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Processo n.º 85/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A fls. 91 destes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 64/2012 ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (atual versão da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), com o seguinte teor:
1. A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro), a impugnar o despacho de 3 de novembro de 2011 proferido pelo Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pelo qual lhe foi indeferida a reclamação que formulara contra o acórdão do mesmo tribunal que lhe não admitira o recurso que pretendia interpor do acórdão da Relação, com fundamento no disposto no artigo 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Civil. Pretende impugnar a conformidade constitucional desta última norma, interpretada no sentido de que «não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, na parte em omitem questões colocadas no recurso interposto para a relação».
O recurso foi recebido no tribunal recorrido, importando agora saber se deve prosseguir.
2. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, que constituem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como é o presente –, a existência dum objeto normativo, o esgotamento dos recursos ordinários; a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido; e a aplicação da norma, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida.
No caso em apreço, cumpre fazer notar que a norma resultante do artigo 400º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Civil já foi objeto de análise deste Tribunal que sempre concluiu pela sua não desconformidade constitucional (v.g. Acórdãos 277/10, 308/10, 359/10 e 213/11).
O recorrente formula, todavia, uma norma específica referente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, na parte em omitem questões colocadas no recurso interposto para a relação. Trata-se, todavia, de um formulação incongruente que o despacho recorrido nem sequer aplicou. O que se afirma no despacho é que 'não é fundamento de admissibilidade do recurso a eventual nulidade do acórdão da Relação', o que é bem diverso do referido enunciado.
Isto significa que a norma que o recorrente enuncia como objeto do recurso não foi, efetivamente, aplicada na decisão recorrida, razão pela qual o recurso não pode prosseguir.
3. Decide-se, em suma, não conhecer do objeto do recurso. [...]
2. Notificado, o recorrente reclama para a Conferência, mediante a seguinte alegação:
[...] Nos presentes autos o recorrente interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que fez ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro com as alterações que lhe introduziu a Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro.
Na fundamentação da reclamação a questão da violação dos direitos de defesa, (n.º 1 do art. 32.º da CRP), foi anteriormente suscitada pelo recorrente.
Motivos pelos quais, salvo o devido e muito respeito o ora reclamante não pode concordar a argumentação expendida na aliás douta decisão sumária dado que a mesma carece, “in casu” de fundamento, conforme se alcança, facilmente, da análise da motivação da reclamação.
Assim o recorrente, ora reclamante, cumpriu todos os requisitos de interposição de recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão recorrida, razão pela qual o objeto do recurso deveria ter sido conhecido e não proferida decisão sumária.
Termos em que deve ser atendida a presente reclamação e revogada a decisão sumária proferida a qual deverá ser substituída por outra que ordene os ulteriores termos processuais, mormente o conhecimento do objeto do recurso e o respetivo provimento com que V. Exas farão assim justiça.
Respondeu o representante do Ministério Público neste Tribunal, dizendo o seguinte:
1º – Pela douta Decisão Sumária n.º 64/2012, não se conheceu do objeto do recurso porque a norma que o recorrente enunciara, como objeto do recurso, não fora aplicada na decisão recorrida.
2º – Segundo o requerimento de interposição do recurso o recorrente pretende ver apreciada a seguinte questão de inconstitucionalidade:
“Seja declarada materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, f), do CPP, segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, na parte em que omitem questões colocadas no recurso interposto para a Relação”.
3º – Naturalmente que na decisão recorrida, proferida pelo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não consta, nem dela se extrai, tal entendimento, que, desde logo, passava por aceitar que a Relação tinha omitido questões colocadas pelo recurso, quando essa questão, logicamente que não foi, nem tinha que ser, apreciada.
4º – O que na douta decisão recorrida se diz, é algo de diferente: “que não é fundamento de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a eventual nulidade do acórdão da Relação”.
5º – Na reclamação agora apresentada o recorrente não invoca qualquer argumento que possa abalar o bem fundado da douta Decisão Sumária.
6º – Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.
Sem vistos prévios, cumpre decidir em Conferência.
3. Invoca o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, o seguinte:
'[...] a interpretação dada pela decisão da qual ora se recorre acerca da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, no sentido de que no caso de as Relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso, ainda assim, caso a decisão da 1ª instância seja conformada, tal decisão é irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação, pelo menos, do n.º 1 do artigo 32º da CRP.
Não admitindo o recurso, a reclamação violou as normas constantes dos artigos alínea i) do n.º 1 do artigo 61º, alínea b) 399º, alínea b) do n.º 1 do artigo 401º, 400 n.º 1 f), 432 alínea b), todos do CPP e ainda 32 n.º 1 da CRP.
Nestes termos se requer:
A) Seja declarada materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição, a interpretação do artigo 400º n.º 1 f) do CPP, segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, na parte em omitem questões colocadas no recurso interposto para a relação; [...]'
Na decisão sumária reclamada entendeu-se, essencialmente, que a norma impugnada neste requerimento – retirada da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – não fora aplicada na decisão recorrida. Na verdade, o recorrente pretendia impugnar uma norma segundo a qual 'não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, na parte em omitem questões colocadas no recurso interposto para a relação', quando os autos demonstram, e com total evidência, que o tribunal recorrido não aplicara a já referida alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal com essa interpretação, uma vez que se limitara a afirmar que 'não é fundamento de admissibilidade do recurso a eventual nulidade do acórdão da Relação', o que é bem diverso do referido enunciado.
Ora, esta divergência – que o reclamante não chega, aliás, a contestar na reclamação – é suficiente para fazer concluir que o Tribunal não pode conhecer do objeto do recurso, pois é absolutamente certo que em homenagem ao princípio da instrumentalidade do recurso de fiscalização concreta de normas, o Tribunal não deve conhecer de norma diversa daquela que constitui a ratio decidendi da decisão recorrida. Nada mais haverá que acrescentar para demonstrar a sem razão do reclamante.
4. Indefere-se, por isso, a reclamação, mantendo a decisão sumária que decidiu não conhecer do objeto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.