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Procº nº 614/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A., pretendeu, do acórdão proferido em 26 de Abril de
1995 pelo Supremo Tribunal de Justiça, interpor recurso para o Tribunal Pleno daquele Supremo, tendo, nas alegações que apresentou, dito, a dado passo:-
'.................................................. Para além de se afigurar evidente o conflito de jurisprudência, que se traduz em duas decisões do STJ resolverem a mesma questão fundamental de direito - em matéria de conhecimento oficioso - com soluções diametralmente opostas, a leitura que o Acórdão recorrido fez da Portaria nº 470/90 de 23.06 importa a inconstitucionalidade da mesma, por violação da Constituição (maxime do seu artº
168º nº 1 al. f), (inconstitucionalidade que não se verifica na tese da R.). Expliquemo-nos: o estabelecimento de bases do sistema de Segurança Social constitui uma reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artº 168 nº 1 al. f) da Constituição). Foi no uso desta competência que a A.R. aprovou a Lei de Bases do Sistema de Segurança Social (Lei nº 28/84 de 14.08). O Ministro que emitiu a Portaria nº 470/90 expressamente invocou o artº 12º nº 1 da citada Lei nº 28/84 como diploma legal que, através da Portaria em questão, estava a regulamentar. Ao fazê-lo, enquadrou a 14ª prestação no âmbito da revisão periódica das pensões, de que se ocupa aquele (invocado) artº 12º nº 1 da citada Lei nº 28/84. Nestas condições, a Portaria nº 470/90 procedeu a um verdadeiro aumento da pensão existente e não à criação «ex novo» de uma prestação autónoma das prestações da pensão. Só esta leitura da Portaria nº 470/90 (que considera a 14ª prestação um aumento na pensão) está em sintonia com a Constituição. A outra leitura, a do Acórdão recorrido, implica a inconstitucionalidade da mesma Portaria por violação da Constituição [designadamente do seu artº 168º nº 1 al. f)] enquanto aceita ter o Governo tomado a iniciativa de ele próprio legislar em matéria que constitui reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
..................................................'
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Fevereiro de 1996, decidiu que no acórdão recorrido e no acórdão que, no recurso para o Tribunal Pleno, foi citado como tendo decidido diferentemente a mesma questão fundamental de direito, não se verificava qualquer oposição, motivo pelo qual, ex vi do nº 1 do artº 767º do Código de Processo Civil se considerou findo o recurso.
Desse aresto e do já citado acórdão prolatado em 26 de Abril de 1995 pretendeu a A. recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, invocando desejar que este órgão de fiscalização da constitucionalidade apreciasse 'a inconstitucionalidade em que o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça fez incorrer' a Portaria nº 470/90, de 23 de Junho, ao dar-lhe a interpretação que deu, referindo ainda que suscitou tal questão nas alegações de recurso para o Tribunal Pleno.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 22 de Fevereiro de 1996, admitiu o recurso intentado interpor, o que levou o Ministério Público, patrocinante do recorrido B., a reclamar de tal despacho para a conferência.
Esta, por acórdão de 20 de Junho de 1996, não veio a admitir o recurso, em síntese com base no argumento segundo o qual no acórdão de
7 de Fevereiro de 1996 não foi aplicado normativo constante da Portaria nº
470/90 e, quanto ao acórdão de 26 de Abril de 1995, por já de há muito estar esgotado o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Inconformada com essa decisão reclamou a A. para este Tribunal.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto aqui em funções, tendo tido «vista» dos autos, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Adianta-se, desde já, que a reclamação não merece deferimento.
Na verdade, situando-nos, como nos situamos, perante um recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é, por entre o mais, de um lado, que, quem queira utilizar este tipo de impugnação, deva, durante o processo, suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional e, de outro, que a decisão desejada recorrer tenha tido como suporte dela a norma cuja apreciação é solicitada ao órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
Ora, quanto a este segundo particular, é por demais
óbvio que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça prolatado em 7 de Fevereiro de 1996 (e por intermédio do qual julgou findo o recurso interposto para o Tribunal Pleno, por isso que ali foi entendido não haver, nos acórdãos referidos como tendo alcançado diferentes soluções quanto à mesma questão fundamental de direito, qualquer oposição) não baseou, minimamente que seja, o seu juízo decisório em qualquer normativo constante da Portaria nº 470/90. Antes, e de outra banda, a sua decisão fundou-se, e tão só, no estatuído no nº 1 do artº 763º do Código de Processo Civil.
Não houve, desta sorte e no indicado aresto de 7 de Fevereiro de 1996, aplicação da norma cuja incompatibilidade com a Lei Fundamental teria, antes da respectiva prolação, sido suscitada pela reclamante, pelo que falece, quanto a ele, um dos requisitos condicionadores do recurso previsto na aludida alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 18/82.
2. Quanto ao acórdão de 26 de Abril de 1995, e independentemente da questão de saber se, aquando da apresentação do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ainda era possível (em face da circunstância de se ter recorrido para o Tribunal Pleno e de este recurso ter sido dado por findo) a respectiva impugnação, com o fim de este último apreciar uma questão de constitucionalidade normativa, o que é certo
é que, como a própria reclamante reconhece, a suscitação da questão de desconformidade com a Lei Básica só foi pela mesma colocada após tal aresto ter sido lavrado, o que o mesmo é dizer que tal suscitação não ocorreu antes de o Supremo Tribunal de Justiça ter prolatado a sua decisão debruçando-se sobre o conteúdo normativo da Portaria nº 470/90.
Pois bem:
Tem este Tribunal dito e redito que a locução «durante o processo», constante da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 tem de ser entendida, em regra, como impondo que sobre a «parte» que se queira socorrer dessa forma de impugnação das decisões dos tribunais das várias ordens judiciárias impende o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa antes do proferimento da decisão que, não dando atendimento a essa questão, posteriormente se deseja recorrer para o Tribunal Constitucional. E isto porque, sendo aquela forma de impugnação um recurso de decisões de outros tribunais (conquanto circunscrito à apreciação da desconformidade com a Constituição de normas de direito infraconstitucional) e, consequentemente, uma forma de reapreciação do decidido por estes quanto à questão de inconstitucionalidade, haverá o tribunal a quo de ter a consciência de que tem de enfrentar e resolver essa mesma questão.
Neste contexto, incumbia à ora reclamante, caso posteriormente desejasse servir-se do recurso da mencionada alínea b) do nº 1 do artº 70º, na hipótese de a sua tese, quanto a uma eventual inconstitucionalidade dos normativos da Portaria em causa, não ter atendimento, que, antes de ser tirado o acórdão de 26 de Abril de 1995 (e porque a interpretação que fora acolhida nas instâncias quanto ao estatuído nessa Portaria, afinal, foi também a seguida por aquele acórdão, razão pela qual se não vislumbra, neste ponto, qualquer interpretação de todo anómala e inusitada), suscitar uma tal questão, a fim de sobre ela poder desfrutar de um concreto veredicto por banda do Supremo Tribunal de Justiça.
Ónus que, todavia, a reclamante não cumpriu.
III
Perante o que se deixa dito, indefere-se a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, e fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Lisboa, 11 de Março de 1997
Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida