Imprimir acórdão
Processo n.º 366-B/11
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos autos, de que foi extraído o presente traslado, a recorrente A., Lda., notificada do acórdão - datado de 11 de outubro de 2011 e a que foi atribuído o n.º 461/2011 - que julgou improcedentes os recursos de constitucionalidade por si interpostos, veio arguir a nulidade de tal aresto, vício que foi julgado improcedente por novo acórdão, datado de 9 de novembro de 2011.
2. Notificada deste novo acórdão, a que foi atribuído o n.º 527/2011, veio a mesma recorrente apresentar novo requerimento, arguindo os seguintes vícios:
I) nulidade do processado, por ausência de notificação do requerimento apresentado por B., Lda.;
II) nulidade do processado, a partir do momento precedente à adoção do acórdão n.º 527/2011, por omissão de notificação das observações escritas do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência;
III) nulidade do acórdão n.º 527/2011, por violação do princípio do contraditório (questão autónoma face àquela que foi invocada na arguição de nulidade do acórdão n.º 461/2011)
Alegou a requerente A., Lda., que o requerimento apresentado pela B., Lda., deveria ter-lhe sido notificado, ao abrigo do princípio do processo justo equitativo e da transparência processual, da mesma forma que foi notificado aos recorridos Autoridade de Concorrência e Ministério Público.
Acrescentou que a ausência de notificação do aludido requerimento impediu que a mesma pudesse controlar se foi suscitada “qualquer questão nova que possa ter interesse para a avaliação da sua alegada responsabilidade.”
Configurou o descrito vício como nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
No tocante ao ponto II), referiu a requerente que a omissão de notificação das peças processuais apresentadas pelos recorridos Ministério Público e Autoridade da Concorrência, em resposta à arguição de nulidade suscitada pela requerente, em momento prévio à prolação do acórdão que decidiu de tal incidente, corresponde a violação do direito a um processo justo e equitativo e ainda a incumprimento do princípio do contraditório. Em abono da sua posição, referiu a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sintetizando o seu sentido, quanto à interpretação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na asserção de que “cabe aos requerentes decidir se determinadas observações merecem comentários da sua parte. Incumbindo ao Tribunal Constitucional facultar ao interessado, antes de adotar a sua decisão, a possibilidade de responder a tais observações escritas. À luz do que se expõe, o Tribunal Europeu tem entendido que não é necessário determinar se e em que medida tais observações escritas tiveram impacto na decisão do Tribunal Constitucional.”
Concluiu, pelo exposto, que não tendo sido conferida à requerente a possibilidade de se pronunciar sobre a posição do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência, antes da prolação da decisão, foi violado o direito a um processo justo e equitativo bem como o princípio do contraditório, o que gera a nulidade do processado, nomeadamente do acórdão n.º 527/2011.
Relativamente ao ponto III), a requerente, depois de manifestar a sua discordância em relação ao entendimento plasmado no acórdão n.º 527/2011, retomou a tese da nulidade decorrente da circunstância de não ter tido possibilidade de se pronunciar sobre as alegações do Ministério Público, antes da prolação do acórdão n.º 461/2011, defendendo que a falta de comunicação prévia de tal peça processual constitui uma violação do direito a um processo justo e equitativo e ainda do princípio do contraditório.
3. O Ministério Público, respondendo à arguição de nulidades, referiu que, não tendo a recorrente A., Lda., legitimidade para intervir no recurso interposto pela outra recorrente, evidentemente não tinha que ser notificada do requerimento, nem das respostas ao mesmo atinentes.
Quanto à questão referente à violação do princípio do contraditório, relembrou que a mesma já foi apreciada no Acórdão n.º 527/2011, que se pronunciou relativamente ao alcance de tal princípio, em situação semelhante.
Desta forma, concluiu o Ministério Público que a pretensão da requerente, quanto às três questões que suscita, é manifestamente infundada.
A Autoridade da Concorrência também veio apresentar a sua resposta, considerando que as questões colocadas no requerimento apresentado pela A., Lda., já foram amplamente debatidas e decididas no Acórdão n.º 527/2011, pelo que mais nada cumpriria acrescentar quanto às alegadas violações do princípio do contraditório e de um processo justo e equitativo.
Assim, concluiu a Autoridade da Concorrência que o requerimento em apreciação consubstanciava uma manobra manifestamente dilatória, limitando-se a requerente a fazer um uso abusivo dos instrumentos processuais e do direito de requerer/responder, pelo que a sua pretensão deveria ser indeferida.
4. Por acórdão de 30 de novembro de 2011, a que foi atribuído o n.º 593/2011, este Tribunal considerou que o requerimento da A., Lda., correspondente à segunda arguição de nulidade posterior à prolação do acórdão n.º 461/2011, demonstrava apenas a intenção de obstar ao trânsito em julgado deste último acórdão, que julgou improcedentes os recursos de constitucionalidade interpostos pela requerente.
Em consonância, ao abrigo dos artigos 84.º, n.º 8, da LTC, e 720.º do Código de Processo Civil, determinou a imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, para prosseguimento dos seus regulares termos, sem aguardar a decisão que viesse a incidir sobre o requerimento apresentado, a qual seria proferida em traslado, após o pagamento das custas da responsabilidade da requerente A., Lda.
5. Após o cumprimento da ordem de remessa dos autos ao tribunal a quo, organizado o presente traslado, deu entrada requerimento da A., Lda., peticionando a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, para conhecimento de questão relativa à prescrição do procedimento contraordenacional, apresentada em requerimento dirigido a tal Tribunal e cuja cópia a requerente enviou.
Uma vez que os autos já tinham sido remetidos ao tribunal recorrido, apenas se tomou conhecimento da apresentação do aludido requerimento, circunstância que foi consignada em despacho de 6 de dezembro de 2011.
A requerente veio, então, apresentar novo requerimento, motivando a prolação do seguinte despacho da Relatora, datado de 4 de janeiro de 2012:
“A recorrente A., Lda., notificada do despacho de 6 de dezembro de 2011, veio apresentar requerimento, referindo pretender “a respetiva aclaração e, subsidiariamente, arguir a irregularidade do processado nos autos”.
Da análise do conteúdo do requerimento, resulta que o mesmo corresponde, substancialmente, na sua quase totalidade, a uma reclamação de atos da secretaria.
Na verdade, a requerente invoca a circunstância de desconhecer o que consta de fls. 553 a 560 dos autos, pretendendo que seja especificado o respetivo conteúdo para que possa compreender o despacho que se refere a tal processado.
Subsidiariamente, colocando a hipótese de tais folhas corresponderem ao requerimento por si apresentado, por telecópia, às 14h53m – hipótese que, desde já se adianta, corresponde à realidade – conclui a requerente que foi cometida uma irregularidade processual, caso o requerimento não tenha baixado ao tribunal a quo.
Mais refere a requerente que o processo principal foi indevidamente remetido pela secretaria, de imediato, ao tribunal a quo, a 30 de novembro de 2011 - data coincidente com a do acórdão que determinou tal remessa – quando tal ato de cumprimento só deveria ter lugar após notificação das partes e esgotamento do prazo de reação das mesmas.
Alega ainda a requerente que apenas foi notificada da referida remessa dos autos ao tribunal a quo já depois de ter apresentado o requerimento de 2 de dezembro, por telecópia. Deste modo, conclui que “este ato foi praticado antes de ter conhecimento da manutenção ou não do poder jurisdicional, pelo que a decisão não pode produzir quaisquer efeitos perante a recorrente”.
Finalmente, peticiona a requerente que seja “mandado baixar o requerimento (…) de 2 de dezembro de 2011 ao Tribunal a quo para apreciação”.
Cumpre apreciar e decidir.
No tocante ao desconhecimento do conteúdo de fls. 553 a 560, a que o despacho de 6 de dezembro se reporta, assiste razão à requerente, porquanto as notificações devem ser acompanhadas dos elementos do processo necessários à plena compreensão do seu objeto – nomeadamente a menção do teor das folhas do processado referidas nos despachos - em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 228.º do Código de Processo Civil.
Neste momento, já se encontra a requerente esclarecida, quanto ao teor de fls. 553 a 560, correspondente à hipótese que oportunamente colocou.
Quanto à invocação da suposta “irregularidade”, decorrente de o requerimento dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa não ter “baixado”, não é percetível a alegação da requerente, uma vez que, no requerimento de 2 de dezembro de 2011, dirigido a este Tribunal, A., Lda., vem apenas requerer a “remessa imediata dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento da questão suscitada”. Mais refere expressamente que o requerimento, cuja cópia junta, é dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, “para declaração da prescrição do presente procedimento contraordenacional, a qual também já foi requerida em idêntico requerimento junto daquele Tribunal” (sublinhado nosso).
Ora, a pretensão da remessa dos autos ao tribunal a quo já havia sido satisfeita, em virtude do cumprimento do Acórdão n.º 593/2011, de 30 de novembro. Por outro lado, da afirmação da requerente resulta que o requerimento dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa já teria sido enviado a tal tribunal, pela própria requerente, destinando-se a cópia enviada a este tribunal a dar conhecimento de tal circunstância e a fundamentar a pretensão de remessa dos autos ao tribunal competente para apreciação. Nestes termos, mais nada cumpriria ordenar, não fazendo sentido que o requerimento “baixasse” ao tribunal a quo, uma vez que, segundo a requerente, já aí teria sido apresentado.
Desta forma, caso a requerente não tenha apresentado ainda o requerimento em análise junto do Tribunal da Relação – contradizendo o que afirmou – poderá fazê--lo diretamente.
Relativamente à remessa dos autos ao tribunal a quo, a mesma foi efetuada em correto cumprimento do determinado no Acórdão n.º 593/2011, de 30 de novembro, que determinava a imediata remessa dos autos ao tribunal recorrido, logo após estar contado o processo e efetuada a extração de traslado. Aliás, no ofício de notificação, remetido à requerente em 30 de novembro de 2011, consta a expressa menção “NB – Os autos principais supra identificados foram hoje remetidos ao tribunal recorrido.”
Assim, a remessa do processo, oportunamente efetuada pelos senhores funcionários, corresponde ao correto cumprimento da determinação plasmada no acórdão referido.”
6. A., Lda., veio ainda arguir a “nulidade do processado nos autos e do acórdão n.º 593/2011”.
Alega a requerente, em súmula, que a Autoridade da Concorrência, na sua resposta à arguição de nulidade do acórdão n.º 527/2011, suscitou a “questão nova” de a referida arguição corresponder a uma “manobra manifestamente dilatória”, junto do Tribunal Constitucional, tendo por isso requerido a baixa dos autos ao tribunal competente.
A peça processual em que tal questão foi levantada deveria, por essa razão, segundo a requerente, ter sido notificada à mesma, para exercício do contraditório, em conformidade com o plasmado nos acórdãos n.os 185/2001 e 342/2009.
Não tendo sido cumprida tal notificação, o acórdão n.º 593/2011 ficou inquinado por tal omissão, sendo, por isso, nulo, tanto mais que o referido aresto veio adotar a posição defendida pela Autoridade da Concorrência, declarando que a requerente apenas pretendia “obstar ao trânsito em julgado do acórdão n.º 466/11”.
Refere a requerente que, na senda da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já amplamente citada, o respeito pelo direito da requerente a um processo justo e equitativo e ainda o cumprimento do princípio do contraditório impunham que a prolação do acórdão n.º 593/2011 fosse precedida da notificação da resposta do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência e da concessão de um prazo para a requerente se pronunciar.
Nestes termos, conclui a requerente peticionando que seja suprida a nulidade invocada, sendo dado sem efeito o processado nos autos a partir do momento imediatamente anterior à prolação do acórdão n.º 593/2011, sendo ainda concedido prazo para a requerente se pronunciar sobre a resposta do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência.
7. O Ministério Público, notificado desta nova arguição de nulidade, veio responder, nos termos seguintes:
“1º
Arguidas nulidades processuais e do Acórdão n.º 527/2011, o Ministério Público respondeu, tal como ocorreu com a Autoridade da Concorrência.
2°
O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 593/2011, agindo oficiosamente e após análise objetiva da tramitação do processo, concluiu, fundamentadamente, que o recorrente apenas pretendia obstar ao trânsito em julgado do Acórdão n.º 461/2011, que negou provimento aos recursos interpostos pelo recorrente, ordenando, consequentemente, a extração de traslado e a remessa dos autos ao tribunal recorrido.
3º
Naturalmente que, se o recorrente não tinha que ser notificado para responder à resposta do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência, em condições “normais”, por maioria de razão tal notificação não deveria ter lugar nas circunstâncias que se verificam nos presentes autos, em que com a utilização daquele incidente pós-decisório o recorrente visava protelar, de forma processualmente inadmissível, o trânsito do Acórdão n.º 461/2011.
4°
Acresce que, podendo o recorrente esgrimir no presente traslado – como, aliás, está a fazer – os argumentos que entende necessários, os seus direitos não são afetados.
5,°
Pelo exposto, deve indeferir-se o que vem requerido.”
8. A Autoridade da Concorrência, por sua vez, referiu aderir aos fundamentos da decisão posta em crise, afirmando não assistir qualquer razão à requerente, no que concerne à invocação de nulidade.
9. A., Lda., em reação ao despacho de 4 de janeiro de 2012, transcrito sob o ponto 5., veio arguir a nulidade do mesmo, com os seguintes fundamentos:
“1. Da leitura do Despacho de 4 de janeiro de 2012 resulta que o Venerando Tribunal Constitucional não apresenta qualquer fundamento de direito para a sua recusa em remeter o requerimento da Recorrente de 2 de dezembro 2010 ao Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Limitando-se apenas a referir no Despacho, com o devido respeito, que é muito, que o Tribunal da Relação de Lisboa já tem conhecimento do mesmo ao abrigo das diligências adotadas pela Recorrente.
3. Ora o que está em causa não é se o Tribunal da Relação de Lisboa tem ou não conhecimento do requerimento da Recorrente (sendo pacífico e assente que tem).
4. O que está em causa é o dever jurídico-processual do Venerando Tribunal Constitucional mandar baixar o requerimento da Recorrente de 2 de dezembro de 2011 ao Tribunal da Relação de Lisboa independentemente de este já ter sido apresentado pela Recorrente ao Tribunal a quo.
5. Isto porque esse requerimento de 2 de dezembro da Recorrente foi apresentado tempestivamente junto do Tribunal Constitucional.
6. Sobre esta questão – e não obstante os inúmeros fundamentos de direito apresentados pela Recorrente no seu requerimento de 12 de dezembro de 2011 sobre o dever jurídico-processual de o Tribunal Constitucional remeter o articulado de 2 de dezembro de 2011 ao Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. §§ 5 a 10, sendo invocados os artigos 667.º, 669.º, n.º 1, 228.º, n.ºs 2 e 3 e 670.º, todos do CPC) -, o Despacho de 4 de janeiro de 2012 não apresenta qua1quer fundamento de direito para que o requerimento não baixe e, de igual modo, não se pronuncia sobre a invocada não extinção do seu poder jurisdicional aquando da apresentação do requerimento de 2 de dezembro de 2011 (e correlativas consequências).
7. Pelo que em obediência ao artigo 668.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, ex vi artigo 69.º da LTC, o Despacho de 4 de janeiro de 2012 é nulo, devendo, concomitantemente, e entre o mais, o Venerando Tribunal Constitucional mandar baixar o requerimento de 2 de dezembro de 2011 da Recorrente ao Tribunal da Relação de Lisboa.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
10. O requerimento apresentado pela recorrente A., Lda., referenciado supra, no ponto 2., corresponde à segunda peça de arguição de nulidade subsequente ao acórdão final, que julgou improcedentes as questões de constitucionalidade colocadas pela requerente.
Como já foi referido no acórdão n.º 593/2011, tal requerimento baseia-se na reposição da mesma questão de direito, que foi discutida no âmbito da primeira arguição de nulidade, e que se reconduz a saber se o direito a um processo justo e equitativo comporta um entendimento do princípio do contraditório tão amplo que implica que todas as peças processuais que dão entrada em Juízo – ainda que absolutamente impertinentes – sejam notificadas à requerente, antes da prolação de qualquer decisão.
A resposta a tal questão só pode ser negativa, desde logo relativamente aos requerimentos apresentados por terceiros, sem legitimidade para intervir processualmente na instância de recurso.
Na verdade, no tocante ao requerimento apresentado por B., Lda. – originariamente recorrente, mas cujos recursos de constitucionalidade não foram admitidos, conforme decisão sumária, confirmada por acórdão, proferido em conferência, a 14 de julho de 2011 – acentua-se que, não sendo esta requerente sujeito da relação material controvertida, no tocante aos recursos da recorrente A., Lda, está-lhe vedada a possibilidade de intervir na respetiva tramitação, pelo que, por argumento de maioria de razão, não se justifica a notificação de quaisquer requerimentos, que ilegitimamente apresente, à requerente A., Lda.
Quanto à invocada nulidade do processado – por omissão de notificação das peças processuais apresentadas pelos recorridos Ministério Público e Autoridade da Concorrência, em resposta à arguição de nulidade suscitada pela requerente, em momento prévio à prolação do acórdão, com o n.º 527/2011, que decidiu de tal incidente – cumpre referir que questão substancialmente idêntica já foi aflorada, no âmbito deste processo, sendo claro o entendimento deste Tribunal, nos termos plasmados no acórdão com o n.º 527/2011, cujas considerações a propósito do princípio do contraditório, mutatis mutandis, são aqui aplicáveis, e ainda nos termos expressos no acórdão com o n.º 461/2011, a propósito da segunda questão de constitucionalidade colocada.
No presente caso, as peças processuais apresentadas pelo Ministério Público e pela Autoridade da Concorrência correspondem ao cumprimento do exercício do contraditório, relativamente à arguição de nulidade suscitada pela requerente, consubstanciando o “fecho da dialética” sobre a questão decidenda (cfr. acórdão n.os 255/2003 e 568/01, citados no acórdão 461/2011). Assim, a notificação de tais peças processuais à requerente, em momento prévio à decisão, não se mostrava necessária, sendo inclusive suscetível de induzir a mesma em erro, criando a expectativa – infundada – de existência de um direito de reação processual ou “réplica” à resposta dos recorridos.
No que concerne à invocada nulidade, decorrente da falta de comunicação “das observações escritas do Ministério Público”, anteriormente à prolação do acórdão n.º 461/2011, a questão colocada corresponde, substancialmente, à reposição da arguição já deduzida em anterior requerimento, a que o Tribunal já deu resposta, através do acórdão n.º 527/2011. Assim, renovada tal pretensão – transfigurada agora em arguição de nulidade do acórdão n.º 527/2011 – forçoso é concluir que tal requerimento se consubstancia numa manifestação de discordância relativamente aos fundamentos e sentido da decisão e não, verdadeiramente, à arguição de um novo vício.
Assim, mantendo-se a validade da fundamentação aduzida no acórdão n.º 527/2011, bem como a regularidade da tramitação anterior à sua prolação, julgam-se improcedentes as pretensões apresentadas pela requerente A., Lda.
11. No que concerne ao requerimento em que A., Lda., vem arguir “a nulidade do processado nos autos e do acórdão n.º 593/2011”, manifestamente não lhe assiste razão.
Na verdade, nem o Ministério Público nem a Autoridade da Concorrência, nas peças processuais de resposta à arguição de nulidade apresentada em 24 de novembro de 2011, suscitaram qualquer questão nova, que justificasse o cumprimento do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC.
A circunstância, alegada pela requerente, de a Autoridade da Concorrência ter qualificado o requerimento da A., Lda., como “manobra manifestamente dilatória” e “uso abusivo dos instrumentos processuais” não corresponde a qualquer “questão nova”, mas a uma mera apreciação adiantada pela respondente, no exercício do seu direito ao contraditório.
Aliás, o caráter injustificado da pretensão em análise também mereceu do Ministério Público o qualificativo de “manifestamente infundada”.
Sendo ostensiva tal falta de fundamento, o Tribunal apenas poderia, oficiosamente – no uso do seu poder dever de obstar a um uso anormal do processo – determinar a imediata remessa dos autos ao tribunal a quo, contrariando assim o comportamento processual inadequado da requerente e obstando ao resultado dilatório que com tal comportamento se pretendia alcançar.
Tal consequência, prevista no artigo 720.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 84.º, n.º 8, da LTC – expectável por ser a única compatível com o dever impendente sobre o Tribunal de garantir o regular andamento do processo e obstar a qualquer comportamento dilatório – não corresponde a qualquer decisão surpresa, mas ao cumprimento de uma imposição legal, que o Tribunal está adstrito a cumprir oficiosamente.
Mal se entenderia, aliás, que a parte que fez uso de um expediente manifestamente dilatório pudesse beneficiar de uma dilação processual – a pretexto de um pretenso cumprimento do direito ao contraditório, induzido pela utilização de tal expediente – obtendo, dessa forma, o resultado ilícito que almejou.
Nestes termos, julga-se igualmente improcedente a arguição de nulidade agora em análise.
12. Relativamente à arguição de nulidade do despacho de 4 de janeiro de 2012, a pretensão da requerente é dificilmente compreensível.
Em súmula, pretende a requerente que este Tribunal envie ao Tribunal da Relação de Lisboa uma cópia – oportuna e livremente enviada ao Tribunal Constitucional – do requerimento que esse Tribunal da Relação já detém nos autos, invocando que consubstancia nulidade a circunstância de o despacho de 4 de janeiro de 2012 não apresentar, alegadamente, “qualquer fundamento de direito para que o requerimento não baixe”.
O despacho aludido e agora posto em crise encontra-se devidamente fundamentado, havendo sido apreciadas todas as questões colocadas ao Tribunal, pelo que não padece de nenhuma das nulidades apontadas.
III – Decisão
13. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julga-se:
- improcedente a arguição dos vícios invocados nos requerimentos apresentados por A., Lda., em 24 de novembro de 2011, 16 de dezembro do mesmo ano e 19 de janeiro de 2012.
Custas pela requerente A., Lda., fixando-se a taxa de justiça em 40 unidades de conta, tendo em conta os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, nomeadamente o número de questões e requerimentos apresentados e decididos no presente aresto, a inerente tramitação processual a que tais requerimentos deram causa e, sobretudo, a circunstância de manifestarem uma atividade contumaz da vencida (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.