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Proc. nº 915/96
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., recorrente em autos de intimação para passagem de certidão, em que foi requerido o presidente da COMISSÃO INSTALADORA DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE .............., veio reclamar, nos termos dos arts. 76º, nº 4, e
77º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Conselheiro relator no Supremo Tribunal Administrativo que lhe não admitiu recurso por ele oportunamente interposto para o Tribunal Constitucional.
Pela consulta dos autos verifica-se que o ora reclamante remeteu, por telecópia, em 26 de Abril de 1996, ao Supremo Tribunal Administrativo, duas reclamações: a primeira achava-se endereçada aos Juízes do Supremo Tribunal Administrativo e através dela pretendia impugnar-se o despacho de rejeição do recurso de constitucionalidade proferido a fls. 139
dos autos principais, indicando-se que a dedução de reclamação se fazia 'nos termos previstos nos arts. 689º, nº 1 e 688º, nº 3 do CPC (v. neste sentido o Ac. do STA de 03/10/94, in proc. nº 35.368-A)' (a fls. 8); a segunda achava-se endereçada directamente aos Juízes do Tribunal Constitucional e repetia a fundamentação da primeira reclamação.
De harmonia com o requerimento de fls. 7 que acompanhava os originais das duas reclamações, o recorrente esclarecia que a interposição de reclamação para o Tribunal Constitucional só valeria se fosse entendido que esta última era a forma adequada de dedução dessa impugnação.
Fundamentou do seguinte modo a sua reclamação:
- O despacho reclamado não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto nos termos dos arts. 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional 'por considerar que esse recurso é ilegal e intempestivo em virtude do recorrente, ora reclamante, não ter interposto recurso do Acórdão da Secção no que toca à questão constitucional e por o Pleno da Secção não ter conhecido da questão constitucional, nem a poder conhecer em sede de recurso por oposição de julgados';
- Todavia, o fundamento do recurso de constitucionalidade residia na ilegalidade e na inconstitucionalidade 'de diversas normas aplicadas não só na douta decisão do T.A.C. de Coimbra e no douto Acórdão da Secção, mas também a ilegalidade e a inconstitucionalidade de diversas normas aplicadas do douto Acórdão proferido pelo Pleno da 1ª Secção, tal como resulta de forma iniludível do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional';
- Face ao disposto nos arts. 70º, nºs. 2 e 4, e 73º da Lei do Tribunal Constitucional, 676º, nº 2, do Código de Processo Civil e 668º, nº 3, do mesmo diploma, 'o direito do ora reclamante de recorrer para o Tribunal Constitucional duma decisão que tenha versado expressa ou implicitamente qualquer uma das questões de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade duma norma, ou duma determinada interpretação dessa norma, para além de ser irrenunciável, tanto pode ser exercido, logo que seja proferida a 1ª decisão judicial ou somente após o esgotamento dos recursos ordinários que no caso caibam, tal como sucedeu in casu (v. neste sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in C.R.P. anotada,
3ª edição, 1993, Coimbra Editora, p. 1012 e ss.)';
- Por isso, devia ser julgada procedente a reclamação, nada obstando a que o recurso de constitucionalidade tivesse sido interposto 'depois de proferido o douto Acórdão de fls ... dos autos que não admitiu o recurso ordinário (v. art.
676º, nº 2, do C.P.C.) oportunamente interposto para o Pleno da 1ª Secção do S.T.A. com fundamento em oposição de julgados.'
Através do acórdão de fls. 13 a 17, proferido em 30 de Maio de 1996, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo manteve o despacho reclamado. Nesse acórdão refere-se o seguinte:
' Não tem, no entanto, o reclamante qualquer razão. Com efeito, de acordo com o art. 70º da L.T.C., alínea b) «cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». Por outro lado, «os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem das decisões que não admitam recurso ordinário», acrescentando o nº 4 do mesmo art. que «se a decisão admitir recurso ordinário, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira».
É assim necessário para que possa ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional que o tribunal «a quo» tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, o que não é o caso.
Com efeito, nem nas alegações do recurso da decisão de 1ª instância, nem no pedido de aclaração, que lhe foram, de resto, deferidos, o recorrente suscita qualquer questão de inconstitucionalidade, ou que o tribunal tenha aplicado qualquer norma, por si, considerada inconstitucional.
O recorrente limita-se a suscitar o problema de inconstitucionalidade em relação ao facto de ter sido notificado para optar por um dos acórdãos fundamento invocados, mas sobre tal matéria o acórdão do pleno pronunciou-se sobre a inexistência de oposição em relação a qualquer dos acórdãos invocados. Não houve, pois, em relação a essa questão qualquer aplicação de norma inconstitucional.
Finalmente, encontra-se uma referência a uma questão constitucional na parte final das alegações no recurso para o pleno quando afirma: «Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, as normas legais contidas nos arts. 52º, 102º e 115º, nº 1, da LPTA, na interpretação dada no douto acórdão sob recurso padecem de ilegalidade e inconstitucionalidade...». Todavia tal questão refere-se a normas que dizem respeito à questão decidida no acórdão da secção e não à oposição de julgados, que é uma questão preliminar. Em relação a esta nenhuma inconstitucionalidade foi invocada, nem se vislumbra que tenha sido aplicada qualquer norma inconstitucional.
Falta assim um dos pressupostos necessários para a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional.' (a fls. 15 a 17)
2. Foram remetidos os autos de reclamação ao Tribunal Constitucional, acompanhados do processo principal.
Teve vista desses autos o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, o qual exarou parecer em que sustenta que não se verificam os pressupostos do recurso de constitucionalidade quanto a duas das três questões de constitucionalidade por ele suscitadas. Relativamente à terceira questão de constitucionalidade, tende a considerar procedente a reclamação, desde que, por ter sido deduzida intempestivamente, venha o mesmo reclamante a pagar a multa prevista no nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil, devendo ser notificado para o efeito (a fls. 29 vº a 31).
3. Foram corridos os vistos legais.
O relator ordenou a notificação do reclamante para se pronunciar, querendo, sobre a questão da intempestividade da reclamação suscitada pelo representante do Ministério Público, tendo aquele arguido a nulidade por omissão da notificação pela secretaria para pagamento da multa prevista no nº 6 do art.
145º do Código de Processo Civil e pedido que fosse determinada a isenção ou redução dessa multa, nos termos do nº 7 do mesmo artigo 145º (na versão em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1997), dado estar desempregado.
Importa, assim, apreciar a referida reclamação e ver se é possível conhecer do respectivo objecto.
II
4. O ora reclamante, notificado do acórdão que julgou extinto o recurso para o pleno da Secção de Contencioso do STA, por inexistência de oposição de julgados, veio interpor recurso de constitucionalidade e de legalidade, nos termos das alíneas b) e f) do nº 1 do art. 70º e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, indicando como objecto do mesmo três questões diferentes de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade de diferentes normas legais:
-a) interpretação restritiva dada nas doutas decisões e pelas diferentes instâncias e ora sob recurso às 'normas legais contidas nos arts. 82º a 85º da L.P.T.A., 'segundo a qual o acto de indeferimento tácito objecto do pedido de intimação para passagem de certidão não padece de nulidade por violar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais do interessado à notificação e fundamentação expressa 'dos actos administrativos que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos de acesso aos arquivos e registos administrativos, mostrando-se violados os arts. 8º a 11º do Código Civil (questão de ilegalidade) e os arts. 20º, 205º, nº 2, 207º, 266º e 268º da Constituição (questão de inconstitucionalidade);
-b) interpretação restritiva dada no acórdão de 27 de Fevereiro de 1996 (acórdão sobre inexistência de oposição) às 'normas legais contidas nos arts. 763º, 765º, nºs. 2 e 3, 767º, nº 1 e 768º, nº 2, do C.P.C. e 24º, al. b) do E.T.A.F., segundo a qual não existe oposição de julgados por inexistir a necessária identidade factual dos casos julgados nos Acórdãos fundamento com a situação fáctica julgada no acórdão recorrido e as nulidades suscitadas, por excesso de pronúncia, por erro sobre os pressupostos ou por violação dos direitos fundamentais são absolutamente irrelevantes no âmbito do recurso por oposição de julgados', mostrando-se violados o princípio geral de economia e celeridade processual ínsito no art. 138º, nº 1, do C.P.C., os arts. 8º a 11º do Código Civil (questão de ilegalidade) e os arts. 2º, 13º, 20º, 205º, nº 2, 207º, 266º e
268º da Constituição e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
-c) interpretação restritiva dada nos Acórdãos sob recurso às normas legais contidas nos arts. 52º, 82º a 85º, 102º e 115º, nº 1 da L.P.T.A., 'segundo a qual o conhecimento da questão prevista no art. 85º in fine da L.P.T.A.
(suspensão de prazos) não exige a prévia audição do recorrente', violadora do direito à prova e do princípio do contraditório ínsito nos arts. 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, 54º da L.P.T.A., e 2º, 20º, 32º, nº 5, 207º da Constituição 'ex vi arts. 8º a 11º do C.C. e 206º da C.R.P.' (a fls. 134-135 dos autos principais).
Através do despacho reclamado, proferido em 3 de Abril de 1996, foi rejeitado o recurso para o Tribunal Constitucional, por ser 'ilegal e intempestivo', nos seguintes termos:
' Com efeito, o recorrente não interpôs recurso do acórdão da Secção no que toca
à questão constitucional e o Pleno da Secção não conheceu da questão constitucional porque não o podia fazer em recurso de oposição de julgados' (a fls. 139 dos autos principais).
Este despacho foi notificado ao ora reclamante através de carta registada expedida em 10 de Abril de 1996 (cota a fls. 139 vº e talões de registo).
O reclamante enviou, através de telecópia, a sua reclamação, nos termos do art. 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, ao Supremo Tribunal Administrativo, em 26 de Abril de 1996 (a fls. 4-5 dos autos de reclamação).
5. Importa, desde logo, dilucidar se a reclamação foi tempestivamente apresentada, indo ao encontro da questão posta no parecer do Exmº. Representante do Ministério Público.
Ora, sendo indubitável que o prazo para reclamação, nos termos dos arts. 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, era de cinco dias
(art. 688º, nº 2, do Código de Processo Civil, na versão então vigente, aplicável por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional), contados nos termos dos nºs. 2 e 3 do art. 144º do mesmo Código e na mesma versão, tem de concluir-se que, tal como afirma o Senhor Procurador-Geral Adjunto, a reclamação foi apresentada de forma intempestiva.
De facto, tendo sido expedida a carta registada contendo a notificação do despacho de rejeição do recurso em 10 de Abril de 1996, o ora reclamante devia ter-se por notificado em 15 de Abril desse ano (2ª feira), atento o disposto no nº 3 do art. 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro. O prazo de cinco dias veio, assim, a terminar em 22 de Abril (2ª feira). A reclamação só foi apresentada no 8º dia posterior à data presumida da notificação (dia 25 de Abril foi feriado).
Alcançada esta conclusão, tem, porém, de afrontar-se a ulterior questão posta pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a que se liga a arguição de nulidade deduzida entretanto pelo próprio reclamante. De facto, e como se referiu, aquele Magistrado preconizou que seria possível que o Tribunal Constitucional determinasse a notificação do reclamante para pagamento da multa prevista no nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil (a fls. 31 dos autos de reclamação).
Poderá, então, encarar-se a possibilidade de o reclamante realizar ainda o pagamento dessa multa, não obstante ele não ter feito diligências para o pagamento da mesma no Supremo Tribunal Administrativo, nem a secretaria deste
último Tribunal ter procedido oficiosamente à notificação do reclamante para o efeito? E, em caso de resposta afirmativa, poderá o Tribunal Constitucional conhecer da nulidade e determinar a isenção ou redução da multa?
6. Responde-se negativamente a tais questões.
Entende este Tribunal que cabia ao ora reclamante o ónus de ter solicitado à secretaria do Supremo Tribunal Administrativo as guias para pagamento imediato da multa prevista no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, uma vez que o seu patrono não podia deixar de ter conhecimento de que a validade da reclamação ficava dependente desse pagamento.
É certo que o nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil estatui que a secretaria do tribunal, logo que seja verificada a falta e independentemente de despacho judicial, deverá notificar o interessado para pagar uma multa agravada, 'sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto'. Simplesmente, no caso sub judicio, não foi detectada a entrega fora de prazo da reclamação por essa secretaria, risco que impende sobre o reclamante.
Acontece também que o Tribunal Constitucional tem entendido que não lhe cabe suprir as omissões das partes ou da secretaria do tribunal recorrido. Desde o acórdão nº 29/87 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., págs. 455 e seguintes) que o Tribunal Constitucional tem adoptado este entendimento, sustentando que a não notificação oficiosa pela secretaria do tribunal recorrido se há-de configurar como uma nulidade que há-de ser arguida pelo interessado, sob pena de sanação, na primeira ocasião em que tenha possibilidade de o fazer
(cfr. no mesmo sentido, o acórdão nº 603/94, no Diário da República, II Série, nº 2, de 3 de Janeiro de 1995, onde se reafirma a irrelevância da omissão processual da secretaria do tribunal recorrido). Dentro desta orientação é manifesto que é extemporânea a arguição de nulidade deduzida pelo ora reclamante no Tribunal Constitucional, visto que este a devia ter suscitado no Supremo Tribunal Administrativo, no momento em que foi notificado da sustentação, por acórdão, do despacho reclamado, aí se determinando a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional. Tão-pouco pode também o Tribunal Constitucional determinar agora a isenção ou redução de uma multa que devia ter sido paga no S. T. A. e não o foi.
Muito recentemente, em acórdão que recaiu sobre pedido de aclaração formulado pelo reclamante relativamente ao teor do acórdão nº 910/96, ainda inédito - em situação idêntica à presente - teve ocasião a 2ª Secção do Tribunal Constitucional de fazer a seguinte afirmação:
' Anote-se, no entanto, que, se acaso, a reclamação pudesse ter sido apresentada, embora mediante pagamento de multa, até à data em que o foi (23 de Fevereiro de 1996), como tal multa não foi paga - e não o foi, porque nem o reclamante a pagou de imediato, como lhe cumpria (cfr. o nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil), nem a secretaria do Supremo Tribunal de Justiça o notificou para a pagar em dobro (cfr. o nº 6 do mesmo artigo 146º), - a este Tribunal só restava concluir, como concluiu, pela intempestividade da dita reclamação.
Na verdade, o pagamento da multa prevista no artigo 145º do Código de Processo Civil constitui condição suspensiva de admissibilidade da prática do acto processual (nº 5) ou condição resolutiva de validade do acto que antes se praticou (nº 6).
Por isso, não se verificando a condição, o acto praticado tem que ser havido como extemporâneo.'
Perfilha-se por inteiro este ponto de vista, razão por que não pode conhecer-se do objecto da reclamação, dada a sua intempestividade (art. 688º, nº
2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
III
7. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento da reclamação, por ter sido deduzida intempestivamente.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 17 de Abril de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida