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Processo n.º 153/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e B. interpuseram recurso do acórdão do Tribunal da Comarca de Vila do Conde (1.º Juízo Criminal), que os condenara em pena de prisão pela prática de crimes de burla qualificada, para o Tribunal da Relação do Porto. Por acórdão de 21 de setembro de 2011, foi negado provimento, confirmando-se a sentença da 1ª Instância.
Recorreram deste acórdão para o Tribunal Constitucional, mas o recurso não foi admitido por despacho do seguinte teor:
«Os arguidos apresentaram requerimento do seguinte teor: “. . .em face da notificação do douto Acórdão proferido por este Venerando Tribunal, vêm, nos termos conjugados dos arts. 400º f) do Código de Processo Penal, 280º, n.°1 b) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e, entre outros, artigos 70º e segst interpor recurso para o Tribunal Constitucional . . . por clara violação das garantias de defesa do arguido, plasmadas na constituição, artigos 18º, 20º, e 34º, n.º 1 e n.º 4 ... e violação da intimidade da vida privada, princípio constitucionalmente defendido no n.°1 do art. 26° C.R.P. e violação do art. 20º da CRP
Invoca o artigo 70º, n.º 1 nomeadamente as alíneas e) e f) de diploma que não especifica.
Liminarmente se dirá que não se mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Vejamos:
Art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional]:
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
(...)
e) que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
Refere o requerente que as “questiones” das constitucionalidades foram aventadas no Acórdão em recurso, nas alegações de recurso trazidas a este Venerando Tribunal pelos recorrentes, assim como, aquando da arguição da nulidade e correcção/reforma do Acórdão, mediante requerimento autónomo».
Compulsados os autos verifica-se que nas conclusões da alegação de recurso para a Relação – momento oportuno e local próprio para o fazer – não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade de qualquer norma.
Donde se conclui que o recorrente não deu tempestivamente cumprimento ao ónus, previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º e n.º 2 do art.º 72º da LTC, de suscitar de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade.
Conclui-se assim que não se mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, pelo que o mesmo vai indeferido, art.º 76º nºs 1 e 2 da LTC.»
2. Os recorrentes reclamaram deste despacho, nos termos dos artigos 76.º, n.º 4 e 78.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sustentando o seguinte:
«1. A factualidade contida no relatório social, serviu de sustentação aos sucessivos Acórdãos condenatórios, tal entendimento, salvo melhor opinião, ao cercear, flanqueando, as garantias de defesa do arguido, previstas nos artigos 355º, 356º, 357º, 369º e 370º do C.P.P. bem como, restringindo o princípio do contraditório, da proporcionalidade e do direito a um processo justo e equitativo constitui a materialização de uma clara violação das garantias de defesa do arguido, plasmadas na Constituição, artigos 18º, 20º e 34º n.º 1 e n.º4.
2. Por conseguinte, tendo o juízo de culpa e a moldura penal em causa sido afectados por tais elementos – Relatório Social – a violação dos princípios constitucionais acima referenciados (da proporcionalidade, igualdade, justiça, contraditório e do processo equitativo) torna-se por demais evidente.
3. Por outro lado, com a devida vénia, a valoração de factos contidos no referido relatório social, artº 1 f) CPP (informação sobre a inserção familiar sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos neste diploma) inobservando-se, como acima se diz, os seus requisitos de contraditoriedade e solicitação ofendem a reserva da intimidade da vida privada e familiar, nos termos do artigo/princípio constitucionalmente defendido no n.º 1 do art.º 26 C.R.P.
4. Os factos constantes dos relatórios sociais foram integrados na matéria de facto provada, sem que os recorrentes tivessem oportunidade de os questionar e de desvalorizar, por terem sido entregues no fim do julgamento e não se encontrarem em Tribunal os seus autores, nem terem sido notificados para tal.
5. É manifesta a inconstitucionalidade da interpretação de que o artigo 355º do C.P.P. consente a seriação da factualidade para efeitos da própria imputação penal.
6. A recorrente B. depositou quantia que abrangia as taxas de justiça e multa do artigo 145º do C.P.C., no que respeita ao recurso para a 2ª instância.
7. A recusa do recurso pelo facto haver irregularidade contabilístico/formal configura a violação do direito ao recurso, valor nuclear do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva – art.º 20 C.R.P.
8. Foram violados os artigos 18º, 20º, n.º1 e do artigo 26º e n.º1 e n.º4 do art.º 34 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 355.º, 356.º, 357.º, 369.º e 370.º do C.P.P.»
3. Após diligências instrutórias, o Ministério Público responde no sentido de que a reclamação deve ser indeferida, porque em nenhum ponto do seu recurso para o Tribunal da Relação, anteriormente a ter sido proferido o acórdão recorrido, se encontra qualquer referência a uma questão de inconstitucionalidade.
4. O despacho reclamado tratou o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade como interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e não o admitiu com fundamento em que os recorrentes não deram tempestivamente “cumprimento ao ónus, previsto na alínea b) do n.º 1 do artº 70.º e n.º 2 do art.º 72.º da LTC, de suscitar de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade”.
Com efeito, o recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem como pressuposto que o interessado haja suscitado a questão de inconstitucionalidade que quer ver apreciada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Ora, nem na motivação do recurso para a Relação, nem em qualquer outra intervenção no processo anterior à prolação do acórdão recorrido, se vislumbra a colocação de qualquer questão de constitucionalidade (vide, fls. 1380 e segs.).
Aliás, os reclamantes nem sequer apresentam agora uma argumentação, com um mínimo de consistência jurídica, em que procurem demonstrar o contrário do que foi considerado no despacho de que reclamam. Efetivamente, numa vaga aproximação à questão do cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, dizem que ao arguirem que a consideração dos relatórios sociais violara o princípio do contraditório e constituíra devassa da vida privada “tinham presente o princípio ‘jura novit cúria’, isto é , das referidas conclusões retira-se a impossibilidade da formação da convicção do Tribunal com base na utilização do conteúdo vertido nos referidos relatórios, violador das normas legais, na interpretação dada, por colidir com os princípios constitucionais do contraditório, da proporcionalidade e do direito a um processo equitativo”. Sucede que uma argumentação desse género nunca seria modo idóneo de colocar uma questão de constitucionalidade normativa. Ao exigir a suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal da causa como requisito de acesso ao Tribunal Constitucional, a Constituição [alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP] e a Lei [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC] não se contentam com o princípio jus novit curia, designadamente em matéria de constitucionalidade. Exigem que o interessado confronte o tribunal com a pretensão de desaplicação de determinada norma jurídica com fundamento em desconformidade com a Constituição.
Deste modo, sem necessidade de examinar outras questões que igualmente poderiam conduzir a que o recurso não pudesse ser admitido, a reclamação tem de ser indeferida, confirmando-se o despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os recorrentes nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça, individualmente.
Lisboa, 2 de maio de 2012.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.