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Proc. nº 533/97
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I - Relatório
1. A. C. e mulher M. C. deduziram, em processo de expropriação, uma reclamação ao abrigo do artigo 52º do Código das Expropriações (Decreto-lei nº 438/91, de 9 de Novembro - adiante, CE), tendo interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da parte da decisão que não conheceu da alegação relativa à questão de caducidade da declaração de utilidade pública.
2. O Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão de 15 de Novembro de 1994, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando, nessa parte, a decisão recorrida.
3. Inconformados com esta decisão, os recorrentes agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por acórdão de 7 de Dezembro de 1995, decidiu não ser admissível o recurso de decisão que resolva o incidente de reclamação em processo de expropriação.
4. Notificados da decisão, os recorrentes vieram arguir a nulidade do acórdão, alegando, em síntese, que os respectivos fundamentos estavam em contradição com a deliberação.
5. Pelo acórdão de 12 de Março de 1996, o STJ decidiu desatender a arguição de nulidade, considerando que os recorrentes, com tal arguição, mais não pretendiam do que uma reapreciação da questão de fundo que fora suscitada e resolvida, reapreciação essa que não é admissível.
6. Não se conformando com essa decisão, os recorrentes apresentaram, ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Sobre esse requerimento veio a recair um despacho de não admissão, com fundamento em que os recorrentes não haviam suscitado, durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade. Nesse despacho escreveu-se ainda: 'A actuação dos requerentes é, pois, manifesto expediente dilatório, claro alicerce de constituição em litigância de má-fé que a seu tempo se definirá.'
7. Notificados desse despacho os recorrentes reclamaram para o Tribunal Constitucional da parte em que não se admitiu o recurso de constitucionalidade. Sobre essa reclamação veio a recair o Acórdão nº 2/97, de 14 de Janeiro, que a indeferiu por entender não se verificarem alguns dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade que os recorrentes pretenderam interpor. Nada responderam os recorrentes quanto à qualificação pelo despacho do STJ da sua actuação como 'expediente dilatório, claro alicerce da constituição em litigância de má-fé'.
8. Na sequência da falta de resposta dos recorrentes àquela qualificação, bem como da decisão do Tribunal Constitucional no sentido do indeferimento da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 18 de Março de 1997, condenou os recorrentes, ao abrigo do disposto no art. 102º, alínea a), do Código das Custas Judiciais, na multa de 10 (dez) Ucs.
9. Em resposta a essa decisão os recorrentes vieram ao processo, em 8 de Abril de 1997, para dizerem e requererem o seguinte:
'1. Os reclamantes lutaram contra o expediente dilatório por parte da CM Almada,
que ainda hoje não introduziu a expropriação no Tribunal Judicial de ALMADA, o que consubstancia um ESCÂNDALO sem precedentes, apoiado pelo STJ Lx.
2. V. Exas. lá sabem a (IN)JUSTIÇA que defendem: mesmo assim não há caducidade!!!
3. V. Exas. vêm condenar os expropriados por expediente dilatório !!! Está tudo invertido !!!? Termos em que requerem que este escândalo autárquico e judicial seja apreciado pelo Exmo. Conselho Superior de Magistratura e prlo IGAT'.
10. Na sequência, o Relator do processo junto do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu, em 10 de Abril de 1997, despacho com o seguinte teor:
'As questões que importava resolver estão solucionadas. É mais que tempo que os autos baixem para o competente prosseguimento, o que deverá fazer-se. Os requerentes de fls. 177 e ss. terão o incómodo de fazer, eles próprios, os requerimentos que entenderem, dirigidos às entidades que quiserem. Com isso nada tem a ver o Tribunal. Ignora-se o tom do contexto do requerimento em benefício da remessa dos autos à Comarca'.
11. Em 28 de Abril de 1997 os requerentes vieram de novo aos autos, desta vez para requerer, ao abrigo do art. 700º nº 3 do Código de processo Civil, que
'...sobre a matéria do despacho vácuo recaia um acórdão'.
12. Sobre o requerimento que antecede proferiu o Relator do processo no STJ, em
30 de Abril de 1997, despacho com o seguinte teor:
'Afigura-se manifesto que, com o requerimento antecedente se pretende obstar a que os autos baixem à Comarca. O requerimento de fls. 182 e ss. ainda se surpreende por se falar nos autos
(nomeadamente no acórdão antecedente) em expedientes dilatórios... Ora o requerimento antecedente afigura-se-nos mais um! Assim, nos termos do art. 720º do CPC vão os autos à conferência'.
13. Remetidos os autos à conferência foi por esta proferido, em 15 de Maio de
1995, acórdão com teor que de seguida, em parte, se transcreve:
'Afiguram-se evidentes duas coisas:
1ª Por razões que apenas os requerentes conhecem, pretendem eles, obviamente, obstar a que os autos baixem à Comarca;
2ª Com o seu novo requerimento, cuja pretensão se desenquadra ostensivamente da função jurisdicional do Tribunal, cometem mais um acto que deve ser analisado na perspectiva de má-fé, conforme o disposto no art. 456º do CPC, nomeadamente na sua redacção actual. Eles têm o direito de fazer as comunicações que entenderem, sem necessidade de intermediários, facto em que incompreensivelmente insistem ! Para que nenhuma das partes venha justamente alegar surpresa perante deliberações que oportunamente se tomem, há que lhes conceder possibilidade de se pronunciarem sobre as referidas questões. Nestes termos, notifiquem-se as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre:
- a oportunidade de se processar em separado o incidente originado pelo requerimento de fls. 182, art. 720º do CPC/62;
- a litigância de má-fé eventualmente consubstanciada na junção e teor do referido requerimento e na previsível actuação subsequente dos requerentes'.
14. Notificados deste despacho vieram os requerentes aos autos para dizer - no que especificamente se refere à questão da inconstitucionalidade do art. 456º do Código de Processo Civil - o seguinte:
'27. O Tribunal deve ser equidistante relativamente a dois pontos/às partes processuais.
28. À irresponsabilidade dos julgadores deve corresponder, pelo menos em matéria cível, a imunidade das partes, quanto aos meios processuais utilizados em defesa dos seus legítimos direitos.
29. Ora, o art. 456º do CPC é a guilhotina sempre suspensa sobre a cabeça das partes, que na medida em que coarcta a sua acção processual, ao arbítrio do julgador, viola o disposto no art. 18º da Lei Fundamental e, assim, constitui norma ferida de inconstitucionalidade'.
15. O STJ, por acórdão de 3 de Julho de 1997, decidiu, com base no disposto no art. 456º do CPC e no art. 102º do CCJ, condenar os requerentes, como litigantes de má-fé, na multa de 15 Ucs. No que especificamente se refere à alegada inconstitucionalidade do art. 456º do CPC, por violação do disposto no art. 18º da Constituição, escreveu-se no acórdão do STJ:
' 1 - Na linha da posição e tipo de actuação assumida pelos requerentes, nos autos, avançam agora com a inconstitucionalidade do art. 456º do CPC que violaria o disposto no art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
2 - Tal normativo - art. 456º -, limita-se a sancionar atitudes como a dedução de oposição cuja falta de fundamento se não ignorava, a alteração consciente da verdade ou o uso manifestamente reprovável do processo com o fim, entre outros, de entorpecer a acção da justiça. O art. 18º da Constituição impõe que os direitos, liberdades e garantias não podem ser restringidos indiscriminadamente. Isto pressupõe, além do mais, a existência de direitos. A argumentação no sentido da inconsti-tucionalidade do referido art. 456º - que na redacção actual até abrange a negligência - reveste a mesma natureza daqueloutra em que se queira afirmar a inconstitucionalidade da parte especial do Código Penal! Sancionando-se aquelas atitudes não se retiram direitos, antes se pune a violação deles: direitos públicos e privados de se contar com a verdade processual, de se dispor de um processo que conduza rapidamente à realização efectiva da justiça possível. Aliás, já foi aplicada aos requerentes, neste processo, a referida sanção, com trânsito em julgado. Afigura-se, pois, existir até caso julgado formal sobre esta matéria. Assim, supomos que não merece a pena despender mais vastas considerações'.
16. Inconformados com o teor do aresto supra referido os recorrentes interpuseram, ao abrigo da al. b) do art. 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional. A norma cuja constitucionalidade os requerentes pretendem ver apreciada por este Tribunal, é a que consta do art.
456º do Código de Processo Civil, por, no seu entender, '...violar os princípios e as normas constitucionais, designadamente o disposto no art. 18º da Lei Fundamental'.
17. Recebidos os autos neste Tribunal foram os recorrentes notificados para produzir alegações, o que fizeram, tendo concluído nos seguintes termos:
'1ª. A faculdade censória concedida no art. 456º do CPC colide com a regra da Lei Fundamental que garante a liberdade de expressão de pensamento e de defesa dos direitos fundamentais sob qualquer forma, com a agravante de tal norma ter destinatários restritos e não todos os operadores judiciais e parajudiciais.
2ª. Este regime censório é insustentável face ao disposto no art. 37º/1/2 da CRP, tendo-se tornado inconstitucional a norma do art. 456º do CPC.
3ª. A repressão pela forma arbitrária desigual e desproporcionada prevista no art. 456º do CPC não cabe presentemente nos poderes do Tribunal face aos artigos
37º/1 da CRP.
4ª. Essa faculdade censória briga directamente com o referido preceito constitucional, razão por que aquela disposição não pode ser aplicada pelo Tribunal nos termos dos artigos 18º e 280º/2 do diploma fundamental.
5ª As conclusões precedentes não retiram nem eliminam outros meios legais de reacção contra o bloqueamento doloso da tramitação processual, designadamente a aplicação do art. 720º do CPC.
6ª. Neste caso, o STJ cometeu ainda a ilegalidade do incumprimento/recusa de aplicação do art. 52º do CE, o que ofende também o comando do art. 18º da Lei Fundamental. Termos em que o Venerando Tribunal Constitucional deverá deliberar julgar inconstitucional a norma do art. 456º do CPC, no parte em que o conceito de má-fé abrange teoricamente apenas os litigantes e não o julgador, restringindo-o
às partes/litigantes, sendo que a palavra litigante deveria ser substituída pelo operador/interveniente judicial e parajudicial, seja qual for o seu nível de intervenção processual, sem que o questionado preceito é desigual, desproporcionado e arbitrário, podendo estar a condenar-se quem porfia uma justiça substancial e célere. Mais deve julgar inconstitucional a interpretação dada à norma do art. 52º do CE, na parte em que impede o recurso da 2ª para a 3ª instância, por ofender infundadamente o princípio geral constitucional dos 3 graus de jurisdição'.
18. Regularmente notificada, a recorrida não apresentou qualquer alegação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II - Fundamentação
19. Importa começar por delimitar o objecto do presente recurso. Designadamente importa ver se ele pode ter por objecto, como pretendem os recorrentes nas alegações apresentadas neste Tribunal, a verificação da constitucionalidade da interpretação alegadamente dada à norma do art. 52º do Código das Expropriações.
E a questão coloca-se desde logo porquanto se verifica que no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional os recorrentes apenas suscitam a questão da constitucionalidade do art. 456º do CPC - por, no seu entender, violar os princípios e as normas constitucionais, designadamente o disposto no art. 18º da Lei Fundamental -, não suscitando logo nessa altura, mas apenas nas respectivas alegações, a questão da constitucionalidade da interpretação alegadamente dada à norma do art. 52º do Código das Expropriações, na parte em que impede o recurso da 2ª para a 3ª instância. Ora, como tem sido afirmado por este Tribunal, por diversas vezes, o requerimento de interposição do recurso é o acto idóneo para a fixação do respectivo objecto, não sendo possível, nas respectivas alegações, ampliar esse mesmo objecto a outras normas (nesse sentido, entre outros, o Ac. 20/97, in Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997). Tal jurisprudência, que agora se reafirma, conduz, no caso, à impossibilidade de conhecimento da questão da constitucionalidade da interpretação alegadamente dada à norma do art. 52º do Código das Expropriações. Mas, acresce, que uma outra razão sempre conduziria à impossibilidade de conhecimento, nesta parte, do objecto do recurso. É que o art. 52º do Código das Expropriações manifestamente não foi aplicado pela decisão recorrida, faltando assim, quanto a esta parte, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso que o recorrente, com fundamento na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendeu interpor. Assim, pelas razões supra expostas, não pode o Tribunal conhecer, no âmbito do presente recurso, da questão da constitucionalidade do art. 52º do Código das Expropriações, ficando, em consequência, o seu objecto limitado à questão da constitucionalidade do art. 456º do Código de Processo Civil.
20. Dispõe da seguinte forma a norma cuja constitucionalidade se contesta no presente recurso:
Artigo 456º
(Responsabilidade no caso de má fé - Noção de má fé)
1.Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene em litigância de má fé.
No entendimento dos recorrentes o art. 456º do CPC é inconstitucional na medida em que, em síntese, limita de forma desigual, arbitrária e desproporcionada a liberdade de expressão, violando dessa forma os artigos 13º, 18º e 37º nºs 1 e 2 da Constituição. Vejamos pois se têm razão. a)A alegada violação do princípio constitucional da igualdade Quanto à tese - fundamental em toda a linha de argumentação dos recorrentes - no sentido de que o art. 456º do CPC, ao apenas sujeitar as partes/litigantes, e não também o julgador, à condenação em litigância de má fé, viola o princípio constitucional da igualdade, é manifesta a sua improcedência. Como é sabido, e tem sido afirmado por inúmeras vezes por este Tribunal (nesse sentido, veja-se, por último, o acórdão nº 185/98, in Diário da República, II série, de 26 de Março de 1998), o princípio da igualdade não proíbe, em absoluto, o estabelecimento de distinções, mas apenas aquelas que sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante. Ora, inequivocamente, não é esse o caso do art. 456º do Código de Processo Civil, ao não equiparar, para efeitos da possibilidade da condenação em litigância de má fé, as partes litigantes ao julgador. Pelo contrário, como vamos ver, tal diferença de tratamento funda-se numa diferença material das situações.
É certo, como alegam os recorrentes, que o processo tanto pode ser bloqueado por comportamentos das partes/litigantes como por comportamentos do próprio julgador. Porém, já não é verdade, como também pretendem, que isso implique, sob pena de se violar o princípio constitucional da igualdade, uma identidade ao nível dos mecanismos previstos na lei para evitar e sancionar esses comportamentos. Pelo contrário, a diferente posição processual das partes e do julgador (que, por ser evidente, não carece sequer de ser aqui demonstrada), bem como a distinta natureza dos deveres que, em hipóteses desse tipo, são violados, não só torna legítima, na medida em que constitui o suporte material bastante para a distinção, como reclama do legislador diferentes formas de reacção. Nestes termos, não se vê qualquer violação do princípio constitucional da igualdade na não equiparação, pelo art. 456º do CPC, da situação do julgador à das partes litigantes, para efeitos de possibilidade de condenação em litigância de má fé. É que, tratando-se de situações substancialmente distintas, como efectivamente se trata, justificam e reclamam o diferente tratamento que a lei lhes confere. Esquecem, aparentemente, os recorrentes, que a lei prevê diversas formas de reagir e sancionar - inclusive de natureza disciplinar e criminal - comportamentos processuais do julgador equivalentes, pelo menos ao nível dos efeitos, aos descritos no art. 456º do CPC. Formas de reacção que são, na perspectiva do legislador, não só as que de forma mais eficaz os previnem como, na hipótese de tal não acontecer, as que melhor se adequam à natureza dos deveres violados-. b) A alegada violação dos artigos 18º e 37º nºs 1 e 2 da Constituição Alegam ainda os recorrentes que a norma do art. 456º do CPC viola o disposto nos números 1 e 2 do artigo 37º da Constituição, na medida em que impede ou limita o direito das partes se exprimirem livremente no âmbito da sua acção processual. Nesses termos consubstancia, ainda na tese dos recorrentes, uma violação ao disposto no art. 18º da Constituição, na medida em que representa uma limitação desproporcionada de um direito fundamental. Vejamos se têm razão. A questão dos limites à liberdade de expressão no âmbito do processo civil não é inteiramente nova. A própria Comissão Constitucional teve oportunidade de se pronunciar sobre ela nos Acórdãos nº 166, 173 e 176 (todos publicados no Apêndice ao Diário da República de 3 de Julho de 1980). Estava em causa nesses acórdãos a questão de saber se era inconstitucional a norma constante do art.
154º do Código de Processo Civil conjugada com a do nº 1 do art. 155º do mesmo Código, na parte em que permitia aos tribunais que mandassem riscar quaisquer expressões ofensivas utilizadas pelos mandatários judiciais nas suas peças forenses. Escreveu-se então, a esse propósito, no acórdão nº 166 - jurisprudência que foi depois reiterada nos outros dois acórdãos supra referidos - que o nº 2 do art.
37º da Constituição, ao prescrever que o exercício do direito de liberdade de expressão 'não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura', pretendeu tão-só 'impedir a aplicação de sanções por via administrativa e (...) restringir as hipóteses de aplicação das sanções por via judicial aos casos em que se haja violado os limites constitucionalmente definidos ao direito de expressão e divulgação de pensamento'. E acrescentou
'Não parece (...) que o legislador constituinte tenha pretendido considerar como uma forma de censura os casos em que a lei prevê a aplicação de sanções pelos tribunais judiciais, em consequência da violação dos limites constitucionalmente impostos (...) a um tal direito'. E concluiu: 'Não parece, portanto, que se possa considerar que o nº 1 do art. 154º do Código de Processo Civil, ao conferir ao tribunal a faculdade de mandar riscar quaisquer expressões ofensivas, preveja uma qualquer forma de censura. Em primeiro lugar, porque se trata de uma sanção aplicável em reacção a uma violação dos limites estabelecidos ao direito de expressão e divulgação do pensamento; e em segundo lugar, porque tal sanção é aplicada por um tribunal judicial que verifica a violação desses limites'. Esta jurisprudência foi depois reiterada, a propósito da mesma questão, pelo Tribunal Constitucional (nesse sentido os acórdãos nºs 81/84, 11/85 e 185/85 in Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º Vol., pp. 225 e ss, 5º Vol., pp. 337 e ss e 6º Volume, pp. 411 e ss, respectivamente). No Acórdão nº
81/84, acrescentou-se: 'A liberdade de expressão - como, de resto, os demais direitos fundamentais -, não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a protecção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de protecção pára, ali, onde ela possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional (...). Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há-de sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos (...) haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização. Dizer isto é reconhecer que, sendo proibida toda a forma de censura (art. 37º nº 2), é, no entanto, lícito reprimir os abusos da liberdade de expressão, designadamente quando cometidos por advogados que, em peças forenses, excedem as necessidades da defesa - a libertas convicci'. E, mais à frente: 'O art. 37º aponta - segundo cremos - no sentido de que se não devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que forem necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se achem a coberto da tutela penal. Mas, não impede que o legislador organize a tutela desses bens jurídicos lançando mão de sanções de outra natureza (civis, disciplinares...)'. Ora, o sentido fundamental desta jurisprudência vale igualmente para o caso que
é objecto dos autos. Também no art. 456º do CPC, do que se trata não é da limitação, por qualquer tipo ou forma de censura, da liberdade de expressão, mas apenas de uma concretização da ideia de que o exercício dessa liberdade de expressão, no contexto processual, tem que poder conviver com outros direitos também constitucionalmente garantidos - no caso dos autos, com a existência, em prazo razoável, de uma decisão (art.20º, nº4 da Constituição) - tendo, nessa medida, que se sujeitar às limitações impostas pela necessidade de realização desses direitos. Trata-se pois, como na situação que foi objecto dos acórdãos supra referidos, da necessidade de regulamentar os termos do exercício da liberdade de expressão, no âmbito do processo civil, de forma a permitir que outros direitos encontrem também formas de realização. Nessa medida, a possibilidade de condenação em multa por litigância de má fé não só não consubstancia qualquer forma de censura à liberdade de expressão (não é esse, inequivocamente, o sentido do disposto no art. 456º do CPC), e, por isso, não viola o disposto no art. 37º nº 2 da Constituição, como surge como uma medida razoável, adequada e eficaz de garantir aqueles outros valores também constitucionalmente protegidos, não violando igualmente, por isso, o disposto no art. 18º da Lei Fundamental. III - Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada. Lisboa, 20 de Outubro de 1998 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Messias Bento Luis Nunes de Almeida