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Processo nº 780/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- A., identificado nos autos, foi condenado com outro, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, por decisão de 26 de Maio de 1994, pela comissão de um crime de receptação previsto e punido pelo artigo 329º, nº 1, do Código Penal, a 18 meses de prisão e 45 dias de multa a
500$00 diários, ou, em alternativa, 30 dias de prisão, bem como na satisfação das despesas judiciárias.
Recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 19 de Outubro de 1995, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão impugnada.
Arguida a nulidade do aresto, na respectiva peça processual - e só então - veio invocar a 'clara inconstitucionalidade' dos preceitos do artigo 433º do Código de Processo Penal (CPP) e parte final do nº 2 do artigo 410º do mesmo diploma.
Simultaneamente, mas de modo autónomo, veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, suscitando a inconstitucionalidade das aludidas normas, que tem por violadoras do disposto no artigo 32º da Constituição da República (CR), adiantando só então o fazer pois que as normas em causa até então não tinham sido aplicadas, ignorando o recorrente até essa data que o Supremo 'iria estribar-se em tais normas para não reapreciar a matéria de facto'.
O recurso para o Tribunal Constitucional não seria admitido, por despacho de 27 de Novembro de 1995, do Conselheiro relator, por intempestividade, dada a arguição de nulidade do acórdão condenatório (e o pedido de aclaração do mesmo formulado pelo co-arguido), mas o Supremo, por acordão de 7 de Dezembro seguinte, indeferiria as reclamações apresentadas.
Posteriormente, renovou o ora reclamante o seu pedido de recurso, enquanto o co-arguido pedia nova aclaração.
No que toca à interposição de recurso, o Conselheiro relator, por despacho de 7 de Junho de 1996 não o admitiu, 'por evidentes extemporaneidade e inadmissibilidade'.
Notificado, dirigiu-se o arguido ao 'Juiz Presidente do Tribunal Constitucional', reclamando da não admissão do recurso.
Foram os autos à conferência, que, por acórdão de
26 de Setembro de 1996, viria a indeferir não só o pedido de aclaração do co-arguido mas também a confirmar a decisão de não recebimento do recurso do reclamante, após o que ordenou a subida dos autos, cumprido o devido formalismo.
Neste Tribunal, pronunciou-se o Ministério Público, tendo o respectivo magistrado emitido parecer no sentido da 'manifesta improcedência' da reclamação, uma vez que o ora reclamante não curou de suscitar, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa equacionada, sendo óbvio, por outro lado, não se estar perante qualquer interpretação ou aplicação 'surpresa' das referidas normas, tendo presente a jurisprudência uniforme sobre os poderes cognitivos do Supremo em matéria penal, decorrentes das normas impugnadas.
Correram-se os vistos legais, cumprindo decidir.
2.1.- Constitui pressuposto de admissibilidade do recurso interposto com base na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 que haja sido suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade em causa, entendendo a jurisprudência deste Tribunal, reiterada e uniformemente, que essa locução se há-de entender não em sentido formal - que tornaria possível a suscitação até à extinção da instância - mas sim em sentido funcional, de modo que o tribunal recorrido possa ainda conhecer da questão enquanto não esgotado o seu poder jurisdicional, o que, em princípio, ocorre com a prolação da sentença, exceptuando-se os casos anómalos ou excepcionais em que o recorrente não teve oportunidade de levantar a questão em momento anterior.
Nesta linha de entendimento igualmente se vem considerando que a aclaração de decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, por via de regra, momentos idóneos e atempados para o efeito (cfr., por todos, os acórdãos nºs. 61/92, 152/93, 261/94, 164/95 e 1124/96, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992, 16 de Março de 1993,
26 de Julho de 1994, 29 de Dezembro de 1995 e 6 de Fevereiro de 1997, respectivamente).
Por sua vez, só releva a dispensa de suscitação oportuna naqueles casos em que a interpretação dos preceitos acolhidos na decisão recorrida, ou a sua aplicação, forem de tal sorte insólitas ou inesperadas que se não considere razoável que o interessado as previsse. Nestes casos, cessam os ónus que recaem sobre as partes de considerarem as várias hipóteses interpretativas das normas susceptíveis de serem aplicadas, de modo a adoptarem uma estratégia processual adequada na prevenção dessa possibilidade (cfr., por todos os acórdãos nºs. 61/92 e 370/94, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992 e 7 de Setembro de
1994, respectivamente).
Ora, no concreto caso, a questão de constitucionalidade não foi suscitada a tempo, tendo em conta a assinalada orientação jurisprudencial. Com efeito, só após a prolação do acórdão do Supremo que confirmou a decisão da 1ª instância é que o problema foi levantado, seja no requerimento de arguição de nulidade desse acórdão, seja na interposição do recurso de constitucionalidade.
É certo que só nesse acórdão - mediante a não reapreciação da matéria de facto em termos subsumíveis ao preceituado nos artigos 433º e 410º, nº 2, do CPP - as normas questionadas terão sido
'aplicadas', mas não é justificante afirmar-se só então surgir o momento oportuno de suscitação por se ignorar que o Supremo iria socorrer-se desse complexo normativo para não reapreciar a matéria de facto.
Com efeito, de modo algum se pode considerar o decidido como imprevisível, no sentido de surpreender o arguido pelo carácter insólito ou inesperado da solução encontrada. E só perante uma situação em que o recorrente é confrontado com aplicação ou interpretação normativas de todo imprevistas e inesperadas - isto é, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e o sentido da decisão - não dispondo já de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo - considerando esta locução com o sentido registado - é que se entende aberta ainda a via do recurso de constitucionalidade (é muito vasta e uniforme a jurisprudência do Tribunal Constitucional neste domínio: cfr., v.g., os acórdãos nºs. 136/85, 479/89 e 448/91, publicados no Diário da República, II Série, de 28 de Janeiro de 1986, 24 de Abril de 1992 e 4 de Janeiro de 1992, respectivamente, e, entre os mais recentes, ainda inéditos, os acórdãos nºs. 703/96 e 788/96).
Na verdade, não só a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem habitualmente moldando o respectivo poder cognitivo em matéria de facto pelos parâmetros normativos ora impugnados, em termos que não devem surpreender o operador jurídico, independentemente de com eles concordar, como, por seu turno, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado repetidamente no sentido da não inconstitucionalidade, com impressiva e significativa constância, a despeito de não se congregar unanimidade.
A título de exemplo, citem-se, entre tantos outros, os acórdãos nºs. 322/93 e 171/94, publicados no Diário da República, II Série, de 29 de Outubro de 1993 e 19 de Julho de 1994, respectivamente.
Não se colhe motivo para, no caso presente, se divergir da orientação anteriormente seguida.
2.2.- Anota-se, por último, a alusão à alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como fundamento do recurso de constitucionalidade igualmente utilizado.
Crê-se, no entanto, que se deve a lapso ou então é manifestamente improcedente, uma vez que a situação prevista nessa alínea não ocorre no caso vertente: a ilegalidade nela referenciada reporta-se à violação de leis com valor reforçado (cfr. a este propósito o acórdão nº 247/93, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 1993) ou situa-se em quadro legislativo regional. Ora, como é patente, não está equacionada situação alguma subsumível àquela previsão.
3.- Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional indeferir a presente reclamação.
Custas a cargo do reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa