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Processo n.º 883/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 32/2012:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso, em 31 de outubro de 2011 (fls. 433 a 436), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 02 de junho de 2010 (fls. 281 a 293).
2. Para melhor compreensão do que está em causa nos presentes autos, deve ter-se presente a seguinte tramitação processual dos autos recorridos:
Em reação ao referido acórdão, a recorrente deduziu, simultaneamente, em 21 de junho de 2010, um requerimento de retificação de erro material, de arguição de várias nulidades e de reforma (fls. 299 a 320) e um recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de acórdãos (fls. 298).
Na sequência do primeiro requerimento, o acórdão proferido em 02 de junho de 2010 viria a ser confirmado, por acórdão proferido, pela mesma Secção e Tribunal, em 20 de outubro de 2010 (fls. 328 a 339). Deste acórdão viria a ser deduzido pedido de aclaração, em 08 de novembro de 2010 (fls. 353 a 363), que viria a ser indeferido por acórdão proferido, pela mesma Secção e Tribunal, em 19 de janeiro de 2011 (fls. 379 a 382). Porém, em simultâneo ao pedido de aclaração, foi ainda interposto recurso de constitucionalidade, em 08 de novembro de 2010 (fls. 343 a 346). Na medida em que continuava pendente o recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, o Relator junto do tribunal recorrido proferiu despacho, em 07 de março de 2011 (fls. 387), para que a recorrente viesse esclarecer qual dos recursos pretendia ver apreciado, tendo a mesma solicitado a apreciação imediata do recurso para o Pleno (fls. 389). O recurso de constitucionalidade interposto, em 08 de novembro de 2010, nunca foi admitido, apenas tendo sido admitido o recurso para o Pleno, por despacho proferido em 28 de março de 2011 (fls. 390).
O referido recurso para o Pleno foi alvo de despacho do Relator, proferido em 17 de maio de 2011 (fls. 404), que julgou inexistente a oposição entre acórdãos. Após reclamação para a conferência (fls. 408 a 419), viria a ser proferido acórdão, em 12 de outubro de 2011 (422 a 429), que confirmou o despacho anteriormente proferido.
Só então, esgotados todos os referidos meios processuais, a recorrente viria a interpor novo recurso de constitucionalidade, relativamente ao acórdão originariamente proferido em 02 de junho de 2010, única decisão jurisdicional relevante de ora em diante.
3. Através do requerimento que ora se aprecia, a recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade:
“[Q]uanto ao art.º 11º da LGT, em particular os seus números 2 e 4, isto é, para o art.° 11.°/2 em conjunção com os art.º 8.°/1 do CIMI: quanto à interpretação das normas tributárias, que empregando termos próprios de outros ramos do direito devem, por isso, consignar uma interpretação consentânea (“no mesmo sentido”, no dizer da LGT) com o sentido que naqueles ramos do direito possuem (v.g. o direito de propriedade que é uno e indivisível: consagrado no direito civil e outro não existe, mormente no direito tributário ou sequer noutro qualquer regime jurídico próprio do direito administrativo), sendo que o douto Acórdão recusou a aplicação de uma tal diretriz, tendo invocado um regime jurídico especial não contemplado no normativo fiscal, diretamente ou sequer por remissão, quando é certo que o que estava em causa era e sempre foi uma questão do regime jurídico-tributário da situação concreta da R. e não a apreciação de um qualquer regime jurídico tout court, ainda que especial”;
“[Q]uanto ao art.º 11.°/4 da LGT em conjunção com o art.º 8.°/1/2/4 do CIMI, isto é: quanto à integração analógica de uma norma fiscal a que o douto Acórdão recorreu, ainda que vedada por aquela norma da LGT (v.g. art.º 11.°/4) ao submeter à condição de proprietário quem apenas é subconcessionário de uma parcela do domínio público hídrico, único estatuto que a Recorrente possui e pode ter, justificando, todavia, a sua posição com remissão a um regime jurídico próprio e diferente (v.g. o regime do DL 468/71) do regime jurídico do direito de propriedade, tal qual está expresso no regime do Código Civil (v.g art.°s 1302.°,ss do Código Civil), sendo que só este pode estar contemplado pelo normativo fiscal (v.g. art.º 8.°/1 do CIMI), por imposição do normativo constante da LGT (v.g. art. 11.°/2)”;
“ [Q]uanto aos art.°s 11. °/2 da LGT e aos art.°s 1.º e 2.° do CIMI, em conjugação com os art.°s 1302.°, ss, do Código Civil, isto é: quanto à interpretação das normas tributárias, mais uma vez, porque o douto Acórdão considera que a R. é proprietária das instalações inseridas no domínio público hídrico, não porque se cumpram todos os requisitos exigidos no Código Civil (v.g. art.° 1302.°,ss) para que se possa afirmar a existência de um direito de propriedade e, consequentemente, admitir a existência de um PATRIMÓNIO, para efeitos fiscais e, em particular, do IMI -- única leitura admissível pela remissão inserta no art.° 11.°/2 da LGT sobre o conteúdo de qualquer norma tributário, mas aqui e em particular sobre o conteúdo dos art.°s 1º e 2.° do CIMI-, mas antes porque afirma que “(..) por, como supra se disse, ter concluído que, face ao regime estabelecido no DL 468/71, tendo a recorrente (concessionário ou subconcessionário) adquirido o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do uso privativo de terreno do domínio público...”, conforme fls 10 do Acórdão de resposta à Reforma e Nulidades invocadas, isto é, o insigne Tribunal sempre recusou a aplicação de uma tal diretriz fundamental do direito tributário (v.g. art.° 11.°/2 da LGT), tendo antes invocado um regime jurídico especial ( inserto no DL 468/71), para qualificar a R. como proprietário e logo detentor de um PATRIMÓNIO, para efeitos de IMI, mas que o normativo fiscal não contempla (art.°s 1º e 2.° do CIMI), diretamente ou sequer por remissão, quando é certo que, mais uma vez se reafirma, o que estava em causa era e sempre foi uma questão do regime jurídico-tributário e não de um qualquer regime jurídico tout court, ainda que especial”.
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 437) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
5. A título prévio, importa relembrar – como já se disse no relatório do presente acórdão – que apenas se encontra em causa a apreciação do recurso interposto em 31 de outubro de 2011 (fls. 433), pois só este foi admitido pelo tribunal recorrido.
Um dos pressupostos fundamentais para o conhecimento do objeto de recursos de constitucionalidade consiste na correspondência entre a norma (ou interpretação normativa) cuja apreciação se requer e aquela que foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida (artigo 79º-C da LTC).
Ora, nos presentes autos, é evidente que a decisão recorrida não aplicou efetivamente as interpretações normativas reputadas de inconstitucionais pela recorrente. Se poderia ser questionável se a decisão de primeira instância não terá lançado mão de raciocínios de tipo analógico, com vista à assimilação do conceito de “subconcessionário” de uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico à figura de “superficiário”, não pode nunca esquecer-se que o Supremo Tribunal Administrativo viria a excluir, expressamente, essa fundamentação:
“Ora, o direito de superfície (isto é, a concessão para plantar ou edificar em terreno alheio) é um direito real inerente a um imóvel, na maioria dos casos um prédio rústico, e que, no caso vertente, teria necessariamente de incidir sobre a parcela de terreno do domínio público.
E, como é sabido, os terrenos do domínio público não podem ser objeto de contratos de natureza privatística, designadamente de contratos de constituição de direito de superfície.
(…)
Pelo que, não sendo a impugnante, nem podendo ser, titular de qualquer direito de superfície sobre a dita parcela de terreno, que integra o domínio público hídrico, e não podendo, igualmente, de acordo com as regras de interpretação das normas jurídicas tributárias, reconduzir-se o conceito de superficiário inserto no nº 2 do art. 8º do CIMI ao conceito de concessionário, não acompanhamos a fundamentação da sentença recorrida.” (fls. 289 e 290)
Ainda que não concedendo provimento ao recurso, quanto ao fundo da questão, a decisão recorrida negou que se pudesse fazer tal associação conceptual, tendo adotado uma fundamentação distinta, que assentou na qualidade de “proprietária” de que gozaria a recorrente, em relação às edificações construídas naquele domínio público hídrico e por si exploradas. Porém, a decisão recorrida excluiu, de modo veemente, que tal qualificação como “proprietária” decorresse de qualquer raciocínio analógico e, como tal, vedado pelo “princípio da legalidade tributária”. Senão, veja-se:
“E, assim sendo, adquirindo o concessionário ou subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do domínio público (…) torna-se inquestionável que ele é o sujeito passivo de IMI (…), não havendo qualquer interpretação extensiva ou analógica do preceito (…), nem, consequentemente, se verificando as invocadas inconstitucionalidade.” (fls. 290 e 291)
Como tal, fica irremediavelmente prejudicado o conhecimento das duas primeiras questões colocadas pela recorrente na medida em a decisão recorrida não recorreu a qualquer raciocínio analógico, antes tendo qualificado a recorrente como “proprietária”, em sentido estrito. Além disso, poderia ainda questionar-se se a primeira questão colocada assume uma verdadeira dimensão normativa, visto que a recorrente se limita a discordar das operações interpretativas levadas a cabo pela decisão recorrida. Contudo, não imputa uma inconstitucionalidade a uma específica norma jurídica, mas antes à própria decisão jurisdicional. Também por isso se justificaria o seu não conhecimento.
Por último, também a terceira interpretação normativa nunca foi objeto de aplicação pela decisão recorrida. Com efeito, a recorrente entende que os artigos 1º e 2º do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e o artigo 11º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) teriam sido aplicados em sentido tal que “o insigne Tribunal sempre recusou a aplicação de uma tal diretriz fundamental do direito tributário (v.g. art.º 11.º/2 da LGT), tendo antes invocado um regime jurídico especial (inserto no DL 468/71), para qualificar a R. como proprietário e logo detentor de um PATRIMÓNIO, para efeitos de IMI, mas que o normativo fiscal não contempla (arts. 1.º e 2.º do CIMI), diretamente ou por remissão” (fls. 435).
Ora, mais uma vez, a decisão recorrida nunca aplicou a norma extraída dos artigos 1º e 2º do CIMI e do artigo 11º, n.º 2, da LGT, no sentido de que fosse admissível recorrer a regimes jurídicos que a lei fiscal não contempla para qualificar a recorrente como proprietária. Pelo contrário, é a própria letra daquele diploma codificador que determina:
“Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo caráter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o caráter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.”
Assim, é a própria lei fiscal que qualifica os edifícios que a recorrente construiu e explora no domínio público hídrico como “prédios” para efeito de tributação, tendo a decisão recorrida apenas aplicada as normas tributárias correspondentes.
Além disso, a título meramente subsidiário – o que por mero esgotamento de fundamentação se pondera –, o modo como a recorrente configurou a terceira questão normativa obrigaria a que a decisão recorrida tivesse entendido que seria de desconsiderar o princípio segundo o qual “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm” (artigo 11º, n.º 2, da LGT).
Porém, é notório que a decisão recorrida nunca o fez, antes tendo, precisamente, recorrido ao conceito de “propriedade” que decorre do regime jurídico do domínio público hídrico (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 468/71). A referida norma tributária em nada sai beliscada, já que a decisão recorrida interpreta o conceito de “propriedade” sobre edifícios construídos no domínio público hídrico exatamente de acordo com o “sentido que aí [no regime respetivo] têm”.
Por conseguinte, aquela decisão nunca aplicou efetivamente nenhuma das interpretações normativas que constituem objeto do presente recurso, pelo que dele é vedado conhecer, por força do artigo 79º-C da LTC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.”
2. A recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos que ora se resumem:
“(…)
4. A decisão Sumária não fundamenta adequadamente a sua decisão, pois, por um lado, limita-se a invocar (e a transcrever) os pretensos fundamentos da decisão recorrida, e, por outro lado, omite qualquer apreciação do que a Recorrente invocou nas alegações de recurso para o tribunal recorrido, e ainda o que demais a Recorrente invocou também nos incidentes formulados na sequência da decisão recorrida, conforme parte final do requerimento de recurso para este tribunal, aliás, nos termos do que dispõe o art.º 75. °- A/2 da LTC!
Sendo vejamos:
5. A decisão Sumária não alcançou, salvo o devido respeito, os conceitos de PATRIMÓNIO e de PROPRIEDADE no âmbito e tal e qual estão assumidos para efeitos fiscais, e não para quaisquer outros efeitos que aqui não estão em causa, e, com isso, digamos que “arrumou” a terceira questão” e parte da “segunda questão”!
Para além disso,
6. A decisão Sumária assinala a noção de PRÉDIO, como se tal fosse relevante ou tivesse alguma vez sido posta em causa, de per si, quando nunca tal noção esteve em causa sendo para se reafirmar a inexistência na esfera da Recorrente de um PATRIMÓNIO, esta noção sim realmente relevante em termos fiscais, também porque a norma que a decisão invoca expressamente o refere, aliás, como já se teve também a oportunidade de salientar, noção esta que vai muito para além da existência de simples prédios em nome de alguém, e com isso “arruma” de novo a segunda questão!
Mas ainda,
7. A decisão Sumária, tal qual a decisão recorrida, parece querer assumir que do regime jurídico do domínio público hídrico decorre um REGIME DE PROPRIEDADE, quando é certo que tal não existe, nem nele está nada expresso que o confirme, e com essa interpretação sui generis “arruma’ outra vez a terceira questão!?
E ainda,
8. A decisão Sumária insiste - tal qual a decisão da primeira instância, mas que a decisão recorrido não perfilhou, mas à qual ainda assim tentou “dar a volta” presumindo uma outra forma de “proprietário”? - na existência de uma “PROPRIETÁRIA, EM SENTIDO ESTRITO”, quando é certo que no normativo fiscal em causa (o art.° 8.° do CIMI) não contempla tal forma de propriedade, pois, apenas fala de “proprietário”, e com isso “(re)arruma” de novo a segunda questão!
(…)
12. Temos assim uma terceira instância a fundamentar a sua decisão Sumária numa mesma pretensa figura jurídica, que ainda que pudesse existir (?) não será certamente aquela a que os normativos fiscais em causa fazem apelo, e só a PROPRIEDADE a que se reporta o art.° 8. ° do CIMI (que só pode ser o Código Civil, como, aliás, se refere no requerimento formulado) pode estar aqui em questão e não qualquer outra “PROPRIEDADE” que, ainda por cima, no se mostra definida em parte alguma!
Assinale-se ainda que,
13. A decisão Sumária não entendeu, salvo o devido respeito, a argumentação da Recorrente, quanto à terceira questão - e, também por isso, mais uma vez “arruma esta questão - , pois, ao contrário do que refere, a decisão recorrida ao não aplicar ou não dar cumprimento, como devia, ao que dispõe o art.° 11.°/2 da LGT, é que está manifestamente a violar não só a norma fiscal em causa como se lhe permitiu ainda uma interpretação normativa inconstitucional,
Isto é,
14. A decisão recorrida é que procedeu a uma integração analógica de um pretenso conceito de PROPRIEDADE, que diz estar subjacente ao DL 468/71 (?), no conceito de PROPRIEDADE que está efetivamente subjacente aos art.°s 1. °, 2.° do CIMI, quando é certo que neste último âmbito de PROPRIEDADE só cabem “prédios” que constituam o PATRIMÓNIO de alguém - diz o último normativo citado “(.) desde que façam parte do património de uma pessoa singular ou coletiva (..)‘, sublinhado nosso -, naturalmente com os contornos e exigências que a norma fiscal impe para que possa haver tributação, de um qualquer ente jurídico e que, por isso, possa haver ou ser havido como um sujeito passivo desse imposto.
Mais ainda,
15. A decisão Sumária, aliás, assume que há um REGIME DE PROPRIEDADE no DL 468/71; no entanto, não se vislumbra que um tal regime se mostre consagrado no referido diploma legal?!
Melhor dito:
16. Para a decisão Sumária, será que a simples referência num artigo (v..g. art.° 21.°/ 2) do referido diploma, em termos tais que “ (..) entendendo-se que tanto as construções efetuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respetivo prazo.”, é suficiente e bastante para que se possa admitir a existência de um “regime de propriedade” e de um “proprietário”, para efeitos de tributação no âmbito do IMI?
Isto é,
17. A Decisão Sumária parece admitir, tal qual a decisão recorrida, que ainda que pudesse haver um regime de propriedade totalmente distinto (mas que no se mostra sequer definido?!) daquele a que, obviamente, se reporta o Código Civil e, por remissão, o CIMI, por força exatamente da norma contida no art.° 11. °/2 da LGT, ainda assim tal distinta “propriedade” poderia seria objeto de tributação segundo os art.°s 2.° e 8.° do CIMI?
18. A Recorrente concede e até já o disse, até pode haver uma outra qualquer forma de “propriedade” - temporária, especial, limitada, obrigacional, etc., o que quer que seja ou se lhe queira chamar - mas não pode é dizer-se, pressupor-se ou presumir-se (como o fez a decisão recorrida, ainda que com um voto de vencido, circunstância esta que importa não omitir) que exista uma PROPRIEDADE, e que ainda que integrada por um PRÉDIO, constitua também um PATRIMÓNIO na esfera da Recorrente, no sentido de a poder considerar como sujeito passivo do IMI, por força dos normativos invocados neste recurso, v.g. art.°s 1º., 2.° e 8.° do CIMI, como o faz a decisão recorrida apenas porque integrou analogicamente nestes articulados da lei o que neles não está, nem pode estar, por ausência de qualquer remissão objetiva!
19. A decisão Sumária, porém, assume simplesmente a conclusão da decisão recorrida e com isso “arruma”, mais uma vez, a terceira questão!
Permita-se relembrar que:
20. A decisão recorrida e aqui sob recurso, permitiu-se “transformar”, de igual ou mesmo de pior modo, o sujeito dessa mesma relação jurídica subjacente a uma “subconcessão do domínio público hídrico” numa relação jurídica correspondente a um direito de propriedade, na sua total plenitude, quanto a construções implantadas nesse mesmo domínio público hídrico (?!).
21. Dir-se-á que o tribunal recorrido adotou um princípio bem mais gravoso ou impróprio, em termos jurídicos, isto é, “não podendo o menos (ser titular de um direito de superfície sobre o que não é seu como propriedade) pode, todavia, o mais” (ser titular de um direito de propriedade pleno sobre algo (construções) que se mostra inserido em terrenos que são públicos e nunca podem ser privados), isto é, o princípio foi então o de que “a maiori ad minus? só que ao contrário ou invertido!
22. Isto é, não se permitindo o douto tribunal recorrido (STA) admitir a existência de um direito de superfície - segundo a Decisão Sumária até com um fumus de inconstitucionalidade, através de uma interpretação analógica por parte da 1ª instância! - permite-se admitir a existência de um direito de propriedade (mas qual ou de que tipo?), tese que a Decisão Sumária assume, mas sem justificar ou fundamentar porque o faz, apenas reconhecendo que “a decisão recorrida exclui. de modo veemente, que tal qualificação como “proprietária” decorresse de qualquer raciocínio analógico...”!
Digamos assim:
23. Se havia razões para recusar a existência de um direito de superfície - como direito real menor ou limitado, porque se estaria a usar um raciocínio “do tipo analógico, com vista á assimilação do conceito de “subconcessionário” de uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico à figura de “superficiário” não pode ...“, di-lo a própria Decisão,
Então dir-se-á:
24. Que maiores razões existem para admitir que a decisão inovatória do tribunal recorrido foi ainda mais longe no seu raciocínio de tipo analógico - “com vista à assimilação do conceito de “subconcessionário” de uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico à figura de “proprietário” não pode ... “ diremos nós quanto à parte final -, porquanto se permitiu admitir a existência de um direito real pleno e não limitado, isto é, o direito real por excelência como é o “direito de propriedade”, tal qual a norma fiscal impõe (por óbvia e exclusiva remissão ao que dispõe o Código Civil), em vez de um direito real menor ou limitado como era o direito de superfície admitido pela 1ª instância!
Aliás, dir-se-á que:
25. O raciocínio lógico que o tribunal recorrido usou para recusar a existência de um direito de superfície (havido até como inconstitucional no dizer da Decisão Sumária!) na esfera da recorrente, manifesta-se ainda mais óbvio, com mais sentido e racionalidade para justificar a recusa ou impossibilidade de existir um direito de propriedade nessa mesma esfera!
(…)
28. A Decisão Sumária assume como suas as palavras do tribunal recorrido!
29. Aliás, como já se referiu, não contrapõe sequer qualquer juízo crítico sobre os argumentos invocados pela ora recorrente em contraponto ao referido pelo tribunal recorrido!
30. Assim, parece ser claro, ao contrário do que a decisão Sumária parece fazer crer, salvo o devido respeito, que não está em causa, no presente recurso, qualquer inconstitucionalidade de uma norma, mas antes manifestas inconstitucionalidades quanto a inadequadas interpretações normativas das disposições fiscais em questão, em particular porque correspondem a uma manifesta integração analógica que é proibida pela legislação fiscal, no âmbito das normas de incidência que aqui são convocadas.” (fls. 454 a 461)
3. Notificada para o efeito, a recorrida deixou esgotar o prazo sem que viesse aos autos deduzir qualquer resposta.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida demonstra que a recorrente pretendia alcançar, através do recurso de constitucionalidade, uma revisão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, quanto ao fundo da causa. Aliás, em rigor, a definição do objeto do recurso de constitucionalidade aponta para um recurso da decisão que, por si só, implicaria também o seu não conhecimento. Ora, sucede que, em sede de fiscalização concreta de tipo concentrado, não cabe ao Tribunal Constitucional reanalisar a justeza dos argumentos utilizados pelo tribunal recorrido quanto ao Direito infraconstitutcional aplicável, mas apenas verificar se as normas e interpretações normativas aplicadas colidiram, de modo algum com a Lei Fundamental (artigo 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). Esclarece-se, assim, que a decisão ora reclamada não aderiu nem deixou de aderir – pelo simples facto que não lhe competia fazê-lo – aos argumentos que lograram vencimento no tribunal recorrido.
Verifica-se, porém, que, por força do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas ou de interpretações normativas que tenham sido efetivamente aplicadas pela decisão recorrida.
5. Quanto ao mais, deve notar-se que a reclamante não aduz qualquer argumento relativamente à decisão de não conhecimento no que toca às primeira e segunda questões colocadas. Pelo contrário, limita-se a manifestar a sua discordância quanto às interpretações adotadas pelo tribunal recorrido, afirmando que a decisão ora reclamada teria secundado aquele tribunal. Ora, conforme já supra demonstrado, a decisão reclamada, em estrito cumprimento do artigo 79º-C da LTC, apenas se limitou a averiguar as interpretações adotadas pela decisão recorrida, tendo verificado que as mesmas nunca pressupuseram – antes negaram – o recurso a métodos de interpretação analógica. Tendo em conta que as primeira e segunda questões de constitucionalidade, tal como configuradas pela ora reclamante, assentavam no (alegado) recurso, pelo tribunal recorrido, a raciocínios analógicos, torna-se evidente a impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso quanto a essa parte.
Quanto à terceira questão, impõe-se apenas reiterar que a ora reclamante entendeu, mediante objeto fixado em sede de requerimento de interposição de recurso, que o tribunal recorrido teria, mais uma vez, desconsiderado o princípio geral tributário, segundo o qual “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm” (artigo 11º, n.º 2, da LGT), pela circunstância de ter invocado o regime jurídico do domínio público hídrico (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 468/71).
É evidente que tal princípio pressupõe a aplicação de conceitos jurídicos provenientes de outros ramos de direito – neste caso, o Direito Administrativo –, nos precisos termos em que tais conceitos neles são assumidos. Ora, basta ler a decisão recorrida para concluir que as normas tributárias em causa (artigo 2º, n.º 1, e 8º, n.º 1, ambos do CIMI) não foram aplicadas de modo a que conceitos jurídicos próprios de outros ramos de direito tenham assumido sentido divergente.
Na verdade, não estando o conceito de património circunscrito ao “Código Civil” – como a ora reclamante pretende e expressa no respetivo requerimento de interposição de recurso (fls. 344), não pode concluir-se que a aplicação de normas contidas no regime jurídico do domínio público hídrico, que permitem qualificar os edifícios e construções em parcelas territoriais nele integradas como património da concessionária (ou, neste caso, da subconcessionária) configure uma desconsideração do disposto no n.º 2 do artigo 11º da LGT.
Por tudo isto, torna-se evidente que a decisão recorrida nunca admitiu que pudessem aplicar-se as normas extraídas dos artigos 1º e 2º do CIMI de modo tal que os conceitos de “prédio” e de “património” pudessem ser interpretados de modo divergente ao que sucede no respetivo ramo de direito de origem. Como tal, torna-se inegável a justeza da decisão de não conhecimento ora reclamada.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pela recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 11 de abril de 2012. – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.