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Proc. nº 506/93
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - No Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, A... moveu contra D... e mulher, J..., acção especial de despejo, relativa ao rés-do-chão de um prédio urbano no Barreiro, com fundamento em falta de residência permanente.
Elaborados a especificação e o questionário, procedeu-se a julgamento. Aí, o mandatário dos réus reclamou das respostas que eram dadas aos quesitos 3º e 4º, sobre a eventual pré-existência de um acordo entre senhorio e inquilinos no sentido de manter o local desabitado - e que eram respostas de
'não provado'.
O sr. juiz proferiu sobre essa reclamação o seguinte despacho: 'Não há contradições ou quaisquer deficiências nas respostas e os depoimentos das testemunhas não convenceram o tribunal por forma a responder positivamente aos quesitos 3º e 4º. Ao Tribunal ainda cabe a faculdade de livre apreciação da prova'.
Em sentença de 29 de Outubro de 1991, a acção foi considerada procedente e provada, do que os réus recorreram para o Tribunal da Relação do Porto. Alegando, disseram aí, inter alia:
'(...) o artº 653º nº 2 do Código de Processo Civil determina que o Juiz motive as respostas aos quesitos quanto aos factos que o Tribunal considera provados, exigência não extensível aos factos tidos por não provados.
Temos por inconstitucional esta dicotomia.
De qualquer modo, não significa que, havendo reclamação contra as respostas o Tribunal não tenha obrigação de fundamentar a decisão da reclamação
(artº 653º nº 5 do Código de Processo Civil), pois, a lei expressamente lhe impõe que após nova ponderação o Tribunal se 'pronuncie sobre elas'.
Se da conjugação destes normativos resultar a doutrina de que o Juiz não tem obrigação de fundamentar a decisão da reclamação, tais disposições (nº 2 e 5 do artº 653º do Código de Processo Civil) seriam seguramente inconstitucionais, por violação do artº 13º e 37º nº 1 da Constituição'.
Em acórdão de 8 de Junho de 1992, a Relação do Porto confirmou a sentença recorrida quanto ao despejo, se bem que, em momento que não releva para a controvérsia de constitucionalidade, haja diferido por nove meses a desocupação do local arrendado.
Desse acórdão veio interposto recurso para o Tribunal Constitucional, com invocação do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Os recorrentes referiram, então, o objecto do recurso às
'(...) regras dos artigos 653º, nº 2 do Código de Processo Civil (...)'. Depois, em aplicação do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, ficou claro o que já parecia decorrer da fórmula equívoca do requerimento de recurso, a saber, que são as duas normas, do artigo 653º, nº 2, e do nº 5, que os recorrentes vêm impugnar.
II - A fundamentação
1. São, pois, as duas normas que aqui se constituem em objecto do recurso. Sobre a primeira, não se afastaria, de imediato, a questão de saber se ela foi aplicada com o sentido concreto que lhe é assinalado, visto que existe ainda um 'quid' de fundamentação no despacho do sr. juiz, de 11-10-1991. Mas saber ou não da 'substância' desse despacho não releva aqui, já que a Relação tratou o problema precisamente como se não existisse nenhuma fundamentação.
Durante o processo, os recorrentes confrontaram as normas do artigo
653º, nº.s 2 e 5, do Código de Processo Civil com os artigos 13º e 37º, da Constituição.
2. Sublinhe-se - como, aliás, sublinhou a Relação de Lisboa - que o problema da fundamentação das respostas negativas aos quesitos (artigo 653º, nº
2, do Código de Processo Civil), e aquele que na concreta questão levantada com ele se conexiona, da decisão proferida sobre reclamação 'contra a deficiência, obscuridade ou contradição das respostas ou contra a falta da sua fundamentação'
(artigo 653º, nº 5, do Código de Processo Civil) não convoca o artigo 13º nem o artigo 37º da Constituição.
O primeiro é relativo ao princípio da igualdade e as normas em causa, com a interpretação concreta que sobre elas incidiu, não levam em si uma qualquer forma discriminatória para o universo dos sujeitos destinatários. O recorrente não distinguiu entre as qualidades objectivas internas à previsão da norma e um efeito eventual - que aqui se não verifica - de discriminação no
âmbito subjectivo da sua incidência.
Também o artigo 37º da Constituição não encontra aqui, no quadro das normas sob controvérsia, um espaço correspondente de efectividade. A liberdade de expressão não tem por que ser directamente invocada aí onde se ordena a tramitação do processo civil. É evidente que nem a unidade da ordem jurídica nem a força expansiva das normas sobre direitos fundamentais constituem ponto de apoio para uma 'síncrese metódica', de tal modo que qualquer facto se houvesse de ter por 'regularmente' correlacionado com qualquer lugar do Direito.
E, na verdade, dispõem as normas do artigo 653º, nº 2 e nº 5, do Código de Processo Civil:
Artigo 653º (Julgamento da matéria de facto)
1 - ...
2 - A matéria de facto é decidida por meio de acórdão: de entre os factos quesitados, o acórdão declarará quais o tribunal julga ou não julga provados e, quanto àqueles, especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador; mas não se pronunciará sobre os que só possam provar-se documentalmente, nem sobre os que estejam plenamente provados por confissão reduzida a escrito, acordo das partes ou documentos.
3 - ...
4 - ...
5 - Voltando os juízes à sala da audiência, o presidente lerá o acórdão que, em seguida, facultará para exame a cada um dos advogados; feito o exame, qualquer destes pode reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição das respostas ou contra a falta da sua fundamentação, devendo as reclamações ser apresentadas imediatamente; o tribunal recolherá de novo para se pronunciar sobre elas, não sendo admitidas novas reclamações contra a decisão que proferir.
6 - ...'.
Como é evidente, a questão de constitucionalidade destas normas, com a interpretação concreta da decisão recorrida, só pode ser tematizada à luz do artigo 208º, nº 1, da Constituição, que determina que 'as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei', e do artigo 2º, pois que corolário da afirmação constitucional do princípio do Estado de direito democrático é a transparência e fundamentação dos actos de poder, entre eles, as decisões jurisdicionais.
A solução do problema ter-se-á na análise da estrutura da norma parâmetro do artigo 208º, nº 1, da Constituição, a denotar os níveis de vinculatividade do legislador, e também dos dados concretos da situação processual em que se enquadra a interpretação normativa sob controvérsia.
3. O mandado constitucional de fundamentação das decisões dos tribunais é um mandado aberto a uma actuação constitutiva do legislador. Deixa claro que é o legislador a determinar os termos, mas também os casos, em que tem lugar a fundamentação. O legislador, porém, não é livre do sentido global da Constituição e, desde logo, não é livre dos limites materiais que sempre se põem ao cumprimento das imposições legiferantes. Não pode esvaziar o sentido útil daquele mandado de fundamentação, desde logo, decisivamente, no sentido de isentar a decisão da causa de uma fundamentação. Do artigo 208º, nº 1, da Constituição, decorre, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, que 'a fundamentação das decisões judiciais está dependente de lei (sob reserva de lei)
à qual compete definir o âmbito do dever de fundamentação, podendo garanti-lo com maior ou menor latitude. Todavia, a discricionariedade legislativa nesta matéria não é total, visto que há-de entender-se que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de estado de direito democrático
(artº 2º), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo (...)'.
A solução que se deriva das normas do artigo 653º, nº 2, e nº 5, do Código de Processo Civil, com a concreta interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido - e que é afinal uma interpretação absolutamente literal daquelas normas - não pode ter-se, no quadro global da regulação legislativa da fundamentação da matéria de facto, como contrária à Constituição da República. É que, como a jurisprudência constitucional vem mostrando, aí onde a Constituição deixou na própria estrutura das normas-parâmetro um carácter aberto à intervenção conformadora do legislador, o princípio da proporcionalidade vem alicerçar 'um controlo jurídico-constitucional dessa liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa' [cf. o acórdão nº 467/91, D.R., II Série, de 2-4-1992].
Aquele quadro, pois, inclui, inter alia, o dever de especificação, quanto aos factos provados, 'dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador' e também a marca indelével do princípio da oralidade. O legislador conformou-o, com a liberdade que tem, por modo que a não existência de fundamentação de respostas negativas aos quesitos não é capaz de pôr em causa a funcionalidade própria do instituto da fundamentação.
Esta funcionalidade, na vertente endoprocessual [de controlo da lógica interna do processo] e na vertente extraprocessual [de asseguramento da transparência da decisão que julga a causa], cumpre-a então esse instituto, com uma eficácia suficiente no sentido do mandado constitucional do artigo 208º, nº
1. E cumpre-o sem que as normas em apreço logrem um qualquer efeito inibidor dessa eficácia.
No mesmo sentido, de não contrariedade à Constituição da primeira norma, do artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, decidiu já o Tribunal Constitucional nos acórdãos nº 310/94 [D.R., II Série, de 29-08-1994] e no acórdão nº 153/95 [inédito].
A segunda norma, do artigo 653º, nº 5, do mesmo Código, que aqui vem sendo tratada em conexão com a primeira, pela estreita ligação lógica que tem com ela na interpretação concreta sob controvérsia, é, por isso ainda, objecto do mesmo juízo de não inconstitucionalidade.
É que a reclamação contra a deficiência das respostas aos quesitos
(artigo 653º, nº 5) perde ela mesma suporte lógico-jurídico ali onde, no julgamento da matéria de facto, o legislador dispensou a fundamentação das respostas de 'não provado' (artigo 653º, nº 2).
4. Conclui-se, assim, no sentido da não inconstitucionalidade das normas do artigo 653º, nº 2 e 5, do Código de Processo Civil.
III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1997 Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Diniz Armindo Ribeiro Mendes, vencido nos termos da declaração de voto junta) DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Contrariamente à tese que fez vencimento, entendi que o art. 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, interpretado como excluindo a obrigação de fundamentação das respostas negativas aos quesitos em processo civil, estava afectado de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos arts. 208º, nº1, e 20º, nº 1, da Constituição.
Explanarei com brevidade as razões de tal juízo de inconstitucionalidade.
2. Preliminarmente, chamarei a atenção para a circunstância de que tal entendimento da norma do nº 2 do art. 653º do Código de Processo Civil foi desautorizado pela Reforma de 1995-1996, consubstanciada nos Decretos-Leis nºs. 39/95, de 15 de Fevereiro, e 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado este último pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro.
De facto, na versão do Código de Processo Civil resultante desta Reforma, estatui-se que 'a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir o juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, (na redacção anterior à vigente a partir de 1 de Janeiro de 1997, introduzida pelo Decreto-Lei nº 39/95, já se equiparavam as respostas positivas e negativas para efeitos de fundamentação).
Passou, assim, a ser claro que, quer se trate de respostas afirmativas (provado), quer se trate de respostas negativas (não provado) quanto
à matéria de facto, existe sempre obrigação legal de fundamentação do juízo do julgador.
3. Mesmo no domínio da anterior redacção da lei, a Constituição impunha que não se consagrasse ou excluísse o dever de fundamentar, consoante se tratasse de respostas positivas ou negativas à matéria de facto, devendo em todos os casos haver fundamentação das respostas.
De um ponto de vista lógico, não se poderá sustentar que a resposta negativa seja ex natura insusceptível de fundamentação.
Na verdade, se todos os quesitos recebessem, em certo processo, resposta negativa do tribunal, não obstante ter sido produzida prova testemunhal e documental, a transparência da actividade judicial só seria assegurada se as partes pudessem saber por que motivo a prova produzida não serviu para dar como provadas certas afirmações de facto feitas por alguma ou ambas as partes.
Como escreveu Miguel Teixeira de Sousa:
' Doutrinariamente, o único sistema compatível com a liberdade de convicção do julgador é a persuasão racional, sistema em que a existência de fundamentação assegura o controlo da racionalidade da decisão. Como racionalidade, pressupõe dedução lógica de uma conclusão das premissas fornecidas, a não indicação destas invalida por si a própria racionalidade do juízo. Aliás, sistematicamente, não se compreende que o direito positivo, concretizando uma exigência - actualmente
- constitucional (art. 210º, nº 1 CRP), exija o dever de fundamentação para as simples decisões do tribunal (cfr. art. 158º) [...] e descure - inconstitucionalmente? - um efectivo dever de motivação para as respostas aos quesitos. Acresce que o dever de fundamentação em nada contende com a admissão da oralidade como forma de produção de prova, pois a realização oral da prova não é impedimento do registo da prova produzida [...]. E assim, precisamente porque a actividade probatória se desenvolve directamente perante o tribunal e dela, em princípio, nada fica registado [o texto é anterior ao Decreto-Lei nº
39/95, de 15 de Fevereiro], a motivação exige algo mais do que a simples indicação do meio concreto de prova relevante para a decisão do tribunal. Apenas na situação inversa, isto é, quando a prova é documental ou está registada, o dever de motivação pode ter a sua expressão mais fraca pela mera remissão para o meio concreto da prova'. (A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, in Scientia Ivridica, XXXIII, 1984, pág. 145; faz-se referência ao texto constitucional decorrente da primeira revisão constitucional).
4. Sendo seguro que, de um ponto de vista lógico, não se podiam distinguir os factos positivos ou negativos, para efeitos de prova, nem, por outro lado, o juízo de provado e de não provado para efeitos de fundamentação, haverá de reconduzir-se a razões de ordem histórica a diferença de tratamento que parecia resultar da leitura do nº 2 do art. 653º do Código de Processo Civil de 1961.
De facto e como resulta dos trabalhos preparatórios deste Código, nem o relator da Comissão, nem a própria Comissão aceitaram o dever de fundamentação da decisão de facto, omitindo qualquer regra na matéria (cfr. Observações Ministeriais ao Anteprojecto do Código de Processo Civil, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 123, págs. 113-115), na medida em que era conhecida a 'dificuldade prática que em muitos casos os magistrados experimentariam para fundamentar especificamente a sua decisão' e tinha curso corrente o regulamento deduzido da 'inutilidade da motivação, uma vez que à Relação está praticamente interdita a censura da decisão do Colectivo'. Mas o Ministro Antunes Varela impôs a inclusão do dever de fundamentação por considerar ser certo 'que o sistema de deixar o julgador livremente entregue ao desenrolar desse jogo irracional que a produção das provas vai criando no seu espírito e de lhe permitir a expressão do seu resultado através duma formulação ditatorial, autoritária, categórica, desprovida de qualquer justificação racional' teria graves inconvenientes e de vária ordem. Daí que fosse consagrada a exigência de motivação, embora restringida aos factos quesitados que obtivessem respostas de provado que parte do tribunal, a qual se considerou ter, 'pelo contrário, a vantagem de obrigar directamente o julgador a seguir com toda a atenção a marcha de instrução do processo, a tomar as suas notas sobre cada um dos procedimentos instrutórios instaurados, a recapitular e a conferir mentalmente os resultados, porventura desencontrados muitas vezes, das provas que em juízo se produziram'.
5. Quando a Constituição consagrou, a partir da primeira revisão constitucional, o dever de fundamentação das decisões dos tribunais 'nos casos e nos termos previstos na lei' (veja-se hoje o art. 208º, nº 1), seguramente que não quis impor a fundamentação quanto a todas as decisões judiciais, mas, por outro lado, seguramente que não pretendeu que sobrevivessem soluções ditadas por uma preocupação de não afrontar o sentimento tradicional dos magistrados que se havia manifestado durante a preparação do Código de 1961. Como advertem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a discricionariedade do legislador não é hoje total 'visto que há-de entender-se que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2º), ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso'
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, págs.
798-799).
Ora, parece seguro que das finalidades atribuídas ao processo civil nenhuma se encontra que possa basear uma diferença de valor entre a resposta a um quesito como 'provado' ou 'não provado', não podendo vislumbrar-se graus diversos de intensidade das próprias exigências dos juízos probatórios (não existe uma presunção de inocência no processo civil, diferentemente do que sucede no processo penal, que possa justificar a racionalidade de uma diferença de exigência da fundamentação).
Por outro lado, o disposto no art. 712º do Código de Processo Civil, na versão vigente à data da realização do julgamento de facto no processo, admitia já um controlo da matéria de facto na 2ª instância, ainda que limitado.
Por isso, considerei arbitrária e violadora do princípio da proporcionalidade a dispensa da exigência de fundamentação quanto às respostas de não provado.
6. Sem valer a pena, sequer, discutir a bondade da doutrina do Tribunal Constitucional sobre a fundamentação das decisões de factos plasmada no acórdão nº 310/94 (in Diário da República, II Série, nº 199, de 29 de Agosto de 1994) - visto que, entretanto, passou a ser admitida a gravação de prova em processo civil, em ordem à ampliação do recurso em matéria de facto - afigura-se que a tese central desse acórdão não autorizaria a doutrina que a 2ª Secção veio a adptar para negar a inconstitucionalidade da dispensa de fundamentação das respostas de não provado quanto aos pontos requesitados (acórdão nº 153/95, inédito).
Seja como for, concluí no sentido de que a norma aplicada pela decisão recorrida, na interpretação acolhida, violava os arts. 208º, nº 1, e
20º, nº 1, da Constituição. Maria Fernanda Palma, vencida nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Discordo do entendimento perfilhado no Acórdão, pelas razões que sucintamente passo a enumerar:
1ª De um ponto de vista lógico (da lógica do juízo) não se impõe uma distinção entre o juízo de provado e o de não provado; o segundo pode ser reconduzido a um juízo positivo sobre factos, apenas variando o predicado com que é configurado o respectivo sujeito (neste caso será um predicado negativo). Assim afirmar que F (facto) é p (está provado) ou F é não p (não está provado) corresponde a um só processo de demonstração, pelo qual se conclui que um certo facto concreto é assimilável pelo critério legal ou não. Haverá em ambos os casos uma análise comparativa que terminará, na última hipótese, num juízo limitativo, em que um objecto é excluído de uma categoria (cf. sobre o tema Karl Engisch, ÜberNegationen in Recht und Rechtswissenschaft, em Beiträge zur Rechtstheorie, 1984, pp. 243 a 250, analisando diversas espécies de juízos negativos e as suas possibilidades de conversão);
2ª A doutrina sempre reconheceu que os factos negativos deveriam ser objecto de prova no processo civil (cf., nomeadamente, Miguel Teixeira de Sousa, 'A livre apreciação da prova em Processo Civil', Scientia Iuridica, XXXIII, 1984, p. 145), podendo, em certos casos, reconduzir-se um juízo positivo sobre um facto negativo a um juízo negativo (assim, afirmar que se verificou não F é interpretável como a afirmação de que não se verificou F);
3ª Da natureza e finalidades do processo civil não resulta qualquer diferença de valor entre o provado e o não provado, diferentemente do que pode suceder no âmbito do processo penal, em que vigora o princípio in dubio pro reo, como corolário da presunção de inocência e decorrência da estrutura acusatória; na verdade, no processo penal não se deve admitir como fundamento de recurso a 'insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', no caso de decisão absolutória [cf. artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal], porque o juízo de não provado que recaia sobre factos constantes da acusação ou da pronúncia não carece de fundamentação idêntica ao do juízo de provado;
4ª Houve uma evolução da própria jurisprudência no sentido de um acréscimo de exigência de fundamentação no que se refere ao 'provado', não se bastando a fundamentação com a mera indicação dos meios de prova [cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1981 (Proc. nº 68.945), de
3 de Outubro de 1991 (Proc. nº 80.311), de 18 de Novembro de 1992 (Proc. nº
3.457), de 25 de Novembro de 1992 (Proc. nº 82.041) e de 30 de Abril de 1996
(Proc. nº 96A139)];
5ª O artigo 208º, nº 1, da Constituição não pode ser esvaziado de sentido, devendo ser salvaguardado um mínimo essencial que assegure as funções endoprocessual e extraprocessual da fundamentação de decisões - nesse mínimo incluem-se, igualmente, as respostas positivas e negativas, sendo toda a distinção arbitrária.
Em consequência do que se expôs, concluiria pela inconstitucionalidade da norma do artigo 653º, nº 2, do Código do Processo Civil. José Manuel Cardoso da Costa