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Proc. nº 402/96
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A., de nacionalidade cabo-verdiana, foi condenada, no Tribunal de Círculo de Cascais, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão efectiva. A mesma decisão condenatória declarou-lhe perdoado um ano de prisão, nos termos da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, e decretou, como pena acessória, a expulsão da arguida do território nacional por um período de seis anos, nos termos do artigo 34º do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
2. Deste acórdão de 4 de Julho de 1994, e não se conformando com o mesmo, a arguida interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelos seguintes fundamentos:
1 - Quanto à falta de especificação das conclusões contidas na contestação, que não se resumem a negar a prática do crime;
2 - à falta de enumeração dos factos não provados de forma que inequivocamente o intérprete possa concluir que todos os factos alegados pela arguida foram considerados na decisão da matéria de facto;
3 - à qualificação jurídica dos factos, e,
4 - à pena acessória de expulsão.
E concluiu que o acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 97º, nº 4, 374º, nº1, d), e nº 2, e por esta via, a do artigo 410º, nº 2, al. a), e ainda do artigo 379º, al. a), todas do CPP, bem como dos artigos 21º, nº 1, 25º, nº 1, al. a) e 34º, nº 1, do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e ainda dos artigos 18º, nº 1, e 36º, nº 6 da CRP.
Igualmente concluiu que «a interpretação da norma do artº 34º nº 1 do DL 15/93, de 22/1 no sentido de permitir a expulsão de cidadãos estrangeiros mas que tenham filhos de nacionalidade portuguesa, sofre do vício de inconstitucionalidade material por violação das normas do artº
33º nº 1 e 36º nº 6 da CRP».
3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Fevereiro de 1996, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
4. Inconformada com esta decisão, a arguida interpôs recurso da mesma para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, al.s b) e g), da LTC, restrito à questão de apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 34º, nº 1, do Decreto Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro.
5. Admitido o recurso, veio a recorrente a concluir, nas suas alegações, que
3º
A Lei 15/93, assim como o DL 430/83, são inconstitucionais, já que ao determinarem a medida acessória de Expulsão criam uma desigualdade dos estrangeiros e dos portugueses na aplicação e designação da medida da pena e num acréscimo penalisante, mais violento que a própria pena.
4º
A decisão de separação dos filhos da mãe esta o único elemento, da unidade da sua família, onde se inclui criança de três anos de idade, É VIOLADORA DO ARTº 36º Nº 6 DA CRP E DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL QUE DEFENDE A UNIDADE DO AGREGADO FAMILIAR.
5º
A declaração de inconstitucionalidade dos nº 1 do artº34º da lei 15/93 e do nº 2 do artº 34 do DL 430/83, é não só um imperativo constitucional mais premente, como um imperativo social mais profundo.
6º
Assim como tal imperativo se impõe quanto ao douto acórdão que determina a medida acessória de expulsão, por não só injustificada, e não justificada na douta sentença, como não precedida das premissas prévias da sua previsão ou substanciação.
7º
Sendo certo que a medida é MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL.
6. Por sua vez, o Procurador Geral Adjunto neste Tribunal concluiu as suas alegações pela forma seguinte:
1º - No exercício do poder-dever de decretar a pena acessória de expulsão do estrangeiro condenado pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 34º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, deve o Tribunal realizar um juízo de adequação e proporcionalidade, tendo em conta não apenas a gravidade objectiva do crime cometido e a perigosidade do seu agente, mas também os efeitos reflexos que tal medida poderá ter nos direitos fundamentais de filhos menores, de nacionalidade portuguesa, cuja subsistência em Portugal dependa, de forma essencial, do exercício efectivo do poder paternal pelo progenitor a quem pode ser imposta aquela pena acessória.
2º - Constitui interpretação inconstitucional, por violadora do preceituado nos artigos 18º, nº 3, 33º, nº 1, 36º, nº 6, e 69º da Constituição da República Portuguesa, a que se traduz em privilegiar, em termos desproporcionados, as razões de ordem e segurança pública, subjacentes ao decretamento da pena acessória de expulsão, sem ter em consideração os efeitos reflexos do decretamento e execução de tal sanção nos direitos fundamentais dos filhos menores, de nacionalidade portuguesa, do arguido a quem foi cominada a expulsão.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
7. A norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é a constante do número 1 do artigo 34º do Decreto--Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, cujo teor é o seguinte:
Sem prejuízo do disposto no artigo 49º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.
Entendeu-se no acórdão recorrido o seguinte:
O Tribunal Colectivo ao decretar a expulsão do País da Arguida limitou-se a dizer no douto acórdão «A Arguida deve ainda ser expulsa do território nacional por um período de 6 anos, nos termos do artº 34º do DL
15/93»; esta decisão segue-se à incriminação e condenação pelo crime do artº
21º, nº 1, do DL 15/93, e vai no seu seguimento «deve ainda», pelo que implicitamente remete-se para o descrito antes no douto acórdão. A decisão está fundamentada no mínimo por remissão implícita para a parte anterior do acórdão. Mas ainda que faltasse por completo a fundamentação dessa medida acessória - expulsão do território nacional - o douto acórdão não sofria do vício apontado - al. a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal, pois não estamos perante a insuficiência de factos para a decisão, mas sim perante a aplicação de uma pena acessória aos factos provados e por isso se não é caso de expulsão tal deve-se não à falta de factualidade constante do douto acórdão, mas por esta não se enquadrar no art. 34º do DL 15/93, matéria de direito a ser reexaminada no tribunal de recurso.
[...]
A expulsão em causa não é automática consequência da condenação, sendo uma faculdade dada ao tribunal «pode ordenar a sua expulsão do País...».Neste sentido acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Dezembro de 1991, no B.M.J. nº 412, a páginas 198.
A recorrente entende que a disposição em causa ofende o estatuído na Constituição da República Portuguesa, por sendo ela expulsa posta em causa é a estabilidade dos seus filhos - art.s 18º, nº 1, 33º, nº 1 e 36º, nº
6.
Entendemos que não tem razão, pois a expulsão diz respeito só à Arguida, mais ninguém da sua família, inclusive os filhos, por tal medida não abrangidos, e não é posto em causa o direito da mesma de constituir família e de a manter.
A Arguida, como mãe de seis filhos, é que devia pensar na sua segurança e tranquilidade dos mesmos antes de praticar actos que a privassem da liberdade, e esquece igualmente que já em 23 de Outubro de 1989 lhe foi imposta a pena de expulsão do País, o que não sucedeu por força do indulto que lhe foi concedido em Dezembro de 1991.
A Arguida é que voluntariamente se pôs em situação de poder ser expulsa, dado ser estrangeira.
E tem de se manter essa pena acessória por qualquer das actividades ligadas ao narcotráfico ser de elevada gravidade, em que a Arguida voltou a cair e que importa procurar banir da nossa sociedade e uma das medidas
é expulsar do território nacional quem sendo estrangeiro aqui foi acolhido e não sabe adaptar-se aos sentimentos éticos e morais vigentes na sociedade portuguesa e que repelem aqueles que têm intervenção no narcotráfico.
8. Entende a recorrente que a decisão de
1ª instância, recorrida, não contém matéria de facto suficiente para fundamentar a aplicação da pena acessória de expulsão; ao não tomar em consideração - dela não constando - que a recorrente tem seis filhos, alegadamente de nacionalidade portuguesa, em dependência económica da arguida, aquela decisão recorrida fez uma interpretação da norma constante do artigo 34º, nº 1 do Decreto Lei nº 15/93 que não se coaduna com os preceitos constitucionais invocados, nomeadamente os artigos 33º, nº 1, e 36º, nº 6 da CRP.
Fundou como tal o seu recurso para o STJ na al. a) do nº 2 do artigo 410º do CPP.
No essencial, o que a recorrente alega é que a norma questionada deve possuir uma delimitação negativa, no sentido de que, tendo o cidadão, alvo da medida de expulsão, filhos menores, de nacionalidade portuguesa, residindo em território nacional, não se lhe pode aplicar aquela pena acessória, pois tal implica a expulsão de cidadãos portugueses - os menores -, ou, alternativamente, a separação do núcleo familiar, progenitor e seus filhos, assim se violando os comandos constitucionais aludidos.
E, não tendo o tribunal recorrido entendido dever levar em consideração esses factos - existência dos filhos menores a cargo da recorrente e respectiva nacionalidade - verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
9. Tal como se pode ler no acórdão do STJ recorrido, acima transcrito, entendeu-se neste que não há falta de fundamentação da decisão de 1ª instância que condenou a arguida, relativamente à pena acessória, e, mesmo que faltasse de todo a fundamentação, essa decisão continuaria a não sofrer do vício de insuficiência da matéria de facto - artigo
410º, nº 2, a) do CPP - pois que, tratando-se de uma pena acessória, a sua aplicação decorre da incriminação e condenação da arguida pelo crime do artigo
21º, nº 1, do Decreto Lei nº 15/93; e, como tal, estaria sempre «fundamentada, no mínimo por remissão implícita para a parte anterior do acórdão», pois que estamos «perante a aplicação de uma pena acessória aos factos provados».
Entendeu, assim, o STJ que o acórdão da
1ª instância não incorreu no vício apontado, de violação do artigo 410º, nº 2, al. a), do CPP, no que à aplicação da medida de expulsão se refere, porque esta decorre da incriminação e condenação penal efectuada, não carecendo de fundamentação expressa e autónoma.
Todavia, como mais adiante refere o acórdão recorrido, daí não decorre que a expulsão em causa seja automática, mera consequência da condenação, já que antes é uma faculdade dada ao tribunal. Mas, entendendo, por um lado, que aquela medida apenas visa a recorrente e não aos seus filhos e, por outro lado, também não põe em causa o seu direito de constituir e manter família, e considerando igualmente a necessidade de banir do território nacional os estrangeiros que se dediquem a actividades ligadas ao narcotráfico, dá prevalência a este interesse público para manter a decisão de aplicação da pena acessória de expulsão.
10. O Procurador-Geral Adjunto, após extensa referência ao direito internacional, nomeadamente à jurisprudência do Tribunal Europeu, considera, por seu turno, o seguinte:
Pensamos que, no caso dos autos, se não terá procedido, salvo melhor opinião, a uma indagação e ponderação global e exaustiva das condições pessoais, sociais e familiares da arguida, com vista a apurar - atenta a gravidade objectiva do crime praticado - da proporcionalidade e adequação do decretamento da pena acessória de expulsão.
[...]
Deste modo, a decisão recorrida - tal como a proferida em 1ª instância - privilegiou claramente as razões de ordem pública - ligadas à gravidade objectiva do crime que motivou a condenação e à reincidência da arguida - atribuindo, consequentemente, pouco relevo aos reflexos que a medida expulsiva decretada poderia ter na estabilidade daquele núcleo familiar em que a arguida estava inserida.
Daí que se não hajam averiguado, em termos suficientemente seguros, determinados aspectos que consideramos essenciais à formulação do aludido juízo de proporcionalidade do decretamento da expulsão, a começar pela questão da nacionalidade dos filhos da arguida - [...]
Importaria, por outro lado, averiguar se esses seis filhos da arguida, residentes em Portugal, são ou não menores -
[...]
Do mesmo modo consideramos de particular relevância a indagação sobre se é a arguida que exerce o poder paternal efectivamente a tais filhos menores, curando efectivamente do seu sustento e educação, com vista a apurar dos efeitos reflexos na esfera jurídica dos filhos da medida expulsiva decretada
Em suma: na nossa opinião, as circunstâncias elencadas - a nacionalidade e menoridade dos filhos, o exercício do poder paternal em relação a eles e as consequências práticas, no que se refere à sua subsistência e educação, da execução da pena acessória decretada - configuram-se como decisivas para averiguar da proporcionalidade e adequação do decretamento da expulsão da arguida, como consequência da respectiva condenação por crime de tráfico de estupefacientes.
11. No âmbito da anterior legislação sobre o tráfico e consumo de estupefacientes - Decreto Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro - a norma que prescrevia tal expulsão (artigo 34º, nº 2, do cit. Decreto), foi julgada inconstitucional por este Tribunal, quando interpretada no sentido de que a condenação de um estrangeiro pelo crime previsto no artigo 23º, nº 1, tinha como efeito necessário aquela expulsão do país, por violação do artigo 30º, nº 4, da Constituição (vejam-se, nomeadamente, os Acórdãos nºs
284/89, de 9 de Março, Diário da República, 2ª Série, de 12 de Junho de 1989, e
434/93, de 13 de Julho de 1993, Diário da República, 2ª Série, de 19 de Janeiro de 1994).
12. Não se coloca neste momento a questão tratada nos citados acórdãos, até porque tal orientação se referia à anterior legislação, revogada, como se sabe, pelo Decreto-Lei nº 15/93, de onde consta a norma em análise. Aliás, hoje em dia, a norma em causa expressamente concebe a aplicação da medida de expulsão como uma faculdade - 'pode' -, já não prevendo a simples aplicação automática ou necessária de tal medida.
Com efeito, a questão agora suscitada é apenas a da constitucionalidade de um segmento ideal dessa norma que prevê a aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional. Isto é, a questão da constitucionalidade da referida norma, mas tão-só enquanto aplicável aos cidadãos estrangeiros que possuam filhos menores, de nacionalidade portuguesa, com eles residentes no nosso território.
13. Poder-se-ia colocar a questão da inutilidade de tal apreciação de constitucionalidade, uma vez que não se encontram entre os factos provados aqueles que pressupõem a aplicação do segmento em causa.
Todavia, da análise do acórdão recorrido resulta que o STJ não concedeu provimento ao recurso fundado na violação da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -, considerando que, ainda que se houvessem provado tais factos, a norma do artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, não seria inconstitucional.
Assim, não pode este Tribunal determinar se, eventualmente, um juízo de inconstitucionalidade sobre aquele segmento questionado não levaria o STJ a considerar a necessidade de mandar alargar a matéria de facto, por insuficiência para a decisão, nos termos do artigo 410º do CPP.
Sendo isso matéria que escapa à competência do Tribunal Constitucional, a mera dúvida sobre qual a atitude do STJ é quanto basta para se conhecer do fundo.
14. A questão de fundo refere-se, pois,
à aplicação da medida acessória de expulsão a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes no território nacional.
Dispõe o artigo 36º, nº 6, da Constituição o seguinte:
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Esta garantia, que consiste em os filhos não poderem, em princípio, ser separados dos pais, não constitui apenas um direito subjectivo dos próprios pais a não serem separados dos seus filhos, mas também um direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos respectivos pais. Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial, nos casos especialmente previstos por lei e verificados os pressupostos expressamente previstos na Constituição: quando se torne necessário salvaguardar os direitos dos menores, por os pais não cumprirem os seus deveres para com eles. Assim se pretende proteger a família, como o impõe o artigo 67º, nº 1, do texto constitucional.
Esta protecção constitucional dada à família, bem como a concedida à paternidade e à maternidade, nos termos dos artigos 67º e 68º da Lei Fundamental, permite compreender a importância de que se reveste, na nossa ordem constitucional, a específica norma de garantia estabelecida pelo artigo 36º, nº 6, que reflecte, afinal, em sede de direitos, liberdades e garantias, aquela protecção.
À família, considerada na Lei Fundamental como 'elemento fundamental da sociedade', hão-de ser facultadas 'todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros', seguramente porque se entende depender o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomeadamente afectivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e colectiva, a sua própria forma de ver o mundo.
A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indivíduo, sendo aí que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afectivos.
Como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., anotação V ao artigo 67º, pág. 351):
A protecção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, protecção da unidade da família. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. [...]
Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respectiva separação ou afastamento.
15. Assim tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, em aplicação do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Aquele artigo 8º dispõe pela forma seguinte:
1. Toda a pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão tanto quanto esta ingerência estiver prevista pela lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades dos outros.
Embora reconhecendo aos Estados a legítima preocupação em assegurar a respectiva ordem pública e o consequente direito de controlarem a entrada, a permanência e o afastamento de não-nacionais, o Tribunal Europeu considera que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar têm de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas e, além do mais, proporcionadas aos fins legítimos prosseguidos. E, como tal, tem-se pronunciado no sentido de considerar como violadoras do artigo
8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem medidas de expulsão de estrangeiros com vínculos familiares no país de residência: assim aconteceu no caso Moustaquim c. Bélgica (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol. 3, nº
3, 1991, págs. 90 e segs.), bem como no caso Beldjoudi c. França, (Revue Universelle des Droits de l'Homme, Vol. 5, nº 1-2, 1993, págs. 40 e segs.).
16. Poder-se-ia dizer, aqui chegados, que a medida de expulsão da mãe não implica, necessariamente, a separação entre os filhos e ela, pois pode levá-los consigo.
Efectivamente assim acontece, só que tal implica que os filhos abandonem o território nacional, para poderem acompanhar a mãe. O que, na medida em que esses filhos tenham nacionalidade portuguesa, acaba por colidir com o disposto no nº 1 do artigo 33º da Constituição.
Este artigo 33º, nº 1, dispõe:
Não são admitidas a extradição e a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.
É evidente que, em casos como o dos autos, a expulsão da mãe - estrangeira - implica a expatriação dos respectivos filhos menores - ainda que cidadãos portugueses - para que se possa evitar a separação do agregado familiar. O que, de forma indirecta, equivale à respectiva expulsão.
Para evitar situações deste tipo, a lei francesa, no artigo 25º, nº 5, da ordonnance de 2 de Novembro de 1945 (na redacção dada pela lei de 29 de Outubro de 1981), expressamente proíbe a expulsão de estrangeiro que seja pai ou mãe de um ou mais filhos franceses, sendo que pelo menos um tenha residência em França, excepto se tiver sido definitivamente inibido do exercício do poder paternal.
17. Ou seja, como está concebida, a norma em questão envolve uma de duas consequências: ou a separação entre pais e filhos; ou a expulsão - embora indirecta ou consequencial - dos filhos, a fim de poderem acompanhar o progenitor alvo da expulsão.
De onde decorre, no questionado segmento da norma, uma violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1, e 36º, nº 6, da Constituição.
18. Acrescente-se, aliás, que os interesses de ordem pública visados pela norma em apreço nem sequer face à sua própria lógica interna se apresentam como absolutos - o que, também nesta perspectiva, torna a situação sub judicio substancialmente diversa de outras, como, por exemplo, a de separação entre pais e filhos que resulta da própria prisão.
Com efeito, é o artigo 34º, nº 1, ele mesmo, que estabelece que 'relativamente aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia' se observarão 'as regras comunitárias'. E não seria seguramente razoável sustentar que a nossa Constituição pretende tornar mais fácil a expulsão de um cidadão de um país de língua oficial portuguesa, aqui residente com seus filhos menores de nacionalidade portuguesa, que a expulsão de um cidadão britânico, austríaco, sueco ou finlandês, por exemplo.
III - DECISÃO
19. Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma constante do artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, nº 1 e 36º, nº 6, da Constituição;
b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 5 de Março de 1997 Luís Nunes de Almeida Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José Sousa e Brito Bravo Serra (Vencido. Em primeiro lugar, advêm-me algumas dúvidas sobre se o Supremo Tribunal de Justiça, verdadeiramente, aplicou a norma constante do nº1 do artº 34º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com a interpretação ou, se se quiser, com a dimensão que levou ao juízo de inconstitucionalidade formulado no presente aresto. Em segundo lugar, e admitindo que aquela aplicação tivesse, ao menos potencialmente, tido lugar, não consigo, francamente, vislumbrar que colham as razões que conduziram ao mencionado juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, para além dos considerandos carreados à decisão recorrida, penso que não posso passar em claro que alguns dos argumentos utilizados no vertente aresto poderiam igualmente servir para pôr em crise a aplicação de uma pena de prisão a progenitores com filhos menores que com eles convissem, sabido até que segundo as regras do regime penitenciário, é possível que os condenados em penas privativas de liberdade as venham a cumprir em estabelecimentos prisionais muito distanciados de residência que aqueles detinham, o que, claramente vai, na prática, inviabilizar o contacto daqueles progenitores com os filhos sobre os quais tinham o poder paternal) José Manuel Cardoso da Costa