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Processo n.º 181/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A ora recorrente, A., foi condenada, por sentença do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, a uma pena parcelar de cem dias de multa, no montante global de €500,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples. Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual foi rejeitado por extemporâneo. Ainda inconformada, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso não foi admitido no Tribunal da Relação. Sempre inconformada, reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A reclamação foi indeferida, com o fundamento de que “o recurso não é admissível ao abrigo dos art.ºs 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP”.
2. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal. Não preenchendo o requerimento os requisitos legalmente exigidos, foi a recorrente convidada, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional – (LTC), a aperfeiçoar aquele requerimento de interposição do recurso. Fê-lo do seguinte modo:
“[…], vem dizer que o recurso é apresentado da decisão do senhor Presidente do STJ de 07/07/2011, ao abrigo do artigo 70º – 1 – b) da Lei do Tribunal Constitucional, tendo alegado na minuta da reclamação para o Exmo.º Senhor Conselheiro Presidente do STJ, a inconstitucionalidade da interpretação dada ao art.º 432º/1/a) CPP, invocando as normas dos art.ºs 400/1 e 432/1/b) “a contrario” do, por violação do disposto nop art.º 32/1 CRP. [...]”.
3. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respetivo teor:
“Admitido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, antes de mais, decidir se se pode conhecer do seu objeto, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
3.1. Nos termos do artigo 75.º-A, nº 1, da LTC, a recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar “a norma cuja inconstitucionalidade [...] pretende que o Tribunal aprecie”. Não o tendo feito, deve o juiz convidar o requerente a prestar a indicação em falta – o que, no caso, foi feito no Supremo Tribunal de Justiça. Verifica-se, porém, que, mesmo após a resposta ao referido convite, continua a não ser indicada, em termos que possam ser considerados minimamente inteligíveis, a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie.
Na verdade, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Nesses casos, contudo, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, já no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p.1118.): “Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
Ora, como facilmente se pode constatar, nunca a recorrente identifica, da forma clara e percetível que é exigível, a exata dimensão normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º, “invocando as normas dos art.ºs 400/1 e 432/1/b) «a contrario»”, todos do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, limitando-se a alegar que da aglomeração destes preceitos resulta violado o n.º 1 do artigo 32º da CRP. De facto, se o Tribunal viesse porventura a proferir um juízo de inconstitucionalidade da “interpretação dada ao art.º 432º/1/a) CPP, invocando as normas dos art.ºs 400/1 e 432/1/b) “a contrario” do, por violação do disposto no art.º 32/1 CRP”, o mínimo que se poderia dizer de tal juízo seria que era absolutamente incompreensível para os destinatários da decisão e para os operadores jurídicos em geral.
Tanto basta para que se não possa conhecer do objeto do recurso.
3.2. Acresce, aliás, que, em rigor, tendo a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, os artigos “432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP”, sempre se poderia entender que o preceito questionado pela recorrente – “art.º 432.º/1/a) CPP” - nem sequer foi aplicado, como razão de decidir, pela decisão recorrida, o que, igualmente, conduziria à impossibilidade de conhecimento do recurso.
4. Em face do exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do recurso interposto, por manifesta falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade.”
4. Inconformada, a recorrente reclama para a Conferência, afirmando o seguinte:
“[...] 1 — O Exm°. Relator argumenta que a recorrente não definiu com a suficiente precisão o sentido normativo inconstitucional da norma invocada no requerimento de interposição de recurso.
2 — Trata-se do art.°. 432/1 — a) CPP, quando coordenado, à contrario sensu com os art°s. 400/1 e 432/1 - b) do mesmo diploma legal.
3 — E, no requerimento, disse a recorrente que a interpretação dada a este conjunto normativo pelo despacho do senhor Conselheiro Presidente do STJ infringia o disposto no art.º 32/1 CRP, tal como ficara demonstrado na minuta da reclamação.
4 — Entende a recorrente que remeter para um texto anterior é fazer incorporar no texto presente os argumentos e as razões escritas já, sem necessidade de as repetir e sem necessidade de as repetir, por vénia ao princípio da economia.
5 — Contudo, parece não ser esta a opinião do Exm.°. Juiz Conselheiro Relator que se alonga no non sense do segmento requerido, fazendo tábua rasa da justificação implícita, ou melhor, da justificação para que foi remetido o discurso, por razão de mera imediatez. [...]”
5. Notificado, o Ministério Público sustentou a evidente inverificação de requisitos de admissibilidade do recurso.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
6. A decisão sumária reclamada decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso com base numa dupla fundamentação: não ter a recorrente identificado, nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta ao convite do Relator para que o aperfeiçoasse, da forma clara e percetível que é exigível, a exata dimensão normativa da alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, e, além disso, não ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, aquele preceito. Ora, não colocando a reclamante em causa este segundo fundamento, desde logo improcederia a reclamação.
Mas, ainda que assim não fosse, a solução não seria diversa. Na verdade, com a presente reclamação a reclamante pretende contestar que não tenha definido com suficiente precisão o sentido normativo inconstitucional da norma que pretende ver apreciada. Fá-lo, porém, em termos que não só não abalam a fundamentação e a conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada mas também demonstram que o exacto sentido das exigências relativas à admissibilidade do recurso interposto não terá sido apreendido. Só assim se compreende, aliás, que refira que a exacta dimensão normativa do preceito que pretendia ver apreciada se trata “do art.°. 432/1 — a) CPP, quando coordenado, à contrario sensu com os art°s. 400/1 e 432/1 - b) do mesmo diploma legal”. Ora, manifestamente, como se demonstrou na decisão reclamada, tal fórmula é absolutamente inadequada para colocar uma questão de constitucionalidade quanto a um determinado sentido normativo da norma questionada, já que não permite que este Tribunal se o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido, os outros destinatários e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
E nem se diga que tal sentido poderia resultar da remissão para um texto anterior, já que fazer tal remissão “é fazer incorporar no texto presente os argumentos e as razões escritas já”. É que, além de não ser o caso, a definição do objeto do recurso, necessariamente em termos claros, precisos e concisos, não é compatível com um discurso argumentativo próprio de alegações.
7. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram, porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada, há que concluir que o recurso interposto pela recorrente não pode ser conhecido.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objeto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 9 de maio de 2012.- Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.