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Proc.Nº 434/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. - A Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, pela Resolução nº 16/97, recusou o visto ao provimento de um dado técnico de saúde pelo que, não se conformando com tal decisão, o Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais dela interpôs recurso para o Tribunal de Contas, pretendendo justificar a não publicitação do concurso em jornal de expansão nacional por entender que tal publicitação não permite concretizar o objectivo de atrair o maior número possível de candidatos, dado que os mesmos, atendendo à sua venda reduzida na Região (só algumas ilhas a eles têm acesso) e ao respectivo preço de venda, só por mero acaso são lidos por um número razoável de potenciais candidatos da Região, os maiores interessados em aceder aos lugares a concurso.
Por Acórdão de 1 de Julho de 1997, o Plenário da 1ª secção do Tribunal de Contas decidiu desaplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, o artigo 1º do Decreto Legislativo Regional (DLR) nº
5/97/A, de 21 de Maio, na parte em que altera o artigo 8º, nº3, do Decreto Legislativo Regional (DLR) nº 3/94/A, de 29 de Janeiro, passando a admitir, em disjuntiva, a publicitação (só) em «órgão de comunicação de expansão regional» e, em consequência, negou provimento ao recurso
É desta decisão que o representante do Exmo. Procurador-Geral da República junto do Tribunal de Contas interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade, para apreciação da norma que a decisão em causa recusou aplicar.
2. - Neste Tribunal apenas o representante do Ministério Público alegou, tendo concluído as alegações pela forma seguinte:
1º - Apenas é de admitir a divulgação ou publicitação de certos factos em órgãos ou instrumentos de âmbito regional ou local quando ocorra uma especial conexão entre o facto a divulgar e o âmbito geográfico de certa comunidade, por aos residentes importar exclusiva ou particularmente tal facto;
2º - Tratando-se de divulgar a realização de concurso externo de ingresso na função pública - a que devem ter acesso, em termos de estrita igualdade, todos os cidadãos nacionais, independentemente do local onde residam
- não é admissível a publicitação apenas em órgão de âmbito regional, com o fundamento de que tal facto interessa particularmente aos residentes.
3º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - Com fundamento em que o concurso externo de ingresso, aberto por aviso publicado no Jornal Oficial da Região, IIª Série, nº
47, de 2/11/95, não foi publicitado em órgão de comunicação social de expansão nacional, em violação do determinado no nº 2 do artigo 13º do Decreto-Lei nº
235/90, de 17 de Julho, na redacção do Decreto-Lei nº 14/95, de 1 de Janeiro, o Tribunal de Contas recusou o visto à nomeação de A. A. para o cargo de técnico de radiologia de 2ª classe do Hospital de Ponta Delgada.
Pedida a reapreciação de tal resolução por se entender que a divulgação do concurso em jornal de expansão regional é a melhor forma de divulgar a oferta pública de emprego na Região, o Plenário da 1ª Secção do Tribunal de Contas veio a confirmar a resolução inicial tomada, mas, para isso, teve de desaplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo
1º do DLR nº 5/97/A, na parte em que alterou o DLR nº 3/94/A, de 29/01.
Vejamos, antes de mais, a norma em causa.
O DLR 3/94/A, que adaptou o Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro (sobre o recrutamento e selecção de pessoal) à Região Autónoma dos Açores, estabelece no nº 3 do artigo 8º que a publicitação deverá fazer-se, sempre que possível, através de órgão de comunicação social de expansão nacional e de folhetos de divulgação, sendo a primeira obrigatória sempre que se trate de concursos externos.
A este preceito foi dada uma nova redacção pelo DLR nº
5/97/A, de 21 de Maio, como segue: 'A publicitação do concurso deverá fazer-se, sempre que possível, através de órgãos de comunicação social de expansão nacional ou regional, obrigatória sempre que se trate de concursos externos, e de folhetos de divulgação'.
Por sua vez, o DLR nº 5/97/A também alterou o artigo 9º do DLR nº 3/94/A, que passou a ter a seguinte redacção: 'O regime previsto no nº
3 do artigo anterior aplica-se aos concursos que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma'.
De acordo com a decisão recorrida é inconstitucional, em concursos externos de ingresso na função pública, que a admissibilidade de publicitação, em disjuntiva, (só) ocorra em órgão de comunicação social de expansão regional.
Será, de facto, assim?
4. - A resposta a tal questão não pode deixar de ser afirmativa.
Com efeito, o nº 2 do artigo 47º da Constituição garante a todos os cidadãos, o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição revista, pág. 265) este direito de acesso à função pública consiste em não ser proibido de aceder à função pública em geral ou a uma determinada função pública em particular, poder candidatar-se aos lugares postos a concurso, desde que preenchidos os requisitos necessários, não ser preterido por outrem em condições inferiores e não haver escolha discricionária por parte da administração.
Sendo o concurso o meio constitucionalmente previsto, como regra para o recrutamento e selecção do pessoal da função pública, torna-se necessário, por exigência da própria igualdade e liberdade de acesso, que todos os que estão em condições de concorrerem o possam, de facto, fazer, a fim de se respeitar a igualdade de oportunidades de todos os candidatos.
Compreende-se, assim, que a publicitação de um concurso externo de ingresso na função pública regional não respeite este princípio de igualdade de oportunidades, se apenas for publicitado em jornal de expansão regional.
De facto, a um tal concurso podem candidatar-se, para além dos residentes nas Regiões também os residentes no Continente. Ora, os jornais regionais são de quase diminuta expansão e distribuição no Continente, pelo que os candidatos residentes fora das Regiões não teriam possibilidade de conhecer a abertura do concurso e de a ele se candidatarem por falta de difusão do meio de comunicação usado na publicitação do concurso.
Este Tribunal, no Acórdão nº 660/94 (in 'Diário da República, 2ª série, de 20 de Fevereiro de 1995), decidu não julgar inconstitucional uma norma constante de Assento do Supremo Tribunal de Justiça que admitia dever ser publicada a resolução do Governo Regional que declarasse a utilidadde pública da expropriação de bens sito na Região em causa no respectivo Jornal Oficial - e não no Diário da República.
Mas, como decorre do que fica dito, esta questão tem contornos diferentes da que está em causa no presente processo
Com efeito, existe aqui uma especial conexão entre o facto a publicitar e o âmbito territorial (como refere o Ministério Público), além de que, uma vez que o Jornal Oficial regional só inclui matérias referentes
à própria Região, torna mais fácil o conhecimento pelo público das matérias que especificamente respeitam a essa Região.
No caso dos autos, trata-se da publicitação de um concurso público externo para ingresso na função pública, mesmo para lugar regional, a que todos os cidadãos nacionais que cumpram os requisitos podem candidatar-se em condições de estrita igualdade, não cumpre as exigências constitucionais de acesso em condições de liberdade e igualdade quando a sua abertura apenas é publicitado num órgão de comunicação social de âmbito regional, pelo que a norma regional que tal permite não pode deixar de violar tal princípio constitucional do artigo 47º, nº 2 da Lei Fundamental.
Conclui-se, assim, que a norma do artigo 1º do Decreto Legislativo Regional nº 5/97/A, de 21 de Maio, na parte em que altera o nº 3 do artigo 8º do Decreto Legislativo Regional nº 3/94/A, de 29 de Janeiro, permitindo que um concurso externo de ingresso possa ser publicitado apenas em
órgão de comunicação social de expansão regional, padece de inconstitucionalidade, por violação do artigo 47º, nº2 da Constituição.
III - DECISÃO:
Nos termos do que fica exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Lisboa, 1998.11.03 Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Artur Mauricio Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida