Imprimir acórdão
Processo n.º 156-A/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Notificado da conta de custas n.º 471/2010, veio A. dizer o seguinte:
“I.
1. O Reclamante, sendo o Autor no processo a que respeita o recurso que subiu ao STJ, em que foi deduzida Reclamação para o Tribunal Constitucional (TC), ao abrigo do disposto no artigo 76°, n° 4, da Lei n° 28/82, de 15 de novembro (LTC), é, nele, também, 'advogado em causa própria'.
2. Enquanto Advogado, o Reclamante está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas (cf. artigo 85° do Estatuto aprovado pela Lei n° 15/2005, de 26 de janeiro).
3. O direito ao recurso consignado no artigo 280°, nº 1 alínea b), conjugado com o disposto no artigos 20°, n.º1, e 204º da Constituição, é um direito fundamental.
4. O direito consagrado no artigo 76°, nº 4, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, instrumental do direito ao recurso de constitucionalidade, é também um direito fundamental.
5. Os acórdãos minutados por V. Exa, nºs 286/2009, de 2.6.2009, 88/2010, de 3.3.2010, e 374/2010, de 6.10.2010, recusaram pronúncia sobre a questão jurídica objeto da Reclamação, apesar das diligências processuais feitas pelo Reclamante para que fosse cumprido o disposto nos artigo 156°, n°1, e 660°, n°2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 69° da LTC. Com efeito, as matérias pendentes e as questões submetidas ao TC, não foram resolvidas.
6. Para que não fiquem a subsistir dúvidas sobre a ora denunciada recusa em cumprir a Lei e a Constituição, cumpre dizer o seguinte:
1) a Reclamação tem por objeto o despacho do Juiz a quo de 20.1.2009;
2) segundo tal despacho, o requerimento de interposição de recurso para o TC só pode ser apresentado depois de o acórdão recorrido haver transitado em julgado;
3) foi essa a decisão impugnada perante o TC;
4) o acórdão n° 286/2009, de 2.6.2009, não contém pronúncia sobre a questão posta ao TC;
5) o acórdão n° 88/2010, de 3.3.2010, nega pronúncia sobre a questão posta por requerimento de 22.6.2009;
6) o acórdão n° 374/2010, de 6.10.2010, recusa suprir as omissões dos acórdãos 286/2009 e 88/2010.
7. A sucessiva e reiterada recusa de apreciar e decidir a questão posta a esse Tribunal – dever o requerimento de interposição do recurso ser apresentado antes ou depois do trânsito em julgado da decisão recorrida – ficou por apreciar e decidir.
8. Tal recusa indicia cometimento do ilícito do artigo 369°, nºs 1 e 2, do Código Penal.
II
9. Não havendo pronúncia sobre o objeto da Reclamação, não pode haver custas.
10. No entanto, por ofício de 29.10.2010, o Reclamante foi notificado da conta n° 471/2010, elaborada em 29.10.2010.
11. Com a devida vénia, o notificado procede à devolução da dita conta por não haver custas a contar.
12. Mas, ainda que houvesse, tal conta não relevaria juridicamente por ser ostensivamente ilegal. Com efeito, todas as 'custas' a que se refere foram calculadas mediante aplicação da unidade de conta de € 102,00. Ora, é sabido que, por força do disposto no Dec. Lei nº 91/2008, de 2 de junho, artigo 1°, o regime de custas a que se refere o artigo 2° do Dec. Lei nº 303/98, de 7 de outubro, é o estabelecido no Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro; e, segundo o disposto no artigo 5°, nº 3, do RCP, o valor correspondente a cada processo, fixa-se no momento em que o mesmo se inicia, independentemente do momento em que a taxa deva ser paga. Esta norma tem, aliás, natureza interpretativa com os efeitos consignados no artigo 13°, n.º1, do Código Civil.
13. A sucessiva condenação em custas sem suprimento da omissão de pronúncia sobre o objeto da Reclamação – que ficou por apreciar e decidir – indicia cometimento do ilícito do artigo 382° do Código Penal, suscetível de poder dar lugar ao ilícito do artigo 379° do mesmo código.
III.
14. Por força do disposto no artigo 3°, n.º3, da Constituição, a validade dos atos de quaisquer entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição. Ora, os acórdãos 286/2009, 88/2010 e 374/2010, são, pelas razões acima aduzidas, atos desconformes com a Constituição. Pelo que,
• tais atos são inválidos e insuscetíveis de produzirem qualquer efeito,
• sendo essa invalidade e ineficácia de conhecimento oficioso,
• podendo os vícios serem arguidos a todo o tempo e perante qualquer Tribunal ou entidade administrativa”.
2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, a quem foi dada vista do processo, pronunciou-se nos termos seguintes:
“1. O artigo 22º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 181/2008, de 28 de agosto, veio fixar uma nova fórmula de cálculo unidade de conta, sendo aplicável na data de entrada em vigor do diploma, ou seja, a partir de 20 de abril de 2009 (artigo 26º, n.º1, na redação dada pelo artigo 156º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro).
2. Uma vez que era esse regime em vigor, foi esse o aplicado na elaboração da conta de que agora se reclama (conta nº 471/2010), como consta da informação prestada a fls. 11.
3. Efetivamente, apesar de o novo Regulamento de Custas Processuais só se aplicar aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor (artigo 27º do Decreto-Lei nº 34/2008, na redação da Lei nº 64º-A/2008), tal não prejudica a aplicação imediata do novo regime de cálculo da unidade de conta.
4. Foi nesse sentido a decisão proferida pelo Exm.º Senhor Conselheiro Victor Gomes, em 27 de novembro de 2009, no Processo nº 302-A/09, quando afirmou:
“E no cálculo foi utilizado o valor UC a que o artigo 22º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação do Decreto-Lei nº 181/2008, manda atender.
Não há que atender ao valor UC que vigora no momento da instauração do processo, porque regra do nº3 do artigo 5º do Regulamento das Custas Processuais só vale para os processos e recursos instaurados a partir da entrada em vigor do diploma legal, não sendo aplicável ao presente recurso (artigo 27º do Decreto-Lei nº 34/2008).”
5. No mesmo sentido foi a decisão proferida pela Exm.ª Conselheira Maria João Antunes, em 2 de março de 2010, no Proc. n.º103-A/08, da 1ª Secção”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação
3. O requerimento apresentado tem por objeto, por um lado, a conta de custas n.º 471/2010, de que se pretende reclamar e também os acórdãos n.os 286/2009, 88/2010 e 374/2010, cuja invalidade, por desconformidade com a Constituição, é arguida.
De seguida proceder-se-á à análise dessas duas questões em separado.
Da Reclamação da Conta de Custas n.º 471/2010
4. No requerimento apresentado, o reclamante sustenta que, por não ter havido pronúncia sobre o objeto da reclamação, não pode haver custas.
Mesmo na hipótese de haver lugar a custas, entende o reclamante que, fixando-se o valor correspondente a cada processo no momento em que o mesmo se inicia, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, jamais poderiam as custas aplicáveis ao processo em questão ser calculadas mediante aplicação da unidade de conta de € 102, 00.
Não tem razão o reclamante.
4.1. Desde logo, é manifestamente improcedente o argumento de que, por não haver pronúncia sobre o objeto da reclamação, não pode haver lugar a custas.
Desde logo, não é verdade que não tenha havido pronúncia sobre o objeto da reclamação, pois o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 286/2009, proferido em 02.06.2009, apreciando a reclamação deduzida contra o despacho que decidira indeferir o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, não deixou de pronunciar-se sobre o seu objeto (indeferindo-a e confirmando o despacho reclamado).
A isso acresce que o reclamante já tinha vindo arguir a nulidade do acórdão n.º 286/2009 com fundamento, entre outros, em omissão de pronúncia, questão que ficou definitivamente resolvida pelo acórdão n.º 374/2010, proferido em 06.10.2010, e que, portanto, não pode ser reapreciada.
Improcede assim a pretensão do reclamante de ser desonerado do dever de pagar custas.
4.2. Entende o reclamante que, mesmo na hipótese de haver lugar a custas, jamais poderia a elaboração da conta de que reclama aplicar a unidade de conta de € 102, 00, uma vez que o valor correspondente a cada processo é fixado no momento em que o mesmo se inicia, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Conforme informação prestada a fls. 11, no cálculo da conta de custas n.º 471/2010 foi utilizado o valor UC a que o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de agosto, manda atender.
Não há que atender ao valor da UC que vigorava no momento da instauração do processo, porque a regra do n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais só vale para os processos e recursos instaurados a partir da entrada em vigor do diploma legal, não sendo aplicável aos presentes autos (artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 34/2008).
Da arguição de nulidade dos acórdãos n.os 286/2010, 88/2010 e 374/2010
5. No requerimento apresentado, pretende ainda o reclamante arguir a nulidade dos acórdãos n.os 286/2009, 88/2010 e 374/2010, remetendo para razões aludidas em parte anterior desse mesmo requerimento.
Verificando-se, em 21.10.2010, o trânsito em julgado da última decisão proferida no âmbito do processo n.º 156/2009, a que os presentes autos de traslado se referem, e, nessa medida, a extinção desse processo no Tribunal Constitucional, é de indeferir o requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional em 18.11.2010, na parte em que nele se vem arguir a nulidade dos acórdãos n.os 286/2009, 88/2010 e 374/2010.
III – Decisão
6. Nestes termos, acordam em:
a) indeferir a reclamação da conta de custas n.º 471/2010;
b) indeferir a arguição de nulidade dos acórdãos n.os 286/2009, 88/2010 e 374/2010.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 30 (trinta) unidades de conta.
Lisboa, 28 de março de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Rui Manuel Moura Ramos.