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Processo nº 716/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 – M..., assistente de imuno-alergologia, requereu no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, previamente à interposição de recurso contencioso de anulação, a suspensão da eficácia do 'despacho do Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, sem menção de qualquer data mas notificado em 22 de Janeiro de 1996, que declarou a caducidade do contrato administrativo celebrado entre a requerente e o Hospital de Santa Maria'.
Para tanto, alegou, no essencial, o seguinte:
* por despacho do Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria foi determinada a caducidade do contrato administrativo de provimento celebrado entre a requerente e aquele hospital, sendo deste despacho, cuja execução é susceptível de causar à requerente prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil
reparação, que vem interposto o presente pedido de suspensão de eficácia;
* pelo exercício das funções que, a partir de 22 de Dezembro de 1987, exerceu no Hospital de Egas Moniz e, desde l de Janeiro de 1989, exerce no Hospital de Santa Maria, em regime de dedicação exclusiva, a requerente aufere uma remuneração mensal média ilíquida de cerca de 270 000$00 e líquida de apenas cerca de 185 OOO$OO, pelo que a imediata execução daquele despacho, ao privar a requerente dos rendimentos referidos, causará prejuízos irreparáveis à economia do seu agregado familiar;
* de facto, para além dos encargos normais decorrentes da subsistência do agregado familiar - os quais estão, na sua maioria, a cargo do seu marido -, a requerente assumiu dívidas cujo cumprimento seria impossibilitado pela execução do presente despacho, pois celebrou um contrato de mútuo, pelo prazo de vinte anos, para efeitos de aquisição de casa própria, no valor de 14.918.223$40, pagando actualmente à respectiva entidade bancária uma prestação mensal de
154.232$00, relativa ao reembolso do capital mutuado e aos correspondentes juros;
* ao ser privada dos rendimentos que obtinha com o exercício das suas funções, a requerente fica impossibilitada de satisfazer os encargos mensais que assumiu e de saldar a dívida que contraiu, com a consequência inevitável de ver extinto o seu direito de propriedade sobre o imóvel que adquiriu ao abrigo daquele empréstimo e que constitui a casa de morada de família da requerente, pelo que o indeferimento do pedido da requerente determina a irreversibilidade e a irreparabilidade dos prejuízos patrimoniais que para a requerente e seu agregado familiar decorrem da imediata execução do despacho em causa;
* acresce, que a imediata execução do despacho recorrido causará prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação à carreira profissional da requerente, impedindo-a de aceder a concursos de ingresso na carreira hospitalar;
* é assim manifesta e inquestionável a verificação do requisito vertido na alínea a) do nº l do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos;
* por outro lado, da suspensão do acto recorrido não resulta qualquer lesão, e muito menos grave, do interesse público, pois, em face dos fundamentos do acto cuja execução se pretende ver suspensa, é manifesto que não se verifica a grave lesão do interesse público que está subjacente à declaração de caducidade do contrato celebrado com a requerente;
* assim, a suspensão requerida não determinará qualquer lesão do interesse público, verificando--se o requisito da alínea b) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, para que a mesma possa ser concedida;
* finalmente, resulta ainda manifesta a verificação do requisito da alínea c) do nº l do mesmo preceito legal, pois a legalidade da interposição do recurso é inquestionável, porquanto a requerente, enquanto destinatária directa do acto requerido, tem legitimidade processual activa, o acto é recorrível, o recurso tempestivo e o tribunal competente.
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2 - Por sentença de 1 de Março de 1996, considerando-se não preenchido o requisito a que se reporta a alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, foi indeferida a requerida suspensão.
Do assim decidido levou a requerente recurso ao Supremo Tribunal Administrativo, fechando as alegações que entretanto juntou com o seguinte quadro de conclusões:
'1ª - A douta sentença recorrida, ao indeferir o pedido de suspensão de eficácia apresentado pela ora recorrente com fundamento na inexistência de prejuízos de difícil reparação, viola, por errada
interpretação e aplicação, o disposto no art. 76º/l/b) da LPTA.
É que,
2ª - A douta sentença recorrida confunde tutela preventiva com tutela reparatória de direitos. Por outro lado,
3ª - Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, os prejuízos para a carreira da recorrente são imputáveis, segundo um nexo de causalidade, ao despacho requerido;
4ª - Verifica-se, igualmente, o requisito negativo vertido na al. b) do nº 1 do art. 76º da LPTA;
5ª - O art. 76º/1 LPTA está ferido de inconstitucionalidade porquanto: a) conflitua desde logo com o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, pois o âmbito de protecção deste estende-se ao acautelamento de todos os prejuízos que o particular venha provavelmente a sofrer com a execução do acto, e não somente àqueles que, resultando directamente dele, sejam de difícil reparação; b) é, por outro lado, redundante, no sentido de que toda a suspensão de eficácia de determinado acto administrativo lesa sempre o interesse público, tal como é configurado por uma administração executiva, como é a nossa, pelo que se constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento desse meio jurisdicional, denegando, assim, o direito à tutela jurisdicional efectiva previsto nos arts. 20º e 268º/4 e 5 da Constituição; c) apela a uma valoração judicial da dificuldade de reparação do prejuízo do particular e da gravidade da lesão do interesse público contrária à ideia material de Direito prosseguido pela Administração, no sentido de que recorta a actividade por esta desenvolvida numa feição contrária aos direitos e interesses dos particulares, violando, pois, o preceituado no art. 266º/1 da Constituição. d) restringe, desproporcionada e desnecessariamente, o direito à tutela jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara violação do art. 18º/2 e 3 da Constituição.'
A recorrente apresentou, entretanto, no Supremo Tribunal Administrativo, requerimento de declaração de ineficácia do despacho do Adjunto do Director Clínico do Hospital de Santa Maria, de 18 de Abril, que indeferiu o pedido de comissão gratuita de serviço por ela formulado, alegando que este despacho, praticado como consequência lógica e jurídica da anterior decisão, consubstancia manifestamente, um acto de execução indevida daquela, na medida em que os seus efeitos se encontram provisoriamente suspensos, sendo, em consequência, um acto ineficaz.
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3 - Por acórdão de 4 de Julho de 1996, o Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo) decidiu:
'a) negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida, que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia por falta de verificação do requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos;
b) indeferir o pedido de declaração de ineficácia do despacho de 18 de Abril de 1996 do Adjunto do Director Clínico do Hospital de Santa Maria, que não autorizou a comissão gratuita de serviço requerida pela recorrente'.
E, relativamente à matéria da suspensão da eficácia, desenvolveu-se. no que aqui importa reter, a fundamentação seguinte:
'Porém, no âmbito do presente recurso jurisdicional não há que tomar posicão, em termos gerais e abstractos, sobre a questão de saber se o regime de suspensão de eficácia de actos administrativos contenciosamente impugnados, tal como está definido na lei e como tem sido interpretado e aplicado pela jurisprudência administrativa, assegura, em todas as situações, a tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente assegurada, mas tão-só de saber se, no caso concreto em análise, se pode considerar que essa tutela é desrespeitada.
Ora, nesta perspectiva, é, desde logo, irrelevante no presente caso - em que, como se viu, ninguém sustenta a ocorrência de grave lesão para o interesse público decorrente da suspensão da eficácia do acto - o argumento, no sentido da inconstitucionalidade do nº l do artigo 76º, que a recorrente fundamenta na (para ela, inconstitucional) exigência da verificação do requisito da alínea b) daquele preceito.
Quanto ao requisito da alínea a), mesmo que se aceite que a tutela jurisdicional efectiva implica a substituição da ideia da irreparabilidade - entendida como insusceptibilidade de avaliação económica - do dano pela ideia de irreversibilidade desse mesmo dano, como preconiza José Carlos Vieira de Andrade
(Direito Administrativo e Fiscal, Coimbra, 1995/96, pág. 119), o certo é que, no caso presente, não ocorre esta irreversibilidade.
O que acontece é que a recorrente, relativamente aos alegados danos patrimoniais decorrentes da cessação do processamento do seu vencimento, não forneceu ao tribunal factos concretos idóneos a fundamentar um juízo seguro sobre a gravidade desses prejuízos e, designadamente, da sua repercussão no teor de vida do seu agregado familiar: a recorrente não refere ser o vencimento em causa a sua única fonte de rendimento, não quantifica os rendimentos auferidos pelo seu marido, apenas referindo ser este quem suporta os encargos normais decorrentes da subsistência do agregado familiar, não quantifica estes encargos, nem especifica as dívidas que, para além da decorrente do mútuo contraído para aquisição de casa própria, diz ter assumido.
Perante esta escassez de factos aduzidos pela requerente da suspensão de eficácia, não era possível ao tribunal a quo aquilatar da efectiva
repercussão da perda do vencimento da requerente (no montante de 185 000$00 líquidos mensais) no seu padrão de vida e, designadamente, na solvência dos compromissos assumidos, pelo que não ficou habilitado - o que só à recorrente pode ser imputado - a qualificar esses danos de irreparáveis ou de irreversíveis.
Quanto aos efeitos da imediata execução do acto na carreira profissional da recorrente, e que, segundo esta (cfr. artigo 23º da petição inicial) , consistiam em lhe ser retirada a possibilidade de exercer o direito que lhe é concedido pelo nº l do artigo 30º-A do Decreto--Lei nº 128/92, de 4 de Julho, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 4/93, de 12 de Fevereiro, importa atender a que, de acordo com esta disposição legal, 'os médicos que iniciaram o internato em l de Janeiro de 1988 ( ... ) podem ser opositores a concursos internos de provimento'. Sendo óbvio que estes concursos internos de provimento terão de ser respeitantes à mesma área profissional da do internato iniciado em l de Janeiro de 1988, e sendo certo que a recorrente não concluiu o internato complementar de ginecologia--obstetrícia, que iniciara naquela data e do qual veio a pedir a exoneração, e que só em l de Janeiro de 1989 iniciou o internato complementar em imuno-alergologia, que viria a concluir em 28 de Julho de 1994,
é patente que a inaplicabilidade do regime do citado artigo 30º-A resulta directamente do facto de a situação da recorrente (que - iniciou o internato complementar na área profissional a que respeitam os concursos de provimento a que poderia ser opositora em l de Janeiro de 1989) não caber na previsão dessa norma (que só abrange os médicos que iniciaram o internato em l de Janeiro de
1988), e não da execução do acto cuja eficácia pretende ver suspensa.
Assim, tal como decidiu a sentença recorrida, não sendo a imediata execução do acto causa adequada do alegado dano, não ocorre o requisito da alínea a) do nº l do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que exige que a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente.
Improcedendo, assim, na sua totalidade, as conclusões da alegação da recorrente, impõe-se o improvimento do recurso e a confirmação da sentença recorrida.'
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4 - Reagindo contra o assim decidido, apresentou a recorrente, em 23 de Junho de 1996, dois requerimentos de interposição de recurso: (a) o primeiro, para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de julgados; (b) o segundo, para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento na inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 76º do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho (LPTA) por violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20º, 268º, nºs 4 e 5 e 18º nºs 2 e
3 da Constituição, conforme alegado pela recorrente na 5ª conclusão das suas alegações de recurso'.
Por despacho de 31 de Julho de 1996, foi admitido o recurso interposto para o Pleno, sendo todavia recusada a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com base na consideração de que, por força do nº
2 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, apenas cabe recurso fundado na alínea b), do nº 1, do mesmo preceito quando não haja lugar a recurso ordinário.
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5 - Contra a parte deste despacho relativa à não admissão do recurso de constitucionalidade, deduziu então a interessada reclamação para o Tribunal Constitucional, sustentando no respectivo requerimento ser manifesta a admissibilidade do recurso.
Por acórdão de 19 de Setembro de 1996, a conferência, à qual os autos foram apresentados em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 688º do Código de Processo Civil, confirmou o despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
E, para tanto, numa primeira linha de apreciação, considerou-se que,'no presente caso, o recurso para o Tribunal Constitucional é inadmissível por força do disposto no nº 2 do artigo 70º, da Lei nº 28/82', por não se mostrar verificada a prévia exaustão dos recursos ordinários apesar de o recurso por oposição de julgados para o Pleno da Secção haver sido interposto e admitido.
Simplesmente, ponderando-se embora que tal conclusão dispensaria a análise pormenorizada dos restantes requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto, aditou-se ainda, naquela peça decisória:
'Sempre se dirá, no entanto, que, não tendo o acórdão recorrido baseado o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia no disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, não fez aplicação da norma desse nº 1 na parte em que a recorrente a reputa inconstitucional por argumentos respeitantes àquelas alíneas b) e c).
Quanto ao segmento respeitante à alínea a) do mesmo nº 1, em que a tese da recorrente consiste em afirmar que o entendimento estritamente economicista da irreparabilidade do prejuízo, que seria seguido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, privilegiando a indemnização por equivalente em detrimento da reparação natural, não assegura a tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrada, e deveria ser substituído pela ideia de irreversibilidade do prejuízo, o que o acórdão recorrido decidiu foi que: 'mesmo que se aceite que a tutela jurisdicional efectiva implica a substituição da ideia de irreparabilidade - entendida como insusceptibilidade de avaliação económica - do dano pela ideia de irreversibilidade desse mesmo dano (...), o certo é que, no caso presente, não ocorre essa irreversibilidade' (fls. 38 do acórdão), pois o que acontece é que, quanto aos danos patrimoniais, a recorrente 'não forneceu ao tribunal factos concretos idóneos a fundamentar o juízo seguro sobre a gravidade desses prejuízos', pelo que o tribunal 'não ficou habilitado - o que só à recorrente pode ser imputado - a qualificar esses danos de irreparáveis ou de irreversíveis' (fls. 38 e 39 do acórdão), e, quanto aos alegados prejuízos na carreira profissional da recorrente, entendeu-se inexistir relação de causalidade adequada entre a imediata execução do acto e esses prejuízos (fls.
39 e 40 do acórdão). Em suma: quanto ao requisito da alínea a), o acórdão recorrido considerou inverificado sem necessidade de adoptar a interpretação desse requisito que a recorrente reputa inconstitucional, mas antes por razões diversas - omissão do ónus de alegação de factos concretos quanto aos prejuízos patrimoniais e inexistência de causalidade adequada quanto aos prejuízos profissionais.
Não tendo o acórdão recorrido feito aplicação da norma do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos na interpretação que a recorrente arguira de inconstitucional, também por este motivo é inadmissível o recurso para o Tribunal Constitucional interposto ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.'
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5 - Os autos foram remetidos a este Tribunal havendo sido continuados com vista ao senhor Procurador-Geral Adjunto que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação.
Para tanto, depois de se dissentir do despacho reclamado na parte em que teve por infringida a norma do artigo 70º, nº 2, da Lei nº 28/82, (princípio da exaustão dos meios ordinários de recurso), com base no entendimento de que nada obstava a que a recorrente pudesse legitimamente optar pela imediata interposição do recurso de constitucionalidade, sem prévia e necessária
'exaustão' do recurso para o Pleno fundado em pretensa e invocada contradição de decisões, aduziu-se uma segunda linha argumentativa conducente ao indeferimento da reclamação.
Assim:
'Sucede, porém, que - como bem se refere no douto acórdão proferido sobre a reclamação - a norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade não foi aplicada com o sentido, pretensamente inconstitucional, apontado pelo reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso, integrado - em consequência de remissão expressa - pelo alegado na
5ª conclusão das suas alegações de recurso perante o STA (fls. 59).
É que - como resulta claramente do acórdão proferido naquele Supremo Tribunal, a fls. 98 e 99, a improcedência do pedido de suspensão de eficácia radicou em duas circunstâncias específicas do caso sub juditio, que nada têm a ver com as interpretações normativas contidas na alegação do recorrente, a fls
59:
- por um lado, a circunstância de a recorrente não ter cumprido o ónus de alegação de
factos suficientes e concludentes, em termos de se poder considerar minimamente fundamentada a existência dos pretendidos danos 'irreversíveis' ou
'irreparáveis' no teor de vida do seu agregado familiar, decorrentes da privação de vencimentos;
- por outro lado, o ter-se considerado inexistir nexo causal entre o alegado dano profissional na carreira da recorrente e a execução do acto cuja eficácia se pretendia ver suspensa.
Não tendo, deste modo, a decisão recorrida aplicado a norma que constitui objecto do recurso de constitucionalidade com o sentido, pretensamente inconstitucional, apontado pela recorrente, falta um essencial pressuposto daquele recurso, pelo que sempre deveria o mesmo ser rejeitado, embora por fundamento diverso do apontado a fls. 114, o que conduzirá à improcedência da presente reclamação.'
Passados os demais vistos de lei, cabe agora apreciar e decidir.
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6 - A suscitação de inconstitucionalidade de uma dada norma legal só faz sentido (e, assim, só é relevante para o efeito de abrir a via do recurso de constitucionalidade), se tal norma ou qualquer sentido interpretativo que lhe seja atribuído vier ou puder ser convocada para o julgamento do caso que emerge do recusro.
Com efeito, só no caso de a norma desaplicada com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade contra ela levantada), ser relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma for aplicável ao julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido na concreta dimensão questionada) é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso. Só em tal caso, é que a decisão proferida por este Tribunal sobre a questão de constitucionalidade é susceptível de se projectar utilmente sobre a decisão da causa julgada pelo tribunal recorrido.
O recurso de constitucionalidade, como tem sido repetidamente acentuado pela jurisprudência constitucional, desempenha assim uma função instrumental, no sentido de só deverem ser conhecidas as questões de constitucionalidade quando o seu julgamento possa influir na decisão a proferir no processo principal.
Vejamos qual o alcance destes princípios aplicados ao caso sub juditio.
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7 - A ora reclamante suscitou, durante o processo, mais concretamente na conclusão 5ª da alegação de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 76º, nº 1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
E, em abono de tal suscitação, aduziu diversas razões justificativas dessa pretensa violação constitucional atinentes aos requisitos constantes das alíneas daquela daquela disposição, requisitos esses de que, conjugadamente, se acha dependente a suspensão de eficácia do acto contenciosamente impugnado ou a impugnar.
Ora, como se extrai do acórdão relativamente ao qual o recurso não admitido se reporta, o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia baseou-se apenas na inverificação do requisito da alínea a) do nº 1 do artigo
76º, não tendo sido ali convocadas as normas da alínea b) - a suspensão de eficácia não determinará grave lesão do interesse público - e da alínea c) - do processo não deverão resultar fortes indícios da ilegalidade da sua interposição
-, normas essas, assim, não aplicadas, naquela decisão.
Mas, a circunstância de ali se haver feito apelo, como seu fundamento normativo, à disposição contida na alínea a) do nº 1 do artigo 76º, não significa, necessariamente, a verificação de inteira identidade entre o sentido interpretativo questionado pela reclamante e o sentido ou segmento de estatuição da mesma norma que suportou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, a ratio essendi do recurso de suspensão de eficácia do acto impugnado resultou da circunstância de, relativamente aos danos patrimoniais alegados como decorrentes da cessação do processamento do vencimento, não ter a recorrente alegado 'factos concretos idóneos a fundamentar um juízo seguro sobre a gravidade desses prejuízos e, designadamente, da sua repercurssão no teor de vida do seu agregado familiar', não ficando assim o tribunal habilitado 'a qualificar esses danos de irreparáveis ou de irreversíveis'.
E, tocantemente aos prejuízos resultantes da imediata execução do acto na carreira profissional da recorrente, também não foi demonstrada a existência de causalidade adequada entre tal execução e a inaplicabilidade do regime que lhe permitirá ser opositora a concursos internos de provimento.
Deste modo, o acórdão contra o qual foi interposto o recurso não admitido, considerando não ser 'a imediata execução do acto causa adequada do alegado dano' teve por inverificado o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo
76º enquanto impõe que a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente.
Diferentemente, a impugnação de inconstitucionalidade oposta pela recorrente àquela mesma norma fundou-se, na sua motivação essencial, no entendimento de que nela não se assegura uma tutela jurisdicional efectiva do dano, a qual implica a substituição da ideia de irreparabilidade, entendida como insusceptibilidade de avaliação económica, pela ideia de irreversibilidade desse mesmo dano, devendo o âmbito de protecção dessa tutela estender-se 'ao acautelamento de todos os prejuízos que o particular venha provavelmente a sofrer com a execução do acto, e não somente àqueles que, resultando directamente dele, sejam de difícil reparação'.
Verifica-se assim, que naquela decisão não se fez aplicação da norma do artigo 76º, nº 1, alínea a) na interpretação normativa invocada pela recorrente aquando da suscitação da questão de constitucionalidade - e integralmente recebida no requerimento de interposição do recurso - inexistindo por isso um dos pressupostos essenciais à admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, ainda que este Tribunal se pronunciasse sobre o objecto do recurso - nos precisos termos postos pela recorrente - sempre careceria tal julgamento de utilidade instrumental, pois que, fosse qual fosse o sentido da decisão sempre esta seria, face ao seu circunscrito objecto, insusceptível de alterar o julgamento da matéria de fundo.
Adquirida que está a inverificação de um pressuposto de admissibilidade do recurso, com o consequente desatendimento da reclamação, não se mostra já necessário apreciar as razões aduzidas no despacho reclamado e no acórdão que o confirmou, relativamente à interpretação da norma do artigo, 70º, nº 2, da Lei nº 28/82 e ao exacto sentido do princípio que ali se contem sobre a exaustão dos meios ordinários do recurso.
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8 - Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Lisboa, 23 de janeiro de 1997 Antero Monteiro Diniz Maria da Assunção esteves Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa