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Processo n.º 816/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. R. propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção contra a EDP-ELECTRICIDADE DE PORTUGAL, SA, pedindo o pagamento integral das quantias provenientes do complemento da pensão de reforma, que ela lhe devia nos termos do Estatuto Unificado do Pessoal.
Na contestação, a Ré invocou a nulidade das disposições constantes do Título I do referido Estatuto Unificado do Pessoal, por violação do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de
29 de Dezembro.
O Juiz, por sentença de 29 de Agosto de 1997, recusou aplicação à referida alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do
Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e, bem assim, à alínea e) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro.
2. É desta sentença (de 29 de Agosto de 1997) que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade das normas constantes das mencionadas alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e alínea e) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro.
Neste Tribunal, apenas alegou o Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª. A norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º
519-C1 - bem como a que constava precedentemente do artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 887/76 - é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 56º, nºs 3 e 4, 17º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
2ª. Ainda que assim, porventura, se não entenda - por se considerar que tal norma apenas delimitou negativamente o âmbito 'natural' do direito à negociação colectiva, não revestindo natureza restritiva ou limitativa de tal direito fundamental dos trabalhadores - sempre padeceria de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da confiança, a sua interpretação que se traduzisse em facultar às entidades patronais que se obrigaram, em estipulação acessória introduzida numa convenção colectiva, à realização de certos benefícios complementares de previdência no confronto dos seus trabalhadores, a possibilidade de se desvincularem unilateralmente de tal compromisso, de natureza obrigacional e não conexionado com os efeitos das convenções colectivas de trabalho.
3ª. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. A norma sub iudicio:
4.1. O contrato de trabalho - ou seja, o contrato pelo qual 'uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta' (cf. artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969) - está sujeito, não apenas às 'normas legais de regulamentação do trabalho', como também às convenções colectivas de trabalho (cf. o artigo 12º do mesmo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho).
Existe, assim, no tocante à regulamentação do contrato individual de trabalho, um domínio aberto à negociação colectiva - é dizer à autonomia da vontade.
É, de resto, a Constituição que, no n.º 3 do artigo 56º, prescreve que 'compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei', acrescentando, no n.º 4 do mesmo artigo, que 'a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas'.
Pois bem: o Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, era a lei que continha a regulamentação das relações colectivas de trabalho.
O Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro - cujo artigo 4º, n.º 1, alínea e), aqui está sub iudicio - veio dar nova redacção a vários artigos daquele diploma legal. Entre os preceitos alterados, conta-se, justamente, o artigo 4º, que tratava - e continuou a tratar - dos limites dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Assinalou-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 887/76 que 'o regime contido no Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, apareceu claramente orientado pelo propósito de assegurar o máximo de garantia à livre expressão da vontade negocial dos sujeitos colectivos'. E acrescentou-se que, com as alterações introduzidas, se pretendiam 'criar condições indispensáveis à eficácia e ao equilíbrio dos processos de contratação colectiva' e esclarecer
'melhor o âmbito de aplicação geral do regime geral das relações colectivas de trabalho'.
Assim, o artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, passou a dispor: Artigo 4º (Limites)
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: e). Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.
O Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro (com as alterações introduzidas, num primeiro momento, pelo referido Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, e, mais tarde, também pelo Decreto-Lei n.º 353-G/77, de 29 de Agosto) veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
Neste Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, depois de, no artigo 5º, se indicarem as matérias que as convenções colectivas de trabalho podem regular, elencaram-se, no artigo 6º - cujo nº1, alínea e), aqui está sub iudicio - as que esses instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem versar, ou seja, os limites à negociação colectiva.
Reza assim o referido artigo 6º, n.º 1, alínea e): Artigo 6º.
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: e). Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência.
4.2. Abre-se aqui um parêntesis para dizer que este Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro - maxime, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6º aqui sub iudicio - foi, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro.
No preâmbulo deste último diploma legal, destaca-se nos termos seguintes a alteração introduzida no ordenamento jurídico com a nova redacção da mencionada alínea e): '[...] prevê-se expressamente que as convenções colectivas também podem ser sede própria para os acordos respeitantes ao estabelecimento e disciplina de regimes profissionais complementares de segurança social ou de regimes equivalentes e, até, a sede natural, quando enquadrados em acordos de rendimentos em que se contratualiza a poupança de uma parte desses rendimentos'.
Depois da alteração introduzida por este Decreto-Lei n.º 209/92, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6º Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, ficou assim redigida: Artigo 6º.
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: e). Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.
A partir da publicação do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho passaram, pois, a poder abrir-se a esquemas complementares de segurança social. No entanto, tais esquemas complementares, produto da autonomia colectiva, continuaram, a ser proibidos, se estabelecidos para serem geridos pelos respectivos outorgantes, ou seja, se a responsabilidade pela atribuição das prestações complementares for assumida pela própria empresa empregadora. Esses esquemas complementares de segurança social só podem ser estabelecidos e regulados pelas convenções colectivas de trabalho, se o forem 'ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes' ou quando 'a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras'. Concretizando um pouco mais: esses esquemas complementares de segurança social podem ser objecto de negociação colectiva, mas hão-de ficar sujeitos à legislação que regula os fundos de pensões [Decretos-Lei nºs 323/85, de 6 de Agosto, 396/86, de 25 de Novembro,
216/87, de 29 de Maio, 205/89, de 27 de Junho, e 415/91, de 25 de Outubro (este
último revogou o Decreto-Lei n.º 396/86)] ou à que regulamenta os regimes profissionais complementares de segurança social (Decreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho). É dizer que a responsabilidade pelo pagamento das prestações complementares de segurança social (maxime, das pensões complementares de reforma) há-de ser assumida por entidades vocacionadas - e aptas - para gerir esquemas de seguro.
A disciplina assim introduzida pelo Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, está, de resto, em consonância com o que se dispõe na Lei n.º 28/84, de
14 de Agosto (Lei de bases da segurança social), que - a par do regime estadual de segurança social - passou a admitir 'esquemas complementares das prestações garantidas pelo regime geral', 'instituídos por iniciativa dos interessados'
(cf. artigo 62º, n.º 1) e 'geridos por associações de socorros mútuos, empresas seguradoras ou por outras pessoas colectivas criadas para o efeito' (cf. artigo
64º), maxime, por instituições particulares de solidariedade social (cf. artigo
66º).
Como decorre do que preceitua o artigo 63º da Constituição, a segurança social, constituindo, embora, incumbência do Estado, pode ser prosseguida, sob a forma de prestações complementares, por instituições privadas. Ou seja: o sistema estadual de segurança social tem que socorrer os cidadãos nas várias situações de desprotecção e necessidade em que possam encontrar-se (doença, velhice, invalidez, viuvez, orfandade, etc.), acudindo-lhe com as necessárias prestações. Os cidadãos podem, porém, contratar prestações complementares com sistemas privados de segurança social.
De facto, ao Estado cumpre 'organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social' - sistema que deve ser universal (isto é, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional); integral
(isto é, deve protegê-los em todas as 'situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho', como sucede nos casos de doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade); unificado, orgânica e funcionalmente, em termos de abranger todo o tipo de prestações capazes de socorrer o cidadão nas várias situações de desprotecção; descentralizado - e, portanto, autónomo em relação à administração central directa; e participado, pois que deve contar com a colaboração das associações sindicais, das outras organizações representativas dos trabalhadores e, bem assim, das associações representativas dos demais beneficiários. Mas, ao lado do sistema estadual de segurança social, cujas características se deixam apontadas, podem existir outros sistemas, complementares dele. As instituições particulares de solidariedade social (associações, fundações, mútuas) - cujo Estatuto consta do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (alterado pelo Decreto-Lei n.º
402/85, de 11 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 29/96, de 19 de Fevereiro) e ainda do Decreto-Lei n.º 519-G2/79, de 29 de Dezembro - e outras instituições de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo podem também prosseguir objectivos de segurança social (cf. o citado artigo 63º, n.º 5).
4.3. Do teor da sentença recorrida, resulta, porém, que aqui não está em causa a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º
209/92, de 2 de Outubro. Sub iudicio está apenas a norma que constava, inicialmente, da alínea e) do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de
28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, e que, posteriormente, passou a constar da versão originária da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro. Só esta foi, na verdade, desaplicada.
Assim sendo, o que aqui se questiona é se a norma - que constava, primeiro, do artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro (redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro), e, posteriormente, do artigo 6º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na versão originária (segundo a qual os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência) - é ou não inconstitucional.
Para decidir tal questão de constitucionalidade, haverá que ter em conta que, no caso sub iudicio, a pensão complementar de reforma tem que ser paga pela entidade empregadora (a EDP), e não por qualquer das entidades referidas na mencionada alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º
209/92, de 2 de Outubro; que o Estatuto Unificado do Pessoal da EDP foi desencadeado pelo despacho publicado no Diário da República; II série, de 4 de Abril de 1979, e aprovado pelo despacho n.º 103/79, de 26 de Dezembro, não publicado; e que o recorrido é reformado da EDP, desde 1 de Fevereiro de 1985.
É o que vai ver-se, passando à análise da questão de constitucionalidade.
5. A norma sub iudicio e o direito à negociação colectiva e a reserva parlamentar:
Este Tribunal já apreciou, em Plenário, a constitucionalidade da norma sub iudicio à luz do direito à negociação colectiva e da reserva parlamentar, tendo concluído que ela não viola aquele direito, mas que afronta a alínea c) do artigo 167º - conjugado com os artigos 58º, nº 3, e 17º - da Constituição da República Portuguesa, versão originária [cf. acórdão nº 517/98, de que se acha junta cópia aos autos].
É a jurisprudência firmada neste aresto que há que aplicar no presente caso.
6. A norma sub iudicio e o princípio da confiança:
Antes, porém, convém analisar uma outra questão, suscitada nestes autos pelo Ministério Público. Trata-se de saber se a norma sub iudicio viola o princípio da confiança.
6.1. O Ministério Público sustenta que a norma aqui sub iudicio viola o princípio da confiança, quando interpretada em termos de 'facultar às entidades patronais que se obrigaram, em estipulação acessória introduzida numa convenção colectiva, à realização de certos benefícios complementares de previdência no confronto dos seus trabalhadores, a possibilidade de se desvincularem unilateralmente de tal compromisso, de natureza obrigacional e não conexionado com os efeitos das convenções colectivas de trabalho'.
É que - diz o Ministério Público - pelas cláusulas do Estatuto Unificado do Pessoal da Electricidade de Portugal, que concederam aos trabalhadores complementos de reforma, ficou a empresa obrigada a pagar esses complementos. Por isso, a interpretação dos normativos aqui sub iudicio que importe a nulidade de tais cláusulas - permitindo, consequentemente, a unilateral desvinculação das entidades patronais das obrigações livremente assumidas para com os trabalhadores - traduz clara violação do princípio da protecção da confiança, lesando de forma desproporcionada e injustificada as legítimas expectativas dos trabalhadores de que os compromissos assumidos seriam efectivamente respeitados'.
6.2. Não tem, porém, razão o Ministério Público: a norma inicialmente constante do artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º
164-A/76, de 28 de Fevereiro (redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro) e, posteriormente, do artigo 6º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (versão originária), não viola o princípio da confiança.
De facto, o princípio da confiança só é violado, quando a lei afecta, de forma 'inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa' direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito. A este impõe-se, na verdade, que organize a 'protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida' (cf. o acórdão n.º 330/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 17º, páginas 277 e seguintes). Por isso, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República (cf., entre outros, os acórdãos nºs 11/83 e 287/90, publicados nos Acórdãos citados, volumes 1º, páginas 11 e seguintes, e 17º, páginas 159 e seguintes; e o acórdão n.º 486/96, publicado no Diário da República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
Ora, no caso, a norma sub iudicio não afecta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa quaisquer direitos ou expectativas legitimamente fundadas do recorrido.
Na verdade, o compromisso assumido pela EDP de pagar aos seus trabalhadores complementos de reforma, datando de Dezembro de 1979, é posterior
à edição do artigo 4º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro - e foi este normativo que, pela vez primeira, veio estabelecer que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência [O artigo 6º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na versão originária, mais não fez do que reproduzir a doutrina do citado artigo 4º. n.º 1, alínea e)]. Acresce que, no caso, o recorrido só passou a poder receber um complemento de reforma, no momento em que se aposentou, ou seja, em 1 de Fevereiro de 1985.
Dando de barato que o direito ao complemento de reforma, a que se refere o Estatuto Unificado do Pessoal da EDP, é um direito obtido em negociação colectiva, cuja validade podia ser afectada pela proibição constante da norma sub iudicio, e não uma mera regalia concedida pela empresa empregadora - o que é tudo menos evidente -, a verdade é que a assunção pela EDP do compromisso de pagar os complementos de reforma aos seus trabalhadores é posterior à edição daquela norma. Mas, sendo assim, é óbvio que esta não veio afectar direitos ou expectativas legitimamente fundadas desses mesmos trabalhadores. De resto, como existem sólidas razões para excluir da contratação colectiva as prestações complementares de segurança social (de facto, atento o elevado esforço financeiro que o pagamento dessas pensões exige, os trabalhadores só têm verdadeira garantia de que o mesmo lhes será feito, quando ele fica a cargo de entidades com aptidão, designadamente financeira, para gerir esquemas de seguro; ao que acresce que a assunção de um tal encargo, por parte do empregador, pode afectar grandemente os seus activos financeiros, pondo em risco a sua subsistência e os direitos dos credores), se houvesse afectação das expectativas dos trabalhadores de receberem os complementos de reforma, nunca ela seria
'inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa' - e só esta é susceptível de violar aquele mínimo de certeza e de segurança que os cidadãos devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.
6.3. Concluindo este ponto: a norma sub iudicio não viola, pois, o princípio da confiança, ínsito na princípio do Estado de Direito.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se: a). não julgar inconstitucional a norma constante da versão originária da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, com fundamento em violação do princípio da confiança; b).fazendo aplicação da jurisprudência fundada no acórdão nº 517/98, julgar inconstitucional a mesma norma, com fundamento em violação da alínea c) do artigo 167º - conjugado com os artigos 58º, nº 3, e 17º - da Constituição da República Portuguesa (versão originária); c) consequentemenmte, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, embora por fundamentos diferentes. Lisboa, 4 de Novembro de 1998 Messias Bento José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Luis Nunes de Almeida