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Proc. nº 31/94
2ª Secção Rel.: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. O Provedor de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 281º, nº 1 e nº 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 53º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir.
Como fundamento do seu pedido, alega o requerente que tal norma viola o disposto nos artigos 56º, nº 1, 267º, nº 1,
e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição.
2. No essencial, alega o Provedor de Justiça o seguinte:
Constitui pois entendimento pací- fico que as associações sindicais têm le- gitimidade para participar em outros pro- cedimentos - processos burocráticos, nas palavras de Marques Guedes - para além do legislativo-laboral, do contratual ou do de representação em organismo de concer- tação social.
Logo, quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse legalmente protegido de uma pessoa enquanto 'trabalhador', será legí- timo concluir que nele poderá intervir a organização sindical que, como tal, a re- presente.
Independentemente de à associação sindical ser atribuída legitimidade acti- va 'per si', por via da aplicação do artº 12º, nº 2, da Constituição.
[...]
O princípio da participação dos interessados na Administração Pública é reconhecido pelo artº 267º, nº 1, da Constituição.
[...]
A participação dos cidadãos no processo de tomada das decisões adminis- trativas é, pois, imposição constitucio- nal e característica de uma Administração Pública Democrática.
Permite aos administrados a pro- tecção dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
[...]
Isto significa que a garantia dos direitos fundamentais exige, para a sua realização, uma participação por via do procedimento.
[...]
Assim, o princípio de participa- ção, constitui, antes de mais, um direito activo dos cidadãos, cujo exercício deve ser assegurado pela Administração.
[...]
Nestes termos, parece legítimo concluir que o legislador ordinário, ao não obedecer aos ditames do hodierno princípio da administração participada, negando às associações sindicais legiti- midade quer para iniciar, quer para in- tervir no procedimento, restringe, de facto, o consequente direito de par- ticipação.
E conclui:
Assim, a norma legal 'sub judice' não se conforma aos objectivos que pre- sidem ao próprio procedimento adminis- trativo.
Fica pois demonstrado que a res- trição introduzida pelo artº 53º, nº
1, 'in fine' do Código do Procedimento, não se funda na Constituição, nem expressa, nem implicitamente.
[...]
De acordo com o exposto, apre- senta-se como conclusão pacífica o facto de o legislador ordinário negar legiti- midade activa às associações sindicais, afastando-as do procedimento adminis- trativo, contrariando desse modo as pre- missas subjacentes à solução 'de jure condito' constitucionalmente recebida.
3. Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da L.T.C. (Lei do Tribunal Constitucional), o Primeiro-Ministro pronunciou-se no sentido da plena constitucionalidade da norma em causa.
Na sua resposta, entende o Primeiro-Ministro que não se verifica qualquer inconstitucionalidade e que o «iter argumentativo» do Provedor de Justiça assenta em «premissas incorrectas» e num «equívoco metodológico».
Este equívoco verifica-se, segundo o Primeiro- -Ministro, na interpretação feita dos preceitos constitucionais invocados, concretamente dos artigos 56º, nº 1, e 267º, nº 1, entendendo que dos mesmos não promana o sentido normativo que lhes é dado pelo Provedor de Justiça.
Assim, pode ler-se na resposta:
Os sindicatos são, de acordo com a definição que surge na alínea b) do ar- tigo 2º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril (Lei Sindical), associações per- manentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio-pro- fissionais. São, por conseguinte, pessoas colectivas constituídas para a pros- secução de certo escopo (defesa e promo-
ção dos interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam). Por seu turno, o substrato pessoal destas pessoas colectivas (do género associa- tivo) é constituído por certa categoria profissional - ou seja, como se lê na alínea g) do mesmo artigo 2º, por um 'conjunto de trabalhadores que exercem a mesma profissão, ou se integram na mesma actividade, ou que exercem profissões ou se integram em actividades de caracte- rísticas globalmente afins entre si diferenciadas de todas as demais'.
Da conjugação destes elementos, resulta o entendimento de que o escopo dos sindicatos se traduz na defesa e pro- moção dos direitos e interesses dos tra- balhadores enquanto integrados em certa categoria profissional (ou, como muitas vezes se designa, categoria sindical). Este escopo tem, portanto, uma dimensão colectiva.
[...]
Quer dizer: os sindicatos encon- tram-se legitimados, nos termos das nor- mas materiais e das convenções respecti- vas, para representar os seus associados. Nestes casos, a legitimidade procedimen- tal é assegurada pelo nº 1 do artigo 53º ao reconhecer tal legitimidade aos titu- lares de direitos ou interesses legíti- mos. Não existe, em consequência, qual- quer limitação a essa representatividade.
O que o preceito em apreço faz é impedir que os sindicatos e partidos políticos venham a intervir em qualquer procedimento relacionado com os seus associados relativamente a matérias que nada têm que ver com a ratio associativa.
[...]
Cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
4. O questionado nº 1 do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo dispõe o seguinte:
Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para inter- vir nele os titulares de direitos sub- jectivos ou interesses legalmente prote- gidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam vir a ser tomadas, bem como as associações sem carácter político ou sindical que tenham por fim a defesa desses interesses.
Entende o Provedor de Justiça que este preceito viola os referidos artigos 56º, nº 1, 267º, nº 1 e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição.
São as seguintes as disposições pertinentes desses artigos: Artigo 56º
(Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)
1. Compete às associações sindi- cais defender e promover a defesa dos di- reitos e interesses dos trabalhadores que representem.
[...] Artigo 267º
(Estrutura da Administração)
1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a buro- cratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de asso- ciações públicas, organizações de mora- dores e outras formas de representação democrática.
[...] Artigo 18º
(Força jurídica)
1. [...]
2. A lei só pode restringir os di- reitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao ne- cessário para salvaguardar outros direi- tos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direi- tos, liberdades e garantias têm de reves- tir carácter geral e abstracto e não po- dem ter efeitos retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
5. Objecto do presente processo é saber se a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo - intervenção expressamente excluída pela parte final da norma constante do artigo 53º, nº 1, do CPA - se encontra constitucionalmente protegida, por forma a que seja vedado ao legislador ordinário impossibilitá-la.
Colocam-se, na verdade, duas questões:
- a da intervenção das associações sindicais para defesa e representação dos interesses colectivos que naturalmente prosseguem;
- a da intervenção das mesmas para a defesa colectiva dos interesses individuais dos seus representados.
6. Os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e promoção dos seus interesses sócio--profissionais. Trata-se, pois, de associações voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo
56º, nº 1, da Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.
O artigo 56º da CRP, no seu nº 2, enumera certos direitos específicos das associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos económico-sociais, e representação nos organismos de concertação social. Mas não se esgotam aí os fins e objectivos destas associações.
Efectivamente, como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, revista, 1993, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 56º):
Os direitos das associações sin- dicais previstos neste artigo não são to- dos exclusivos delas, nem muito menos es- gotam os seus direitos. Não são exclu- sivos, porque alguns deles são compar- tilhados pelas CTs (v. nota I ao artigo 54º). Não esgotam os direitos das asso- ciações sindicais, porque a própria Cons- tituição prevê outros, e nada impede que outros sejam atribuídos por lei.
Ora, o nº 1 deste artigo 56º, ao afirmar que 'compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem', não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
7. De resto, esta actuação colectiva dos sindicatos para defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores há-de revelar-se decisiva em múltiplos aspectos de intervenção social, nomeadamente no âmbito das condições de trabalho.
Por exemplo, no domínio das atribuições cometidas ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), regulado pelo Decreto-Lei nº 219/93, de 16 de Junho - no qual a Inspecção-Geral do Trabalho
(IGT) passou, desde então, a estar integrada, como serviço central do mesmo -, mal se compreenderia que as associações sindicais não dispusessem da faculdade legal de fazer desencadear os procedimentos tendentes à intervenção daqueles serviços no que se refere, designadamente, ao exercício das seguintes competências, previstas, quanto à IGT, no artigo 13º daquele diploma:
a) Fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e con- vencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio ao emprego e à protec- ção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a segurança social;
b) Fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho;
c) Aprovar e fiscalizar o cumpri- mento dos regulamentos internos das em- presas;
[...]
Em todos estes casos se prevê uma actividade administrativa - embora de tipo fiscalizador ou inspectivo - que supõe a existência de um procedimento administrativo. Ora, excluir a possibilidade de as associações sindicais promoverem o início desse procedimento administrativo, ou de nele intervirem, em matérias como as referidas, significaria uma amputação inaceitável dos poderes que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece, e, portanto, lhes são garantidos, no nº 1 do artigo 56º.
8. Entende o Primeiro-Ministro que a disposição em causa - a norma constante do artigo 53º do CPA -, não retira a legitimidade procedimental aos sindicatos; antes, esta legitimidade seria «assegurada pelo nº 1 do artigo 53º ao reconhecer tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos».
A verdade, porém, é que há que distinguir entre os direitos e interesses das próprias associações sindicais - nomeadamente aqueles que pertencem a qualquer pessoa colectiva ou aqueles que lhes são especificamente reconhecidos pela Constituição ou a lei, como por exemplo nos nºs 2 e 3 do artigo 56º da CRP - e os direitos e interesses colectivos dos trabalhadores, e não já das associações sindicais, que a estas apenas cabe defender em nome e representação daqueles. Ora, a intervenção no procedimento administrativo por parte de 'associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos' cabe na parte final do nº 1 do artigo 53º do Código, tal como a das associações que tenham por fim a defesa de interesses difusos é tratada no nº 3 do mesmo artigo (cfr. Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Almedina, 1995, pág. 96). Só que a norma em apreço cria uma excepção a tal legitimidade das associações que tenham por fim a realização de interesses colectivos quando, expressamente, na sua parte final, apenas admite a intervenção das «associações sem carácter político ou sindical».
De tal previsão resulta, pois, inequivocamente, a exclusão da legitimidade das associações sindicais para, na defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores que representam, desencadearem o procedimento administrativo e nele intervirem.
Ora, impossibilitar esse tipo de actuações no âmbito do procedimento administrativo revela-se manifestamente inconstitucional, por violação do artigo
56º, nº 1, da CRP.
9. Poderia, apesar de tudo, aquela exclusão ser justificada por razões atinentes à especial natureza ou conformação dos interesses em jogo no procedimento administrativo?
Também aqui a resposta só poderá ser negativa.
Com efeito, no nº 4 do artigo 267º da Constituição prevê-se que o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, a qual, além do mais, deverá assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito, tendo estes ainda direito, nos termos do artigo 268º, nº 1, a serem informados, quer sobre o andamento dos processos em que sejam interessados, quer ao acesso aos arquivos e registos administrativos.
Aquele artigo 267º, nº 1, estabelece, pois, o princípio da participação dos interessados na Administração. Este é, inequivocamente, um imperativo constitucional que há-de encontrar no Código de Procedimento Administrativo a sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu.
10. Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente consagrada a finalidade da intervenção sindical, o artigo
53º do CPA, do qual consta a norma em apreciação, vem inequívocamente impedir, ainda, que as associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo.
Também aqui se configura uma restrição clara e injustificada aos direitos dos sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhes são constitucionalmente cometidos.
Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no Acórdão nº 75/85, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º volume, pp. 200), a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
11. A este propósito, pode ler-se no citado Acórdão nº 75/85:
Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma que obrigatoriamente deve revestir a apresen- tação e defesa dos interesses individuais de cada trabalhador.
E, mais concretamente, ao determi- nar-se que a apresentação e defesa de tais interesses terá de ser feita di- rectamente pelos próprios, exclui-se ne- cessariamente a defesa colectiva de inte- resses individuais, designadamente atra- vés da intervenção das associações sindicais.
Todavia, quando a Constituição no nº 1 do seu artigo 57º [actual artigo 56º] reconhece a estas associações compe- tência para defenderem os direitos e in- teresses dos trabalhadores que repre- sentem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.
Com efeito, a liberdade sindical não se esgota na faculdade de criar associações sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interessses perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação colectiva e, também, na possibilidade de, também colectivamente - porque só assim podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho - assegurarem o cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria negociação colectiva. É que, na verdade, a actividade sindical não confina à mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na defesa dos respectivos direitos jurídicos, consagrados na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva das relações laborais, e esta última defesa exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representam, principalmente quando se trate de direitos indisponíveis (cfr. artigo 6º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho).
Parece evidente que - maxime quando se esteja perante direitos disponíveis - a lei poderá e deverá prever, numa razoável ponderação entre os interesses de cada trabalhador e os interesses de uma certa categoria ou grupo de trabalhadores, que a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo se possa exercitar, em certos casos, de forma meramente coadjuvante ou subordinada, quando estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Tal, porém, não significa que se possa, pura e simplesmente, excluir os sindicatos, como ocorre na norma questionada.
Sendo esta a interpretação daquele dispositivo constitucional que aqui se perfilha, e não existindo, assim, quaisquer fundamentos para nos desviarmos da jurisprudência firmada no já mencionado Acórdão nº 75/85, forçoso
é concluir, também nesta perspectiva, pela inconstitucionalidade da norma em causa, na parte impugnada.
III - DECISÃO
12. Nestes termos, decide-se declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade - por violação do artigo 56º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa - da norma constante do nº 1 do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 1997 Luis Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Dinis Aberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves (com declaração de voto)
As normas do artigo 55º [liberdade sindical] e do artigo 56º
[direitos das associações sindicais] não têm uma idêntica estrutura. A primeira norma, do artigo 55º, consagrando a liberdade sindical, afirma um direito subjectivo fundamental: o de os trabalhadores se organizarem e agruparem no sentido da defesa dos seus direitos. A segunda norma, do artigo 56º, sobre as associações sindicais, tem uma dimensão institucional e orgânica, uma dimensão organizatório-representativa, afirmando a competência dos sindicatos.
À natureza de norma garantidora de posições subjectivas fundamentais, que é própria do artigo 55º, contrapõe-se a natureza de norma atributiva de competências, que é própria do artigo 56º: a primeira norma tem em si uma pretensão de máxima efectividade a que deve ater-se o método de interpretação e que não está presente na segunda. Ou seja, uma norma constitucional sobre a liberdade sindical tem uma dimensão de liberdade, ao passo que uma norma constitucional sobre os direitos das associações sindicais tem uma dimensão de competência, e isso tem implicações no método de interpretação.
Ora, a tese do acórdão internaliza em certo momento (cf. ponto 11) uma ideia de expansividade necessária dos desideratos da norma do artigo 56º radicada na força de princípio da norma do artigo 55º.
Subscrevi a decisão do acórdão em homenagem à eventualidade de as múltiplas situações de vida se coadunarem, no procedimento administrativo, com as tarefas constitucionalmente reconhecidas às associações sindicais. Mas tenho para mim que é diferente a estrutura das duas normas como é diferente o método de interpretação que a cada uma delas corresponde. A afirmação constitucional de um direito de liberdade não é igual à afirmação constitucional das formas que o organizam. Daí que à optimização dos mandados do artigo 55º não corresponda necessariamente uma optimização dos mandados do artigo 56º.
(Maria da Assunção Esteves) Bravo Serra (Admitindo que a interpretação que no Acórdão se faz sobre a norma constante do nº1 do artº 53º do Código de Procedimento Administrativo é a mais curial e razoável,l entendo que tal norma só é inconstitucional na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo nos casos em que tais associações pretendam proceder
à defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores, entendimento este que perfilho, em essência, pelas razões que foram carreadas à declaração de voto exarada pelos Ex.mos Conselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento no Acórdão nº75/85). Messias Bento (vencido,em parte. De acordo com a declaração de voto que apus no acórdão nº 75/85, entendo que o artigo 56º, nº1, da Constituição não vai ao ponto de impor ao legislador que atribua legitimidade aos sindicatos para a defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, no âmbito do procedimento administrativo.
Entendo, por isso, que, nessa parte, o artigo 53º, nº1, do Código de Procedimento Administrativo não é inconstitucional). Vitor Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração de voto que junto)
Acompanhei a maioria na parte em que entendeu ser inconstitucional a negação, consagrada na norma apreciada com alcance genérico da legitimidade das associações sindicais quanto à defesa dos interesses colectivos, sem prejuízo de entender ser permitido ao legislador concretizar, especificando, as matérias sobre as quais é admitida a intervenção procedimental daquelas associações e o respectivo regime.
Já não pude acompanhar a maioria na parte em que estendeu o juízo de censura à defesa de interesses individuais dos trabalhadores. É certo que, quanto à defesa de direitos individuais, a solução acolhida na lei não foi objecto do juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão. Contudo, a legitimidade que a contrario se reconhece às associações sindicais para a defesa de interesses individuais - leia-se de «interesses individuais legalmente protegidos» - dos trabalhadores que representam implica uma compressão da autonomia privada individual que não aceito.
Essa compressão torna-se patente sobretudo quando parece reconhecer-se às associações sindicais o poder de iniciar o procedimento, independentemente não só de solicitação nesse sentido formulada pelo interessado como da própria anuência deste. Sublinho que, desta forma, se atribuem às associações sindicais mais do que poderes de representação legal, solução que sempre seria de fundamentação altamente problemática, atendendo a que não estamos perante o suprimento de situações de incapacidade de exercício do trabalhador. Vai-se muito além da atribuição de poderes de representação legal porque se procede a uma verdadeira transferência da titularidade de interesses. Também o poder de intervir, conferido às associações, se e enquanto se processar nos termos expostos, incorre nos mesmos vícios.
Entendeu-se no presente acórdão que o nº 1 do artigo 56º assegura aos trabalhadores 'a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, atarvés das suas associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais'. É nesta afirmação de princípio que começaram por radicar as minhas reservas, desde logo atinentes à debilidade do raciocínio a contrario nela expresso, e que também incidem sobre a conclusão contida na obra doutrinal extractada e transcrita, segundo a qual 'nada impede que outros [querem aí referir-se direitos das associações sindicais] sejam atribuídos por lei'. Que outros direitos ? Sem limites ou com limites ? A partir daqui e face à argumentação desenvolvida, as minhas reservas evoluíram para discordâncias quanto à solução obtida a final. Fernando Alves Correia (vencido em parte e pelo essencial dos fundamentos adiantados pelos Ex.mos Conselheiros Bravo Serra e Messias Bento).
José Manuel Cardoso da Costa (Fiquei com alguma dúvida sobre se a norma questionada não garante já a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo, em defesa dos 'interesses colectivos' dos trabalhadores. Mas admitindo que a resposta negativa a tal dúvida corresponda, digo, coincidente com a interpretação do precedente acórdão, corresponda - para usar as palavras do Ex.mo Conselheiro Bravo Serra - ao entendimento 'mais curial e razoável' do preceito, de todo o modo sempre não votei a inconstitucionalidade deste último, na parte que exclui a legitimidade daquelas associações para intervirem no dito procedimento em defesa dos 'interesses individuais' dos trabalhadores. E isto pelas razões constantes da declaração de voto que juntei ao Acórdão nº 75/85).