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Processo nº 622/96 Conselheiro Messias Bento
(Conselheiro Sousa e Brito)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A empresa A., nos autos de recurso, que havia interposto da sentença do Juiz do Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa que julgara improcedente a impugnação por si apresentada contra o acto de liquidação de receitas tributárias aduaneiras (direitos niveladores), praticado pelo CHEFE DO SERVIÇO DE DESPACHO DA ALFÂNDEGA DE LISBOA, recorre para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que negou provimento àquele recurso.
A recorrente, que funda o recurso nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - para além de invocar a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº 530/94 -, diz que suscitou 'a inconstitucionalidade da norma instituidora dos direitos niveladores (DL 513/85, de 31/12)', nas alegações que apresentou naquele Supremo Tribunal.
2. Nas alegações que produziu neste Tribunal, a recorrente disse, entre o mais:
(...) Compulsada a lei conclui-se que a taxa dos direitos niveladores que vigorava em 9 de Setembro de 1987, foi publicitada em conformidade com o mecanismo previsto na Portaria nº 238/87, de 7/4, nº 2. Através do acórdão nº 530/94 (...) foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma. Consequentemente, o douto aresto recorrido está em colisão com o referido acórdão O acto de liquidação (...) é relativo a direitos niveladores incidentes sobre a importação de queijo. Tal importação ocorreu durante a vigência da Portaria nº 283/87, de 7/4, cujo nº
2 foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral. Termos em que se reitera o pedido de declaração de inconstitucionalidade da referida norma (...).
3. Corridos e vistos - e com mudança de relator -, cumpre decidir: e, desde logo, se deve ou não conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
4. O recurso foi, como se referiu, interposto ao abrigo das alínea b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo a recorrente indicado, para serem submetidas ao confronto com a Constituição, as normas do Decreto-Lei nº 513/85, de 31 de Dezembro, e, como decisão anterior do Tribunal, o acórdão nº 530/94.
Vejamos, então:
4.1. O recurso, enquanto fundado na alínea b):
Pressupostos do recurso da mencionada alínea b) são, entre outros, os seguintes:
(a). Ter a recorrente suscitado a inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada por este Tribunal, sub specie constitutionis, durante o processo;
(b). Ter a decisão recorrida aplicado essa norma como sua ratio decidendi.
No caso, a recorrente, nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitou a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº
513/85, de 31 de Dezembro. E algumas normas deste diploma legal foram aplicadas no julgamento do caso.
Acham-se, por isso, verificados os apontados pressupostos do recurso, enquanto fundado na citada alínea b).
Acontece, porém, que a recorrente - que, no requerimento de interposição do recurso, indicou, como objecto do mesmo, o Decreto-Lei nº
513/85, de 31 de Dezembro -, nas alegações que apresentou neste Tribunal, abandonou a pretensão de ver apreciada a constitucionalidade desse diploma legal e indicou a Portaria nº 283/87, de 7 de Abril, para ser sujeita ao julgamento de constitucionalidade.
Ora, o objecto do recurso constitucionalidade define-se no respectivo requerimento de interposição (cf. artigo 684º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
O artigo 75º-A desta lei exige, mesmo, que o recorrente indique 'a norma cuja inconstitucionalidade (...) pretende que o Tribunal aprecie'.
O objecto do recurso, assim definido inicialmente, pode, depois, ser pela recorrente restringido nas conclusões da alegação (cf. o nº 3 do citado artigo 684º). O que não pode é ser ampliado, modificado ou substituído por outro.
Face ao abandono pela recorrente da pretensão de ver apreciada a constitucionalidade das normas do Decreto-Lei nº 513/85, de 31 de Dezembro, que a decisão recorrida aplicou, há que concluir que o recurso interposto, enquanto fundado na mencionada alínea b), ficou sem objecto, por isso que o Tribunal, com esse fundamento, dele não possa conhecer.
4. 2. O recurso, enquanto fundado na alínea g):
Pressupostos do recurso da referida alínea g) são, entre outros, os seguintes:
(a). Ter este Tribunal (ou a Comissão Constitucional) julgado inconstitucional determinada norma jurídica;
(b). Ter a decisão recorrida aplicado essa norma no julgamento do caso.
Este Tribunal, no acórdão nº 530/94 (publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Novembro de 1994), declarou 'a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que se contém no nº
2º da Portaria nº 283/87, de 7 de Abril, por violação do artigo 122º, nº 3, da Constituição da República (versão de 1982)'. E a importação que motivou a liquidação de direitos niveladores ocorreu durante a vigência dessa Portaria.
Apesar disso, porém, o Tribunal não pode conhecer da questão de constitucionalidade relativa a esta Portaria.
De facto, a recorrente, no requerimento de interposição do recurso, invocando, embora, a existência daquele acórdão nº 530/94, não indicou a norma do nº 2º da mencionada Portaria para ser apreciada pelo Tribunal.
Tal norma não constitui, por isso, objecto do recurso.
Ora, Tribunal tem decidido que o cumprimento dos ónus impostos pelo artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional - entre eles, no caso do recurso da alínea g), a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e, bem assim, a identificação da decisão do Tribunal que, com anterioridade, julgou inconstitucional essa norma, aplicada pela decisão recorrida - não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos essenciais ao conhecimento do objecto do recurso (cf, entre outros, o acórdão nº
462/94 (publicado no Diário da República, II série, de 21 de Novembro de 1994) e, mais recentemente, o acórdão nº 200/97 (por publicar)].
Regista-se ainda que - para além do facto de, como se disse já, a recorrente ter abandonado a pretensão de ver apreciada a constitucionalidade das normas do Decreto-Lei nº 513/85, de 31 de Dezembro - elas também nunca poderiam constituir objecto do recurso interposto com fundamento na alínea g). E isto, porque o citado acórdão nº 530/94, indicado pela recorrente como acórdão-fundamento, não julgou essas normas inconstitucionais, nem declarou a sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.
Não se verificam, pois, os pressupostos do recurso de constitucionalidade, enquanto fundado na mencionada alínea g), por isso que, também com esse fundamento, dele se não possa conhecer.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do recurso e condenar a recorrente nas custas, com cinco unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Março de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida
Declaração de Voto
Votei vencido por entender que a alegação pode ser interpretada em função do requerimento de interposição do recurso e vice-versa, e uma e outra em função da decisão recorrida, e que essa interpretação é da competência do Tribunal Constitucional. Neste caso a questão a decidir só poderia formular-se completamente invocando, quer a portaria nº 283/87, quer o Decreto-Lei nº
513/85. Ora a invocação no requerimento da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional implica a referência ao nº 2 da Portaria nº
283/87, sobre que incidiu o acórdão anterior do Tribunal Constitucional. Pelo que deverá entender-se que essa norma da Portaria integra o objecto do recurso.
Com efeito, importa ter presente que a Portaria nº 283/87 se limita a reunir o regime regulamentar dos chamados direitos niveladores no
âmbito da organização do mercado para os sectores do leite e dos produtos lácteos (DL nº 513/85, de 31 de Dezembro), das aves e dos ovos (DL nº 514/85, de
31 de Dezembro), da carne de bovino (DL 515/85, de 31 de Dezembro), vitivinícola
(DL nº 517/85 de 31 de Dezembro) e das frutas e produtos hortícolas frescos (DL nº 519/85, de 31 de Dezembro), mostrando-se, por isso, tal Portaria nº 283/87 como inteiramente dependente dos diplomas (caso do DL nº513/85) que estabelecem a sujeição aos direitos niveladores.
Valem, pois, aqui, inteiramente, os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº
530/94, relativamente ao nº 2 da Portaria nº 283/87, sendo certo que os direitos niveladores aqui em causa foram igualmente publicitados pela 'forma inidónea' prevista neste.
Haveria, assim, que conceder provimento ao recurso.