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Processo nº 602/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- C...,. arguido em processo a correr termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, recorreu, para o Tribunal da Relação competente, do despacho judicial de 27 de Maio de 1996 que indeferiu o pedido de revogação da medida de prisão preventiva que lhe foi imposta, alegando a inconstitucionalidade da interpretação dada ao nº 1 do artigo 177º do Código de Processo Penal (CPP), em seu entender violadora do disposto no artigo 34º, nºs.
1 e 2, da Constituição da República (CR), na medida em que não considera uma garagem como 'dependência fechada' para efeitos dessa norma.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 6 de Agosto de 1996, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Inconformado, do assim decidido interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da interpretação dada à citada norma do nº 1 do artigo 177º do CPP, no sentido de não abranger todos os espaços fechados de um prédio de habitação, designadamente a respectiva garagem, e, do mesmo passo, a interpretação do tribunal recorrido segundo a qual não é necessária, em caso de flagrante delito e mesmo que se trate de busca domiciliária, a comunicação a que se reportam os artigos 174º, nº 5, e 177º, nº 2, do mesmo CPP.
Em sua tese, semelhantes interpretações normativas violam o disposto no artigo 34º da CR.
Juntou, a propósito, cópia de um parecer dos Professores Doutores Jorge Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade que sumariam assim as considerações expendidas:
a) Nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 177º do Código de Processo Penal deve considerar-se 'dependência fechada' a garagem colectiva de um prédio, desde que fechada e de acesso reservado aos condóminos;
b) Uma garagem deste tipo é um espaço privado, não relevando para a tutela processual penal do domicílio a circunstância de o arguido não dispor do espaço em causa de forma exclusiva.
c) A busca efectuada na garagem colectiva do prédio onde habita o arguido C... é nula por ter sido efectuada sem ordem ou autorização de um juiz, fora dos casos em que a lei prescinde do mandado judicial - artigos 32º, nº 6, e 34º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e 126º, nº 3, 177º e 269º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
d) Acresce à nulidade da busca a proibição de valoração da prova obtida, uma vez que foi utilizado um método proibido de prova
- artigos 118º, nº 3, 125º e 126º do Código de Processo Penal.
e) O consentimento dado pelo arguido C... para a busca levada a cabo na casa de habitação, só por si, não legitima a busca efectuada na garagem.
2.- Recebido o recurso, alegaram recorrente e Ministério Público.
O primeiro formula as seguintes conclusões:
'1.- O douto tribunal a quo interpretou o artigo 177º do CPP no sentido de que um espaço fechado - garagem - a que apenas os seus proprietários têm acesso, não é abarcado pelo conceito de domicílio ou ainda pela inviolabilidade da privacidade dos cidadãos.
2.- Ora, somos de opinião que esse espaço fechado é protegido pelo direito à privacidade que o conceito de domicílio comporta.
3.- É assim que opinam os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade.
4.- Essa interpretação dada pelo douto tribunal a quo fere de inconstitucionalidade os artigos 174º, nº 5, e 177º, nº 2, do CPP, quando o douto tribunal a quo os interpreta no sentido de que não é necessário o Meritíssimo Juiz validar as buscas efectuadas ao domicílio no caso de flagrante delito.
5.- Esta interpretação viola, além do mais, os artigos 32º e
34º da CRP.'
Pede, em consequência, que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, se 'declarem' inconstitucionais os artigos 177º, nº
1, 174º, nº 5 e 177º, nº 2, 'quando lhe for dada a interpretação acima mencionada'.
O Ministério Público, por sua vez, através das alegações apresentadas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, rematou assim:
'A interpretação acolhida no acórdão recorrido de que a garagem colectiva, fechada, à qual só têm acesso os condóminos, não deve ser considerada
'dependência fechada', nos termos e para os efeitos do artigo 177º, nº 1, do Código de Processo Penal, não viola o artigo 34º da Constituição da República Portuguesa '.
Propugna, assim, a confirmação da decisão recorrida na parte impugnada.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II
1.- Convém, antes de mais, delimitar claramente o objecto do recurso.
Na verdade, a dimensão da interpretação normativa posta em causa pelo recorrente tem flutuado ao longo do processo.
Com efeito, constitui jurisprudência firme e reiterada deste Tribunal o entendimento que, no recurso de constitucionalidade interposto de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, a questão de constitucionalidade há-de, em princípio, ter sido suscitada durante o processo, tomando-se esta locução não em sentido formal mas sim em sentido funcional, de modo que dela possa ainda conhecer o tribunal recorrido, antes de esgotado o respectivo poder jurisdicional (cfr., por todos, os acórdãos nºs. 62/85, 90/85,
94/88 e 479/89, publicados no Diário da República, II Série, de 31 de Maio e 11 de Julho de 1985, 22 de Agosto de 1988 e 24 de Abril de 1992, respectivamente).
Ora, compulsados os autos, verifica-se que, nessas coordenadas de tempo, o arguido apenas suscitou, em tempo, a questão da conformidade constitucional na interpretação adoptada quanto à norma do nº 1 do artigo 177º do CPP. Consoante se pode ler na motivação do recurso de agravo interposto para a Relação, pede-se a 'declaração' da inconstitucionalidade da interpretação dada a esta norma e nada mais, tal como, de resto, já consta no requerimento em que se pediu a revogação da medida de coacção.
É certo que, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal (que, em princípio, constitui o momento processual idóneo para a delimitação do respectivo objecto) o arguido 'amplia-o', reportando-se, também, à inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão às normas dos nº. 2 do artigo 177º e 5 do artigo 174º, ambos do mesmo Código. No entanto, foi esse o primeiro momento em que a suscitação da questão de constitucionalidade teve lugar, independentemente de o recorrente desde o início ter convocado estas duas normas para do facto pretender obter a declaração de nulidade do despacho que ordenou a busca por alegada violação das mesmas.
Assim, o que atempadamente se questionou foi a interpretação concedida ao nº 1 do artigo 177º do CPP - 'A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz [...] sob pena de nulidade' - de modo a não se considerar 'dependência fechada', para os efeitos deste artigo, a garagem colectiva de prédio constituído em propriedade horizontal, à qual têm acesso todos os condóminos do referido prédio.
Não obstante, reconhece-se que o âmbito interpretativo da norma, tal como no caso foi aplicada, convoca o disposto, seja nºs. 4 e 5 do artigo 174º, seja, por via destes, no nº 2 do artigo 177º, pelo que, serão tomados em consideração no objecto do recurso.
2.1.- O acórdão recorrido apoiou-se em determinado suporte fáctico, ora insindicável, que assim se pode sintetizar:
a) no dia 23 de Janeiro de 1996, cerca das 22,15 horas, agentes da P.S.P. constataram que o arguido se encaminhava em direcção à garagem colectiva do prédio onde reside;
b) por suspeitarem que este guardava, no interior de um veículo automóvel que aí tinha estacionado, 'produto estupefaciente', interpelaram-no e solicitaram que o arguido os acompanhasse até ao local onde se encontrava o veículo, ao que este acedeu;
c) na respectiva bagageira apuraram a existência de uma embalagem contendo determinada quantidade de heroína e um moínho triturador com resíduos de estupefacientes;
d) procederam depois, os mencionados agentes, a uma busca na residência do arguido, onde encontraram talões de depósitos bancários ascendendo a sete mil contos, efectuados entre 21 de Novembro de 1995 e 18 de Janeiro de 1996;
e) a busca foi por este autorizada por escrito
(auto de interrogatório, a fls. 39; termo de autorização de busca domiciliária, a fls. 71).
2.2.- Tendo presente estes factos, ponderou-se no acórdão a seu propósito:
'[...] entende o recorrente que os agentes da P.S.P. entraram em garagem contra a sua vontade e sem a sua autorização escrita.
Contudo sem razão. Na verdade, à garagem de um prédio constituído em propriedade horizontal têm acesso todos os condóminos do referido prédio. Trata-se, assim, de uma garagem colectiva e daí que não possa ser considerada uma dependência fechada da casa de habitação do recorrente. As buscas são autorizadas por despacho da autoridade judiciária, podendo, contudo, ser efectuadas por órgão da polícia criminal, quando o visado consinta na mesma e o consentimento prestado fique documentado, artigos 174.3 e 4, alínea b) do C.P. penal. Ora o recorrente, por termo de 23/1/96, consentiu que a P.S.P. realizasse a respectiva busca e daí a sua validade. Só no caso de busca domiciliária efectuada nos termos do artigo 174º, nº 4, als. a) e b) do C.P. Penal é que fica sujeita, sob pena de nulidade, a imediata comunicação ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação - artº 174-5 do Cód. de Proc. Penal.'
E o aresto acrescenta:
'É totalmente válida a busca realizada pela P.S.P. na garagem em causa que encontrou acondicionada uma embalagem contendo 200,72 gramas de heroína e um triturador com resíduos de estupefacientes, na bagageira do veículo de matrícula GL-60-26. Por outro lado, a busca pode ser ordenada sem despacho da autoridade judiciária, aquando da detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão e no caso de busca domiciliária não se encontra sujeita à comunicação imediata do juiz de instrução art. 174 - 5 e 177 - 2 ambos do Código de Proc. Penal.
O crime indiciado e imputado ao arguido recorrente é o de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 21- 2 do dec.lei nº 15/93 de 22 de Janeiro a que corresponde a pena de prisão de 4 a 12 anos [...].'
2.3.- A disciplina das revistas e buscas sujeita-as, em princípio, a prévio despacho da autoridade judiciária, que as autoriza ou ordena.
Há, no entanto, casos em que essas diligências poderão ocorrer sem precedência de despacho e que são os previstos no nº 4 do artigo
174º do CPP: a) terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b) quando os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; c) aquando da detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
Se estes casos, tipificados pelo legislador, constituem excepções ao regime regra, tratando-se de busca domiciliária - ou seja, de busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada (nº 1 do artigo 177º do CPP) - o regime é mais apertado, constituindo uma dessas excepções o consentimento do visado, cuidando-se em assegurar a inviolabilidade do domicílio, consentimento a prestar em momento anterior à diligência e situado na área da disponibilidade dos bens jurídicos em causa (não coenvolvendo métodos proibidos de prova, como os enunciados no artigo 126º do CPP).
Considera-se que, neste caso, o consentimento do ofendido elimina o eventual ilícito (volenti non fit injuria: cfr. Maia Gonçalves, 'Meios de Prova' in - Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de processo Penal, Coimbra, 1988, págs. 213 e seguintes).
3.1.- Justifica-se este regime restritivo pela necessidade de se acautelar o direito constitucionalmente assegurado da inviolabilidade do domicílio, como se observou no acórdão nº 507/94, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1994.
Com efeito, o nº 1 do artigo 34º da CR estabelece que 'o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis', enquanto o nº 2 dispõe que a 'entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei, sendo certo que, por sua vez, em matéria de garantias do processo criminal, o nº 6 do artigo 32º da CR fere de nulidade 'todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações'.
Anotando esse artigo 34º, comentam Gomes Canotilho e Vital Moreira estar a inviolabilidade do domicílio relacionada com o direito à intimidade pessoal previsto no artigo 26º do mesmo diploma, considerando-se o domicílio uma projecção espacial da pessoa, sendo ainda um direito à liberdade desta, na medida em que a possibilidade da entrada no domicílio dos cidadãos, fora do caso de mandado judicial, depende do consentimento dos próprios (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 212).
Não é, no entanto, fácil definir rigorosamente o objecto da inviolabilidade do domicílio, como observam os mesmos autores (loc. cit.):
'Tendo em conta o sentido constitucional deste direito, tem de entender-se por domicílio desde logo o local onde se habita, a habitação, seja permanente seja eventual, seja principal ou secundária. Por isso, ele não pode equivaler ao sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas certamente incluindo também as habitações precárias, como tendas,
'roulottes', embarcações), abrangendo também a residência ocasional (como o quarto de hotel) ou ainda os locais de trabalho (escritórios, etc.); dada a sua função constitucional, esta garantia deve estender-se quer ao domicílio voluntário geral quer ao domicílio profissional (Cód. Civil, artºs. 82º e 83º). A protecção do domicílio é também extensível à sede de pessoas colectivas (Cód. Civil, artº 159º).'
Este Tribunal, por seu turno, também já se pronunciou a respeito do conceito constitucional do domicílio acolhido naquele artigo 34º, entendendo, a esse propósito, no acórdão nº 452/89, publicado no Diário da República, I Série, de 22 de Julho de 1989:
'A inviolabilidade do domicílio a que se refere o artigo 34º da CRP exprime, numa área muito particular, a garantia do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, genericamente afirmada no artigo 26º, nº
1, da CRP.
Por isso mesmo, tal garantia se não limita a proteger o domicílio, entendido este em sentido restrito, ou seja, no sentido civilístico de residência habitual; antes, e de acordo com a interpretação que dela tradicionalmente é feita, tem uma dimensão mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar.'
Com base nestas premissas, o Tribunal - que cuidava de apreciar se poderiam equiparar-se a domicílio, enquanto habitação como
'projecção espacial da pessoa', as auto-vivendas, roulottes, carroções e veículos similares servindo como habitáculo de nómadas - entendeu estarem essas
'habitações precárias' a coberto da protecção da norma do artigo 34º.
3.2.- Na perspectiva da tutela penal, seja no caso de crime de violação de domicílio, previsto no artigo 190º do Código Penal, seja no de introdução em lugar vedado ao público, tipicizado no artigo 191º do mesmo diploma - ambos integrados no capítulo dos 'crimes contra a reserva da vida privada' - utiliza-se um conceito de domicílio que se não cinge a uma acepção naturalística de casa - tal como se incriminava , no artigo 380º do Código de 1886, a introdução na casa de habitação de alguma pessoa - mas, mais amplamente, envolve o espaço físico da habitação onde, permanentemente ou transitoriamente, a pessoa vive e aí instala, nessa medida, a sua privacidade, em limites que abrangem os espaços anexos, desde que vedados ao público.
Pode afirmar-se a existência, sob o ponto de vista substantivo, de uma equiparação, para efeitos de tutela penal, entre a habitação e os espaços vedados anexos a esta - ou seja, os espaços vedados ao público - uns e outros justificados por uma teleologia de protecção da vida privada, constitucionalmente protegida.
Parece incontroverso que o conceito constitucional de domicílio deve ser dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar - como tal conjugado com o disposto no nº 1 do artigo 26º da CR - assim acautelando um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem consentimento do próprio titular do direito (matéria sobre a qual este Tribunal já se pronunciou, como seja, inter alia, nos acórdãos nºs.
128/92 e 319/95, publicados no Diário da República, II Série, de 24 de Julho de
1992 e de 2 de Novembro de 1994, respectivamente).
Sob este ponto de vista, o domicílio configura um espaço físico onde se desenvolve a vida privada em liberdade e segurança, o que, de resto, não significa, necessariamente, plena e exclusiva disponibilidade sobre ele, compadecendo-se com uma pluralidade de titulares do direito à habitação
(proprietários, usufrutuários, arrendatários, comodatários, etc.: cfr. o acórdão nº 507/95, citado).
Sem prejuízo da eventual dissonância de resposta dos direitos material e adjectivo, cujos universos não são necessariamente sobreponíveis de tópicos hermenêuticos, como observa Costa Andrade (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 41) pois que inseridos em distintos horizontes político-criminais e teleológicos, o que
'há-de levar-se à conta da autoreferência sistemática dos discursos próprios dos dois ordenamentos', parece certo que a noção material substantiva de domicílio foi acolhida no processo penal.
Assim sendo, para que o conceito tenha dimensão constitucional deve verificar-se casuisticamente se a protecção da vida privada está em causa.
4- A especificidade do caso radica no facto de esse espaço ser fisicamente descontínuo em relação à zona de habitação e de a ele terem acesso não só o próprio arguido, ora recorrente, como os demais condóminos ou eventuais arrendatários, comodatários, etc..
Na tese do recorrente o espaço da garagem é equiparado a dependência fechada de casa habitada, sujeito, como tal, à inviolabilidade a esta inerente. Na sua perspectiva, o legislador processual penal terá querido assegurar às dependências fechadas a mesma protecção dispensada à habitação, no regime das buscas, e uma garagem fechada, mesmo que colectiva, configura uma dependência desse tipo, assim devendo ser considerada para os efeitos do nº 1 do artigo 177º.
Pode, no entanto, questionar-se que assim seja: face à natureza do espaço onde a busca teve lugar, não propriamente habitacional, naturalmente não são tão instantes os valores inerentes à teleologia da protecção da vida privada. Se o espaço domiciliário constitucionalmente protegido se caracteriza pelo resguardo da liberdade e da segurança pessoais, dir-se-á que essa protecção não teria razão de ser se se tratasse de uma área que outros usufruem igualmente - pelo menos em relação a uma certa fracção ideal
- dada a inexistência de uma indisponibilidade exclusiva (ou, pelo menos, não teria razão de ser nos termos constitucionalmente garantidos para as dependências fechadas das casas de habitação).
Seja como for, a ratio do acórdão recorrido não assenta nessa problematização, abordada lateralmente, mas sim, e decisivamente, na constatação do consentimento prestado pelo arguido - que o formalizaria mediante o 'termo de autorização de busca domiciliária' constante dos autos.
Com efeito, afirma-se no aresto que 'podendo as buscas ser efectuadas por órgãos de polícia criminal, quando o visado consinta na mesma e o consentimento prestado fique documentado [...]', no concreto caso 'o recorrente por termo de 23/1/96, consentiu que a P.S.P. realizasse a respectiva busca e daí a sua validade'.
Foi com base nesta premissa que a Relação confirmou a decisão da 1ª Instância, negando provimento ao recurso.
Não parece, a esta luz, que a interpretação feita das normas aplicadas mereça censura jurídico-constitucional.
Na verdade, mesmo a entender-se constituir a aludida garagem um espaço dependente do domicílio do arguido - questão que, afinal, se deixa em aberto - sempre se dirá que o acórdão considerou estarem verificados os requisitos de validade exigidos pelo nº 2 do artigo 177º em conjugação com a alínea b) do nº 4 do artigo 174º, ambos do CPP, ao abrigo dos quais aquela diligência foi efectuada, em termos que não colidem com a Constituição.
Não se recortam, assim, motivos para julgar diferentemente a respeito da equacionada matéria de constitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa