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Processo n.º 96/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, notificado da decisão sumária n.º 113/2012, vem, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC, dela reclamar nos termos e com os fundamentos seguintes:
(…)
O reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e da decisão não menos Douta do Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça como aliás, menciona no introito do seu requerimento.
Fê-lo para obter a apreciação da constitucionalidade de preceitos que separou em duas alíneas diferentes.
Cumpriu com a exigência prevista no artigo 75.º-A da LOOFTC e não foi objeto de despacho de aperfeiçoamento do requerimento.
Não obstante, este Tribunal entendeu não ser de apreciar o recurso.
E por duas razões diferentes:
No 1.º caso
Antes de mais quanto ao trânsito em julgado:
O reclamante apresentou o presente recurso, (pela via de fax) no dia 02 de dezembro de 2011, logo antes do respetivo trânsito em julgado que se verificaria no dia 05 de dezembro. Pelo que a tempo!
Quanto ao recurso da reclamação:
No introito do seu requerimento de recurso, o reclamante faz expressa alusão à reclamação que negou o recurso interposto para o STJ, como faz do Acórdão da Relação.
É verdade que podia tê-lo feito de forma muito mais clara mas, pelo conteúdo e dado o natural sentido e alcance não poderá deixar de ser tido em consideração.
Ora, da inconstitucionalidade da negação do recurso só cabia apelar a este Tribunal o que se fez e por razões de norma violadora da Constituição que foi concretamente aplicada ao negar o direito à apreciação superior.
Importa referir que as normas da Constituição violadas pela não admissão do recurso não o poderiam ter sido pelo Acórdão da Relação de Lisboa mas, sim pela última decisão que negou o mesmo – a decisão sobre a reclamação.
Ora, releva-se, essa Decisão foi a superior decisão do Presidente do STJ.
E sem recursos ordinários para o fazer o único recurso é para este Tribunal Constitucional.
Não vemos pois, como pode este recurso ser negado!
Não vemos, desde logo por economia processual e para evitar precludir o recurso do Acórdão que o devêssemos ter feito em separado.
Não é verdade que o requerimento de recurso se restrinja ao Acórdão da Relação aliás, se percebe que as normas consideradas, com relação à não admissão do recurso, nem nele faziam sentido serem apreciadas, pelo que outro aproveitamento não se poderá fazer que não o de entender o recurso conjugado, como resulta do introito.
No 2° caso
Decidiu o Exmo. Juiz Conselheiro não admitir a apreciação da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 187.º do C.P.P.
A nosso ver respeitosamente sem razão.
Primeiro que tudo, não podem existir quaisquer dúvidas que a questão da inconstitucionalidade foi sempre suscitada nos autos.
Também, não podem existir dúvidas que o artigo que validou as escutas e a prova e assim a autoincriminação foi aplicado pelas instâncias.
No que se refere ao requerimento de recurso basta que o recorrente sinalize as normas violadoras, as violadas e que faça expressa menção dessa violação desde a 1ª hora nas instâncias, o que fez e não suscitou o convite a aperfeiçoar ou a complementar!
Acresce que a concretização da inconstitucionalidade está o reclamante preparado para a fazer nas suas alegações e após notificação para tanto.
Por outro lado, a invocada inconstitucionalidade, desde a primeira hora nas instâncias foi-o no aspeto funcional, tendente a evitar que as instâncias dessem valor a uma escuta inconstitucional e valorassem positivamente, em sede de prova, o espólio de uma busca.
E tanto o foi que as instâncias se pronunciaram sempre sobre a situação funcional em concreto, não curando de a direcionar simplesmente para uma regra básica fundamental ao direito ao silêncio e a de não se autoincriminar, muito menos em situação de prisão preventiva.
Deve dizer-se mais, a questão foi tão apreciada em concreto que dela resultou a condenação do reclamante, já que os documentos da busca embora, de autoria indeterminada foram usados no sentido da sua incriminação.
Não vemos assim, semelhança de pressupostos com o Douto Acórdão deste Tribunal n.º 1210/96.
E basta ver as conclusões citadas para verificar a referência à norma cuja inconstitucionalidade se quer sindicar.
A norma que alicerçou a validade das escutas e buscas e a autoincriminação é inconstitucional porque violadora de princípios constitucionais. Ora, essa é a contradição com as instancias e não apenas quanto aos juízos de aplicação material da mesma que aconteceram necessariamente.
(…)
Em conclusão pede que seja a presente reclamação deferida e, em consequência, seja notificado para apresentar as alegações de recurso « …, onde melhor concretizará os fundamentos em que alicerça o seu juízo e pedido de inconstitucionalidade das normas enunciadas».
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, notificado da reclamação que assim foi deduzida, pronunciou-se pelo seu indeferimento nos seguintes termos:
(…)
1º
Com o recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa o recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 187.º, n.º 1, 400.º, n.º 1, alínea e) e f) e do artigo 432.º, n.º 1, alínea b) do CPP.
2º
Os dois últimos preceitos referidos, regem o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos pelas relações.
3º
Efetivamente, no caso dos autos, o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que, não tendo sido admitido, culminou com o indeferimento da reclamação deduzida perante o Senhor Presidente daquele Supremo Tribunal (artigo 405.º do CPP).
4º
Como o recorrente, no prazo legal, não impugnou aquela decisão perante o Tribunal Constitucional, naturalmente que a questão respeitante à inadmissibilidade do recurso, transitou.
5º
Também nos parece evidente que o Acórdão da Relação que apreciou o mérito do recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância e que o recorrente identifica como sendo o Acórdão recorrido, não aplicou, nem podia ter aplicado aquelas normas.
6º
Assim, quanto às normas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, não se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso.
7º
Quanto à inconstitucionalidade do artigo 187.º, n.º 1, do CPP, o recorrente, como muito bem se demonstra na douta Decisão Sumária, não suscitou adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
8º
Na verdade, quer nas conclusões - cuja parte pertinente vem transcrita na Decisão Sumária -, quer no texto da motivação do recurso para a Relação (vd. fls. 24 907 a 24 912) – o momento processual próprio –, o recorrente arguiu a nulidade das escutas por violação da lei (artigos 61º e 187º do CPP) e da Constituição (artigos 20º, 32º, 34º,) , nunca enunciando uma questão de inconstitucionalidade normativa, única para cujo conhecimento o Tribunal é competente.
9º
Também o Acórdão recorrido não se pronuncia sobre qualquer inconstitucionalidade daquela natureza, antes considerou que todo o procedimento relacionado com as escutas tinha obedecido às exigências legais e respeitado os princípios constitucionais, não ocorrendo qualquer nulidade (fls. 25 108, 25 114 a 25 118).
(…).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. A decisão sumária n.º 113/2012, proferida nos presentes autos, é do seguinte teor:
(…)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 187.º, n.º 1 e 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
2. O recorrente fora condenado como coautor de um crime continuado de participação económica em negócio, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 2 e 377.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 16 de junho de 2011, manteve a pena de prisão anteriormente aplicada, mas suspendeu a sua execução, subordinada ao pagamento de uma indemnização às OGFE.
Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido no Tribunal a quo.
Na sequência, o arguido deduziu reclamação contra esse despacho, a qual foi indeferida pelo Supremo Tribunal de Justiça por decisão de 17 de novembro de 2011, transitada em julgado em 5 de dezembro de 2011.
Após a referida tramitação processual, o arguido, através de requerimento entrado no Tribunal da Relação de Lisboa em 13.12.2011 e expedido por correio em 06.12.2011, recorreu então para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
“A., arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, estando em tempo e tendo para tanto legitimidade, vem, relevando a impugnação expressa que fez desde a 1.ª intervenção nos autos e manteve em todos os atos subsequentes, que culminaram no presente douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e após a decisão, também douta do Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso ordinário interposto, apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos previstos na LOTC (Lei 28/82 e alterações posteriores), artigo 70.º alínea b), para apreciação da constitucionalidade dos artigos 187.º, n.º 1 e 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais, nos seguintes termos:
No primeiro caso na parte em que sustenta a validade de escutas telefónicas após ter sido ordenada e efetivada a prisão preventiva do arguido e a validade de prova obtida nessas escutas (por omissão, não a afastando completamente) por violação dos artigos 32.º/1 e 2 e 20.º da CRP;
No segundo caso na parte em que vedam a interposição de recurso ao recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, violando, também o artigo 20.º e 32.º da CRP.
E, ainda, atento o disposto no artigo 67.º da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68.º e seguintes).
Termos em que: Requer a V.Exa. que, desde já, considere validamente interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79.º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto”.
3. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, uma vez que o caso sub judico se integra no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e tendo em conta o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos termos seguintes.
4. O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos termos do qual – e em paralelo com a norma do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP – se admite recurso para o Tribunal de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, encontrando-se esgotados os recursos ordinários (v., também, artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
Daí decorre, pois, que o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso na parte em que o mesmo se encontra interposto para fiscalização da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, uma vez que estas normas não foram aplicadas pela decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relativamente a estas normas, apenas seria recorrível a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que indeferira a reclamação deduzida contra o despacho que não admitira o recurso para aquele tribunal, como decorre da conjugação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 70.º, da LTC, nos quais se afirma que o recurso de constitucionalidade apenas pode ser interposto de decisão que não admita recurso ordinário, equiparando-se-lhe as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores nos casos de não admissão ou retenção do recurso.
Ora, in casu, o recorrente, tendo reclamado da decisão que não lhe admitiu o recurso interposto para o STJ, não recorreu da decisão da reclamação para o Tribunal Constitucional, tendo esta transitado em julgado em 5 de dezembro de 2011.
Em todo o caso, como resulta do requerimento de interposição supra transcrito, o recurso de constitucionalidade encontra-se interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo certo que nessa decisão não foram aplicadas as normas ora controvertidas.
Por outro lado, quanto à norma do artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “na parte em que sustenta a validade de escutas telefónicas após ter sido ordenada e efetivada a prisão preventiva do arguido e a validade de prova obtida nessas escutas (por omissão, não a afastando completamente)”, não podem igualmente considerar-se preenchidos os pressupostos de conhecimento do objeto do recurso, ainda que com fundamento distinto.
Como se começou por referir, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, pressupõe que a questão de constitucionalidade que se aporta à jurisdição constitucional tenha sido previamente suscitada durante o processo perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Para se aferir do cumprimento desse ónus específico, importa atentar no teor das conclusões do recurso interposto para o Tribunal a quo, pois são estas que delimitam o seu objeto.
Perante o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente alegou do seguinte modo:
“a. A escuta telefónica do arguido depois de detido é nula. Como é a busca imediatamente feita ao seu domicílio, devendo os documentos do apenso que os arquiva nestes autos ser desentranhado;
b. A nulidade recorre da não autorização específica, da falta de fundamentação e violação dos princípios constitucionais constantes dos artigos 20º; 32º; 34º da C.R.P. e 61º e 187º do C.P.P;
c. O Tribunal recorrido não deu provimento a um meio de prova que se veio a reputar essencial para o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime após convolação em audiência final, pelo que deve ordenar a sua realização;
d. Os factos considerados provados não preenchem a factualidade típica do crime p.p. no artigo 377.º/1 do Código Penal; pelo qual os arguidos foram condenados;
e. Faltava para esse condenação preencher os elementos objetivos, particularmente do resultado típico /prejuízo patrimonial), para além de que, a conduta alternativa dos arguidos consistente na omissão da criação da sociedade KORCE e realização com esta das compras e vendas para as OGFE que se encontram retratadas nos autos, implicaria, sempre, num aumento do prejuízo, dado que aquela adquiriria os coletes à sociedade MEGIT por preço superior ao que adquiriu à sociedade KORCE;
f. A falta do preenchimento do tipo implica a absolvição do arguido;
g. Também, faltou preencher o elemento subjetivo, concretamente por ausência do dolo-do-tipo compreendido como conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, em todos os seus elementos, em particular por ausência do elemento volitivo e cognitivo de provocar um prejuízo na esfera patrimonial das OGFE;
h. O que implica, reforçadamente, a absolvição do arguido;
i. Acresce que a responsabilidade dos arguidos também está excluída por falta de culpa por não se ter provado que os mesmos tivessem agido com consciência da ilicitude penal, o que obriga a reconduzir o caso ao estatuto e ao regime do erro sobre a ilicitude não censurável, que exclui a culpa nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do Cod. Penal.;
j. E o que mais uma vez implica a absolvição do arguido;
k. Caso assim não se entenda importa referir que os arguidos foram condenados num crime continuado de participação económica em negócio, quando deviam, sem prescindir, naturalmente das anteriores conclusões, ser condenados, por um único crime, e logicamente, em pena inferior, que se considera razoável, diminuir em 1/3 para cada um;
l. E, igualmente, sem afastar as conclusões anteriores, deverá ser alterada a pena de prisão efetiva por pena de prisão suspensa, nos termos previstos no artigo 50.º do Cod. Penal;
m. Pois é esta, face aos pressupostos concretos que deve ter lugar e melhor responde às necessidades de prevenção especial de ressocialização, pois, não se fazem sentir, no caso concreto, razões de prevenção geral e especial que imponham o cumprimento de prisão efetiva;
n. Por fim deve também a matéria de facto ser alterada, considerando-se não provados os pontos 164, 177, 202, 217, 221, 235, 426, e considerado provada a matéria a que se referem as alíneas BBBB) (pág. 98), CCCC) (pág. 98), DDDD) (págs. 98 e 99), EEEE A HHHH, EEEEE E FFFFF (pág. 102), LLLLLLL) (pág. 109), MMMMMMM) (pág. 109 e 110), QQQQQQQ) (págs. 1l0 e 111).
(...)”.
Ora, o ónus de suscitação de uma questão de constitucionalidade pressupõe que se coloque o tribunal recorrido perante o dever de apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, havendo de concretizar-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.
Em conformidade com essa exigência, pode dizer-se que a questão de constitucionalidade deve ser concretizada de modo claro, direto e objetivo (cf. Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt): «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao ato de aplicação do Direito – concretizado num ato de administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal ato ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma (.
Perante tais considerações e tendo em conta o alegado pelo recorrente, pode agora concretizar-se que a mera arguição da nulidade de escutas telefónicas, ainda que eventualmente acompanhada da menção de que aquelas violam a Constituição, não densifica qualquer problema de constitucionalidade normativa, suscetível de consubstanciar o cumprimento do ónus processual subjacente ao recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
De facto, o que ressalta do discurso do recorrente é a mera discordância quanto ao juízo de validade das escutas telefónicas, sem que apareça aí controvertida sub species constitutionis a bondade material de qualquer critério normativo mobilizado – ou mobilizável – para decidir da questão: dizer-se que uma determinada escuta é nula por violação de normas jusfundamentais e por violação do disposto no artigo 187.º do C.P.P., não equivale a sustentar-se e a suscitar-se a inconstitucionalidade dessa mesma norma, porquanto tal alegação apenas opera ao nível da aplicação do direito ao caso.
Como a intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do julgamento – não sendo, admissíveis nesta sede os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais –, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, e como, em função disso, cabe ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de junho de 1994)], não tem aquele legitimidade para interpor recurso sem que tenha previamente cumprido o mencionado ónus, como resulta claramente do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, no qual se afirma, sob a epígrafe “legitimidade para recorrer”, que tais recursos “só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos deste estar obrigado a dela conhecer”.
5. Termos em que, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do presente recurso.
(…).
4. Perscrutados os autos, designadamente o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apresentado pelo reclamante, pode ver-se que aquele foi tão só interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, como veio a ser considerado na decisão sumária sob reclamação; na realidade, o reclamante, mau grado a confusão estabelecida no início daquele requerimento, na medida em que nele afirma apresentar recurso «… para apreciação da constitucionalidade dos artigos 187.º, n.º 1 e 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal. …», o certo é que nele conclui requerendo que « … V.ª Ex.ª … considere interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, …».
Daí que não pudesse tal recurso abranger as normas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, porquanto as mesmas não integram ou integravam a ratio decidendi do aresto de que se recorreu, ou seja, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim do despacho que não admitiu recurso para o STJ daquele acórdão e, bem assim, da decisão da reclamação, proferida neste último tribunal, oportunamente deduzida pelo reclamante.
Todavia, mesmo que pudesse entender-se, como parece pretender agora o reclamante, que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional tinha por objeto aquelas duas decisões – acórdão do Tribunal da Relação e decisão da reclamação proferida no STJ – sempre se haveria de considerar inadmissível o recurso sobre esta última decisão, porquanto se mostrava intempestivo (cfr. decisão sumária) por interposto após o trânsito dessa mesma decisão; aliás, a considerar-se tempestivo, então, o mesmo obstaria à interposição de recurso do acórdão do Tribunal da Relação pela simples razão de que só esgotado o recurso para o Tribunal Constitucional (se interposto) da decisão da reclamação proferida pelo STJ e na sua improcedência poderia aquele ser interposto e admitido, pois de outro modo haver-se-ia de concluir que, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da LTC, não ocorriam todos os requisitos de admissibilidade, desde logo o previsto no n.º 2 deste último artigo, ou seja, não caber já recurso ordinário da decisão em causa e de que se pretendia recorrer para o Tribunal Constitucional.
Por tais razões não pode, nesta parte, a reclamação deixar de improceder.
5. No que concerne ao recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação, ter-se-á que o, ora, reclamante não aduz qualquer argumento que possa colocar em crise os fundamentos subjacentes à decisão sumaria proferida e que imponha a sua alteração.
Efetivamente, pelas razões expendidas na decisão sumária reclamada, conclui-se que o reclamante não suscitou, por forma adequada e no momento próprio, uma verdadeira questão de constitucionalidade, a qual pressupõe, desde logo, como se deixou já afirmado na decisão sumária, ‘... que se coloque o tribunal recorrido perante o dever de apreciação da constitucionalidade de uma norma legal individualizada, concretizando-se o sentido desse preceito de modo a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual é o preceito e com que sentido ele não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição. ...’.
Aliás, concretizando, como se deixou também já expresso no âmbito da decisão sumária reclamada, ‘... a mera arguição da nulidade de escutas telefónicas, ainda que eventualmente acompanhada da menção de que aquelas violam a Constituição, não densifica qualquer problema de constitucionalidade normativa, suscetível de consubstanciar o cumprimento do ónus processual subjacente ao recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. ...’.
Tais razões conduzem, também, nesta parte, à improcedência da reclamação.
III. Decisão
6. Nos termos supra expostos, julga-se improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.
Lisboa, 23 de maio de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.