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Procº nº 495/96 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que figuram como recorrente M... e como recorrida D... - Sociedade de Construção, S.A., pelo essencial dos fundamentos da Exposição do relator de fls. 795-800 - os quais não foram minimamente abalados pela resposta da recorrente, que se limita a reiterar a sua 'legitimidade para defender e estar ao lado do seu Advogado em todas as circunstâncias, como o mesmo tem feito em relação à recorrente' -, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em oito Unidades de Conta, e determinar que se envie à Ordem dos Advogados certidão do presente acórdão, atenta a comunicação antes ordenada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 495/96 Rel. Cons. Alves Correia
Exposição nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro):
1. Em autos que no Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 394v e 713) e no Supremo Tribunal de Justiça (fls. 745) foram considerados 'caóticos' e
'confusos' e que tiveram o seu início num processo de restituição provisória da posse, a que foi apenso um processo de execução de sentença para entrega de coisa certa, em que, por sua vez, foram deduzidos embargos de executado e em que, em mais de uma ocasião, se voltou a repetir o processado por decisão da instância superior, acabou por ser interposto recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, em que a agravante M... concluía assim:
'A 'Justiça' a nível da 2ª Instância é, salvo raras excepções, demorada, não funciona e é feita de 'não conhecimentos' estereotipados. Estamos na época das minutas ou clichés judiciais, atentatórios dos direitos processuais da recorrente.
A única questão a decidir pela 2ª Instância não obteve resposta, pois a recorrente ficou sem saber se a decisão em crise da 1ª Instância carecia ou não de qualquer fundamentação/motivação e, se por isso, era nula (artº 668º/1/b/ do CPC), pelo que deixou de pronunciar-se sobre questão relevante que devia apreciar, o que acarreta a nulidade do Acórdão ora impugnado (artº 668º/1/d/1ª parte do CPC). A 2ª Instância nega em sede de decisão o que afirmou na fundamentação, criando um artificial nevo- eiro sobre os períodos temporais distintos dos anos de 1993 e 1995, encurtando ilegalmente as respectivas coordenadas temporais, pelo que a conclusão do silo- gismo judicial está errada, pelo que o Acórdão é nulo (artº
668º/1/c/ do CPC). Nem os autos de restituição de posse, nem a execução deviam parar - e só pararam para proteger a 'parte rica dos autos' -, pois ambos os processos deviam ter sido movimentados de imediato, como agora nebulosamente se reconhece na fundamentação do ACÓRDÃO, que se negou a dar razão decisória a quem a tem' ab initio', que é o (a) recorrente'.
Por Acórdão de 15 de Novembro de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, condenando 'nas custas a recorrente e também, como litigante de má-fé, na multa correspondente a dez unidades de conta', determinando ainda que, para os fins do artigo 459º do Código de Processo Civil, se desse conhecimento à Ordem dos Advogados. Notificada a agravante, veio esta arguir a nulidade do referido aresto, logo invocando a inconstitucionalidade da norma do artigo 459º do Código de Processo Civil, 'na medida em que, como no caso dos autos, proíbe o recurso de um despacho proibido por lei /artigo 137º do CPC' e expendendo quatro parágrafos sobre o assunto (fls. 765-766).
2. Indeferida a arguição de nulidade por Acórdão de 26 de Março de
1996, veio a agravante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, de ambas as decisões do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
'Vem recorrer dos aludidos ACÓRDÃOS de 26.3.96 e 15.11.95 para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa, já que o Mmº Juiz da 1ª Instância é respon- sável pelo despacho em crise proibido por lei/artº 137º do CPC, o qual violou o dever de lealdade e equidistância para com as partes e tornou a lide desequilibrada e desleal. Há violação dos artºs. 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental. Os Acórdãos recorridos aplicaram com sentido inconstitucional a norma do artº
459º do CPC, na medida em que, como no caso dos autos, proibiram o recurso de um despacho proibido por lei, nos termos do artº 137º do CPC, sendo que tais Arestos não se pronunciaram sobre a única questão em aberto, que era declarar nulo e sem efeito o despacho recorrido da 1ª Instância. A referida inconstitucionalidade foi invocada quando o podia ser, na arguição de nulidade deduzida em 27.11.95, tendo a norma inconstitucional do artº 459º do CPC sido aplicada nos Acórdãos de 15.11.95 e 26.3.96. A participação ao Exmº. Conselho Superior da Magistratura contra o Mmº Juiz da
1ª Instância impunha-se, mas a participação à Ordem dos Advogados pelo facto de a parte recorrer de um despacho proibido é um contrasenso.
O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do artº 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com a nova redacção da Lei 85/89 de 7 de Setembro. Assim, porque os Acórdãos são recorríveis e a agravante tem legitimidade e está em tempo, requer a VV. Exªs. a admissão do recurso, o qual sobe imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.
3. Decorre do que vem de ser referido que o objecto do presente recurso de constitucionalidade é a norma constante do artigo 459º do Código de Processo Civil, cujo conteúdo é o seguinte:
Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, para que estas possam aplicar as sanções respectivas e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhes parecer justa.
Poderia entender-se que a inconstitucionalidade da norma do artigo
459º do Código de Processo Civil não foi invocada 'durante o processo', uma vez que foi suscitada, pela primeira vez, no requerimento de arguição de nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 1995, e este já não
é, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, na generalidade dos casos, um momento adequado para suscitar uma tal questão
Como quer que seja, não interessa apurar se 'a referida inconstitucionalidade foi invocada quando o podia ser' ('na arguição de nulidade deduzida em 27 de Novembro de 1995'), porquanto não há legitimidade da recorrente para a suscitar. É que esta não se pode ter por vencida na aplicação de tal norma - Bem ao contrário: na medida em que a Ordem dos Advogados venha a condenar o mandatário da recorrente numa quota-parte das custas e multas em que a fez incorrer (só nesse caso é que haverá tal condenação), a recorrente verá diminuir os prejuízos causados pela demanda. A recorrente tem interesse na aplicação da norma e nenhum interesse na sua não aplicação. Não assim o seu mandatário, que tem nesta matéria um conflito de interesses com a sua cliente. Em consequência, não pode prevalecer-se da posição processual desta para litigar em prejuízo dela - e em seu proveito pessoal.
Provalmente dando-se conta desta dificuldade, o recurso interposto para este Tribunal imputa à norma impugnada um sentido que ela patentemente não tem: o de 'proibir um recurso' . Ora, o que a norma se limita a fazer é determinar uma comunicação à Associação Pública do mandatário judicial quando o Tribunal reconheça 'responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa', cabendo, no caso, à Ordem dos Advogados, a condenação do mandatário. Donde resulta que:
- ou o mandatário não tem responsabilidade e a condenação não lhe será aplicável pela Ordem;
- ou a tem e da condenação pela Ordem caberá recurso, onde, com a legitimidade exigida, o ora mandatário poderá suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 459º do Código de Processo Civil.
Poder-se-ia ainda decompor tal norma em duas sub--normas: a da obrigação de comunicação do Tribunal à competente associação pública e a da condenação por esta - de modo a antecipar a apreciação da primeira e atenuar o conflito de interesses. Ainda aí, porém, se não ultrapassaria a falta de legitimidade da recorrente: a recorrente não é objectivamente afectada por uma tal comunicação. O único interesse em jogo é do seu mandatário, pelo que só este, pessoalmente, pode impugnar essa norma.
Nestes termos, entendo que não deve tomar-se conhecimento do recurso.
Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos da parte final do nº
1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa,