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Procs. 231/93 e 271/93 Plenário Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. O Procurador-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional, em 6 de Abril de 1993, nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea c), e nº 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 68º, nº 1, 74º, nº 1, alínea b), 75º, 88º, nº 2, alínea a), e 89º do Decreto-Lei nº
59/93, de 3 de Março (diploma que dispôs inovatoriamente sobre o novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional), e do artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81, de 3 de Setembro (diploma que deu nova redacção a várias disposições das Leis nºs 82/77, 85/77 e 39/78, respectivamente de 6 e 13 de Dezembro e 5 de Julho, e do Decreto-Lei nº 269/78, de 1 de Setembro).
Em síntese, a argumentação do Procurador-Geral da República assenta nas seguintes premissas:
1.1. Os artigos 74º, nº 1, alínea b), 75º, 88º, nº 2, alínea a) e 89º do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março, prevêem a criação de centros de instalação para estrangeiros que se encontrem ilegalmente em território nacional até ser efectivada a sua expulsão do nosso país. Esta instalação dos estrangeiros em centro próprio, a decretar pelo juiz com competência para decisão do processo de expulsão, surge como uma medida de coacção diversa das expressamente previstas no Código de Processo Penal, e, como tal, configura uma nova restrição do direito à liberdade dos indivíduos, constitucionalmente consagrado no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa, estando o seu regime orgânico e material subordinado aos parâmetros constitucionais aplicáveis. Assim sendo, a criação da medida de recondução dos estrangeiros aos centros de instalação enquanto aguardam a efectivação da expulsão padece: a) de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que a lei de autorização em que o Governo se apoiou – Lei nº 13/92, de 23 de Julho – não previa, no artigo
2º, alínea f), a sua instituição. Tratando-se de uma restrição a um direito de liberdade, o Governo não poderia legislar sem se encontrar munido da respectiva autorização, sob pena de incompetência – cfr. o artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989); b) de inconstitucionalidade material, uma vez que configura uma medida restritiva não prevista na Constituição da República Portuguesa, violando os artigos 15º, 18º, nº 2, e 27º, nº 3, alínea b), da Constituição. Além disso, o facto de se remeter a regulamentação a que ficarão sujeitos os centros de instalação para a forma regulamentar (a aprovar pelo Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), nos termos do artigo 89º, nº 2, do Decreto-Lei nº
59/93, é também susceptível de sanção do ponto de vista constitucional, pois colide com os princípios da reserva de lei material no estabelecimento de restrições a direitos, liberdades e garantias, e com o princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade, e ainda com o disposto no artigo 115º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa (proibição de deslegalização);
1.2. O artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março, determina a aplicação automática da pena de expulsão como consequência necessária da condenação em certas penas. Esta disposição contraria frontalmente a proibição derivada do artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, pois 'ao estabelecer [a norma do artigo 68º, nº 1] uma conexão automática entre a condenação por crime doloso em pena de prisão com as durações nele indicadas, afronta o princípio da necessidade das penas e a exigência de proporcionalidade entre o crime e a pena, decorrente do princípio da culpa.' Daí a sua inconstitucionalidade material. Em relação a esta última norma – o artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/93, de
3 de Março –, o Procurador-Geral da República conclui da forma seguinte:
'8. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº
59/93 terá por efeito a repristinação do artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81, de 3 de Setembro, que aquele revogara (artigo 116º, alínea a)). Porém, o artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81 é de teor semelhante ao do artigo
68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/93, com a única ressalva de, na sua alínea c), se ter substituído a expressão «condenado a pena maior» pela expressão
«condenado em pena superior a 3 anos de prisão», pelo que são aqui inteiramente procedentes os mesmos fundamentos que conduziram à tese da inconstitucionalidade do preceito do Decreto-Lei nº 59/93. Termos em que, na pressuposição da declaração de inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 68º do Decreto-Lei nº 59/93, desde já se requer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81, por violação do artigo 30º, nº 4, da Constituição.'
2. Por seu turno, um Grupo de Deputados à Assembleia da República, integrando o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, requereu também, ao abrigo do artigo 281º, nº 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 68º,
74º, 75º, 83º, nº 2, 87º, nº 2, e 89º do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março. A motivação aduzida repete os fundamentos invocados pelo Procurador-Geral da República quanto às normas dos artigos 68º, 74º, 75º e 89º do referido Decreto-Lei, surgindo mais duas normas qualificadas como inconstitucionais: os artigos 83º, nº 2 e 87º, nº 2 do diploma citado. A sua inconstitucionalidade – material – é caracterizada como segue:
'[...] O artigo 83º, nº 2, e o artigo 87º, nº 2, na medida em que prevêem expressa ou implicitamente que os recursos interpostos das decisões de expulsão têm efeito meramente devolutivo são materialmente inconstitucionais. O facto dos recursos das decisões de expulsão não terem efeito suspensivo – em contraste com o que está estabelecido para os recursos das decisões de expulsão de nacionais dos Estados-membros da Comunidade Europeia – artigo 28º, nº 2, do Decreto-Lei nº 60/93, de 3 de Março, violam o direito à tutela judicial efectiva. Este direito implica o direito de recurso a um tribunal, designadamente contra os actos da Administração que lesem os interesses legalmente protegidos (artigos 20º e 268º, nºs 4 e 5 da Constituição), em termos de a decisão a proferir pelo tribunal ter efeitos práticos úteis para o interessado, e de a este serem garantidos meios adequados para fazer valer a sua pretensão, nomeadamente no domínio da produção de prova. Esta garantia constitucional é totalmente eliminada nos citados artigos, pois o recorrente, afastado do país, não estará em condições, designadamente ao nível da recolha e produção de prova, de fazer valer eficazmente a sua pretensão, em contraste com os meios de que dispõe a Administração.'
Ao abrigo do artigo 64º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, este segundo pedido (proc. nº 271/93) foi incorporado no primeiro processo, por respeitar a questão idêntica.
3. O Primeiro Ministro foi devidamente notificado para apresentar uma
única resposta aos dois pedidos, com base no disposto nos artigos 54º, 64º, nº
3, e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Nas conclusões da sua resposta, afirmou o seguinte:
'A. O Regime de Instalação Temporária, determinado para estrangeiros e apátridas na situação de expulsandos, constitui uma medida de coacção de natureza detentiva, com carácter mais favorável do que a da prisão preventiva, sendo como tal materialmente compatível com a alínea b) do nº 3 do artigo 27º; nº 2 do artigo 28º; nº 2 do artigo 18º, e com o nº 1 do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa; B. O mesmo regime de instalação, fixado através de um Decreto-Lei (Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março) que foi objecto de uma prévia autorização legislativa
(Lei nº 13/92, de 23 de Julho), pelo facto de incidir sobre matéria da reserva relativa de competência da Assembleia da República (alínea b) do artigo 168º da CRP) encontra-se devidamente conforme aos limites da referida autorização, porque: I) A alínea f) do artigo 2º da Lei nº 13/92, preceito que define a extensão da autorização legislativa, habilitou o Governo, no campo das medidas coactivas passíveis de imposição a expulsandos, a destacar «aquelas que se revelem adequadas», encontrando-se assim o «regime de instalação» devidamente credenciado, e inserido nesta margem legítima de liberdade conformadora do legislador. II) Na esfera da adequação geral do regime de instalação temporária, ao princípio da proporcionalidade, configura-se o mesmo regime como um instituto mais suave do que a mais gravosa das medidas coactivas acolhidas no nº 2 da alínea f) da Lei nº 13/92, a qual é (por remissão expressa para o Código de Processo Penal) a da Prisão Preventiva. C. O nº 2 do artigo 89º do Decreto-Lei nº 59/93, ao atribuir competência a um
órgão administrativo para aprovar regulamentos sobre o funcionamento dos centros de instalação, não só habilita a violação do nº 2 do artigo 18º da CRP, como também não colide com o nº 5 do artigo 115º da Constituição da República, porque: I) Como decorre da própria expressão 'funcionamento' que constitui o objecto dos regulamentos em causa, estes deverão incidir tão somente sobre matérias de natureza administrativa (organização, estrutura funcional, serviços, pessoal etc.) dos centros, em nada vertendo sobre o regime material dos direitos dos estrangeiros aí instalados. II) A definição dos referidos direitos e deveres dos estrangeiros instalados insere-se numa reserva material e formal da lei, devendo consequentemente ser feita por via legislativa; a falta dessa definição no Decreto-Lei n º 59/93, tendo em conta que os centros não iniciaram o seu funcionamento, não predica qualquer forma de inconstitucionalidade. III) Os regulamentos previstos no nº 2 do artigo 89º não têm por fim integrar ou interpretar áreas materiais não absolutamente definidas no Decreto-Lei nº 59/93, mormente as relativas aos direitos e liberdades dos estrangeiros fixados nos centros; eles assumem, ao invés, tal como se afirmou em I), um carácter puramente executivo e instrumental do quadro legal relativo à organização e funcionamento do centro, tal como se encontra previsto no mesmo artigo 89º. D. A aplicação eventual da pena acessória de expulsão a estrangeiros anteriormente condenados em certas penas de prisão pela prática de determinados crimes, prevista no artigo 68º do Decreto-Lei nº 59/93, em nada contradiz o nº 4 do artigo 30º da CRP (impossibilidade da perda de um direito civil, profissional ou político, como efeito necessário da condenação numa pena), dado que: I) Não resulta nem da Constituição da República (artigo 33º, nºs 1 a 5), nem do
'Direito das Gentes' que vincula o Estado português, qualquer direito concedido universalmente a estrangeiros quando à sua entrada e permanência em território nacional, constituindo semelhante posição activa uma reserva atribuída em termos absolutos aos cidadãos portugueses. II) Ao não poderem ser titulares de um direito de entrada e permanência em território nacional (excepção ao princípio constitucional da equiparação, inserto no nº 1 do artigo 15º da CRP), os estrangeiros não podem consequentemente perder uma posição de que não são sujeitos activos, no caso de ao nº 1 do artigo 68º ser dada a interpretação elaborada pelos requerentes, no sentido da automaticidade da expulsão como efeito da condenação anterior. III) Ainda assim, não procede essa orientação interpretativa conferida pelo requerente ao artigo 68º, nº 1, do diploma sindicado, no sentido da referida automaticidade da pena acessória, dado que o mesmo preceito remete expressamente para o disposto na legislação penal aplicável; ora esta (artigo 69º, nº 2, do Código Penal) salvaguarda o 'princípio da necessidade da pena', axioma normativo que obsta à fixação automática de penas acessórias, como consequência de condenação anterior em determinadas penas principais. E. Existe perfeita conformidade material entre o nº 2 do artigo 83º e o nº 1 do artigo 87º do Decreto-Lei nº 59/93 com, respectivamente, os artigos 20º e 268º, nºs 4 e 5, da Constituição, e de ambos com o artigo 13º da Lei Fundamental, porque: I) Ao consagrar efeito devolutivo ao recurso interposto de decisão judicial de expulsão, o nº 2 do artigo 83º do diploma sindicado não só dá corpo à garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais prevista no artigo 20º da CRP (preceito que não fixa todavia os requisitos e tipos de recurso) como assegura, nos termos precisos do nº 5 do artigo 33º da Constituição, 'formas expeditas' de decisão, relativas a expulsão judicial de estrangeiros. II) Do mesmo modo, o efeito devolutivo de recurso de decisão administrativa de expulsão, que resulte de decisão tomada em consequência de interposição de recurso hierárquico necessário para o Ministro da Administração Interna (artigo
87º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 59/93) de modo algum diminui as garantias salvaguardadas nos nºs 4 e 5 do artigo 268º da CRP, tanto mais que, nos termos dos artigos 76º e 77º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, o recorrente pode requerer sempre a suspensão do acto recorrido, no respeito dos pressupostos fixados no primeiro dos dois últimos preceitos. III) O facto de os expulsandos poderem eventualmente não se encontrar em Portugal, durante o julgamento dos recursos, tão pouco vulnera o acesso aos tribunais, dado que os recorrentes têm direito, nos termos do nº 2 do artigo 20º da CRP, a um patrocínio judiciário, sendo por esta via assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. IV) O efeito suspensivo das decisões de expulsão de estrangeiros que sejam cidadãos de Estado membros da Comunidade Europeia (nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 60/93, de 3 de Maio), é um reflexo procedimental, racional e proporcionado, de um regime material mais favorável de que esses cidadãos são titulares em face dos demais estrangeiros, quanto à sua faculdade de entrada e permanência em Portugal, regime diferencial que decorre das regras e obrigações internacionais que, no plano normativo, vinculam o Estado português.
6.2. Sendo assim improcedentes todos os fundamentos invocados pelos requerentes para arguir a inconstitucionalidade dos artigos 68º, 74º, 75º, 83º, nº 2, 88º, nº 2, alínea a), e 89º do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março, entende o Governo haver razões bastantes para que esse Venerando Tribunal não julgue as referidas normas contrárias à Constituição [...].'
4. Fixada a orientação do Tribunal em conformidade com o que vinha proposto no memorando apresentado (ou seja, no sentido do não conhecimento do pedido), foram os autos distribuídos para elaboração do acórdão.
Cumpre decidir. II
5. Pode assim sintetizar-se o objecto do pedido:
5.1. Quanto à norma do artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março – e à norma com o mesmo teor, por ela revogada, constante do artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81, de 3 de Setembro, que seria repristinada no caso de ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral daquela primeira norma –, seria materialmente inconstitucional, por contrariar a proibição do efeito automático das penas (artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa).
É a seguinte a redacção das referidas normas: Artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 59/93:
'Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada a pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de cinco anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 5 anos e menos de 20 condenado em pena superior a 3 anos de prisão;
Artigo 43º do Decreto-Lei nº 264-B/81:
'Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada a pena acessória de expulsão: a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão; b) Ao estrangeiro residente no País há menos de cinco anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão; c) Ao estrangeiro residente no País há mais de cinco anos e menos de vinte condenado a pena maior.'
5.2. No que respeita às normas dos artigos 74º, nº 1, alínea b), 75º, 88º, nº 2, alínea a), e 89º do Decreto-Lei nº 59/93, a sua inconstitucionalidade seria, por um lado, orgânica, na medida em que, constituindo restrições ao direito de livre circulação dos estrangeiros, a sua aprovação deveria ter sido precedida de autorização bastante ao Governo (cfr. artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1989) –, e o Executivo, ao prever a criação dos centros de instalação de estrangeiros no Decreto-Lei nº
59/93, actuou com base numa lei de autorização que, no seu sentido e alcance, não continha tal previsão; a inconstitucionalidade seria, por outro lado, material, pois que a existência de centros de instalação contraria os artigos
15º, 18º, nº 2, 27º, nº 3, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.
O seu conteúdo é como segue: Artigo 74º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 59/93:
' 1. Para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal, poderá o juiz ainda determinar as seguintes:
[...] b) Instalação do expulsando em centro próprio.'
Artigo 75º
'Devem permanecer em centros de instalação temporária até que se execute a decisão de expulsão: a) Os estrangeiros condenados na pena acessória de expulsão; b) Os estrangeiros que violem a obrigação de apresentação periódica; c) Os estrangeiros carecidos de recursos que lhes permitam prover à sua subsistência enquanto permanecem no país; d) Os estrangeiros em relação aos quais haja o risco de procurarem furtar-se ao cumprimento da decisão de expulsão ou poderem lesar outros interesses fundamentais para além dos que determinaram a expulsão.
Artigo 88º, nº 2, alínea a):
'2. Poderá ser requerido ao juiz competente, enquanto não expirar o prazo referido no número anterior, que o expulsando fique sujeito ao seguinte regime: a) De instalação em centro a esse fim destinado;
[...]'
Artigo 89º
'1. Os centros de instalação temporária destinam-se a acolher temporariamente estrangeiros nas condições previstas no artigo 75º, bem como aqueles a quem for recusada a entrada no País enquanto não puder ser assegurado o seu regresso à origem.
2. Os centros de instalação devem proporcionar condições de alojamento e o seu funcionamento obedece a regulamentos aprovados pelo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
3. A criação e localização dos centros de instalação depende de portaria conjunta dos Ministros das Finanças, da Administração Interna, da Justiça e do Emprego e da Segurança Social, sob proposta do director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.'
5.3. No que se refere às normas dos artigos 83º, nº 2, e 87º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/93, entrariam em choque com o direito à tutela jurisdicional efectiva – consagrado nos artigos 20º, nºs 1, 1ª parte, 4 e 5, e 268º, nºs 4 e
5, da Constituição da República Portuguesa –, por atribuírem, num caso expressa e no outro implicitamente, efeito meramente devolutivo aos recursos interpostos das decisões de expulsão.
Dispõem tais preceitos:
Artigo 83º, nº 2:
'O recurso tem efeito meramente devolutivo.'
Artigo 87º, nº 2:
'Em tudo quanto não esteja especialmente regulado deve observar-se o disposto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.'
6. Nenhuma destas disposições se encontra hoje em vigor no nosso ordenamento jurídico. Com efeito:
A Lei nº 34/94, de 14 de Setembro, que 'define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária', implicou, pelo menos, a revogação dos artigos 75º e 89º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 59/93 (cfr. artigos 2º a 4º e 5º a 7º da referida Lei).
Mais recentemente, o mesmo Decreto-Lei nº 59/93 veio a ser substituído, e expressamente revogado, pelo Decreto-Lei nº 244/98, de 28 de Agosto, conforme o disposto no artigo 162º, alínea a), do último.
Por seu turno, o regime do artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº
59/93, foi substituído pelo artigo 101º, alínea a), do Decreto-Lei nº 244/98, de
28 de Agosto.
As normas dos artigos 74º, nº1, alínea b), e 88º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 59/93, foram também afastadas por legislação superveniente, uma vez que estas disposições legais têm correspondência substantiva nos artigos
107º, nº 1, alínea b), e 124º, nº 2, alínea a), respectivamente, do Decreto-Lei nº 244/98.
O regime constante dos artigos 83º, nº 2, e 87, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/93 foi retomado nos artigos 118º, nº 2, e 123º do Decreto-Lei nº 244/98.
Em conclusão, todas as normas objecto dos dois pedidos de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral se encontram formalmente revogadas.
Coloca-se, assim, a questão de saber se ainda se justifica a apreciação do pedido pelo Tribunal Constitucional.
7. O problema de saber se o Tribunal Constitucional pode conhecer do recurso de constitucionalidade perante o desaparecimento das normas objecto do pedido foi já debatido por este Tribunal.
7.1. Segundo uma jurisprudência constante, este Tribunal tem decidido que a revogação da norma que constitui objecto do pedido não é bastante para, de per si, obstar à declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, pois, operando essa declaração, em princípio, ex tunc, produz efeitos que retroagem à data da entrada em vigor da norma (cfr., por último, acórdão nº
188/94, Diário da República, II, nº 116, de 19 de Maio de 1994, p. 4956 ss). Haverá, por isso, interesse na emissão de tal declaração, sempre que ela seja indispensável para eliminar os efeitos produzidos pelo normativo questionado durante o tempo em que vigorou. Há-de, no entanto, 'tratar-se de um interesse com conteúdo prático apreciável, pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes e possam facilmente ser removidos de outro modo' (cfr. por todos, o acórdão nº 465/91, publicado no Diário da República, II série, de 2 de Abril de 1992, p. 3112 ss). A emissão da declaração de inconstitucionalidade já, porém, não se justifica, se não houver um interesse jurídico relevante – um interesse prático apreciável – no julgamento do pedido. É, inter alia, o que sucede quando concorram razões de equidade ou de segurança jurídica que aconselhem a que se ressalvem os efeitos entretanto produzidos pela norma revogada, se acaso ela for inconstitucional. Sendo 'visível a priori que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que conclua desde logo o Tribunal pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito' (cfr. acórdão n.º 319/89, Diário da República, II, nº 146, de 28 de Junho de 1989, p. 6388 ss). Ou, nos termos do acórdão n.º 238/88 (Diário da República, II, nº 293, de
21 de Dezembro de 1988, p. 12002 ss): 'seria de todo irrazoável e inadequado ir apreciar a constitucionalidade de normas, quando de antemão se sabe que, no caso de se vir a concluir pela sua ilegitimidade constitucional, o Tribunal não deixaria que a declaração de inconstitucionalidade produzisse o único efeito
útil que, na hipótese, era susceptível de produzir'. No presente caso, se o Tribunal conhecesse do pedido formulado e viesse a declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas questionadas, a correspondente declaração seria desprovida de efeitos práticos
(concretamente quanto a todos os estrangeiros cuja expulsão já se houvesse entretanto efectivado).
Por estas razões se perfilha agora a orientação que tem sido seguida pelo Tribunal.
7.2. O caso dos autos suscita porém uma segunda questão que consiste em saber se, tendo sido substituída por uma outra norma a norma objecto do pedido, o Tribunal Constitucional pode apreciar a inconstitucionalidade da nova norma.
Na verdade, algumas das normas do Decreto-Lei nº 59/93, questionadas no presente processo, foram substituídas por disposições contidas no Decreto-Lei nº 244/98.
Em termos gerais, ao conhecimento das novas normas obsta um princípio processual a que o Tribunal Constitucional, como qualquer tribunal, se encontra vinculado: o princípio do pedido (cfr. artigo 51º, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional e acórdão nº 57/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional,
30º vol., p. 141 ss, 175).
As normas constantes do Decreto-Lei nº 244/98 que revogaram as disposições do Decreto-Lei nº 59/93, ainda que, em alguns casos, tenham teor literal semelhante, são normas diferentes daquelas que constituem objecto do pedido de fiscalização abstracta nestes autos.
São diferentes formalmente, pois têm um suporte legal distinto.
Podem também ser diferentes daquelas que constituem objecto do pedido, quando consideradas do ponto de vista substancial ou funcional. A conclusão sobre esse ponto dependeria porém da apreciação do conjunto do diploma em que tais normas se inserem.
Com efeito, deve sempre admitir-se que disposições legais com o mesmo teor literal possam ter um sentido material diferente, isto é, possam constituir normas diferentes. O autêntico sentido de uma norma só se alcança quando se considera o conjunto a que as normas pertencem, dada a interconexão entre os preceitos contidos num mesmo diploma. Aliás, a simples modificação de inserção sistemática de uma disposição pode implicar alteração do seu sentido normativo.
Tanto basta para concluir que a apreciação das novas normas pelo Tribunal Constitucional ultrapassaria os limites da conformação do pedido inicial.
O princípio do pedido, corolário do princípio do dispositivo, impede, portanto, que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a conformidade constitucional das normas do Decreto-Lei nº 244/98 que substituíram as disposições do Decreto-Lei nº 59/93, objecto do presente processo de fiscalização abstracta.
III
8. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido.
Lisboa, 13 de Janeiro de 1999- Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa