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Processo n.º 339/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional de decisões proferidas na Relação do Porto, requerendo como segue:
«[...]não se conformando com o neles decidido, por considerar que o Tribunal da Relação do Porto, conferiu ao art. 412º nº 6 do Código de Processo Penal, uma interpretação que viola o estatuído no art. 32º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
O recurso é admissível – art. 70.º nº 1 b) e nº 2 da Lei 28/82 de 15 de novembro – a Recorrente tem legitimidade – art. 72º nº 1 b) idem – o recurso é tempestivo – art. 75º-A idem.
Considera a Recorrente – art. 75º - A nº 2, Lei 28/82 – que:
a) a questão da inconstitucionalidade foi por si suscitada no seu requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 16/11/2011, ao imputar ao referido Acórdão a violação do principio consignado no art. 32º nº 1 CRP
b) a violação consistiu na interpretação conferida pelo TR Porto ao nº 6 do art. 412º CP Penal, segundo a qual o Tribunal ad quem não tem de proceder como é ali exigido (“No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”), limitando-se, apenas, a aderir ao juízo formulado em primeira instancia com base na imediação , o que se traduz na negação de recurso, violando, assim, o disposto no art. 32º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa
Nestes termos deve ser admitido o recurso, no efeito suspensivo, seguindo-se os ulteriores termos.»
O recurso não foi admitido por despacho proferido na Relação do Porto com o seguinte teor:
Pelo exposto, e com o doutíssimo suprimento de V. Ex.ªs, deferindo-se a presente
«Vem a arguida A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão proferido nestes autos. Invoca o disposto no artigo 70.º, n.º 1, b) e nº 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e afirma que a interpretação dada ao artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal nesse acórdão é inconstitucional, tendo suscitado essa questão no requerimento dessa arguição de nulidade.
Nos termos referido artigo 70º, n.º 1, b), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Ora, a decisão de que se pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, que indefere a arguição de nulidade do acórdão proferidos nestes autos, não aplica a referido artigo 412º, n.º 6. Indefere a arguição dessa nulidade porque a questão suscitada não diz respeito a alguma nulidade do acórdão em causa, mas configura uma discussão do seu mérito passível de ser objeto de recurso se este fosse admitido. Tal decisão nunca poderia reiterar ou contrariar o acórdão proferido nestes autos (uma vez que já havia sido esgotado o poder jurisdicional quanto à questão em apreço), o qual – esse, sim – aplica o referido artigo 412º, nº 6. As disposições legais aplicadas pela decisão de que se pretende interpor recurso são, antes, os 425º, nº 4, e 379º, nº 1, c), do Código de Processo Penal, relativos à nulidade da sentença.
Assim, a decisão que aplica uma interpretação alegadamente inconstitucional do referido artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal é o acórdão proferido nestes autos e seria dele (e não da decisão que indefere a arguição de nulidade do mesmo) que poderia ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, se estivessem reunidos os demais requisitos para tal.
Já se esgotou o prazo para interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido nestes autos (ver artigo 75.º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro). E não estamos perante uma decisão sobre pedidos de retificação, aclaração ou reforma desse acórdão (situações distintas da arguição da sua nulidade), que pudessem, por aplicação do artigo 686º do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal) levar a que o prazo de interposição do recurso desse acórdão se contasse apenas a partir da notificação da decisão posterior em causa.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nºs 1 e 2, da Lei nº 28/82, de 15 de novembro, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional da decisão que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão proferido nestes autos.»
Inconformada, A. reclama deste despacho para o Tribunal Constitucional, alegando:
«[...] A ora Reclamante, ao interpor recurso da decisão de primeira instância, disse, claramente, que pretendia a reapreciação da prova gravada, como flui das suas alegações e conclusões de recurso, que aqui, por brevidade, se dão como reproduzidas.
Infere-se, sem margem para duvidas, do texto do Acórdão de que se arguiu a nulidade, que os Senhores Desembargadores não se deram ao trabalho – íamos a escrever ao incómodo – de ouvir a gravação da prova e, face às decisões posteriormente proferidas, está a Reclamante convicta de que nem sequer analisaram as passagens concretas vertidas nas alegações de recurso limitando-se, pura e simplesmente, a aderir à sentença proferida em 1.ª instancia.
Não podemos deixar de realçar mais uma vez que, sobre a matéria de facto, a parte decisória do Acórdão comprime-se em duas páginas (fls 444 e 445) cujo teor, com todo o respeito, poderia servir de “chapa” para qualquer outra decisão de natureza similar, o que, sempre com o mesmo devido respeito, não prestigia quem o proferiu.
Desse Acórdão não cabia recurso para o STJ pelo que, face ao seu teor, não poderia a Reclamante ter deixado de arguir a respetiva nulidade, fundando-se no facto de o Tribunal da Relação não ter reapreciado a prova gravada, nomeadamente, as passagens concretas referenciadas.
Parece-nos claro que um Tribunal de recurso não pode ficar indiferente, fazer ”orelhas moucas“,ou deixar de se pronunciar quanto às afirmações da própria Ofendida gravadas nos autos, e transcritas, quando diz
“(...) eu estava sozinha”
“(...) nenhum de nós viu (...)
“(...)“não sei o que aconteceu, não sei mesmo”
“(...) eu estou sozinha”
Ora, o Tribunal da Relação do Porto, ignorando, olimpicamente, o esforço da ali Recorrente e aqui Reclamante, não só não apreciou estas passagens concretas como não reapreciou as demais passagens concretas indicadas e transcritas, exaustivamente, nas alegações de recurso.
Damos, aqui, como integrado o teor do requerimento de arguição de nulidade do Acórdão em que se conclui que este violou o disposto no nº 6 do art. 412º CPP bem como o art. 32º nº 1 da Constituição da Republica.
No entendimento do Tribunal reclamado, (TR Porto) nunca haveria reapreciação da prova gravada, pelo que as disposições que a consagram não passariam de “letra morta”
Por muitas voltas que o TR Porto dê, não consegue esconder que pura e simplesmente ignorou as alegações de recurso e o pedido, nelas formulado, de reapreciação da prova!
Esta atitude constitui incontornável negação do direito de recurso da Reclamante e consequentemente, violação do comando constitucional (art. 32º nº 1 CRP)!
No despacho de que ora se reclama é dito que
“Nos termos referidos no art. 70.º nº 1 b) cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”
E conclui-se aí:
Ora, a decisão de que se pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão proferido nestes autos, não aplica o referido art. 412º nº 6.
Mas, salvo o devido respeito, esta afirmação traduz-se apenas numa forma ínvia e encapotada de negar à Reclamante qualquer possibilidade prática de defesa e de recurso.
Se não, vejamos:
As disposição do art. 379º nº 1 c) e 425º nº 4 CP Penal limitam-se a elencar os casos de nulidade de sentenças ou acórdãos.
Mas a questão primordial destes autos é o incumprimento por banda do Tribunal da Relação do Porto do disposto no nº 6 do art. 412º CPP!
O comando dessa disposição é claro:
“ (...) o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa”.
Ora resulta, claramente, do teor das decisões proferidas pelo TR Porto e da falta de fundamentação que este Tribunal não só não procedeu à audição das passagens indicadas como, igualmente, não procedeu à audição de outras passagens relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa!
No Acórdão que indefere a arguição da nulidade, o TR Porto diz que “(...) o Tribunal não deixou de pronunciar-se sobre a pretensão da Requerente ; só não o fez no sentido por ela pretendido”.
O que, rigorosamente, não é verdade!
O TR Porto não se pronunciou sobre qualquer das passagens da prova concretamente indicadas pela Recorrente, não lhes tendo feito qualquer alusão!...
Ora, não deixa de ser perturbador ou, mesmo preocupante, que um Tribunal de recurso ignore completamente as declarações da própria Ofendida concretamente indicadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso e já acima transcritas e evidenciadas.
Ao entender que não tem de dar cumprimento ao disposto no art. 412º nº 6 CPP, o TR Porto negou a reapreciação da prova gravada e, consequentemente, o direito de recurso da Reclamante
A decisão do TR Porto que desatende a arguida nulidade do Acórdão confere ao art. 412º nº 6 CPP uma interpretação que viola o principio consignado no art. 32º nº 1 CRP
já que dela resulta:
A – que o TR Porto não procedeu à audição das passagens concretas indicadas na motivação de recurso, nem de outras com interesse para o apuramento da verdade e a boa decisão da causa, nem procedeu, assim, à sua subsequente reapreciação (já que não lhes faz a mais leve alusão)
B – e que não o fez por entender que a reapreciação da matéria de facto , em sede de recurso, não lhe impõe tal procedimento.
E –, assim sendo, carecem de fundamento as razões aduzidas para a não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
A questão do não cumprimento, por banda do TR Porto, do disposto no arº 412º nº 6 CPP e a consequente violação do disposto no nº i do art. 32º CRP, foi suscitada pela Reclamante em sede de arguição de nulidade – e não poderia obviamente, tê-lo sido antes!!!!.
Logo, afigura-se-nos manifesto que, em ordem a conferir-se à lei um sentido útil haverá de ser entendido que só após decisão proferida sobre a Arguição de nulidade, comece a correr o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional.
Nestes termos devem V. Exas. ordenar que o recurso seja admitido, como tempestivo, no efeito suspensivo, seguindo-se os demais termos até final.»
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional emitiu, sobre a reclamação, o seguinte parecer:
1. Na sequência da notificação do acórdão da Relação do Porto que indeferiu a arguição de nulidade de anterior acórdão daquela Relação que, por sua vez, negara provimento ao recurso interposto da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, a arguida A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Não tendo o recurso sido admitido, reclama para este Tribunal.
3. No requerimento de interposição do recurso não se identifica com clareza qual o acórdão da Relação de que se recorre, se do primeiro que negou provimento ao recurso, se do segundo que indeferiu a arguição de nulidade.
4. Efetivamente, a recorrente afirma nessa peça:
“ (….) arguida nos autos, não se conformando com o neles decidido, por considerar que o Tribunal da Relação do Porto, conferiu ao artigo 412.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, uma interpretação (….)”.
5. Na decisão reclamada entendeu-se, tacitamente, que o acórdão objeto de recurso era o que indeferiu a arguição de nulidade, entendimento com o qual concordamos, pelas razões que seguidamente adiantaremos.
6. No requerimento recursório em causa, a recorrente afirma que suscitou a questão de inconstitucionalidade na arguição de nulidade.
7. Ora, como essa questão tem de ser suscitada antes de ser proferido o acórdão de que se pretende recorrer, conclui-se que é do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade que se recorreu.
8. Por outro lado, mesmo que subsistissem dúvidas neste ponto, a recorrente, poderia e deveria ter aproveitado a presente reclamação para as dissipar.
9. Ora, apesar de essa ser uma circunstância decisiva que integrou o fundamento para a não admissão do recurso, na reclamação nada se diz sobre tal matéria.
10. Sendo a decisão recorrida, o acórdão que indeferiu a arguição de nulidade, parece-nos evidente que nele não se aplicou, nem se poderia ter aplicado, a norma do artigo 412.º, n.º 6, do CPP.
11. Na verdade, o acórdão que indefere a nulidade invocada ao abrigo dos artigos 379.º, n.º 1, alínea c) e 425.º do CPP e 668.º do Código de Processo Civil, apenas aplica estas normas, maxime as duas primeiras.
12. Assim, faltando esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, deve a reclamação ser indeferida.
13. Poderíamos ainda acrescentar que no requerimento de interposição do recurso não vem enunciada uma questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse constituir objeto idóneo de recurso de constitucionalidade.
14. O que a recorrente questiona é o Tribunal de recurso não ter ouvido as passagens gravadas e indicadas, tal como seria exigido pelo n.º 6 do artigo 412.º do CPP.
15. Por último, poderíamos ainda dizer que, mesmo que se aceitasse que a Relação não ouvira as passagens gravadas, tal, vem na sequência de se ter considerado que da motivação do recurso resultava que a recorrente pretendia era pôr em causa “os juízos formulados pelo Tribunal a quo quanto à credibilidade dos depoimentos da assistente e das várias testemunhas”.
16. Ora, esta circunstância não consta do requerimento de interposição do recurso, mesmo quando a recorrente pretendeu enunciar uma “interpretação” da norma em causa.
A reclamante foi ouvida sobre este parecer, tendo respondido da seguinte forma:
1. - Segundo o Parecer ora em questão (ponto 3):
No requerimento de interposição do recurso não se identifica com clareza qual o acórdão da Relação de que se recorre, se do primeiro que negou provimento ao recurso, se do segundo que indeferiu a arguição de nulidade “.
Ora, não tendo a Respondente poderes mediúnicos, não poderia, em sede de recurso da decisão de 1.ª instância, a quo, adivinhar, ou, no mínimo, prever, que os Senhores Desembargadores do ali Tribunal ad quem, antes de proferirem o seu Acórdão de 16.11.2011, viessem a ignorar, pura e simplesmente, o disposto no nº 6 do artº. 412º do CP Penal e , consequentemente, o objeto do recurso que era a reapreciação da prova agravada.
Se tivesse sido ungida por tais poderes de adivinhação, a Respondente poderia ter antecipado o cometimento, por banda do Tribunal da Relação, de tais omissões...
Mas, falecendo-lhe tais poderes, apenas em sede de arguição de nulidade (o recurso estava-lhe vedado), ou seja, a posteriori poderia esgrimir o argumento da inconstitucionalidade.
Afigura-se, assim, claro, que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada na peça de arguição de nulidade, e, logo, o recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que indeferiu a pretensão da ali arguente, julgando pela inexistência da invocada nulidade.
2º. - Refere ainda o Parecer
“Sendo a decisão recorrida o acórdão que indeferiu a arguição de nulidade, parece-nos evidente que nele não se aplicou, nem se poderia ter aplicado, a norma do artº. 412º, n.º 6, do CP Penal”.
e ainda,
“ Na verdade, o acórdão que indefere a nulidade invocada ao abrigo dos artºs. 379.º, nº 1, alínea c) e 425º do CP Penal e 668º do CP Civil, apenas aplica estas normas, maxime as duas primeiras”.
Nada de novo o representante do Ministério Público limita-se a repelir o já defendido pelo Tribunal da Relação, não no Acórdão que indefere a arguida nulidade, mas no despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Resulta, todavia, claramente, do Acórdão que indeferiu a nulidade que o que estava em causa era a aplicação do nº 6 do artº. 412º do CP Penal, o seu cumprimento ou incumprimento.
Aí se afirma:
“ O Tribunal no deixou de pronunciar-se sobre a pretensão da Recorrente”.
Ora, a pretensão da Recorrente, o objeto de recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, era (e é) a reapreciação da prova gravada, no respeito pelo comando do nº 6 do artº. 412º do CP Penal, como aliás resulta, abundantemente, da peça em que se arguiu a nulidade e cujo conteúdo nos dispensamos, aqui, de repetir.
O Tribunal da Relação, porém, não o fez, e pelas decisões proferidas nos autos entendeu, claramente, que não tinha de proceder à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considerasse relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Sem essa audição, nunca poderá o Tribunal da Relação reapreciar a prova gravada, fazendo dela o seu próprio exame crítico, lógico e racional.
E ao não fazê-lo, como é óbvio, deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado.
Ao fim e ao cabo, nos presentes autos, o art. 416º, nº 6 e o art. 379.º, n.º 1, alínea c), são faces da mesma moeda.
A questão fulcral é a negação à Respondente do seu direito ao recurso, direito esse consagrado no art. 32º, nº 1 da nossa tão vilipendiada Constituição.
E gostaríamos de ver o Ministério Público, como garante da legalidade, preocupado com a violação de tal direito fundamental.
3.º - Quanto aos pontos 13, 14, 15 e 16 do Parecer, pretende a Respondente sublinhar:
a) - que o requerimento de interposição do recurso cumpre, na íntegra, o disposto no art. 75º-A da Lei nº 28/82 de 15 de setembro; e
b) - que será necessário ler as alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto apresentadas pela Respondente e o alegado no seu requerimento de arguição de nulidade do Acórdão proferido por aquele Tribunal, para se entender o que é que a Respondente questiona.
2. Dispensados os vistos, cumpre decidir em Conferência.
Visa a reclamante ver recebido o recurso que interpôs na Relação do Porto, a impugnar, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), o acórdão proferido naquele tribunal em 16 de novembro de 2011, e o que se lhe seguiu por força da reclamação que contra ele foi interposta pela reclamante.
Ora, independentemente da razão que levou a Relação a não admitir o recurso, constata-se, todavia, que a reclamante não suscitou, como devia, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, por forma a possibilitar a interposição do recurso previsto na aludida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Na verdade, não basta imputar ao acórdão a violação genérica 'do principio consignado no artigo 32º n.º 1 da Constituição' para se ter por suscitada a questão da inconstitucionalidade 'do n.º 6 do artigo 412º Código de Processo Penal'.
Mas ainda que assim não fosse, sempre seria impossível conhecer do recurso em virtude de a questão enunciada se reportar a vício da decisão, em si mesmo considerada, e não à desconformidade constitucional de norma aplicada na decisão recorrida. É que, consistindo o problema 'na interpretação conferida pelo TR Porto ao n.º 6 do art. 412º CP Penal, segundo a qual o Tribunal ad quem não tem de proceder como é ali exigido, limitando-se, apenas, a aderir ao juízo formulado em primeira instancia com base na imediação', o objeto do recurso incide diretamente sobre a conformidade legal da própria decisão, por não ter dado cumprimento à determinação legal, o que constitui uma realidade diversa da aplicação de uma norma inconstitucional.
E, para além disso, é ainda manifesto que a Relação do Porto não aplicou, na decisão recorrida, qualquer norma com o sentido impugnado. Diz a decisão, na parte relevante:
1 - Vem a arguida e recorrente A. invocar a nulidade do acórdão proferido nestes autos, invocando o disposto nos artigos 379º, nº 1, c), e 425º, no 4, do Código de Processo Penal e alegando que este Tribunal não procedeu à reapreciação da prova gravada nos termos do artigo 412º, nº 3, do mesmo Código, como tinha requerido e era objeto do recurso.
[...]
II - Das disposições conjugadas dos artigos 425.º, n.º 4, e 379º, nº 1, c), do Código de Processo Penal, resulta que é nulo o acórdão proferido em recurso que não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não é, porém, manifestamente, o que está agora em causa.
O Tribunal não deixou de pronunciar-se sobre a pretensão da recorrente; só não o fez no sentido por ela pretendido. Não deixou de pronunciar-se sobre o pedido de reapreciação da prova gravada pela recorrente; mas considerou que, nos termos em que era colocada a questão, não estavam reunidos os respetivos pressupostos legais.
[...].
Em suma: o acórdão recorrido não aplicou a norma que a reclamante entende ser inconstitucional; para além disto, não foi adequadamente suscitada perante o tribunal recorrido, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 72º da LTC, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; além de que a questão enunciada no requerimento de interposição do recurso não apresenta, sequer, a natureza normativa que é exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
3. Decide-se, em face do exposto, indeferir a reclamação, mantendo, com esse fundamento, a decisão de não recebimento do recurso interposto. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 12 de junho de 2012. - Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.