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Procº nº 324/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A., funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, recorreu contenciosamente para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo do despacho proferido em 16 de Maio de 1981 pelo Secretário de Estado do Orçamento, despacho por intermédio do qual lhe foi aplicada a pena de inactividade pelo período de 24 meses.
Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 15 de Maio de 1986, negou provimento ao recurso, razão pela qual o impugnante A. veio interpôr recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, tendo, na alegação que produziu, referido, inter alia:
'..................................................
5 - A douta sentença recorrida considerou como boa e legal a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar - enquanto a teve como relevante para a interrupção do prazo prescricional.
6 - A aludida conversão foi operada pelo Sr. Instrutor - como, finalmente, esclareceu o doc. de fls. 79 -, ao abrigo do artº 2º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro.
7 - Mas este Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, tomado que foi fora do prazo consignado no artº 5º, nº 1, do Decreto Lei nº 191--D/79, de 25 de Junho, e sem que para tanto o Governo dispusesse de autorização legislativa [é] organicamente inconstitucional, por ofensa do artº 167º, c) e m), da Constituição, no texto originário, pelo que, ex vi do artº 207º da CRP não podia ser considerado aplicável.
..................................................'
2. O Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do S.T.A., por acórdão de 25 de Janeiro de 1996, negou provimento ao recurso, tendo, no que à questão da inconstitucionalidade normativa suscitada pelo impugnante concerne, dito, a dado passo:-
'..................................................
Foi ao abrigo da autorização legislativa [concedida pela Lei nº
17/79, de 26 de Maio] que veio a ser publicado o DL. 191-D/79, de 25/6, portanto dentro do prazo fixado, diploma esse que, como se disse, aprovou o novo Estatuto Disciplinar vigente até à sua revogação e substituição pelo Estatuto aprovado pelo DL. 24/84, de 16/1.
Nos termos do artigo 5º do DL. 191-D/79,
'1- Os estatutos ou regimes disciplinares especiais serão adoptados, por decreto regulamentar, ao que no Estatuto aprovado pelo artigo 1º se dispõe, no prazo de seis meses a contar da data da entrada em vigor deste diploma.
2- Até à publicação dos decretos regulamentares previstos nos números anteriores, a aplicação dos estatutos e regimes especiais far-se-á sem prejuízo da observância imediata das normas relativas às garantias de defesa do arguido, bem como das constantes da al. a) do artigo 2º do presente diploma'
O artigo 2º al a) referido preceitua que:
'Os processos pendentes reger-se-ão pelas seguintes regras:
a) As normas relativas à incriminação e qualificação das infracções constantes do Estatuto anexo serão aplicáveis na medida em que forem mais favoráveis ao arguido'.
Ao abrigo da autorização legislativa aprovava-se o Estatuto Disciplinar aplicável, de um modo geral, a todos os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, bem como dos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos (artigo 1º nºs 1 e 2 do Estatuto).
O novo Estatuto, que se pretendia conforme aos princípios consagrados na Constituição da República de 1976, passou a constituir a estrutura fundamental do renovado regime disciplinar da função pública.
Mas admitiu-se a subsistência de estatutos e regimes especiais e excluía-se até da aplicação do Estatuto os funcionários e agentes por eles abrangidos.
Fundamental era que tais estatutos e regimes disciplinares especiais não contrariassem o Estatuto aprovado pelo DL. 191-D/79 em aspectos havidos como essenciais, como era o caso das garantias de defesa do arguido e das normas respeitantes a incriminação e qualificação de infracções, umas e outras desde logo aplicáveis, as últimas se mais favoráveis ao arguido.
No exercício da competência que lhe era conferida pela autorização legislativa, o Governo assumia entretanto o compromisso de, no prazo de seis meses, por decreto regulamentar, adaptar os estatutos e regimes disciplinares especiais aos princípios dominantes do novo Estatuto. Mas, nos aspectos havidos como fundamentais, era este desde logo aplicável a partir do início da sua vigência em 1 de Junho de 1979.
Quer isto significar que o novo regime disciplinar ficou, no essencial, desde logo definido e apenas para obstar a dúvidas e divergências de interpretação e desvios aos princípios fundamentais, o Governo se propunha, em diploma regulamentar, adaptar ao novo Estatuto os estatutos e regimes disciplinares especiais.
Foi assim que publicou o Decreto Regulamentar 76/80, de 3/12, destinado a abranger os processos de sindicância, inquérito ou disciplinares instaurados ou realizados pela Inspecção-Geral de Finanças.
Não se contêm nesse diploma normas sobre incriminação e qualificação de infracções e critérios relativos à graduação das penas, matérias estas havidas como essenciais e por isso abrangidas pelo Estatuto aprovado pelo DL.
191-D/79.
Tão só aí se define a competência disciplinar e se atribui ao próprio instrutor competência para converter em disciplinar o processo de inquérito ou para desde logo instaurar o primeiro independente- mente de despacho da entidade dotada de competência disciplinar sobre o arguido, bem como se estabeleceu algumas, poucas, especialidades no que respeita ao processo.
Deste modo, o Governo actuou dentro dos limites da autorização legislativa quando definiu o regime disciplinar da função pública e respeitou o prazo de trinta dias aí fixado.
É certo que na publicação do D. Regulamentar 76/80 não observou o prazo de seis meses referido no nº 1 do artigo 5º do DL. 191-D/79.
Este prazo não é porém imposto pela lei de autorização, antes reveste a natureza de prazo ordenador que o Governo a si próprio impôs para exercício do poder regulamentar. A sua inobservância em nada briga com a Lei 17/79 nem contraria o disposto no artigo 167 als c) e m) da Constituição, na versão primitiva.
O instrutor do processo disciplinar dispunha pois de competência para a conversão do inquérito em processo disciplinar, nos termos do nº 2 do artigo
2º do D. Regulamentar 76/80, que não padece de inconstitucionalidade orgânica.
..................................................'
3. Do aresto de que imediatamente acima parte se encontra transcrita recorreu o impugnante A. para este Tribunal, visando a apreciação da 'inconstitucionalidade orgânica, originária, do Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, tomado fora do prazo consignado no artº
5º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 191-D/79, de 25 de Junho (por seu turno editado pelo Governo ao abrigo da autorização conferida pela Lei n.º 17/79, de 26 de Maio), e sem que para tanto o Governo dispusesse de credencial parlamentar', o que, na sua óptica, contendia 'com o artº 167º, c) e m) da Constituição, versão originária'.
Determinada a feitura de alegações, concluiu o recorrente as por si produzidas da seguinte forma:-
'1 - O artº 4º do Decreto-Lei nº 191-D/79, de 25 de Junho (diploma que no uso da autorização legislativa vazada na Lei nº 17/79, de 26 de Maio, aprovou o 'Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Central, Regional e Local') revogou o artº 83º do 'Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado' (aprovado pelo Decreto nº 32659, de 9 de Fevereiro de 1943), e, com ele, o 'regulamento da Inspecção Geral de Finanças' (aprovado pelo Decreto nº 32341, de 30 de Outubro de 1942).
2 - O Decreto Regulamentar nº 76/80, de 30 de Dezembro (que altera o Regulamento da Inspecção Geral de Finanças relativamente à matéria disciplinar) foi editado para além do prazo fixado no artº 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº
191-D/79, de 25 de Junho.
3 - O Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, contém regras próprias e aspectos específicos sobre o regime disciplinar de que se ocupa (e de que são destinatários 'funcionário e agentes', sejam ou não da Inspecção Geral de Finanças).
4 - Assim, e do mesmo passo, o Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, não pode ser considerado coberto pelo artº 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº
191-D/79, de 25 de Junho, e com a sua edição o Governo legislou sobre matéria da exclusiva competência da assembleia da República (cfr. artºs 167º, c) e m), e
272º, versão originária), sem que para tanto tivesse credencial parlamentar.
5 - Destarte, o Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, enferma de inconstitucionalidade orgânica originária, pelo que não tendo recusado a sua aplicação, o douto acordão recorrido, salvo o merecido respeito, não fez boa interpretação e aplicação do direito, e, pois, não fez boa administração da justiça'.
De seu lado, a Secretária de Estado do Orçamento concluiu a sua alegação referindo:-
'a) A publicação do Decreto-Regulamentar nº 76/80 de 3 de Dezembro, para além do prazo de seis meses, prescrito pelo nº 1 do artigo 5º do Dec.-Lei nº 191/D/79 de
25 de Junho, face às razões de ordem legal, por nós aduzidas, em nada briga com a Lei nº 17/79 de 26 de Maio, nem contraria o disposto no artigo 167º, alíneas c) e m) da C.R., na versão primitiva, não padecendo assim de inconstitucionalidade orgânica. b) Deve assim ser mantido o douto acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Janeiro de 1996 e consequentemente ser negado provimento ao recurso'.
Cumpre decidir.
II
1. Por intermédio da Lei n.º 17/79, de 26 de Maio, foi, com a duração de trinta dias (art.º 2.º), concedida ao Governo autorização legislativa para 'reformular o regime legal da função pública no que respeita ao regime jurídico das funções de direcção e chefia, à correcção de anomalias em algumas carreiras dos funcionários públicos, ao regime disciplinar, ao estatuto da aposentação, bem como à reversão de vencimentos' (artº 1º).
Usando essa credencial, editou o Governo, em 25 de Junho de 1979, o Decreto-Lei nº 191-D/79, diploma que, por entre o mais, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Central, Regional e Local
(cfr. artº 1º), revogou a legislação até aí em vigor aplicável em matéria disciplinar aos funcionários e agentes a que o novo Estatuto se iria aplicar - entre estas o artº 83º do anterior estatuto disciplinar (Decreto nº 32.659, de 9 de Fevereiro de 1943) que, relativamente aos processos de sindicância, inquérito ou disciplinares instaurados ou realizados pela Inspecção-Geral de Finanças, mandava observar o disposto no Regulamento aprovado pelo Decreto nº 32.341, de
30 de Outubro de 1942 - (cfr.artº 4º, nº 1). E, considerando a existência de regimes disciplinares especiais, veio, no seu artº 5º, a consagrar:-
1 - Os estatutos ou regimes disciplinares especiais serão adaptados, por decreto regulamentar, ao que no Estatuto aprovado pelo artº 1.º se dispõe, no prazo de seis meses a contar da data da entrada em vigor deste diploma.
2 - Até à publicação dos decretos regulamentares previstos no número anterior, a aplicação dos estatutos e regimes especiais far-se-á sem prejuízo da observância imediata das normas relativas às garantias de defesa do arguido, bem como das constantes na alínea a) do artigo 2.º do presente diploma.
Na sequência desta disposição, foi editado o Decreto Regulamentar nº 76/80, de 3 de Dezembro, o qual, no que ora releva, prescreveu:-
- a atribuição de competência à Inspecção-Geral de Finanças para, no âmbito da sua competência funcional, realizar sindicâncias e inquéritos e instruir processos disciplinares relativamente a quaisquer serviços públicos, com base em determinação superior ou por requisição do Tribunal de Contas, para além da atribuição de competência, para tais fins, relativamente aos serviços e pessoal da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da Direcção-Geral do Tesouro e das autarquias locais, na parte em que estas últimas forem objecto de inspecção e relativamente a infracções verificadas no decurso da acção fiscalizadora que tal Inspecção-Geral haveria de levar a efeito ou das diligências que lhe fossem requisitadas pelo Tribunal de Contas [cfr. artigos 1º e 2º, nº 1, e artº 12º, nº 1, alínea d) do Decreto-Lei nº 513-Z/79, de 27 de Dezembro];
- que, quando, em resultado de inspecção ou balanço aos serviços ou pessoal, o inspector encarregado dessas diligências verificasse infracção disciplinar, deveria o mesmo instaurar 'logo processo disciplinar, com base em cópia da parte do relatório onde se descreve a infracção, independentemente de despacho da entidade que tenha competência disciplinar sobre o arguido, deduzindo a acusação no prazo de quarenta e oito horas após o início da respectiva instrução' (artº 2º, nº 2);
- que, quando no exercício das suas funções, o inspector presenciasse que um funcionário de qualquer serviço sujeito à acção fiscalizadora da IGF cometeu qualquer infracção disciplinar, e se o mesmo pertencesse ao pessoal ou aos serviços indicados na citada alínea d) do nº 1 do artº 12º do D.L. nº 513-Z/79, deveria o mesmo instaurar 'logo processo disciplinar com base no auto de notícia, independentemente de despacho da entidade que tenha competência disciplinar sobre o arguido' (cfr. artº 4º, nº
2).
2. Facilmente se verifica do cotejo das disposições constantes do Decreto Regulamentar nº 76/80 com as do Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79 que as especificidades referentes ao «regime disciplinar especial» consagrado no primeiro diploma - e no que ora importa - se prendem unicamente com a competência para a instauração de processo disciplinar.
Na verdade, enquanto que no Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79 '[s]ão competentes para instaurar ou mandar instaurar processo disciplinar, contra os respectivos subordinados, todos os superiores hierárquicos, ainda que neles não tenha sido delegada a competência de punir'
(artº 37º), no «regime disciplinar especial» consagrado no Decreto Regulamentar nº 76/80 tal competência, como acima se viu, em regra, é deferida ao inspector da Inspecção-Geral de Finanças.
2.1. A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se o comando constante do Decreto Regulamentar nº 76/80, consistente na atribuição de competência para a instauração de processo disciplinar ao inspector da IGF, comparativamente com a competência para a instauração ou para a ordem de instauração de processo disciplinar atribuída a um superior hierárquico, ainda que não tenha o poder de punir disciplinarmente, competência este estabelecida no Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 191-D/79, constitui algo que, atenta a circunstância de caber na competência exclusiva da Assembleia da República a fixação do regime geral de punição das infracções disciplinares, constitui um desbordamento da competência governamental e, consequentemente, se a edição de norma contendo aquele comando padece de inconstitucionalidade orgânica.
A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, o Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79 constitui um corpo normativo que, ao reger, em geral, para os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, bem como para o pessoal dos institutos públicos, nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos e, quanto a disciplina, para os funcionários e agentes das autarquias locais, é de perspectivar como uma «lei geral» (passe o porventura menor rigor da expressão) reguladora do regime disciplinar da função pública. E, por isso, haveria esse Estatuto de ser, ou editado pelo Parlamento, ou pelo Governo, munido que estivesse este da adequada credencial parlamentar.
Mas, se isto é assim, então há que reconhecer que se não compreendem naquele regime geral normas que venham a estabelecer especificidades no campo disciplinar - substancial e designadamente no que tange a normas procedimentais e de ordenação - relativamente a determinados funcionários e agentes que a tradição jurídica nacional de há muito contemplava como detendo
«estatutos disciplinares especiais». Por isso tais normas podiam ser editadas pelo Governo sem precedência de autorização legislativa; ponto é que fossem respeitadas as grandes linhas do estatuto disciplinar base da função pública, que constituirá como que a 'matriz' do regime disciplinar.
E, por isso, no Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79, consciente que estava o legislador daquela tradição, se veio a dispôr que eram excluídos do âmbito da sua aplicação 'os funcionários e agentes que possuam estatuto especial'.
2.2. Ora, se se pesquisarem as normas ínsitas no Decreto Regulamentar nº 76/80, facilmente se verifica que a 'especialidade' do «regime disciplinar» ali previsto, comparativamente como as regras constantes do Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79, basicamente reside na atribuição de competência para a instauração de processo disciplinar, nos moldes acima indicados.
É, tão só e assim, uma 'especialidade' consistente na adopção de uma dissemelhante norma de competência para aqueles fins, não se descortinando que o aludido Decreto Regulamentar, relativamente ao nele clausulado, tivesse levado a cabo quaisquer modificações, quer no que toca ao procedimento disciplinar e respectivas regras, quer no que concerne à tipicidade das infracções, quer, por fim, às penas e respectivas regras de imposição.
Pois bem.
É necessário não passar em claro que a Inspecção-Geral de Finanças é um organismo ao qual são cometidas funções de fiscalização superior, a exercer em todo o território nacional, que está na dependência directa de um Ministro (cfr. artº 1º do D.L. nº 513-Z/79), organismo esse que, na sua estrutura orgânica, dispõe de uma concreta inspecção - a Inspecção dos Serviços Tributários - à qual compete especialmente realizar 'inquéritos e sindicâncias, bem como instaurar e instruir processos disciplinares respeitantes a serviços e respectivo pessoal das Direcções-Gerais das Contribuições e Impostos e do Tesouro' - sublinhado nosso - [cfr. artº 12º, nº 1, alínea d), daquele diploma], sendo que aos inspectores coordenadores, aquando do exercício das respectivas funções nos serviços de administração fiscal, é conferida uma situação de maior categoria que os directores de finanças ou de directores de serviços centrais (cfr. artº 66º, ainda do mesmo diploma).
Perante o que se deixa dito, não se afigura que, pelo diploma em causa, fossem «tocadas» as regras gerais do Estatuto aprovado pelo D.L. nº 191-D/79, pelo que a «especificidade» que se surpreende no Decreto Regulamentar nº 76/80, não se podendo integrar em tais regras, não é de considerar como consubstanciando matéria da competência exclusiva da Assembleia da República.
3. Suscita o recorrente uma outra questão, a qual, justamente, consiste em saber se, tendo-se determinado no artº 5º do D.L. nº
191-D/79 que o Governo teria, no prazo de seis meses e mediante decreto regulamentar, de adaptar os estatutos ou regimes disciplinares especiais ao que se dispunha no Estatuto aprovado por esse mesmo diploma, e tendo o Decreto Regulamentar nº 76/80 surgido a lume apenas em 3 de Dezembro de 1980, o facto de este último diploma ter sido editado para além daquele prazo implica que o mesmo seja perspectivado como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica.
A resposta a esta questão é, igualmente, negativa.
Na realidade, não está aqui em causa a edição de um diploma governamental que, como se viu, reja em matéria incluída na competência exclusiva da Assembleia da República, edição para a qual foi concedida, por um dado prazo, autorização por parte daquela Assembleia. Numa tal situação (que não
é a de que aqui se cura), esgotado que fosse o prazo concedido, haveria de considerar caduca a autorização, motivo pelo qual a normação constante do diploma governamental, porque incidente sobre matéria da exclusiva competência parlamentar, havia de considerar-se como enfermando de inconstitucionalidade orgânica.
O que, in casu, se passa é a existência de um comando constante de um diploma (o D.L. nº 191-D/79) que estatui sobre matéria incluída na mencionada competência exclusiva (e, para o que releva, tanto importa que esse diploma emane directamente da Assembleia da República ou do Governo devidamente credenciado por ela), comando que mais não faz do que determinar que o Governo edite actos normativos revestindo a categoria de actos regulamentares em ordem a adaptar determinados «regimes disciplinares especiais» aos princípios que presidem ao regime geral disciplinar da função pública constante do Estatuto aprovado por aquele mesmo diploma.
Trata-se, pois, de um prazo ordenador visando o exercício do poder regulamentar do Governo e cuja inobservância, nesse contexto e por si, não é susceptível de fazer incorrer o diploma regulamentar em nenhum vício de inconstitucionalidade.
E, mesmo que o Estatuto aprovado D.L. nº 191-D/79 se tratasse de uma lei (no sentido de acto normativo com valor legislativo) obrigada a regulamentação para se tornar exequível e na qual não foi fixado prazo para esta ser levada a cabo pelo Governo, o que é certo é que não existe na vigente Constituição (aqui se incluindo a versão originária) norma de conteúdo semelhante à que se continha no nº 4 do artº 109º da Constituição de
1933.
De outro lado, nenhuma norma se descortina na Lei Fundamental que vá ferir de invalidade um acto normativo regulamentar editado para além do prazo que a regulamentada lei para tanto estabeleceu.
Por último, sublinhe-se que a ordem de emanação de decreto regulamentar, de todo o modo, não constava da lei credenciadora do D.L. nº 191-D/79 - a Lei nº 17/79 - mas sim daquele mesmo decreto-lei.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 12 de Março de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida