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Processo nº 318/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - O Juiz de Direito A. interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça 'dos actos eleitorais relativos aos vogais do Conselho Superior da Magistratura a que se reporta o artigo 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (artigo 145º), da deliberação de 17.2.95 da Comissão de Eleições, relativa ao apuramento de resultados finais e à proclamação de eleitos, tal como se mostra da sua Acta nº 3', peticionando se declarasse 'nula ou anulada' aquela deliberação, desaplicando-se para tanto, com fundamento em inconstitucionalidade, as normas constantes dos artigos 17º,
3º, nº 1, 14º, 18º, nº 2, 20º, nº 2, 21º, 24º, nº 1, 27º, nºs 1, 2 e 3 e 40º, nº
1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura.
No que à questão de constitucionalidade respeita aduziu, na motivação do recurso, a seguinte linha argumentativa:
'18º) - Face ao conteúdo do citado Processo Eleitoral, verificamos estar face a um regulamento que procedimentaliza e eleição dos vogais do Conselho Superior de Magistratura a que se reporta o artigo 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21//85, de 30 de Julho, já que estamos perante um conjunto de normas jurídicas dimanadas de uma autoridade administrativa no desempenho do poder administrativo.
19º) - Por outro lado, estamos perante um regulamento externo, pois o citado Processo Eleitoral pretende regulamentar as eleições a que se refere o artigo 220º, nº1, alínea c), da Constituição, no que se tem como um direito fundamental nos termos do artigo 50º, nº 1, tanto mais que foi publicitado no Diário da República.
20º) - Ora, do exposto constata-se que resulta incumprido o disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição, tanto na versão de 1982, como na de 1989, ou seja, o regulamento em causa não indica expressamente a lei que visa regulamentar ou que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (...).
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24º) - Daí que a votação, apuramento e proclamação em causa, assentes nos artigos 17º, 3º, nº 1, 14º, 18º, nº 2, 21º, 24º, nº 1, 27º, nºs 1,
2 e 3, e 40º, nº 1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, que se revelam inconstitucionais por violação do artigo 115º, nº 7, da Constituição, são ilegais, devendo em consequência ser anuladas.
25º) - Mas, as citadas normas constantes dos artigos 17º, 3º, nº 1,
14º, 18º, nº 2, 21º, 24º, nº 1, 27º, nºs 1, 2 e 3, e 40º, nº 1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, são ainda inconstitucionais por traduzirem o exercício de competências, para as quais o seu autor, o plenário do Conselho Superior da Magistratura, não possui as respectivas atribuições.
26º) - Na verdade, compete legalmente ao Conselho Superior da Magistratura apenas adoptar as providências necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral (artº 149º, alínea h), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção original).
27º) - Por outro lado, quanto a competência regulamentar, tem o Conselho Superior da Magistratura poderes para aprovar só o seu regulamento interno (artº 149º, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção original).
28º) - O que vale dizer que inexiste qualquer norma legal que confira competência, tanto objectiva, como subjectiva, ao Conselho Superior da Magistratura, no que toca à regulamentação do processo eleitoral.
29º) - Ou seja, falta a norma habilitante.
30º) - Não existe norma habilitante, porque constitucionalmente é inadmissível. Na verdade, nos termos do artº 167º, alínea j), da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre eleições dos titulares dos restantes órgãos constitucionais, sendo certo que Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 666, incluem entre os 'restantes órgãos constitucionais' o Conselho Superior da Magistratura.
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35º) - Temos pois violado, para além do disposto no artº 115º, nº
7, da Constituição, o comando constante do artº 167º, alínea j), da Lei Fundamental, de que resulta a inconstitucionalidade das normas constantes dos artºs 17º, 3º, nº 1, 14º, 18º, nº 2, 21º, 24º, nº 1, 27º, nºs 1, 2 e 3, e 40º, nº 1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, e leva in casu
à nulidade da deliberação impugnada - cfr o artº 133º, nº 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
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38º) - (...) como eleitor do Conselho Superior da Magistratura, tem o recorrente interesse directo, pessoal e legítimo na invalidade da deliberação impugnada, já que nas vicissitudes da sua relação de serviço lhe importa que o Estado seja actuado por um órgão regularmente constituído.
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39º) - O que face, às ilegalidades apontadas não acontece.
40º) - Se assim se não entender, por invocação do disposto no artº
20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, então, pelos fundamentos supra referidos, invoca-se a inconstitucionalidade do citado artº 20º, nº 2.
41º) - Para além do mais, carece o Conselho Superior da Magistratura de competência para definir a legitimidade dos eleitores, afigurando--se tal norma como restritiva de direitos, inconstitucional também por violação do disposto no artº 18º, nº 2, da Constituição.
42º) - Entende-se ainda que o contencioso eleitoral constitui uma manifestação do direito ao sufrágio, garantido pelos artigos 49º e 116º da Constituição, pelo que o artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, se se julgar aplicável, é inconstitucional por violação dos citados normativos'.
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2 - O Conselheiro Relator, na exposição que consta de fls. 42 e ss, suscitou a questão prévia da ilegitimidade do recorrente, pronunciando-se no sentido do não conhecimento do recurso.
Ateve-se, no que aqui importa reter, à fundamentação seguinte:
'É de lembrar, em primeiro lugar, que não é preciso recorrer aos textos subsidiários apontados pelo artigo 178º da Lei 21/85, porque esta tem norma própria relativa a legitimidade, que é o artigo 164º, nº 1, segundo o qual pode recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão, preceito este, de resto, inteiramente coincidente com o artigo 46º do Regulamento do S.T.A..
Como ensina o Prof. Diogo Freitas do Amaral, a legitimidade das partes é um pressuposto do recurso contencioso de anulação; e o recorrente, para ter legitimidade, tem de demonstrar que é titular de um interesse na anulação do acto (que tem interesse no provimento do recurso, que pode obter um benefício na anulação do acto recorrido) que esse interesse é directo (o benefício há-de ter repercussão imediata no interessado, não bastando um benefício mediato, eventual ou meramente possível) e pessoal (a repercussão da anulação do acto recorrido tem de projectar-se na própria esfera jurídica do interessado e não na esfera jurídica de outros) e legítimo (que é protegido pela ordem jurídica com interesse do recorrente, ficando de fora os chamados interesses de facto e os interesses reflexos ou difusos) (ob. cit., vol. IV, 135 e 167 e ss; em sentido idêntico, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 5ª ed, 720 e 721; ac. do S.T.J. de 24/2/95, proferido no proc. nº 87.141, da 3ª secção, já acima referido).
Ora, a esta luz, afigura-se-nos que o recorrente é parte ilegítima, porque, como simples eleitor, não tem um interesse directo ou indirecto na anulação do acto, nem beneficia da procedência do recurso, com repercussão na sua esfera jurídica e protegida pela lei como interesse próprio dele.
O recorrente alude a que 'nas vicissitudes da sua relação de serviço, lhe importa que o Estado seja actuado por um órgão regularmente constituído', mas semelhante interesse não tem as características que lhe apontamos como necessárias à legitimidade.
Assim, nem se vê necessidade de apoiar a decisão no artigo 20º, nº
2, do Processo Eleitoral referido, de acordo com o qual tem legitimidade para recorrer qualquer candidato, bem como os mandatários das listas concorrentes, e o recorrente não é uma coisa nem outra.
Em todo o caso, como adiante se há-de ver melhor, sempre se dirá que este texto não é inconstitucional, por, como afirma o recorrente, o C.S.M. carecer de competência para definir a legitimidade dos eleitores e por se tratar de norma restritiva de direitos, violadora do artigo 18º, nº 2, da Constituição e atentatória do direito de sufrágio (artºs 49º e 116º da Constituição da República Portuguesa).
Na verdade, este artigo 20º, nº 2, em nada contende com o direito de sufrágio (artº 49º) ou com os princípios gerais de direito eleitoral (artº
116º).
Por outro lado, o artigo 20º, nº 2, não redunda numa restrição de direitos enquadrável na proibição do dito artigo 18º, nº 2, da Constituição, porquanto, como norma regulamentar executiva e complementar da Lei 21/85, se limita a repetir, esclarecendo-o e precisando o seu sentido, o citado artigo
164º, nº 1, desta Lei 21//85, para a sua boa execução'.
E mais adiante, num plano de contraposição argumentativa, tendo especialmente em vista a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura:
'Contudo o recorrente opõe que o Processo Eleitoral é inconstitucional por não indicar a lei que visou regulamentar.
Mas não tem razão.
Ninguém contesta que, por força do artigo 115, nº 7, da Constituição, os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva ou objectiva para a sua emissão.
Aqui se estabelece a precedência da lei relativamente a toda a actividade regulamentar e o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos, o que vale não só para os regulamentos do Governo (cit. artº 202, al. c), da Constituição da República Portuguesa) como também para os regulamentos de qualquer órgão estadual a que seja atribuída competência regulamentar (J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, ob. cit., 924; ac. do Trib. Const., de 11/5/94, Diário da República, II série de 10/11/94).
Mas, no caso concreto, este regime do artigo 115º, nº 7, citado foi claramente observado.
Na verdade, já salientámos que a Lei 21/85, nos seus artigos 146º e
149º, al. g) (cfr. ainda o artº 144º), conferiu ao C.S.M. o poder de adoptar as providências necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral do artigo 137º, nº1, al. c), da mesma Lei; ora isto significa que lhe conferiu poder regulamentar para tal objecto, do que resulta existir precedência de lei quanto ao Processo Eleitoral em causa.
Por outro lado, este processo eleitoral não deixou de indicar a lei habilitante em várias das suas disposições (artºs 1º, 7º, 8º, 10º, 20º e 41º), o mesmo acontecendo com a subsequente actuação (artºs 1º, 7º, 8º e 40º), pelo que forçoso é concluir que o regulamento constituído pelo Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura não deixou de citar a lei habilitante, que lhe conferiu competência, subjectiva e objectiva, para regulamentar o Processo Eleitoral em discussão.
Diz ainda o recorrente que a norma habilitante seria constitucionalmente inadmissível, por se tratar de matéria de reserva absoluta da Assembleia da República (artº 167º, alínea j) da Constituição da República Portuguesa).
Mas, ainda neste ponto, carece de razão.
É certo que a reserva de lei constitui um limite do poder regulamentar, mas, não obstante, todos admitem, mesmo no campo da reserva absoluta de lei, a existência de regulamentos executivos e complementares, de normação de aspectos secundários, de normas meramente executivas e instrumentais da Administração'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 4 de Abril de
1995, com base nas razões expressas na exposição do relator, 'apenas no tocante
à ilegitimidade do recorrente', decidiu, por força dessa ilegitimidade, não tomar conhecimento do recurso.
Contra este aresto foram apresentados pelo recorrente dois requerimentos de reclamação, ambos indeferidos pelo acórdão de 16 de Maio de
1995.
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3 - Sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi então interposto recurso para este Tribunal.
Nas alegações depois oferecidas, formularam-se as seguintes conclusões:
'i. O recorrente encontra-se inscrito como eleitor, com o número
526, nas eleições para o Conselho Superior da Magistratura dos vogais a que se reporta o art. 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, que tiveram lugar em 17.2.95;
ii. Na sequência das mesmas eleições, por deliberação da Comissão de Eleições de 17.2.95 foram apurados os resultados finais e proclamados os eleitos;
iii. De tal deliberação interpôs o ora recorrente o 'recurso contencioso dos actos eleitorais relativos aos vogais do Conselho Superior da Magistratura a que se reporta o artº 137º, nº 1, alínea c), da Lei nº 21/85, de
30 de Julho' nº 87.230 do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que a votação, apuramento e proclamação impugnados, decorreram na sequência de um procedimento eleitoral, disciplinado pelos artºs 17º, 3º, nº 1, 14º, 18º, nº 2,
21º, 24º, nº
1, 27º, nºs 1, 2, e 3, e 40º, nº 1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, regulamento que viola o disposto nos artºs 115º, nº 7, e 167º, alínea j), da Constituição;
iv. Invocou ainda a sua legitimidade, com a inconstitucionalidade do artº 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, pelos fundamentos já explanados, e ainda por violação do disposto nos artºs 18º, nº 2, 49º, e 116º da Constituição;
v. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.95, não conheceu de tal recurso por ilegitimidade do recorrente, baseando-se na
'exposição precedente';
vi. Analisando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.4.95, e a exposição em que se fundamenta, verifica-se que aquele fez aplicação do artº
164º, nº 1, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, 'repetido, esclarecido e precisado no seu sentido' pelo artº 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, disposição regulamentar cuja inconstitucionalidade tinha sido invocada no decurso do processo;
vii. O Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, foi aprovado em 15.7.85, publicado no Diário da República, II Série, nº 185, de
13.8.85, págs 7594 e seguintes, e alterado por deliberação de 22.11.94, publicada no Diário da República, II Série, nº 286, de 13.12.94, págs 12522 e seguinte;
viii. Face ao conteúdo do Processo Eleitoral acabado de referir, verificamos estar face a um regulamento externo, resultando incumprido o disposto no artº 115º, nº 7, da Constituição, tanto na versão de 1982, como na de 1989, ou seja, já que o mesmo não indica expressamente a lei que visa regulamentar ou que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, pelo que é constitucionalmente ilegítimo;
ix. Daí que a decisão sobre a ilegitimidade do recorrente, assente no artº 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da
Magistratura, que se revela inconstitucional por violação do artº 115º, nº 7, da Constituição, é ilegal, devendo em consequência ser revogada;
x. Compete ao Conselho Superior da Magistratura apenas adoptar as providências necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral
(artº 149º, alínea h), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção original), pelo que inexiste norma legal que lhe confira competência, tanto objectiva, como subjectiva, no que toca à regulamentação do processo eleitoral.
xi. A carência de tal norma habilitante assenta na sua inadmissibilidade, uma vez que, nos termos do artº 167º, alínea j), da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre eleições dos titulares dos restantes órgãos constitucionais, categoria em que se inclui o Conselho Superior da Magistratura;
xii. A carência de norma habilitante é reforçada pela análise dos trabalhos preparatórios e dos artºs 146º e 149º, alínea g), da Proposta de lei nº 76/III (na origem da Lei nº 21/85, de 30 de Julho), em confronto com os artºs
146º e 149º, alínea h), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho;
xiii. Temos pois violado, para além do disposto no artº 115º, nº 7, da Constituição, o comando constante do artº 167º, alínea j), da Lei Fundamental, de que resulta a inconstitucionalidade da norma constante do artº
20, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, e leva in casu à revogação do Acórdão ora impugnado;
xiv. Carece o Conselho Superior da Magistratura de competência para definir a legitimidade dos eleitores, afigurando-se a norma constante do artº
20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura como restritiva de direitos, inconstitucional também por violação do disposto no artº 18º, nº 2, da Constituição.
xv. Entende-se ainda que o contencioso eleitoral constitui uma manifestação do direito ao sufrágio, garantido pelos artºs 49º e 116º da Constituição, pelo que o artº 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, entendido aplicável, é inconstitucional por violação dos citados normativos.
Por seu turno, o Conselho Superior da Magistratura, em contralegação, veio 'afirmar que são de adoptar os fundamentos invocados pelo acórdão recorrido no sentido de considerar constitucionais as normas que ditaram a decisão, razão por que se deve confirmar o aresto do Supremo Tribunal de Justiça'.
Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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4 - E antes de tudo, importa delimitar com o necessário rigor qual o objecto do recurso.
Aquando da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o recorrente suscitou, na respectiva petição, a questão de inconstitucionalidade das normas dos artigos 17º, 3º, nº 1, 14º, 18º, nº 2, 20º, nº 2, 21º, 24º, nº 1, 27º nºs 1, 2 e 3 e 40º, nº 1, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, (doravante Processo Eleitoral), aprovado por deliberação tomada na sessão plenária do Conselho Superior da Magistratura, de
15 de Julho de 1985 e publicado no Diário da República, II Série, nº 185, de 13 de Agosto de 1985, com as alterações que lhe foram introduzidas pela deliberação tomada na sessão plenária do mesmo Conselho, de 21 de Novembro de 1994 e publicada no Diário da República, II Série, nº 286, de 12 de Dezembro de 1994.
Todavia, porque o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tirado sobre aquela impugnação, se limitou a apreciar a questão prévia da ilegitimidade do recorrente, o quadro das normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada ficou desde logo condicionado pela dimensão do juízo emitido por aquele tribunal.
No requerimento do recurso de constitucionalidade indicaram-se como preceitos a sindicar as normas do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral e do artigo 164º, nº 1, da Lei nº 21/81, de 30 de Julho, 'na interpretação dada pelo acórdão de 4 de Abril de 1995, no sentido de ser a norma esclarecida e precisada pelo citado artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral, e cuja inconstitucionalidade se lhe comunica'.
Mas será que relativamente a tais normas se verificam os pressupostos de admissibilidade de que depende o conhecimento do objecto do recurso?
É que, nos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade instaurados contra decisões de improvimento ou rejeição - e foi esse o tipo de recurso utilizado na situação em apreço - como pressuposto de admissibilidade do recurso impõe-se, não só que a questão de constitucionalidade da norma ou normas em controvérsia haja sido suscitada durante o
processo, como também, e concomitantemente, que a decisão recorrida venha depois a fazer aplicação de tais normas como seu fundamento normativo.
Com efeito, e relativamente ao primeiro pressuposto tem-se entendido, em jurisprudência reiterada, que a inconstitucionalidade há-de ser suscitada 'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
[a mesma questão de inconstitucionalidade] respeita'.
Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional o que se pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Mas, para que este requisito de admissibilidade do recurso se possa ter por verificado, importa que o recorrente haja efectivamente suscitado a questão de inconstitucionalidade e o tenha feito de modo directo e perceptível, indicando a disposição legal suspeita de inconstitucionalidade ou, no caso de apenas questionar determinada interpretação que dela haja sido feita, enunciar qual o sentido ou a dimensão normativa que se tem por violadora do texto constitucional.
Por outro lado, os tribunais comuns - expressão aqui utilizada para designar todos os outros tribunais que não o Tribunal Constitucional - têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência para, eles próprios, apreciarem e decidirem as questões de constitucionalidade com que se vejam confrontados.
Simplesmente, tal competência, própria de um sistema de judicial review, é uma 'competência vinculada' no sentido de que só podem tais tribunais decidir questões de constitucionalidade que tenham por objecto normas aplicáveis à concreta situação submetida a julgamento.
Por isso, se determinada norma não fôr aplicável ao caso submetido a julgamento (isto é, se a decisão da causa não convocar a sua aplicação) o tribunal não deve pronunciar-se sobre a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Se o fizer, acaba por proferir uma decisão despojada de interesse para o julgamento da lide.
E, por outro lado, não se abre então, relativamente à sindicância dessa norma, a via do recurso de constitucionalidade; com efeito, só quando a norma desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade que sobre ela foi lançada) fôr relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma tenha sido aplicada no julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido) é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso.
Só em tal caso, a decisão que vier a ser proferida no âmbito do recurso de constitucionalidade é susceptível de se projectar utilmente sobre a decisão de fundo, o que se traduz em mero corolário da função instrumental de que aquele recurso se reveste.
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5 - Revertendo ao caso sub judice, e à luz das considerações antecedentes, tem-se por seguro que o recorrente não suscitou 'durante o processo' por forma válida e operativa a questão da constitucionalidade da norma do artigo 164º, nº 1, da Lei nº 21/85, já que a ela fez menção, pela primeira vez, no requerimento do recurso de constitucionalidade, não se mostrando assim preenchidos, neste caso, os indispensáveis requisitos de que depende a admissibilidade do recurso constitucional.
O mesmo não se dirá tocantemente à norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral porquanto, não só a questão da inconstitucionalidade desta norma foi devida e atempadamente levantada, como dela veio a ser feita aplicação na exposição prévia elaborada pelo Conselheiro relator, depois recebida no acórdão recorrido.
Com efeito, pese embora a afirmação que ali se contém de que
'nem se vê necessidade de apoiar a decisão no artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral referido, de acordo com o qual tem
legitimidade para recorrer qualquer candidato, bem como os mandatários das listas concorrentes, e o recorrente, não é uma coisa nem outra', o certo é que tal norma, ao menos implicitamente, foi convocada como norma de decisão, como aliás bem resulta da preocupação ali revelada no sentido de se sustentar a sua legitimidade constitucional.
Há-de assim concluir-se, que a questão de constitucionalidade a decidir no presente recurso, a ela se circunscrevendo o seu objecto, se reporta tão somente à apreciação do mérito constitucional do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral.
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II - A fundamentação
1 - O Conselho Superior da Magistratura é um órgão constitucional autónomo a que compete a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar
(artigos 219º da Constituição e 136º da Lei nº 21/85).
Tendo em atenção que diversos dos membros que o compõem são eleitos por sufrágio secreto e universal no âmbito de um processo eleitoral organizado sob a sua égide, a Lei nº 21/85, em diversos dos seus preceitos, traçou um quadro normativo no qual se dispôs, sucessivamente, sobre forma de designação (artigo 139º), princípios eleitorais (artigo 140º), organização de listas (141º), distribuição de lugares (artigo 142º), comissão de eleições
(143º), competência da comissão de eleições (144º), contencioso eleitoral (145º) e providências quanto ao processo eleitoral (146º).
Especificamente, neste último preceito prescreve-se que 'o Conselho Superior da Magistratura adoptará as providências que se mostrem necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral'.
E, por outro lado, no artigo 149º relativo à competência do Conselho Superior da Magistratura, elenca-se entre as diversas competências ali previstas, na alínea h), a adopção 'das providências necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral'.
Deste modo, definido na Constituição e na lei um quadro normativo cogente ao qual se há-de subordinar a organização do processo eleitoral e as regras substantivas e adjectivas da apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 457/93, Diário da República, I Série-A, de 13 de Setembro de 1993), foi ainda atribuída por lei ao Conselho Superior da Magistratura competência para a 'adopção de medidas necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral'.
E ao abrigo da tal competência e no exercício de uma função administrativa própria veio a ser editado o Processo Eleitoral no qual se acha inscrita a norma do artigo 20º, nº 2, a única a que respeita a presente fiscalização concreta de constitucionalidade.
No entendimento do recorrente, por não se haver indicado expressamente naquela disciplina processual a lei que veio regulamentar ou que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, afronta ela o disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição.
Será efectivamente assim?
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2 - A Constituição, regendo sobre os actos normativos (actos legislativos e actos regulamentares), dispõe no artigo 115º, nº 7, que 'os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão', consagrando assim, por forma clara, o princípio da primariedade ou precedência da lei, no qual se contém uma dupla exigência: a precedência da lei relativamente a toda a actividade parlamentar; o dever de citação da lei habilitante por parte do todos os regulamentos.
A exacta compreensão do sentido e alcance deste preceito impõe que se faça o seu cotejo com a norma do nº 6 do mesmo artigo, segundo a qual 'os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso dos regulamentos independentes'.
Enquanto a disposição contida no nº 6 se reporta apenas aos regulamentos do Governo, já o preceituado no nº 7 se refere a regulamentos tout court, sujeitando assim, todo e qualquer regulamento, independentemente da consideração do órgão ou da autoridade de onde tiverem emanado, à imposição do tipo alternativo nele prevista.
É assim manifesto, face a este simples confronto normativo, que abrangidos pela regra bidireccional do nº 7 do artigo 115º da Constituição, estão todos os regulamentos - provenham do Governo, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, dos órgaõs próprios das autarquias locais ou de outros órgãos do Estado -, achando-se, na sua globalidade, de um ou de outro modo, ligados a uma lei que necessariamente os precede e que, por força da imposição constitucional, há-de ser citada no próprio regulamento.
Não é sempre o mesmo o papel dessa lei precedente.
Umas vezes, a lei a referir é aquela que o regulamento se propõe regulamentar, como acontece no caso dos regulamentos de execução propriamente ditos e nos regulamentos complementares.
Outras vezes, a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão. De facto, porque no exercício do poder regulamentar devem ser respeitados diversos parâmetros, é assim que 'cada autoridade ou órgão só pode elaborar os regulamentos para cuja feitura a lei lhe confira competência, não podendo invadir a de outras autoridades ou órgãos
(competência subjectiva)' e nessa 'feitura deverá visar-se o fim determinante da atribuição do poder regulamentar (competência objectiva)' cfr. Afonso Queiró,
'Teoria dos Regulamentos', Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, nºs
1, 2, 3, 4, p. 19. A necessidade de citação dessa lei definidora da competência, subjectiva e objectiva da autoridade ou órgão que emite o regulamento, verificar-se-à, designadamente, no caso dos regulamentos autónomos.
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3 - O Conselho Superior da Magistratura dispunha de credencial legislativa para emitir o regulamento relativo ao Processo Eleitoral, na justa medida em que a Lei nº 21/85, [cfr. os artigos 146º e 149º, alínea h)], lhe conferia competência para adoptar 'as providências que se mostrem necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral' compreendendo-
-se no âmbito destas providências o conjunto de regras e medidas regulamentadoras do 'funcionamento' do respectivo processo eleitoral.
E, em obediência ao imperativo constitucional constante do artigo 115º, nº 7, no Processo Eleitoral, haveria de se fazer menção à respectiva lei credenciadora.
Com efeito, logo no primeiro dos preceitos do respectivo articulado se faz referência, com um sentido de projecção geral sobre a demais disciplina ali contida, aos princípios eleitorais definidos na Lei nº 21/85, princípios esses respeitantes à eleição dos vogais do Conselho Superior da Magistratura eleitos de entre e por magistrados judiciais e à eleição dos funcionários de justiça que também fazem parte daquele conselho [artigo 137º, nºs 1, alínea c) e 2]. E a seguir, em diversos outros preceitos daquela regulamentação invoca-se expressamente a mesma lei: artigo 7º (Sistema eleitoral); artigo 8º (Forma de eleição); artigo 10º (Requisitos formais da apresentação de candidaturas); artigo 17º (Data da eleição); artigo 20º
(Contencioso eleitoral) e artigo 41º (Publicação dos resultados eleitorais).
Ora, como tem sido admitido pela jurisprudência constitucional, o dever de citação da lei habilitante não tem de obedecer a um ritualismo formal obrigatório em termos paralelos aos que são impostos pelas chamadas leis formulário. Basta, para
que a exigência constitucional se mostre verificada, a referenciação mesmo indirecta da lei habilitante, importando porém que através dela possa ser feita a sua identificação, não só como forma de se disciplinar o uso de poder regulamentar do Governo e da Administração mas também para se garantir 'a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevante à luz da principologia do Estado de direito democrático'. (cfr. sobre este tema, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 209/87 e 307/88, Diário da República, I Série, de, respectivamente, 9 de Julho de 1987 e 21 de Janeiro de 1989).
À luz destas considerações há-de dizer-se que na regulamentação constante do Processo Eleitoral se identificou por forma constitucionalmente adequada a lei que ali se pretendeu 'concretizar' conferindo-lhe 'pormenores e minúcias' do regime nela já contido.
Não padece assim do vício de inconstitucionalidade por omissão do dever de citação, a que se reporta o artigo 115º, nº 7 da Constituição.
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4 - Mas, afastado do Processo Eleitoral o vício de inconstitucionalidade formal que lhe era assacado pelo recorrente - vício esse que afectando todo o regulamento atingiria também a norma do artigo 20º, nº 2 nele inserta - será
que esta norma, isoladamente considerada, sofre de inconstitucionalidade por ofensa de qualquer outro preceito ou princípio constitucional, nomeadamente, do artigo 167º, alínea j), também invocado na alegação do recurso?
O artigo 20º do Processo Eleitoral, em cujo nº 2 se contém a norma sob sindicância, dispõe assim:
Artigo 20º
(Contencioso eleitoral)
1 - O recurso contencioso dos actos eleitorais é interposto, no prazo de 48 horas, para o Supremo Tribunal de Justiça e decidido, pela secção prevista no artigo 168º da Lei nº 21//85, nas 48 horas seguintes à sua admissão.
2 - Tem legitimidade para recorrer qualquer candidato, bem como os mandatários das listas concorrentes.
Por seu turno, na Lei nº 21/85, Capítulo XI (Reclamações e Recursos), Secção I (Princípios gerais), inscreve-se o artigo 164º, cuja formulação é a seguinte:
Artigo 164º
(Disposição geral)
1 - Pode reclamar ou recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão.
2 - Não pode recorrer quem tiver aceitado, expressa ou tacitamente, a deliberação ou a decisão.
3 - São citadas as pessoas a quem a procedência da reclamação ou do recurso possa directamente prejudicar.
E, no artigo 178º desta mesma lei consideram-se, nesta matéria,
'subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo'.
Importa recordar que, integrando o Conselho Superior da Magistratura o elenco dos 'órgãos constitucionais', constituíndo um órgão constitucional autónomo, a legislação relativa à eleição dos seus titulares cabe no âmbito da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República, beneficiando por isso das garantias constitucionalmente atribuídas ao domínio legislativo absolutamente reservado do parlamento.
Sob o ponto de vista da distribuição do poder legislativo, a reserva absoluta de lei da Assembleia da República significa fundamentalmente três coisas: (a) que o Governo não pode produzir legislação neste domínio nem revogar ou alterar a que exista (a única intervenção do Governo é na iniciativa legislativa, mediante propostas de lei); (b) que a Assembleia da República não pode limitar-se, em princípio, a produzir as bases gerais deixando o seu desenvolvimento legislativo para o Governo, nem pode proceder a deslegalizações, remetendo para regulamento aspectos substanciais do regime jurídico; (c) que a Assembleia da República não pode conceder autorizações legislativas ao Governo para legislar nestas matérias. 'Neste domínio, a leis da AR têm de esgotar a normação legislativa, pelo que a intervenção regulamentar superveniente,
quando admitida (o que não sucede se se tratar também de um caso de reserva material de lei), deve manter-se num plano puramente executivo'.
Com efeito, por imposição da regra contida no artigo 115º, nº 5 da Constituição, o reenvio normativo da lei para regulamento está sujeito aos limites da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva, deixar de esgotar toda a regulamentação 'primária' das matérias, só podendo remeter para regulamento os aspectos 'secundários', acrescendo que 'a remissão há-de ser sempre condicionada, porque, quer se trate de regulamentos executivos (referidos a preceitos específicos), quer se trate de regulamentos complementares
(referidos genericamente a uma lei), o reenvio pressupõe a limitação das normas reenviadas à regulamentação de todo indispensável, mas só do indispensável'
(cfr. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pp. 512 e 513 e 662 e 663).
Ora, a cotejo da norma do artigo 20º, nº 2 do Processo Eleitoral, - 'tem legitimidade para recorrer qualquer candidato, bem como os mandatários das listas concorrentes' - (a eleição em causa é efectuada mediante listas elaboradas por organizações sindicais de magistrados, ou por um mínimo de
20 eleitores, designando os candidatos de cada lista de entre os eleitores inscritos no recenseamento um mandatário que os representará nas operações eleitorais), com a norma do artigo 164º, nº 1, da Lei nº 21/85 - 'pode reclamar ou recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão' - consentirá a afirmação contida na exposição prévia do Conselheiro relator, depois recebida no acórdão recorrido, de que o artigo
20º, nº 2, 'como norma regulamentar executiva e complementar da Lei 21/85, se limita a repetir, esclarecendo-o e precisando o seu sentido, o citado artigo
164º, nº 1 desta Lei 21/85, para a sua execução'?
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5 - A competência conferida pela Lei nº 21/85, ao Conselho Superior da Magistratura no que respeita à adopção 'das previdências que se mostram necessárias à organização e boa execução do processo eleitoral' autorizando embora uma intervenção regulamentar superveniente, confina-a necessariamente, por imperativo constitucional, nos precisos e apertados limites de uma regulamentação puramente executiva.
A propósito da exacta conceitualização desta espécie regulamentar, pode repetir-se, acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1/92, Diário da República, I Série, de 20 de Fevereiro de 1992, que nos regulamentos executivos se 'contêm tão só 'as providências necessárias para assegurar a fidelidade, ou seja, a conformidade à vontade do legislador, na medida em que esta seja relativamente obscura ou lacunosa, ou que se limitam a
'enunciar os pormenores e minúcias de regime que o legislador involuntariamente omitiu' (cfr. Afonso Queiró, ob. loc. cit. e ainda, no mesmo sentido, A. M. Sandulli, L'Attivitá normativa della publica amministrazione, Napoli, Jovene,
1970, pp. 39 e 40 e R. Entrena Cuesta, Curso de Derecho Administrativo, vol. I, Madrid Tecnos, 1986, p. 142)'.
Em verdade, prossegue-se naquele aresto, 'não encerram qualquer interpretação que vá para além daquela que seria feita por um intérprete razoável do direito ou pela interpretação doutrinária ou científica. A sua finalidade é tão-só a de contribuir para a racionalização da actividade administrativa e para a uniformização na aplicação da lei (cfr. neste sentido, F. Ossenbühl, 'Die Quellen des Vervaltugsrechts', in Allgemeines Vervaltungsrecht, org. Erichsen/Martens, 8ª ed., Berlim - New York, W. de Gruyter, 1988, p. 91)' (cfr. também sobre esta matéria, para além de Afonso Queiró, ob. loc. cit.; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, Coimbra, 1987, pp. 48 e ss; J. C. Vieira de Andrade, 'Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei', Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Coimbra, 1984, pp. 7 e ss).
À luz destes princípios tem-se por insustentável a solução adoptada no acórdão recorrido a propósito da natureza meramente executiva da norma do artigo 20º, nº 2 do Processo Eleitoral.
É que, para assim ser, haveria de se poder sustentar, de modo insusceptível de contradita fundada, que na regra contida no artigo 164º, nº 1, da Lei nº 21/85, apenas cabe um único e exclusivo sentido e alcance: o de a legitimidade para recorrer das deliberações ou decisões tomadas em sede de contencioso eleitoral pertencer tão somente aos candidatos e aos mandatários das listas concorrentes à respectiva eleição.
Mas, quando se têm presentes os dizeres daquela norma - interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão - há-de reconhecer-se que o preceito regulamentar sob sindicância não se limitou a
'repetir as regras de fundo que o legislador editou, só que de uma maneira clara ou, de toda a maneira mais clara' tendo, ao invés, procedido a uma interpretação ou integração autêntica do próprio acto legislativo.
Com efeito, para além das decorrências que porventura se poderiam extrair dos princípios gerais de direito eleitoral consagrados no artigo 116º da Constituição, relativamente às regras disciplinadoras do acto eleitoral dos vogais do Conselho Superior da Magistratura, parece irrecusável que a exclusão do âmbito da legitimidade impugnativa dos magistrados judiciais dotados de capacidade eleitoral activa e passiva (que não sejam candidatos ou mandatários das listas concorrentes à eleição) envolve manifestamente por parte do poder regulamentar uma opção de sentido restritivo não assumida naquela lei.
E tanto assim é, que o Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho
(Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais) ao definir os pressupostos do contencioso eleitoral da competência da jurisdição administrativa [cfr. artigos 24º, alíneas a) e b), 26º, nº 1, alínea d) e 51º, nº 1, alínea i) do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais)] dispõe no artigo 59º, nº 1, que 'os processos de contencioso eleitoral podem ser instaurados por quem, na eleição em causa, seja eleitor ou elegível ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelas pessoas cuja inscrição seja omitida'.
Esta norma, susceptível de ser aqui invocada subsidiariamente, reforça de forma definitiva o entendimento de que o Processo Eleitoral, ao restringir a legitimidade de recurso aos candidatos e respectivos mandatários, dela excluindo todos os demais magistrados judiciais dotados de capacidade eleitoral activa e passiva, desbordou do mero plano executivo para assumir as vestes de uma interpretação ou integração autêntica do correspondente acto legislativo.
Aliás, cabe aqui deixar assinalado que no artigo 22º da Lei nº
47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério Público), se prevê que 'os trâmites do processo eleitoral não constantes dos artigos anteriores são estabelecidos em regulamento a publicar no Diário da República'.
Ora, ao abrigo deste normativo foi aprovado e publicado pela Procuradoria-Geral da República o Regulamento Eleitoral (Diário da República, II Série, de 7 de Janeiro de 1987) em cujo artigo 3º, sob epígrafe de 'Contencioso eleitoral', se dispõe que 'das deliberações da comissão de eleições há recurso contencioso, a interpor no prazo de quarenta e oito horas para o Supremo Tribunal Administrativo', norma esta que remete necessariamente, em matéria de pressupostos dos recursos para a regra da legitimidade activa definida no contencioso eleitoral da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Por tudo o exposto, torna-se inevitável concluir no sentido da inconstitucionalidade da norma sob apreciação.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 20º, nº 2, do Processo Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura, aprovado por deliberação tomada na sessão plenária do Conselho Superior da Magistratura, de
15 de Julho de 1985, e publicado no Diário da República, II Série, nº 185, de 13 de Agosto de 1985, quando interpretado no sentido de não conceder legitimidade para recorrer aos magistrados judiciais dotados de capacidade eleitoral activa e passiva que não sejam candidatos ou mandatários das listas concorrentes, por violação do disposto nos artigos 115º, nº 5, e 167º, alínea j) da Constituição;
b) Conceder provimento ao recurso e determinar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com a presente decisão sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 19 de Março de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa