sem aderência à realidade concreta, dispensando na prática a fundamentação;
- A fundamentação da cessação do vínculo funcional prevista no artº 29º tem obrigatoriamente de ser objecto de fundamentação especialmente cuidada, incompatível com o teor desta norma, uma vez que a rescisão de contrato e a cessação da comissão de serviço surgem configuradas no artº 48º do diploma como penas disciplinares especiais dos funcionários do SIS, e só pela fundamentação será possível concluir pela existência ou não de uma sanção disciplinar ilegalmente aplicada;
A cessação do vínculo por 'mera conveniência de serviço' estabelece uma discriminação ilegal e sem fundamento material bastante, do estatuto juslaboral dos funcionários do SIS em face dos demais funcionários e agentes de serviços públicos.
4ª A norma do artº 29º do DL 225/85 enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois incidiu sobre matéria incluída no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (arts. 53º e 58º) e direitos análogos (artº 268º/2, actualmente nº 3), procedendo à criação de um regime especial sem dispor da necessária lei de autorização legislativa emitida nos termos previstos no artº 168º/2 da CRP, e sem que esse regime constituísse o desenvolvimento de qualquer norma ou princípio ínsito na Lei-Quadro 30/84.
O Ministro da Administração Interna formulou as conclusões seguintes: a). O objecto do presente recurso tem de restringir-se às questões de inconstitucionalidade efectivamente suscitadas pelo recorrente e apreciadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, por força do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro: b). O artigo 29º do Decreto-Lei nº 225/85 não padece de inconstitucionalidade material, porquanto as normas naquele previstas, conjugadas entre si e enquadradas no regime jurídico especialíssimo em que se inserem, por força do artigo 33º da Lei nº 30/84, não ofendem qualquer princípio ou norma da Lei Fundamental; c). O mesmo artigo 29º também não padece de inconstitucionalidade orgânica, pois o Governo estava obrigado a cumprir o disposto no artigo 33º da Lei nº 30/84, e fê-lo em conformidade com as directivas emitidas pela Assembleia da República.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se é inconstitucional o artigo 29º, nºs 2 e 5, do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, na parte em que prevê que a Administração, invocando conveniência de serviço, possa rescindir o contrato de provimento do pessoal do Serviço de Informações de Segurança sem aviso prévio e sem obrigação de indemnizar o visado, como pretende o recorrente.
II. Fundamentos:
4. O objecto do recurso:
Só há que decidir a questão de constitucionalidade do mencionado artigo 29º, na dimensão apontada, que é aquela com que foi aplicada pelo acórdão recorrido.
Assim, desde logo, não há que decidir se os nºs 1 e 3 do mesmo artigo 29º são ou não inconstitucionais, já que nenhum deles foi aplicado pela decisão recorrida: o nº 1, por estar em causa a rescisão de um contrato, e não a cessação de uma comissão de serviço; o nº 3, porque - nos próprios dizeres do aresto sob recurso - 'não serviu de suporte ao acto contenciosamente recorrido', cujo teor 'revela que nele se aduzem circunstâncias tendentes a demonstrar a existência de conveniência de serviço, sendo questão alheia à da fundamentação [...] a de saber se tais circunstâncias bastam para concretizar essa causa de rescisão do contrato', por isso que o aresto sob recurso também o não aplicou.
Quanto ao nº 5 do mesmo artigo 29º,não será ele apreciado na parte em que rege para a cessação da comissão de serviço, pois que não foi aplicado nos autos nessa dimensão.
No que concerne ao nº 4 do mesmo artigo, também não tem aqui que decidir-se se é ou não inconstitucional a prescrição dele constante, segundo a qual, 'quando outra fundamentação não for expressamente indicada, a invocação de conveniência de serviço persumir-se-á sempre fundada na inadaptação funcional do visado face à especificidade institucional do SIS'.
Na verdade, muito embora o despacho contenciosamente impugnado (recte, o despacho do Director-Geral do SIS, de 23 de Junho de 1990, homologado pelo despacho do Ministro da Administração Interna, de 27 de Setembro de 1990, este, sim, contenciosamente impugnado) tenha feito apelo àquele nº 4, e o acórdão recorrido não tenha, expressamente, afastado a sua aplicação, a verdade é que, em direitas contas, tal normativo não foi aplicado por aquele despacho (e, assim, pelo aresto sub iudicio).
Tal resulta de que o referido despacho se não limitou a invocar a existência de conveniência de serviço e a concluir pela 'inadaptação funcional do visado face à especificidade institucional do SIS'. Ao invés, nele aduziram-se factos a partir dos quais se concluiu (bem ou mal, não cabe a este Tribunal decidir) 'pela manifesta inadaptação funcional', e, bem assim, que era,
'em absoluto, desaconselhável a sua mudança para outras áreas dos serviços' - ou seja, que havia conveniência de serviço na rescisão do contrato.
Escreveu-se, com efeito, no referido despacho: Por atitudes recentemente tomadas, na sequência de uma missão em que participou
- a qual se não descreve por se tratar de actividade classificada e de interesse para a segurança do Estado e, como tal obrigatoriamente sigilosa, conforme artigo 9º do Decreto-Lei nº 225/85, de 4/JUL - o técnico auxiliar de 2ª classe A. confirmou a ideia, já anteriormente revelada, por diversas vezes, de que não possui o espírito de missão desejável e indispensável para o desempenho das funções no SIS, tendo em conta a especificidade e a delicadeza das actividades legalmente atribuídas a este tipo de serviço público. Com efeito, segundo depoimentos dos seus dois imediatos superiores hierárquicos, o referido técnico auxiliar desde há muito vinha revelando atitudes de indisciplina a par de impulsos de arrogância, a tocar por vezes as raias da agressividade. E porque, dada a sua persistência, estes impulsos se devem atribuir à natureza temperamental do dito funcionário, reconhece-se ser, em absoluto, desaconselhável a sua mudança para outras áreas dos serviços, por ser lícito admitir que a sua actuação em qualquer delas seria sempre perturbadora da rigorosa disciplina que se deve exigir em todas as actividades do SIS. Assim, com fundamento nestes comportamentos indubitavelmente reveladores do desiquilíbrio da personalidade do referido técnico auxiliar invocados pelo Director de Serviços a que está subordinado e confirmados em proposta feita ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 17º do mencionado Decreto-Lei nº 225/85, pelo Senhor Director-Geral Adjunto, nos termos dos nºs.. 2, 4 e 5 do artigo 29º do citado diploma legal e com base em manifesta inaptidão funcional, determino a rescisão do contrato celebrado com o técnico auxiliar de 2ª classe A., rescisão que produzirá efeitos a partir do dia seguinte àquele em que, depois de homologada esta decisão por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, for notificada ao visado (sublinhou-se).
Também não vai decidir-se se são ou não inconstitucionais os artigos 1º, 26º, 35º e 38º do Estatuto Disciplinar
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro).
De facto, muito embora estas normas venham indicadas no requerimento de interposição do recurso como fazendo parte do seu objecto, a verdade é que o recorrente não suscitou a sua inconstitucionalidade durante o processo e também as não indicou nas conclusões da alegação. Ao que acresce que elas não foram aplicadas pela decisão recorrida, como resulta da passagem em que se afirma haver-se apurado que, no caso, se tratou de 'dar por finda a relação negocial bilateral que detinha com o recorrente e não aplicar-lhe uma medida disciplinar expulsiva' para, de seguida, se concluir que, 'não estando em causa a aplicação de uma pena disciplinar, não eram assim susceptíveis de aplicação nem, por isso, de violação pelo despacho em causa, as normas correspondentes
[...]' (refere-se aos artigos 269º, nº 3, e 271º, nº 1, da Constituição, e aos artigos 1º, 26º, 35º e 38º do Estatuto Disciplinar de 1984).
Objecto do recurso é, assim, a questão de saber se o artigo 29º, nºs 2 e 5, do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, na parte em que prevê que a Administração, invocando conveniência de serviço, possa rescindir o contrato de provimento do pessoal do Serviço de Informações de Segurança sem aviso prévio e sem obrigação de indemnizar o visado, é ou não inconstitucional.
5. Os funcionários do SIS providos mediante contrato:
A Lei nº 30/84, de 5 de Setembro, institui o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), cujas finalidades se realizam
'exclusivamente mediante as atribuições e competências dos serviços' nela previstos, aos quais 'incumbe assegurar, no respeito da Constituição e da lei, a produção de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna' (cf. artigo 1º, nºs 1 e 2).
Um dos serviços criados pela Lei nº 30/84 foi o Serviço de Informações de Segurança (SIS), que é o 'organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido' (cf. artigos 13º, alínea e), e 20º, nº 1, na redacção da Lei nº
4/95, de 21 de Fevereiro).
A organização e o funcionamento dos organismos que constituem o Sistema de Informações da República Portuguesa (Serviço de Informações de Segurança incluído) e, bem assim, os respectivos quadros de pessoal e seu estatuto constarão de decreto-lei, devendo nessa regulamentação tomar-se em conta a 'natureza específica' dos serviços em causa (cf. artigo 33º, na redacção anterior da Lei nº 4/95).
Uma das especificidades de tais serviços traduz-se em serem 'abrangidos pelo segredo de Estado os dados e informações cuja difusão seja susceptível de causar dano à unidade do Estado, à defesa das instituições democráticas estabelecidas na Constituição, ao livre exercício das respectivas funções pelos órgãos de soberania, à segurança interna e à preparação da defesa militar' e, bem assim, os seus 'registos, documentos, dossiers e arquivos' relativos àquelas matérias (cf. artigo 32º, na redacção da Lei nº 4/95).
Uma outra especificidade (conexionada, de resto, com a que se acabou de apontar) é o dever de os funcionários e agentes dos serviços de informações guardarem rigoroso sigilo sobre as 'matérias classificadas na disponibilidade' desses serviços de que tenham tomado conhecimento 'em razão das suas funções' e 'sobre a actividade de pesquisa, análise, classificação e conservação das informações de que tenham conhecimento em razão das suas funções, bem como sobre a estrutura e o funcionamento de todo o sistema' - dever a que continuam sujeitos, mesmo para 'além do exercício das suas funções, não podendo, em caso algum e por qualquer forma, ser quebrado por aqueles que deixaram de ser funcionários ou agentes dos serviços de informações' (cf. artigo
28º, na redacção da Lei nº 4/95).
O Governo editou o Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, justamente, para regulamentar a Lei nº 30/84 quanto ao Serviço de Informações de Segurança: 'o presente decreto-lei estrutura, nos seus pormenores de organização e funcionamento, o SIS tendo em vista as suas finalidades e especificidades próprias e a necessária articulação com os outros serviços de informações simultaneamente criados' - pode ler-se no preâmbulo.
No preâmbulo deste Decreto-Lei nº 225/85, escreveu-se a propósito do pessoal do Serviço de Informações de Segurança o seguinte: Nos capítulos da organização dos serviços e da administração do pessoal - provimento, vínculos, remunerações, carreiras, transferências, disciplina de cessação de trabalho - houve que atender ao disposto na Lei Quadro e à especificidade da natureza e da função do serviço de que se trata, particularmente exigentes em matéria de competência, zelo, probidade, sigilo e assunção de risco (nº 4). De harmonia com o espírito que dimana da Lei nº 30/84, pretende-se assegurar a possibilidade de criar um organismo servido por pessoas altamente qualificadas, com elevado nível intelectual e cultura superior, nos mais diversos campos das ciências sociais, dotadas de bom senso e de apurado sentido de equilíbrio, capazes de produzirem análises fundamentadas, isentas, objectivas e esclarecidas dos fenómenos que se inscrevem nas específicas funções do SIS. Daí a especialidade dos requisitos de recrutamento e de selecção para qualquer lugar, do correspondente regime remuneratório e da natureza dos vínculos funcionais (nº
5). A especificidade do SIS e a delicadeza da actividade que vai desenvolver impõem que se estabeleçam mecanismos legais adequados não só a garantir uma permanente relação de confiança que deve existir entre os responsáveis pelo SIS e os funcionários ou agentes que nele trabalham mas também a assegurar a total disponibilidade e constante fidelidade do pessoal às finalidades institucionais do organismo. Daí as especificidades em relação às regras comuns sobre classificações, promoções, regime disciplinar e, em geral, sobre o âmbito dos poderes de gestão conferidos aos dirigentes e ao ministro da tutela (nº 6).
O artigo 25º do Decreto-Lei nº 225/85 prescreve que 'o serviço no SIS é de carácter permanente e obrigatório, não está sujeito a horários rígidos, existe total disponibilidade e as condições da sua prestação são reguladas por ordens dimanadas da direcção, de harmonia com as directivas do Ministro da Administração Interna' (nº 1), sendo que 'o funcionário ou agente do SIS não pode recusar-se, sem motivo justificado, a comparecer ao serviço ou a nele permanecer para além do período normal de trabalho ou a desempenhar qualquer missão de serviço, desde que compatível com a sua categoria funcional'
(nº 2). E mais: 'a prestação de serviço fora do período normal de trabalho não dá direito a qualquer forma de remuneração' (nº 3).
Os lugares do quadro do pessoal do SIS 'serão providos exclusivamente por contrato administrativo ou em regime de comissão de serviço, quando se trate de funcionários pertencentes à Administração Pública, magistrados judiciais ou do Ministério Público, diplomatas e militares ou de pessoal requisitado a empresas públicas, participadas ou concessionárias de serviços públicos' (cf. artigo 27º, nº 1).
O provimento por contrato é da competência do director do SIS, mas está sujeito a autorização do Ministro da Administração Interna (cf. artigo 27º, nº 6, do Decreto-Lei nº 225/85).
Os contratos administrativos de provimento 'são válidos por dois anos, consideram-se tácita e sucessivamente renovados e regem-se, em tudo o que não estiver expressamente previsto no presente diploma, pelo Decreto-Lei nº 49.397, de 24 de Novembro de 1969' (cf. artigo 27º, nº 3).
Como se prescreve no nº 1 do artigo 26º do mesmo diploma legal, tais contratos ficaram subtraídos, 'à disciplina dos Decretos-Leis nºs
41/84, 42/84 e 44/84, de 3 de Fevereiro'.
Não se regendo pelo Decreto-Lei nº 41/84, não se lhes aplicou o artigo 14º deste diploma legal que, à data, indicava os casos em que a Administração podia celebrar contratos de pessoal, nem o artigo 15º do mesmo corpo normativo, que dispunha sobre a rescisão, a denúncia e a caducidade de tais contratos. Como ficou subtraído à disciplina do Decreto-Lei nº 42/84, o SIS não teve que lidar com a existência de adidos, cujo quadro este diploma legal extinguiu, ao mesmo tempo que mandou aposentar alguns e integrar outros nos quadros de serviços e organismos públicos, das empresas públicas e nacionalizadas e no quadro de efectivos interdepartamentais. E, não tendo que observar a disciplina do Decreto-Lei nº 44/84, o SIS pôde - e pode - recrutar o seu pessoal sem ter que observar 'os princípios gerais enformadores do recrutamento e selecção de pessoal' ali enunciados.
O SIS pôde também preencher os lugares do seu quadro privativo sem sujeição 'às normas da lei geral que congelam ou restringem a admissão de pessoal na função pública' (cf. artigo 26º, nº 2 do Decreto-lei nº
225/85).
Com excepção dos cargos de pessoal dirigente, o número de lugares providos em regime de contrato 'não pode exceder o número de lugares providos em regime de comissão de serviço' (cf. o citado artigo 26º, nº 3).
O Decreto-Lei nº 49.397, de 24 de Novembro de 1969, cujo regime é, como se viu, aplicável ao pessoal contratado do SIS, veio estabelecer, no seu artigo 3º, nº 1, as 'normas gerais' por que passaram a reger-se os contratos de provimento. São elas as seguintes:
(a). o contratado obriga-se a exercer as funções que regularmente lhe forem cometidas e fica sujeito ao estatuto legal e disciplinar dos servidores do respectivo organismo, excepto no que for incompatível com a natureza da situação contratual;
(b). o contrato é válido pelo prazo de um ano, a contar da data da posse, e considera-se tácita e sucessivamente prorrogado, por iguais períodos, se não for oportunamente denunciado;
(c). a denúncia do contrato pode ser feita por qualquer das partes, com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo do prazo;
(d). a Administração pode rescindir o contrato a todo o tempo, a pedido do contratado, se não resultar prejuízo para os serviços;
(e). a Administração pode ainda rescindir o contrato a todo o tempo, por conveniência de serviço, desde que notifique o contratado com uma antecedência mínima de sessenta dias ou lhe conceda indemnização correspondente à remuneração devida durante o mesmo período com excepção dos cargos de pessoal dirigente.
Ao pessoal do SIS provido mediante contrato não se aplica, pois, o preceituado no Decreto-lei nº 427/89, de 7 de Dezembro
(entretanto alterado pela Lei nº 19/92, de 13 de Agosto), que, nos seus artigos
14º a 21º, regula hoje a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública, mediante contrato, disciplinando o contrato administrativo de provimento nos artigos 15º a 17º e o contrato de trabalho a termo certo, nos artigos 18º a 21º. E, no artigo 30º, regula o mesmo diploma legal a extinção da relação jurídica de emprego do pessoal contratado em regime de contrato administrativo de provimento.
O pessoal do SIS provido por contrato administrativo,
'quando completar seis anos de serviço sem interrupção', 'pode adquirir o direito a vínculo definitivo ao Estado, se a direcção do SIS atestar que aquele revela aptidão e idoneidade para o exercício de funções públicas'. Se adquirir esse vínculo, mas, por conveniência de serviço, vier a ser afastado das funções que desempenhava no SIS, 'tem direito a ser provido em qualquer lugar vago da Administração Pública, em categoria equivalente à que possuía no SIS', ingressando, como supranumerário, no quadro da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, 'no caso de não ser possível a colocação em lugar vago'
(cf. artigo 30º, nºs 1, 2 e 3, do mesmo Decreto-Lei nº 225/85).
A cessação do vínculo funcional acha-se regulada no artigo 29º, que aqui está em parte sub iudicio. Reza assim tal preceito:
1. O director do SIS pode, a todo o tempo e por mera conveniência de serviço, propor ao Ministro da Administração Interna a cessação da comissão de serviço de qualquer funcionário ou agente.
2. Por mera conveniência de serviço, o director do SIS pode, a todo o tempo, rescindir o contrato administrativo de qualquer funcionário ou agente, carecendo tal decisão de homologação pelo Ministro da Administração Interna.
3. A simples invocação da conveniência de serviço constitui fundamentação válida e suficiente para a decisão sobre a cessação da comissão de serviço e considera-se como justa causa para a rescisão do contrato.
4. Quando outra fundamentação não for expressamente indicada, a invocação de conveniência de serviço presumir-se-á sempre fundada na inadaptação funcional do visado face à especificidade institucional do SIS. 5. A cessação da comissão de serviço e a rescisão do contrato administrativo podem fazer-se sem prévio aviso e não dão lugar a qualquer indemnização.
Do artigo 29º acabado de transcrever, resulta que os agentes do SIS providos em regime de contrato administrativo - e o recorrente era um agente assim provido - podem, a todo o tempo, por mera conveniência de serviço, sem aviso prévio e sem direito a qualquer indemnização, ver o contrato rescindido por decisão do respectivo director, homologada pelo Ministro da Administração Interna (cf. nºs 2 e 5).
A simples invocação da conveniência de serviço, que se presumirá 'sempre fundada na inadaptação funcional do visado face à especificidade institucional do SIS' (nº 4),'considera-se como justa causa para a rescisão do contrato' (nº 3).
6. A questão de constitucionalidade:
6.1. Observações preliminares:
Ao delimitar o objecto do recurso, viu-se que se não está no domínio do ilícito disciplinar. Acrescenta-se agora que a rescisão do contrato, fundada em manifesta inaptidão funcional, também não constitui qualquer outro tipo de sanção ou a ela equiparável.
Por isso, a norma do mencionado artigo 29º, na dimensão aqui sub iudicio, não será confrontada com os preceitos constitucionais atinentes ao processo disciplinar (maxime, com o artigo 269º, nº 3, da Constituição).
Não se está, de facto, no domínio de um procedimento sancionatório, no qual deve garantir-se ao interessado o direito de audiência e de defesa, que o nº 3 do artigo 269º da Constituição impõe se observe no processo disciplinar, mas que deve valer para todo o processo em que se imponha uma sanção ou um efeito equiparável, já que, no Estado de Direito, também este tem que ser a due process, capaz de assegurar ao arguido a possibilidade de ser ouvido - de lhe garantir the right to be heard -, a fim de que, se for o caso, ele possa demonstrar a sua inocência ou, pelo menos, contribuir para que a sua responsabilidade seja fixada em termos justos - numa palavra: para que possa defender-se (cf., neste sentido, o Parecer da Comissão Constitucional nº 26/82, in Pareceres da Comissão Constitucional, volume 20º, p. 222).
A segunda observação é para acentuar que não há que decidir também se, numa matéria como aquela para que rege a norma sub iudicio, a invocação de conveniência de serviço pode ou não servir de
'fundamentação expressa' do acto de rescisão do contrato administrativo de provimento, para os efeitos do disposto no artigo 268º, nº 2, da Constituição.
É que - recorda-se -, a norma do nº 3 do artigo 29º, que prescreve que a simples invocação da conveniência de serviço constitui fundamentação válida e suficiente para a decisão sobre a cessação da comissão de serviço e considera-se justa causa para a rescisão do contrato, não foi aplicada pelo acórdão recorrido (Sobre a invocação de conveniência de serviço para fundamentar a exoneração de funcionário nomeado e exonerado discricionariamente, cf. o acórdão nº 266/87 deste Tribunal, publicado no Diário da República, I série, de 28 de Agosto de 1987, e a jurisprudência aí citada, designadamente, o acórdão nº 96/84, publicado no Diário da República, II série, de 2 de Fevereiro de 1985).
6. 2. Inconstitucionalidade orgânica:
Sustenta o recorrente que, ao editar o artigo 29º, o legislador, 'procedendo à criação de um regime especial sem dispôr da necessária lei de autorização legislativa emitida nos termos previstos no artº 168º/2 da CRP, e sem que esse regime constituísse o desenvolvimento de qualquer norma ou princípio ínsito na lei-quadro 30/84', invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
Vejamos, então:
É certo que, no artigo 29º (recte, na parte dele aqui sub iudicio), se estabelece, quanto aos funcionários do SIS providos mediante contrato, um regime que se diferencia do que então vigorava em geral no âmbito da função pública, contrariando-o em pontos essenciais. Isso mesmo afirma o artigo 26º que, no nº 1, subtrai o regime do seu recrutamento e provimento à disciplina do Decreto-Lei nº 41/84, de 3 de Fevereiro, em cujos artigos 14º e
15º se achavam, à data, regulados os contratos de pessoal celebrados pelos serviços e organismos públicos. E decorre, desde logo, do confronto do artigo
15º, nº 1, deste Decreto-Lei nº 41/84 (que, em matéria de denúncia e rescisão, remetia para os artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 49.397, de 24 de Novembro de
1969) com o disposto no artigo 29º, nºs 2 e 5, aqui em apreciação: de facto, no regime daquele Decreto-Lei nº 41/84, a Administração podia rescindir o contrato a todo o tempo, por conveniência de serviço, mas tinha que notificar o contratado com uma antecedência mínima de sessenta dias ou, então, que pagar-lhe uma indemnização correspondente à remuneração devida durante o mesmo período
(cf. o artigo 3º, alínea e), do citado Decreto-Lei nº 49.397); pelo contrário, no regime estabelecido pelo artigo 29º, nºs 2 e 5, a Administração continua a poder rescindir o contrato a todo o tempo, por conveniência de serviço, mas agora sem necessidade de aviso prévio, e sem que tenha que pagar qualquer indemnização.
Ora, de acordo com o que, então, preceituava a alínea u) do nº 1 do artigo 168º da Constituição - e que se manteve na revisão de 1989 - é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre as 'bases e âmbito da função pública' - o que significa que compete ao órgão parlamentar, embora com possibilidade de delegar no Governo, a definição daquilo que bem poderá chamar-se o estatuto geral da função pública.
Para se usar a terminologia do Parecer da Comissão Constitucional nº 22/79, repetida pelo acórdão deste Tribunal nº 78/84 (Diário da República, II série, de 11 de Janeiro de 1985), nesta área, constitui matéria da exclusiva competência legislativa da Assembleia o seguinte: A definição do sistema de categorias, de organização de carreiras, de condições de acesso e de recrutamento, do complexo de direitos e de deveres funcionais que valem, em princípio, para todo e qualquer funcionário público e que, por isso mesmo, fornecem o enquadramento da função pública como um todo (cf. também o citado acórdão nº 266/87).
Dizendo com o acórdão nº 142/85 (Diário da República, II série, de 7 de Setembro de 1985): A reserva estabelecida [...] no artigo 168º, nº 1, alínea u), abrange unicamente o estatuto geral da função pública e o delineamento geral do seu âmbito, mas não a particularização e concretização desse estatuto e o traçado do respectivo
âmbito de aplicação no concernente a quaisquer sectores concretos e individualizados da Administração Pública. Mais: essa reserva não se reporta sequer a um tratamento normativo desenvolvido da matéria em causa, mas tão-só à definição dos seus princípios fundamentais.
Nas palavras do acórdão nº 340/92 (Diário da República, II série, de 17 de Novembro de 1992): Na imediata dependência de um debate e de uma decisão parlamentar [...] encontra-se apenas o estabelecimento do quadro dos princípios básicos fundamentais daquela regulamentação, dos seus princípios reitores ou orientadores, princípios esses que caberá depois ao Governo desenvolver, concretizar e mesmo particularizar, em diplomas de espectro mais ou menos amplo, e princípios que constituirão justamente o parâmetro e o limite desse desenvolvimento e particularização.
Embora, à data da edição da norma sub iudicio, não existisse uma lei de bases da função pública, havia, no entanto, princípios básicos fundamentais na legislação respectiva.
Um desses princípios básicos fundamentais era, como se viu, o de que, em caso de rescisão do contrato por conveniência de serviço, que podia fazer-se a todo o tempo, a Administração tinha que avisar o funcionário ou agente visado com uma antecedência mínima de sessenta dias ou, então, que pagar-lhe uma indemnização correspondente à remuneração devida durante esse mesmo período.
Faltando uma lei de bases da função pública, podia o Governo legislar sobre a matéria. Questão é que, ao fazê-lo, não contrariasse os princípios básicos fundamentais, que pudessem extrair-se do ordenamento jurídico então vigente, atinentes a tal matéria.
É que - como se sublinhou no citado acórdão nº 142/85 -, a pretexto da inexistência de uma tal lei de bases, não podia ele editar normas que 'viessem substituir, modificar ou derrogar as bases efectivamente existentes' (cf. também o acórdão nº 154/86, publicado no Diário da República, I série, de 12 de Junho de 1986).
Pois bem: no caso, já vimos acima que, no tocante à rescisão do contrato dos funcionários ou agentes do SIS, por conveniência de serviço, a norma sub iudicio veio estabelecer um princípio contrário ao que o ordenamento jurídico consagrava para os funcionários ou agentes em geral, que o mesmo é dizer que veio derrogar uma base existente - o que, como decorre do que já se disse, só podia ter sido feito com autorização parlamentar.
Estaria, então, o Governo devidamente autorizado pela Assembleia da República ao estabelecer esse regime contrário ao regime geral?
A resposta é negativa.
O artigo 33º da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro - ao dispor que o estatuto do pessoal dos organismos que integram o Sistema de Informações da República Portuguesa (pessoal do SIS incluído) deve constar de decreto-lei e tomar em consideração a 'natureza específica' do respectivo serviço, designadamente, o dever de guardar o rigoroso sigilo sobre as matérias classificadas de que tomar conhecimento em razão das suas funções (cf. artigo
28º, nº 1, na sua redacção inicial) - autorizou, de facto, o Governo a legislar sobre o estatuto do pessoal do SIS.
Essa autorização legislativa não define, porém, com suficiente clareza o respectivo sentido.
Por isso, o Governo não pôde dispor, como era necessário, de um parâmetro, de uma medida, que lhe pudesse servir de orientação na elaboração do decreto-lei que ficara autorizado a editar.
De facto, dizer que, na definição do estatuto do pessoal, deve o Governo ter em conta a 'natureza específica' do respectivo serviço, não esclarece se o regime da rescisão do contrato, constante da lei geral, é de manter, se precisa de sofrer modelações ou se, inclusive, deve, pura e simplesmente, ser substituído por um regime de sinal contrário.
Ora, o sentido da autorização legislativa, se, para cumprir a exigência constitucional, não tem por que corresponder a uma enunciação minuciosa de todos os aspectos a regulamentar, há-de, porém, fornecer ao Governo os princípios-base da legislação a produzir, por forma a poder servir-lhe de orientação e, assim, de parâmetro ou de medida (cf., neste sentido, o acórdão nº 414/96, publicado no Diário da República, II série de 16 de Julho de 1996).
O artigo 29º, nºs 2 e 5, do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, na parte aqui sub iudicio, porque versa um aspecto fundamental do estatuto dos funcionários do SIS providos mediante contrato (o da rescisão deste, por conveniência de serviço) - aspecto que, por isso mesmo, se há-de incluir nas bases do regime da função pública - e porque foi editado pelo Governo sem estar munido da necessária autorização legislativa (a que lhe foi concedida não tem uma carga de sentido constitucionalmente suficiente), viola o artigo 168º, nº 1, alínea u), da Constituição.
6. 3. Inconstitucionalidade material:
Sustenta o recorrente que a norma aqui em apreciação viola também os artigos 2º, 18º, 53º e 58º da Constituição, uma vez que 'a cessação do vínculo funcional por mera conveniência de serviço, não dá lugar a qualquer indemnização'.
Adianta-se, desde já, que o facto de o contrato dos funcionários ou agentes do SIS poder ser rescindido pela Administração antes do seu termo, por mera conveniência de serviço, é constitucionalmente incensurável.
É certo que tais funcionários ou agentes gozam, como quaisquer outros trabalhadores, do direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição (cf., quanto aos funcionários em geral, os acórdãos nºs 154/86 e 258/92, publicados no Diário da República, I série, de 12 de Junho de 1986 e de 17 de Agosto de 1992, respectivamente).
Simplesmente, o direito à segurança no emprego não impede que, havendo interesses com relevo constitucional que tal justifiquem, a relação jurídica de emprego na Administração Pública assuma uma certa precariedade, como sucede com a que se constitui por contrato pessoal. Tal acha-se, de resto, consagrado na lei geral, onde se prevê essa forma de constituição da relação jurídica de emprego público, na modalidade de contrato administrativo de provimento e na de contrato de trabalho a termo certo (cf. artigos 3º e 14º a 21º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro).
De facto, embora a relação jurídica de emprego na Administração Pública tenha uma certa vocação para a vitaliciedade (cf., hoje, o artigo 5º do citado Decreto-Lei nº 427/89), não existe (para quem acede à função pública) uma garantia constitucional de exercer vitaliciamente as respectivas funções.
Ora, o SIS tem uma especificidade tal que bem justifica que os seus agentes não sejam nomeados por tempo indeterminado e que, quando o não forem em comissão de serviço (sobre estas formas de nomeação, cf. os artigos
6º e 7º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro), sejam providos mediante contrato, que é um modo de constituir a relação jurídica de emprego público em termos de maior precariedade.
O SIS é, com efeito - preceitua o artigo 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho - 'o único organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido', competindo-lhe, por isso, 'proceder por forma sistemática à pesquisa e análise, ao processamento, à produção e à conservação de informações'
(artigo 5º, nº 1, do mesmo diploma legal). Todas as suas actividades 'são consideradas, para todos os efeitos, classificadas e de interesse para a segurança do Estado' (artigo 9º, nº 1, do mesmo decreto-lei). Os 'registos, documentos e dossiers, bem como os resultados das análises e os elementos conservados no centro de dados e nos arquivos do SIS respeitantes às matérias mencionadas no nº 1 do artigo 2º' 'são abrangidos pelo segredo de Estado' (nº 2 do mesmo artigo 9º). E 'toda a actividade de pesquisa, análise, interpretação e conservação de informações desenvolvidas pelos funcionários e agentes do SIS está sujeita ao dever de sigilo' (nº 3 do mesmo artigo 9º).
Tendo em conta as atribuições e as competências do SIS e, bem assim, a sua importância para a defesa do Estado de Direito, é necessário, pois, que haja confiança permanente nos seus funcionários e agentes. E essa necessidade justifica que eles sejam, em boa parte, providos mediante contrato.
Por outro lado, a estabilidade no emprego, que vai implicada na garantia da segurança no emprego, compreendendo, embora, o direito a manter o lugar (em princípio, o funcionário goza do direito ao lugar, pois só dele pode ser privado por sentença penal ou processo disciplinar), também não obsta a que - ao menos quando o serviço revista certas especificidades - a Administração possa denunciar ou rescindir o contrato, por conveniência de serviço, antes de expirado o respectivo prazo.
Trata-se de uma situação que tem algum parentesco com as que este Tribunal analisou nos acórdãos nºs 64/91 e 183/92 (publicados, respectivamente, no Diário da República, I série, de 11 de Abril de 1991, e II série, de 6 de Setembro de 1994). Neste último aresto, recordando-se a doutrina firmada no acórdão referido em primeiro lugar, escreveu-se o seguinte: A cessação de contratos de trabalho, desde que fundada em motivos objectivos que tornem praticamente impossível a subsistência da relação laboral e justifiquem a respectiva caducidade, não viola o princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa, seja porque deva entender-se que tal caso ainda está coberto pelo conceito constitucional de justa causa de despedimento, seja porque se entenda que, ao lado da justa causa disciplinar, o artigo 53º da Constituição não veda, em absoluto, a consagração de certas causas de cessação do contrato individual de trabalho ligadas a razões objectivas e não derivadas de culpa do empregador ou do trabalhador que tornem praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral.
Inscreve-se, aliás, nesta mesma linha o acórdão nº
285/92 já citado, onde se decidiu que a estabilidade que é exigida pela garantia da segurança no emprego não impede a
'compressão do estatuto jurídico dos funcionários públicos', quando ocorram
'causas objectivas ligadas à reestruturação e racionalização dos serviços e organismos públicos'. Questão é que - frisou-se então - essa compressão seja
'necessária, adequada e proporcional' e que respeite 'o núcleo essencial do correspondente direito à segurança no emprego de que beneficiam os funcionários públicos'.
Quando, porém, o contrato de provimento é denunciado ou rescindido pela Administração por conveniência de serviço, como o agente não é despedido com fundamento em falta de serviço apurada em processo disciplinar ou por haver cometido qualquer infracção criminal, a justiça exige que ele seja indemnizado, pagando-se-lhe o valor da remuneração correspondente ao período de pré-aviso em falta.
A propósito da extinção dos contratos de trabalho como consequência da extinção de uma empresa pública, afirmou este Tribunal no seu acórdão nº 353/94 (Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994) o seguinte: Uma das garantias dos trabalhadores é, justamente, o direito à segurança no emprego (cf. artigo 53º da Constituição). Garante-se-lhes a estabilidade do contrato de trabalho, por o emprego ser para o trabalhador, não apenas um instrumento de angariação de meios para ele prover ao seu sustento e ao da sua família, como também uma ocasião capaz de lhe permitir a sua realização pessoal através do trabalho. Quando, por isso, o contrato de trabalho se extinga em consequência de um evento não imputável ao trabalhador (como é o caso da extinção de uma empresa pública por decisão do legislador), sendo como são afectados, sem culpa sua, aqueles interesse ligados à estabilidade do vínculo laboral, o princípio de justiça, que vai implicado na ideia de Estado de Direito, reclama se indemnizem os trabalhadores pela perda dos seus postos de trabalho (cf., também neste sentido, o acórdão nº 162/95, publicado no Diário da República, I série, de 8 de Maio de
1995; e, ainda, o citado acórdão nº 183/92).
Pois bem: as especificidades já apontadas são suficientes para justificar constitucionalmente a faculdade conferida à Administração de, por conveniência de serviço, pôr termo, unilateralmente, aos contratos celebrados com os agentes do SIS. O que, porém, tais especificidades não justificam é que a Administração possa despedir os agentes sem lhes pagar indemnização.
Concluindo, pois, este ponto: a norma do artigo 29º, nº
2 e 5, do Decreto-Lei nº 225/85, de 4 de Julho, na parte aqui sub iudicio, não prevendo o pagamento de qualquer indemnização ao agente despedido nessas condições, viola o artigo 2º, conjugado com o artigo 53º, da Constituição.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). julgar inconstitucional - por violação do artigo 2º (conjugado com o artigo
53º) e do artigo 168º, nº 1, alínea v), versão de 1982, da Constituição - a norma do artigo 29º, nºs 2 e 5, na parte em que prevê que a Administração, invocando conveniência de serviço, possa rescindir o contrato de provimento do pessoal de Serviço de Informações de Segurança sem obrigação de indemnizar o visado;
(b). em consequência, conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade, a fim de ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre essa questão.
Lisboa, 12 de Março de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida (vencido
em parte, nos termos da declaração de voto junta)
Procº nº 220/96
2ª Secção Rel.: Consº Messias Bento
Declaração de voto
1 - Não votei a inconstitucionalidade orgânica da norma questionada, por entender que, in casu, o sentido da autorização legislativa era inequívoco.
É que, com efeito, a natureza específica do SIS nunca poderia conduzir a que se pretendesse que o regime de rescisão do contrato do respectivo pessoal fosse dificultado; pelo contrário, quer a indispensável confiança que há-de ser depositada nesse mesmo pessoal, quer a confidencialidade que há-de revestir, em muitos casos, a razão de ser da própria rescisão, apontam necessariamente, no meu entendimento, para que o legislador estabeleça um regime menos exigente.
2 - Em contrapartida, votei a inconstitucionalidade material, apenas na mesma parte em que o acórdão a julgou verificada, acompanhando, nessa dimensão, a sua fundamentação, na generalidade.
Na verdade, apesar de continuar a entender que a garantia da segurança no emprego vale, em termos exactamente idênticos, no
âmbito das empresas ou no da Administração Pública, pelo que esta não pode, sem especiais justificações, recorrer aos contratos a termo certo, o certo é que, no caso dos autos, o que importa é averiguar da legitimidade constitucional da admissibilidade da rescisão do contrato, por conveniência de serviço, relativamente a uma dada categoria de pessoal, relativamente à qual, como se afirmou, se impõem muito especiais exigências de confiança e de confidencialidade nas actuações administrativas.
Ora, neste domínio, não posso deixar de subscrever o acórdão quando equipara a presente situação àquelas em que ocorre uma cessação do contrato de trabalho por razões objectivas que tornam praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral - em que, todavia, se exige, sempre, uma indemnização.
(Luis Nunes de Almeida)